O fim da enxada
De todos os males que arrimaram às praias lusas, (e não foram poucos), o desaparecimento da enxada foi o mais funesto. Assumiu proporções de autêntica catástrofe. Superior a todas as outras e, talvez, nunca venha a ser superada, apesar dos tecnológicos paninhos quentes e das reformas curriculares de choque. Nem a peste negra, nem o domínio filipino, nem as ameaças de Napoleão, nem o terramoto, nem a beatlemania, nem as telenovelas brasileiras tiveram tanto impacto na pacata e inócua sociedade portuguesa, como a passagem do trabalho duro, de sol a sol, nas agruras do campo, para o bem-bom lazer sem nada que fazer. Se os nossos avoengos não tinham tempo para se coçar, porque vergados na canseira da lavoura, os nossos contemporâneos tem-no demais para aparvalhar noite e dia, ao desafio, para ver quem chega mais longe na arte de bem perder tempo.
O país do Figo e do pastel de nata, com vitórias confirmadas dentro e fora do relvado. Desconhecedor da palavra derrota, – ganhámos Aljubarrota e empatámos a Guerra Colonial –, nos dias de hoje tem de recorrer ao lambisqueiro expediente da compensação moral para insuflar a auto-estima e o amor-próprio com o respirável oxigénio do “nalguma coisa somos bons”. Reconhecer aptidões e aplaudir competências de portugueses de sucesso é positivo, se não se perdesse a perspectiva e a noção da decência. Aparecer tanta gente a dar cartas no mundo e universo, deveria fazer desconfiar da fartura e olhar para outro sítio que não o umbigo. E, há muito que ver nestes tempos de perpétuo sufrágio eleitoral.
Actualmente, as eleições são o barómetro do nível civilizacional de um povo, como antanho o era lavar-se com sabonete em vez de sabão macaco, ou usar chapéu em vez de boina, ou ter uma latrina em vez do bispote debaixo da cama. Escolher políticos em Portugal tornou-se numa espécie de ida à ervanária na procura do milagroso chá. Tal como Madonna, no pavilhão Atlântico, sai da bola espelhada para o reconhecimento dos seus pares e público em geral, o candidato providencial desce das alturas envolto em bandeiras nacionais para a sacralidade, para que lhe beijem as mãos e bebam a prédica. Alimentar esperanças e levantar fasquias, iluminar caminhos e apontar futuros brilhantes. Um mostruário de desejos de fazer esgotar o génio da lâmpada mágica, que prova que não vamos a lado algum, excepto ao endémico subdesenvolvimento, por carência de discernimento racional.
A estranha maneira de ser português explica este perscrutar o horizonte pelo nevoento D. Sebastião, este acreditar nas elites lambuzadas com MBA nas universidades estrangeiras, este esperar que os outros nos salvem do incógnito destino. No fundo esta forma de ser nada tem de estranho. A estranheza é uma invenção fadistória para ser ouvida em casas de pasto com mesas forradas a linóleo aos quadrados. Em essência, Portugal é um país rural, onde as pessoas acreditam em misteriosos ciclos da natureza, povoados de seres poderosos capazes de controlar os fenómenos, e não nas suas capacidades como homo sapiens, e por isso se sujeitam à autoridade do macho alfa para orientação e protecção da ameaçadora realidade circundante. A cultura urbana portuguesa baseia-se na sociedade das três assoalhadas e no rancho folclórico. O citadino e o rural. O modernaço e a tradição trazida da aldeia juntaram-se naquilo que hoje conhecemos como cidades pululantes de alegada actividade intelectual. Nunca se agradeceu ao J. Pimenta pelo tanto que fez pela estética e bem-estar do povo nos modernos aglomerados populacionais onde podemos dar largas ao que realmente somos. Uns campónios ofuscados pelas luzes da propaganda que nos pinta como empreiteiros de grandes feitos históricos passados em tempos imemoriais. Mas que aos olhos estrangeiros são conhecidos unicamente pelo comércio de escravos. Ninguém se lembra das especiarias da Índia.
Libertar a mão do trabalho sem encher o cérebro de substancial matéria-prima para pensar foi perigoso, deixou tempo infinito para patornear à tripa-forra. Por isso, encontramos um povo intelectualmente polidor de esquinas, esbanjador de energias no trivial, atraído pelo colorido como as gralhas, interessado nas minudências do mundo. Solidário com as dores de parto da princesa Letizia do outro lado da fronteira. Pranteador das mortes mais importantes. Dado a mimetismos. Os treinadores de futebol ficaram parecidos com Mourinho, na fisionomia facial e no discurso canalha. A transformação camaleónica no prócer é um símbolo de subdesenvolvimento – tal como no Gana imitam Kofi Annan e no Egipto, ElBaradei.
Em matéria de bom-gosto substituiu-se o “pé de gesso” pelo “pé de alcatrão”, ou seja, calçar meia preta com sapatilha é moda sublime. No entanto, não só o povo desnorteou porque não sabe mais, os eruditos também porque sabem menos. Os economistas propõem um país de economia de mão-de-obra barata que aposta no pitoresco e no turismo, sem perceber que vestir fatos tradicionais e rumar ao campo de golfe é o exemplo máximo do sem futuro. Os juízes reivindicam que a magistratura é uma profissão igualzinha às outras, e não aquilo que sempre foi, isto é, um estatuto social. Os académicos, na generalidade, acreditam em mitos modernos como a eternidade da juventude mental, a comida saudável, a redução dos acidentes rodoviários sem fabricar apenas carros topo de gama, a credibilidade do líder da oposição e as eleições democráticas no Iraque, na Palestina ou no Afeganistão. Neste lusitano chão foi um erro acabar com a enxada porque o asnear substituiu o cavar.
