“Os Gordiços”
Três coisas caracterizam um país subdesenvolvido: a paixão pelo futebol, um prémio Nobel da literatura e uma carga religiosa excessiva. Portugal tem finalmente, no seu percurso histórico, estes atributos que o colocam, sem equívocos, num lugar entre as nações. Já não somos o terreiro dos mata-mouros, o quintal dos ingleses, o porto de passagem da riqueza, o ponto de fuga da nobreza para o Brasil, a chacota da Europa, o quarto de dormir do Dr. Salazar, o tolo irmão que faz revoluções com cravos, os construtores de auto-estradas pagas pelos amigos europeus, os da recessão airada que lavra a retoma com as unhas dos pés. Agora, simplesmente, somos subdesenvolvidos e tudo devemos fazer para conservar esta oportunidade histórica única. Na religião temos os esforçados padres, com o olho para o dinheiro que se lhes reconhece, a prometerem com encontros e congressos em Fátima alimentar a crendice até ao dia do juízo final. O prémio Nobel obedece às marés políticas mas depois de outorgado não é retirado. Resta ao povo acarinhar e regar o futebol como a sua gerbera pessoal.
O futebol é a nossa Pátria! Esqueçamos esses delírios bagaceiros pessoanos da língua como Pátria. Os que nos une é o futebol. Desde o jovem glabro à intonsa velhota todos irmanam pelo esférico. Quem não verteu uma lágrima de comoção perante os cartazes, produto espontâneo de um grupo de amigalhaços montijenses, espalhados na antiga Aldeia Galega: “Montijo com a seleção / Ricardo no coração”? Faltou dois “esses” na palavra “coração”. Não se pode ter tudo. Regozijemo-nos com o que temos. Para o próximo torneio, de certeza, este grupo de confrades, após mais uma das suas regadas almoçaradas, fará melhor.
Outras razões se levantam para protegermos o futebol. Será ele que moldará a futura sociedade portuguesa. Depois da Casa Real ter parado a emissão de títulos nobiliários, através do futebol, os portugueses podem voltar a ter reis e príncipes. Dentro das quatro linhas mágicas forma-se uma nova realeza, pindérica em nobreza e não em riqueza, que restaurou o fausto das velhas cortes com roupas haute couture e acessórios look-chic forrados de diamantes. E deram-nos a melhor parte do jogo: a conferência de imprensa. Lugar mítico que transformou as tertúlias nos cafés em reuniões de jarretas do galão e da torrada mastigada com banalidades literárias. Quem nunca assistiu ao descarregar de opiniões depois de um renhido jogo perde o maior acontecimento cultural do país. O futebol tem um efeito mais comezinho, mas de vital importância, quando os resultados educativos revelam as fracas capacidades intelectuais do povo. Através dele podem criar-se génios com 90, ou menos, de QI.
E as alegrias que nos proporciona são impagáveis. Nós somos católicos de gema, e ver o Ronaldinho madeirense mostrar a dentadura nova para o Altíssimo, sempre que agradece uma dádiva ou pede protecção para cumprir decisiva tarefa, é uma imagem emocionante que ficará cauterizada nos nossos corações valentes. Assim se compreende os sacrifícios dos portugueses pelos heróis de Marienfeld (agora na senda para o Euro2008). Participar de borla em anúncios de Bancos ou empresas de gasolina mostra onde pode ir a devoção. Claro que para um observador exterior esta atitude parece de idiotas comidos pelos criativos da publicidade e marketing, pois os nossos craques para entrarem em anúncios publicitários cobram exorbitâncias. Mas não é! É uma retribuição justa por tudo o que recebemos.
O dinheiro faz milagres. Quanto maior o pote, maior o milagre. Muito dinheiro põe as pessoas agarradas à bandeira de outro país a trautear o hino, prodígio que nem as mais arrasadoras derrotas militares ou exemplares colonizações faziam. Mas também o carcanhol em excesso forneceu critérios objectivos para as mulheres, ou homens que não temem mostrar os seus sentimentos, definirem o sex-appeal de um homem. Para as nossas avós classificarem um homem como interessante era uma carga de trabalhos. Tinham de invocar memórias aprendidas nas novelas românticas ou gostos passados de mãe para filha e acabavam casadas com um emproado bigodaças de monóculo. Hoje basta olhar a conta bancária e o bonito aparece aos órgãos dos sentidos. O proveito material do futebol quantificou, logo objectivou, tornou científica, uma avaliação subjectiva, colocando o conceito de sexy no firmamento das verdades matemáticas. E possibilita que velhas e novas em uníssono se babem por homens que de outra forma não ligariam.
Apesar do escarcéu nas ruas ninguém se lembrou de dar um nome aos nossos craques. Ver os telejornais repetirem “craques” até à exaustão foi muito feio porque se confunde com “traques”. E seria tão fácil encontrar um nome adequado. Nos idos anos sessenta Eusébio & companhia chegaram com 30 contos e o chapéu do polícia inglês. Chamaram-lhes “os magriços”. Os nossos heróis desceram do Boeing, com jactos de água amarela e vermelha regado, com um prémio de 50 mil euros e sacos de griffe para as namoradas. Deviam chamar-lhes “os gordiços”.
Por tudo damos graças a Scolarão e Madaílão. Em sinal de gratidão todos devíamos exigir aumentos dos nossos impostos para que os heróis da Alemanha não paguem. E não ficar por aí. Pedir mais. Muito mais. Queremos mais impostos para isentar os clubes. Queremos mais impostos para construir estádios. Queremos mais impostos para pagarmos as dívidas do totonegócio. Menos ais. Menos ais. Menos ais. E mais impostos. Queremos mais. Não é justo que um Banco pague o ordenado do Scolarão. Como patriotas esse encargo deveria ser nosso.
