Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quarta-feira, outubro 11, 2006

Proverbial sabedoria

Importar provérbios de culturas diferentes da nossa conduz a mal-entendidos e à alienação da nossa percepção do que nos rodeia. (Ficamos parvos, diz-se em bom vernáculo). O caso mais flagrante veio da China com a importação de “uma imagem vale mais que mil palavras” para o nosso quotidiano. De facto, o aforismo parece assentar-lhe como uma luva, pois em todos os lares e bares ocidentais se fala de imagem para aqui, imagem para acolá. Esta parlenda nada significa na nossa cultura alicerçada na filosofia clássica grega e no judaico-cristianismo. Por mais sentido estético – (do grego, “o que aparece aos sentidos”) – que a civilização grega cultivasse para elevação da alma, a sua interpretação e relação com o mundo fazia-se através do Logos (a “razão” entendida como raciocínio em actividade). Quanto ao cristianismo, – uma excreção do judaísmo, – basta uma rápida leitura da Bíblia para vermos que no início era o Verbo e não a Imagem. Na nossa tradição cultural uma imagem não vale mil palavras. Estas valem por si e são explanatórias das imagens. Veja-se a televisão. As imagens nada significam sem o texto adicional. Tal como as embalagens de sumos ou iogurtes. Sem a legenda, o consumidor, dificilmente, identificará o sabor.

Os americanos bem compreenderam isso na guerra do Vietname e para a invasão do Iraque vieram melhor preparados. Em vez de excluir os jornalistas, deixá-los ao deus dará a captar imagens e a escrever o que lhes desse na telha, optaram por discipliná-los. Não cometeram o erro de escolher apenas entre os que fazem o coro da administração Wbush, mas alargaram o leque até aos que, satisfeitos pelo furo jornalístico, eram sensíveis ao apelo do profissionalismo e da deontologia, feito pelos especialistas em mind control dos serviços secretos. Eis que surgem os jornalistas “embeded”. Profissionais do audiovisual incorporados nas colunas militares encarregados de captar as diversas encenações que foram feitas no caminho para Bagdad. O resultado foi espectacular. Esta guerra ficou na História como a guerra que mais se mostrou e que menos se viu. Com cenas significativas como o resgate da soldado Jessica Lynch filmado naquele belo efeito gláucico nocturno. Ou, o bombardeamento (por um engano dos americanos) de uma coluna no norte em que o jornalista, possuído pela febre de mostrar, não desliga a câmara, o sangue pinga para a lente, a imagem treme com o pânico geral, resultando numa verídica reportagem filmada no estilo Blair Witch Project.

Mas o funcionamento em carrossel das ideias – nascem num ponto e dão a volta pelas cabecinhas tontas do mundo, que até parece que o desadornado trolha e o granítico intelectual falam a uma só voz – chama a atenção para a nossa verdadeira sabedoria proverbial. É conhecido o adágio popular: “o que come o rato, come o gato”. O que, transposto para o blablabla mundano, equivale a dizer: “o líder alfa sentencia e o político menor repete”. Nos dias de hoje temos três alfas na manada mundial: Wbush, o Papa (seja ele qual for) e Tony Blair, (não que Blair tenha alguma originalidade, é uma fotocópia rasca de Wbush, mas os intelectuais europeus andam doidos como as galinhas para encontrar a figura freudiana do pai no seu quintal). Estes oráculos falam e o mundo repete num barulho ensurdecedor variantes do seu palavreado convulso. E a capacidade de discernimento e interpretação dos factos foram dar uma volta ao bilhar grande.

Quando partiram para a invasão do Afeganistão, os americanos tiveram em linha de conta a sabedoria contida noutro adágio: “ao chefe e ao capitão não se deve apanhar de calças na mão”. Tomaram as suas precauções e criaram um smoke screen com a base de Guantanamo. Arrebanharam uns tipos pelas ruas de Cabul, vestiram-nos com macacões laranja-avermelhado, e montaram um circo para inglês ver. E resultou. Toda a fauna dos direitos humanos – organizações, juristas, pessoas humanitárias, jornalistas – andou entretida com um osso oco, deixando as mãos livres aos americanos para actuarem como sempre o fizeram, ou seja, à margem da lei. Os autênticos militantes da al Qai’da estão a ser torturados noutro lugar, longe dos olhares indiscretos, e das patranhas dos direitos humanos. Os verdadeiros atropelos fazem-se nas prisões dos países elevados a democráticos por decreto do Pentágono, como o Egipto, o Paquistão, a Albânia, e na base de Diego Garcia ou nos porta-aviões americanos. Guantanamo serve apenas para desviar a atenção, é um engodo que os media engoliram e, como “galo capado galinha de lado”, nem se dão ao trabalho de investigar para além da imagem fornecida pelos especialistas da administração Wbush. Aos jornalistas e comentadores actuais falta-lhes a sapiência de “quem desconfia de tudo, adivinha metade” e preferem acreditar em tudo para fazer a vontade aos patrões da comunicação social que militam nos partidos que dividem entre si o poder, (e por isso não podem fazer muitas ondas, porque “homem fraco não parte pote” se quiser comer com os mandantes do mundo).

Nas costas portuguesas tem arrimado do melhor material alguma vez produzido no mundo que agora exportamos com o sucesso garantido. Talvez por “quando em terra anda gaivota, é o mar que a enxota”, ou porque oitocentos anos de cruzamentos genéticos estão, finalmente, a dar frutos, o certo é que ver o arteiro Durão Barroso, na China, a mandar postas de pescada ao Comité Central do Partido Comunista, encheu-nos de envaidecimento. Se Mao Tsé-Tung fosse vivo, tirava-lhe os cueiros, aplicava-lhe uns bons açoites no alvo rabioche de bebé e diria em maoística máxima: “melão só vai com vinho tostão”.

Como sempre o povo formado na comunicação social tem uma saída. Seguindo a sabedoria das mulheres da mítica série de TV “Dallas” pode comprar um guarda-roupa novo, porque “calça branca em Janeiro é sinal de pouco dinheiro” e é uma cor indicada para futuros empregados de mesa.