Justiça zarolha
A ziguezaguear Portugal dá passos de gigante para a excelência. Somos bons não há hipótese. E, alguém deveria informar a RTP de que não precisa debelar os dinheiros públicos para desencantar portugueses de sucesso por terras ignotas para nos levantar a auto-estima. (Antigamente, um aparelho ideológico de Estado como a TV era um instrumento essencial para a classe dominante perpetuar o seu poder, hoje, é apenas mais um fardo na ilharga do contribuinte). Os tempos mudaram. Os lusitanos do verso decassílabo voltaram. Só que desta vez não precisamos do rei de Melinde para ouvir a nossa gesta. Nem de Vasco da Gama para a contar. Os neo-nautas dispensaram as caravelas e chegam ao sítio para onde vão remando na inteligência. Os novatos marujos têm-na em tão grande abundância que se arriscam a insistentes assédios para irem estudar e trabalhar nos Estados Unidos. E, é difícil dar um pontapé numa pedra sem que brote um exemplo de que atingimos outra “idade de ouro”.
Existe uma área onde jogamos com um baralho completamente novo e damos cartas. Onde todos os dias nos rimos das barbas do gigante Adamastor, avançamos com a nau capitânia, dobramos Cabos das Tormentas, e damos ao mundo novo carregamento de especiarias, sob a forma de enfunadas ideias para rever e aprimorar sistemas judiciais. Longe vão os tempos que trabalhar num tribunal era mais uma comenda que uma estafa. Antanho tirava-se a magistratura para levar uma vidinha em velocidade de cruzeiro. Numa sociedade desde sempre governada por licenciados em Direito era justo. Se eles não tratassem dos seus, quem trataria? Recentemente, o ruído dos processos mediáticos apanhou-os desprevenidos. A inexistência de um Relações Públicas nos tribunais para decifrar, perante câmaras e microfones, o quase divino ritual do procedimento judicial, deixou o telespectador com a ideia errada de que aquilo era mais uma instância da papelocracia. Que por ali andavam uns calaceiros a deixar para amanhã o que podes fazer hoje. E, entrementes, iam despachando para a cadeia quem lhes aparecia pela frente como se o seu ordenado disso dependesse. (Como costumam dizer: mais vale prender um inocente que deixar escapar um criminoso)
Se os juízes fizessem como os empresários, que não dispensam o PR na fabricazita, beneficiariam a sua imagem e poderiam passar por heróis aos olhos do povo. O Public Relations só tem que inventar uma mentirola plausível para fazer circular nos meios de comunicação, depois a tinta corre por si. Aquando do aumento do IVA assistimos a uma espirituosa fabricação do engenhoso pessoal das Relações Públicas como ciência académica. Escarrapacharam nos jornais e noticiários, “as grandes superfícies absorvem o aumento do IVA”, como se fosse uma notícia séria. Os jornalistas pegaram na deixa e garantiam a pés justos que não haveria aumentos de preços. Mas alguém, no seu perfeito juízo, pensa que seriam destacadas legiões de empregados para alterar um ou dois cêntimos nas etiquetas? O procedimento correcto é outro. Espera-se que esgote o stock e, no próximo, aumenta-se dois ou três euros. Isto chama-se iniciativa empresarial aplicando a contenção dos custos na mão-de-obra.
Felizmente na Justiça surgiu uma luz no início do túnel. Pela sua novidade, não é bem uma luz, é mais uma candeia que vai à frente e alumia duas vezes. O memorável caso da Presidente de Câmara que passou uma temporada no Brasil em substituição da prisão preventiva fará jurisprudência nacional e internacional. (Somos pioneiros neste caminho aéreo para as terras de Vera Cruz, via Espanha, estreado pelo saudoso padre Frederico, que não mais voltou). Mas agora estamos na presença de um substituto aos oito meses (ou três anos) de prisão preventiva em Tires ou no Estabelecimento Prisional de Lisboa (conforme o sexo do criminoso). O próximo passo a dar é óbvio. Se não queremos ser acusados de ter boas ideias mas ser frouxos na sua concretização. É preciso criar as condições para que todos os portugueses caçados a praticar ilícitos criminais, em alternativa à prisão preventiva, lhes seja dada a possibilidade de irem para o Brasil (uns vouchers da agência Abreu distribuídos pelo juiz do Tribunal de Instrução Criminal chegariam). E, no regresso à Pátria, concorrer a um cargo público para obter imunidade, enquanto não chega a data do julgamento. Trocava-se o risco de apanhar uma doença esquisita numa cadeia portuguesa, por um menos perigoso bronzeado em Copacabana. E com a vantagem de facilitar a montagem do circo mediático do costume. O preso preventivo poderia chegar ao aeroporto, cavalgando uma brasileiríssima “zanga-burrinha”, circundado por jornalistas a captar declarações.