Três coisas caracterizam um país subdesenvolvido: a paixão pelo futebol, um prémio Nobel da literatura e uma carga religiosa excessiva. Portugal tem finalmente, no seu percurso histórico, estes atributos que o colocam, sem equívocos, num lugar entre as nações. Já não somos o terreiro dos mata-mouros, o quintal dos ingleses, o porto de passagem da riqueza, o ponto de fuga da nobreza para o Brasil, a chacota da Europa, o quarto de dormir do Dr. Salazar, o tolo irmão que faz revoluções com cravos, os construtores de auto-estradas pagas pelos amigos europeus, os da recessão airada que lavra a retoma com as unhas dos pés. Agora, simplesmente, somos subdesenvolvidos e tudo devemos fazer para conservar esta oportunidade histórica única. Na religião temos os esforçados padres, com o olho para o dinheiro que se lhes reconhece, a prometerem com encontros e congressos em Fátima alimentar a crendice até ao dia do juízo final. O prémio Nobel obedece às marés políticas mas depois de outorgado não é retirado. Resta ao povo acarinhar e regar o futebol como a sua gerbera pessoal.
O futebol é a nossa Pátria! Esqueçamos esses delírios bagaceiros pessoanos da língua como Pátria. Os que nos une é o futebol. Desde o jovem glabro à intonsa velhota todos irmanam pelo esférico. Quem não verteu uma lágrima de comoção perante os cartazes, produto espontâneo de um grupo de amigalhaços montijenses, espalhados na antiga Aldeia Galega: “Montijo com a seleção / Ricardo no coração”? Faltou dois “esses” na palavra “coração”. Não se pode ter tudo. Regozijemo-nos com o que temos. Para o próximo torneio, de certeza, este grupo de confrades, após mais uma das suas regadas almoçaradas, fará melhor.
Outras razões se levantam para protegermos o futebol. Será ele que moldará a futura sociedade portuguesa. Depois da Casa Real ter parado a emissão de títulos nobiliários, através do futebol, os portugueses podem voltar a ter reis e príncipes. Dentro das quatro linhas mágicas forma-se uma nova realeza, pindérica em nobreza e não em riqueza, que restaurou o fausto das velhas cortes com roupas haute couture e acessórios look-chic forrados de diamantes. E deram-nos a melhor parte do jogo: a conferência de imprensa. Lugar mítico que transformou as tertúlias nos cafés em reuniões de jarretas do galão e da torrada mastigada com banalidades literárias. Quem nunca assistiu ao descarregar de opiniões depois de um renhido jogo perde o maior acontecimento cultural do país. O futebol tem um efeito mais comezinho, mas de vital importância, quando os resultados educativos revelam as fracas capacidades intelectuais do povo. Através dele podem criar-se génios com 90, ou menos, de QI.
E as alegrias que nos proporciona são impagáveis. Nós somos católicos de gema, e ver o Ronaldinho madeirense mostrar a dentadura nova para o Altíssimo, sempre que agradece uma dádiva ou pede protecção para cumprir decisiva tarefa, é uma imagem emocionante que ficará cauterizada nos nossos corações valentes. Assim se compreende os sacrifícios dos portugueses pelos heróis de Marienfeld (agora na senda para o Euro2008). Participar de borla em anúncios de Bancos ou empresas de gasolina mostra onde pode ir a devoção. Claro que para um observador exterior esta atitude parece de idiotas comidos pelos criativos da publicidade e marketing, pois os nossos craques para entrarem em anúncios publicitários cobram exorbitâncias. Mas não é! É uma retribuição justa por tudo o que recebemos.
O dinheiro faz milagres. Quanto maior o pote, maior o milagre. Muito dinheiro põe as pessoas agarradas à bandeira de outro país a trautear o hino, prodígio que nem as mais arrasadoras derrotas militares ou exemplares colonizações faziam. Mas também o carcanhol em excesso forneceu critérios objectivos para as mulheres, ou homens que não temem mostrar os seus sentimentos, definirem o sex-appeal de um homem. Para as nossas avós classificarem um homem como interessante era uma carga de trabalhos. Tinham de invocar memórias aprendidas nas novelas românticas ou gostos passados de mãe para filha e acabavam casadas com um emproado bigodaças de monóculo. Hoje basta olhar a conta bancária e o bonito aparece aos órgãos dos sentidos. O proveito material do futebol quantificou, logo objectivou, tornou científica, uma avaliação subjectiva, colocando o conceito de sexy no firmamento das verdades matemáticas. E possibilita que velhas e novas em uníssono se babem por homens que de outra forma não ligariam.
Apesar do escarcéu nas ruas ninguém se lembrou de dar um nome aos nossos craques. Ver os telejornais repetirem “craques” até à exaustão foi muito feio porque se confunde com “traques”. E seria tão fácil encontrar um nome adequado. Nos idos anos sessenta Eusébio & companhia chegaram com 30 contos e o chapéu do polícia inglês. Chamaram-lhes “os magriços”. Os nossos heróis desceram do Boeing, com jactos de água amarela e vermelha regado, com um prémio de 50 mil euros e sacos de griffe para as namoradas. Deviam chamar-lhes “os gordiços”.
Por tudo damos graças a Scolarão e Madaílão. Em sinal de gratidão todos devíamos exigir aumentos dos nossos impostos para que os heróis da Alemanha não paguem. E não ficar por aí. Pedir mais. Muito mais. Queremos mais impostos para isentar os clubes. Queremos mais impostos para construir estádios. Queremos mais impostos para pagarmos as dívidas do totonegócio. Menos ais. Menos ais. Menos ais. E mais impostos. Queremos mais. Não é justo que um Banco pague o ordenado do Scolarão. Como patriotas esse encargo deveria ser nosso.
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