De todos os males que arrimaram às praias lusas, (e não foram poucos), o desaparecimento da enxada foi o mais funesto. Assumiu proporções de autêntica catástrofe. Superior a todas as outras e, talvez, nunca venha a ser superada, apesar dos tecnológicos paninhos quentes e das reformas curriculares de choque. Nem a peste negra, nem o domínio filipino, nem as ameaças de Napoleão, nem o terramoto, nem a beatlemania, nem as telenovelas brasileiras tiveram tanto impacto na pacata e inócua sociedade portuguesa, como a passagem do trabalho duro, de sol a sol, nas agruras do campo, para o bem-bom lazer sem nada que fazer. Se os nossos avoengos não tinham tempo para se coçar, porque vergados na canseira da lavoura, os nossos contemporâneos tem-no demais para aparvalhar noite e dia, ao desafio, para ver quem chega mais longe na arte de bem perder tempo.
O país do Figo e do pastel de nata, com vitórias confirmadas dentro e fora do relvado. Desconhecedor da palavra derrota, – ganhámos Aljubarrota e empatámos a Guerra Colonial –, nos dias de hoje tem de recorrer ao lambisqueiro expediente da compensação moral para insuflar a auto-estima e o amor-próprio com o respirável oxigénio do “nalguma coisa somos bons”. Reconhecer aptidões e aplaudir competências de portugueses de sucesso é positivo, se não se perdesse a perspectiva e a noção da decência. Aparecer tanta gente a dar cartas no mundo e universo, deveria fazer desconfiar da fartura e olhar para outro sítio que não o umbigo. E, há muito que ver nestes tempos de perpétuo sufrágio eleitoral.
Actualmente, as eleições são o barómetro do nível civilizacional de um povo, como antanho o era lavar-se com sabonete em vez de sabão macaco, ou usar chapéu em vez de boina, ou ter uma latrina em vez do bispote debaixo da cama. Escolher políticos em Portugal tornou-se numa espécie de ida à ervanária na procura do milagroso chá. Tal como Madonna, no pavilhão Atlântico, sai da bola espelhada para o reconhecimento dos seus pares e público em geral, o candidato providencial desce das alturas envolto em bandeiras nacionais para a sacralidade, para que lhe beijem as mãos e bebam a prédica. Alimentar esperanças e levantar fasquias, iluminar caminhos e apontar futuros brilhantes. Um mostruário de desejos de fazer esgotar o génio da lâmpada mágica, que prova que não vamos a lado algum, excepto ao endémico subdesenvolvimento, por carência de discernimento racional.
A estranha maneira de ser português explica este perscrutar o horizonte pelo nevoento D. Sebastião, este acreditar nas elites lambuzadas com MBA nas universidades estrangeiras, este esperar que os outros nos salvem do incógnito destino. No fundo esta forma de ser nada tem de estranho. A estranheza é uma invenção fadistória para ser ouvida em casas de pasto com mesas forradas a linóleo aos quadrados. Em essência, Portugal é um país rural, onde as pessoas acreditam em misteriosos ciclos da natureza, povoados de seres poderosos capazes de controlar os fenómenos, e não nas suas capacidades como homo sapiens, e por isso se sujeitam à autoridade do macho alfa para orientação e protecção da ameaçadora realidade circundante. A cultura urbana portuguesa baseia-se na sociedade das três assoalhadas e no rancho folclórico. O citadino e o rural. O modernaço e a tradição trazida da aldeia juntaram-se naquilo que hoje conhecemos como cidades pululantes de alegada actividade intelectual. Nunca se agradeceu ao J. Pimenta pelo tanto que fez pela estética e bem-estar do povo nos modernos aglomerados populacionais onde podemos dar largas ao que realmente somos. Uns campónios ofuscados pelas luzes da propaganda que nos pinta como empreiteiros de grandes feitos históricos passados em tempos imemoriais. Mas que aos olhos estrangeiros são conhecidos unicamente pelo comércio de escravos. Ninguém se lembra das especiarias da Índia.
Libertar a mão do trabalho sem encher o cérebro de substancial matéria-prima para pensar foi perigoso, deixou tempo infinito para patornear à tripa-forra. Por isso, encontramos um povo intelectualmente polidor de esquinas, esbanjador de energias no trivial, atraído pelo colorido como as gralhas, interessado nas minudências do mundo. Solidário com as dores de parto da princesa Letizia do outro lado da fronteira. Pranteador das mortes mais importantes. Dado a mimetismos. Os treinadores de futebol ficaram parecidos com Mourinho, na fisionomia facial e no discurso canalha. A transformação camaleónica no prócer é um símbolo de subdesenvolvimento – tal como no Gana imitam Kofi Annan e no Egipto, ElBaradei.
Em matéria de bom-gosto substituiu-se o “pé de gesso” pelo “pé de alcatrão”, ou seja, calçar meia preta com sapatilha é moda sublime. No entanto, não só o povo desnorteou porque não sabe mais, os eruditos também porque sabem menos. Os economistas propõem um país de economia de mão-de-obra barata que aposta no pitoresco e no turismo, sem perceber que vestir fatos tradicionais e rumar ao campo de golfe é o exemplo máximo do sem futuro. Os juízes reivindicam que a magistratura é uma profissão igualzinha às outras, e não aquilo que sempre foi, isto é, um estatuto social. Os académicos, na generalidade, acreditam em mitos modernos como a eternidade da juventude mental, a comida saudável, a redução dos acidentes rodoviários sem fabricar apenas carros topo de gama, a credibilidade do líder da oposição e as eleições democráticas no Iraque, na Palestina ou no Afeganistão. Neste lusitano chão foi um erro acabar com a enxada porque o asnear substituiu o cavar.
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