A prisão preventiva em Portugal ultrapassa qualquer país da América Latina. Tomara estarmos ao nível da Venezuela que mandou o piloto do Citation X para um apartamento. Que mesmo assim reclamava para os jornalistas desconhecendo a sorte que tinha. Em Portugal seria metido numa cela de 4x3 metros juntamente com mais vinte e tal facínoras. À noite teria que ir buscar um colchão e duas mantas com pulgas para dormir no chão. Não seria fornecida uma lâmina de barba, nem um pedaço de sabão azul, para não falar na escova de dentes e pasta dentífrica, e, pela certa, com a complexidade do caso, ficava três anos sem julgamento.
Com o caso Felgueiras a justiça parece bem encaminhada apesar de ainda ouvirmos alguns disparates. O último posto a circular é deveras hilariante. Pedir a inversão do ónus da prova para combater o crime fiscal e o enriquecimento ilícito, é uma baboseira de quem nunca entrou num tribunal com olhos de ver. (Basta verificar o lugar sobranceiro na sala de audiências do representante do Ministério público para se perceber que não há igualdade de forças entre acusação e defesa). Em Portugal, o acusado entra no tribunal condenado a priori e tem que provar a sua inocência. O que não é nada fácil, porque não possui os meios do MP, ou então é rico, e talvez tenha sorte. Em Portugal, o trabalho do acusador esgota-se na redacção da acusação, na sala de audiências é mais uma figura decorativa. Nem precisa falar. Quem interroga as testemunhas é o pretensamente neutro juiz. Por regra o que está escrito na acusação prevalece como provado. Por isso, não lembra ao diabo aparecer na praça pública inteligentes legisladores a pedirem a inversão do ónus da prova. É, no fundo, o mesmo que pedir para chover no molhado. Um sinal de que a justiça portuguesa não é cega mas zarolha. Toda a gente sabe que o problema da impunidade dos ricos face à lei reside precisamente no dinheiro que têm.
A ziguezaguear Portugal dá passos de gigante para a excelência. Somos bons não há hipótese. E, alguém deveria informar a RTP de que não precisa debelar os dinheiros públicos para desencantar portugueses de sucesso por terras ignotas para nos levantar a auto-estima. (Antigamente, um aparelho ideológico de Estado como a TV era um instrumento essencial para a classe dominante perpetuar o seu poder, hoje, é apenas mais um fardo na ilharga do contribuinte). Os tempos mudaram. Os lusitanos do verso decassílabo voltaram. Só que desta vez não precisamos do rei de Melinde para ouvir a nossa gesta. Nem de Vasco da Gama para a contar. Os neo-nautas dispensaram as caravelas e chegam ao sítio para onde vão remando na inteligência. Os novatos marujos têm-na em tão grande abundância que se arriscam a insistentes assédios para irem estudar e trabalhar nos Estados Unidos. E, é difícil dar um pontapé numa pedra sem que brote um exemplo de que atingimos outra “idade de ouro”.
Existe uma área onde jogamos com um baralho completamente novo e damos cartas. Onde todos os dias nos rimos das barbas do gigante Adamastor, avançamos com a nau capitânia, dobramos Cabos das Tormentas, e damos ao mundo novo carregamento de especiarias, sob a forma de enfunadas ideias para rever e aprimorar sistemas judiciais. Longe vão os tempos que trabalhar num tribunal era mais uma comenda que uma estafa. Antanho tirava-se a magistratura para levar uma vidinha em velocidade de cruzeiro. Numa sociedade desde sempre governada por licenciados em Direito era justo. Se eles não tratassem dos seus, quem trataria? Recentemente, o ruído dos processos mediáticos apanhou-os desprevenidos. A inexistência de um Relações Públicas nos tribunais para decifrar, perante câmaras e microfones, o quase divino ritual do procedimento judicial, deixou o telespectador com a ideia errada de que aquilo era mais uma instância da papelocracia. Que por ali andavam uns calaceiros a deixar para amanhã o que podes fazer hoje. E, entrementes, iam despachando para a cadeia quem lhes aparecia pela frente como se o seu ordenado disso dependesse. (Como costumam dizer: mais vale prender um inocente que deixar escapar um criminoso)
Se os juízes fizessem como os empresários, que não dispensam o PR na fabricazita, beneficiariam a sua imagem e poderiam passar por heróis aos olhos do povo. O Public Relations só tem que inventar uma mentirola plausível para fazer circular nos meios de comunicação, depois a tinta corre por si. Aquando do aumento do IVA assistimos a uma espirituosa fabricação do engenhoso pessoal das Relações Públicas como ciência académica. Escarrapacharam nos jornais e noticiários, “as grandes superfícies absorvem o aumento do IVA”, como se fosse uma notícia séria. Os jornalistas pegaram na deixa e garantiam a pés justos que não haveria aumentos de preços. Mas alguém, no seu perfeito juízo, pensa que seriam destacadas legiões de empregados para alterar um ou dois cêntimos nas etiquetas? O procedimento correcto é outro. Espera-se que esgote o stock e, no próximo, aumenta-se dois ou três euros. Isto chama-se iniciativa empresarial aplicando a contenção dos custos na mão-de-obra.
Felizmente na Justiça surgiu uma luz no início do túnel. Pela sua novidade, não é bem uma luz, é mais uma candeia que vai à frente e alumia duas vezes. O memorável caso da Presidente de Câmara que passou uma temporada no Brasil em substituição da prisão preventiva fará jurisprudência nacional e internacional. (Somos pioneiros neste caminho aéreo para as terras de Vera Cruz, via Espanha, estreado pelo saudoso padre Frederico, que não mais voltou). Mas agora estamos na presença de um substituto aos oito meses (ou três anos) de prisão preventiva em Tires ou no Estabelecimento Prisional de Lisboa (conforme o sexo do criminoso). O próximo passo a dar é óbvio. Se não queremos ser acusados de ter boas ideias mas ser frouxos na sua concretização. É preciso criar as condições para que todos os portugueses caçados a praticar ilícitos criminais, em alternativa à prisão preventiva, lhes seja dada a possibilidade de irem para o Brasil (uns vouchers da agência Abreu distribuídos pelo juiz do Tribunal de Instrução Criminal chegariam). E, no regresso à Pátria, concorrer a um cargo público para obter imunidade, enquanto não chega a data do julgamento. Trocava-se o risco de apanhar uma doença esquisita numa cadeia portuguesa, por um menos perigoso bronzeado em Copacabana. E com a vantagem de facilitar a montagem do circo mediático do costume. O preso preventivo poderia chegar ao aeroporto, cavalgando uma brasileiríssima “zanga-burrinha”, circundado por jornalistas a captar declarações.
A prisão preventiva em Portugal ultrapassa qualquer país da América Latina. Tomara estarmos ao nível da Venezuela que mandou o piloto do Citation X para um apartamento. Que mesmo assim reclamava para os jornalistas desconhecendo a sorte que tinha. Em Portugal seria metido numa cela de 4x3 metros juntamente com mais vinte e tal facínoras. À noite teria que ir buscar um colchão e duas mantas com pulgas para dormir no chão. Não seria fornecida uma lâmina de barba, nem um pedaço de sabão azul, para não falar na escova de dentes e pasta dentífrica, e, pela certa, com a complexidade do caso, ficava três anos sem julgamento.
Com o caso Felgueiras a justiça parece bem encaminhada apesar de ainda ouvirmos alguns disparates. O último posto a circular é deveras hilariante. Pedir a inversão do ónus da prova para combater o crime fiscal e o enriquecimento ilícito, é uma baboseira de quem nunca entrou num tribunal com olhos de ver. (Basta verificar o lugar sobranceiro na sala de audiências do representante do Ministério público para se perceber que não há igualdade de forças entre acusação e defesa). Em Portugal, o acusado entra no tribunal condenado a priori e tem que provar a sua inocência. O que não é nada fácil, porque não possui os meios do MP, ou então é rico, e talvez tenha sorte. Em Portugal, o trabalho do acusador esgota-se na redacção da acusação, na sala de audiências é mais uma figura decorativa. Nem precisa falar. Quem interroga as testemunhas é o pretensamente neutro juiz. Por regra o que está escrito na acusação prevalece como provado. Por isso, não lembra ao diabo aparecer na praça pública inteligentes legisladores a pedirem a inversão do ónus da prova. É, no fundo, o mesmo que pedir para chover no molhado. Um sinal de que a justiça portuguesa não é cega mas zarolha. Toda a gente sabe que o problema da impunidade dos ricos face à lei reside precisamente no dinheiro que têm.
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