Os espirituosos das leis
A privatização do Estado foi a melhor ideia que surgiu nos últimos tempos. (Bem… se calhar rivaliza com outras igualmente boas como entregar pizzas ao domicílio, o preservativo com sabor a morango, as faixas bónus nos discos, os júris dos concursos da TV ou as calças de cintura rebaixada). Na Rússia, vender bens públicos ao desbarato, após a queda do regime comunista, durante o “vodkiano” consulado de Yeltsyn, fez milionários podres de rublos para gáudio dos incondicionais da iniciativa privada. Na verdade, o acelerado crescimento demográfico pôs pressão sobre a Economia, e sobre os seus corvos políticos, para criar ocupações para estas alminhas todas que engrossam as estatísticas do povoamento mundial. Quando os “meios escassos” para a persecução dos “objectivos múltiplos” dos seres humanos são cada vez mais escassos obriga a puxar pela imaginação. Lá isso obriga. (Segundo L. Robbins, Economia, seria a Ciência que “investiga o comportamento humano como fruto de uma relação entre objectivos múltiplos e meios escassos, os quais têm diferentes possibilidades de aplicação”). Quando os recursos não chegam para todos, o melhor é beneficiar os mais aptos (os amigos) e rezar para que eles distribuam a riqueza de forma razoável pelos desafortunados (os outros) – como pretendia David Ricardo que o liberalismo económico funcionasse. Pelo que podemos ver, de uma maneira ou de outra, o carcanhol tem circulado para os bolsos dos degraus inferiores da subideira social suavizando o darwinismo social. Eis duas formas: Bill Gates farta-se de dar benemeritamente guita para curar doenças nos subdesenvolvidos, e “alguém” (o contrário de “ninguém” do garrettiano “Frei Luís de Sousa”) pagou 10 mil euros pela encomenda de uma sova ao presidente da Concelhia do Partido Socialista de Gondomar, Ricardo Bexiga.
Não espanta que o Estado, nesta dieta de emagrecimento, produza ideias, decisões, avulsa legislação, que noutras situações deixaria as pessoas com a pulga atrás da orelha. Determinadas propostas são tão peregrinas que provocariam incontroláveis ataques de riso. Esta de “acabar” com o pagamento dos contadores é muito boa. Tão boa como a vozinha do guarda-redes do Sporting ou os anúncios Super Bock sem álcool com o Bruno Nogueira. As pessoas vacinadas pela experiência conhecem uma verdade indesmentível: os impostos nunca terminam apenas mudam de nome. (A taxa do contador não sendo tecnicamente um “imposto” funciona como tal. É um rendimento fixo para quem de direito). Se esta proposta ganhar pernas para andar, em vez de “contadores” chamar-lhe-ão “leitores” para rimar, ou nem sequer isso como fez a muito à frente EDP. Esta empresa do nosso orgulho pátrio não lhe chama “contador”, que sugere um malfeito mamarracho introduzido em período de estética fascista na casa das pessoas, mas “potência contratada”, que, como é bom de ver, cheira a Baía dos Porcos, cheira a liberdade, cheira a livre escolha, cheira a modelos despidas por Yves Saint-Laurent, cheira a tudo menos a Lisboa, cheira a avançada Ciência Económica anglo-americana. Talvez estes “objectos inteligentes identificados” surjam para fazer esputar os jornalistas que se atiram a eles como os fãs do Emanuel às raparigas. No futuro, a sabedoria popular interiorizará esta movimentação na alta gestão empresarial no seguinte adágio: “fecha-se uma torneira, abre-se um poço”. Porque, de uma coisa podemos ter a certeza, a solução encontrada para resolver o problema da quebra de receitas será mais cara que a pretérita taxa do contador.
Viver num capitalismo saudável é a nossa grande vantagem sobre os tenebrosos tempos das histórias de Charles Dickens ou John Steinbeck. Um bom termómetro para medir o grau de saúde capitalista é o número desempregados. Quanto mais tipos florejarem na praça da jorna para serem contratados pelos empreendedores, (mão-de-obra escrava para acelerar a economia espanhola também conta como aprimorada iniciativa privada), mais perto estamos da casa de açúcar de Hans e Gretel. Desemprego? Que terrível drama social, dirão lacrimejando “crocodilamente”, os bons corações da direita à esquerda. Mas a vida real é outra. Aqui vai um exemplo. A cadeia de modernaços trapinhos Zara ameaça despedir dez mil empregados, lê-se pela manhã nos pasquins diários. No dia anterior, a Forbes, a folha de couve americana que dá a conhecer ao mundo o ranking dos ricalhaços, complementa e justifica esta boa nova com outra melhor. Amancio Ortega, precisamente o patrão da Zara, subiu para o número oito na lista, com uma fortuna avaliada em 24 biliões de dólares. Por isso, devemos acarinhar o fecho das urgências que levará a iniciativa privada para o interior do país parindo (no sentido poético. Sem dor) muitos milionários. Este cenário é sustentável porque a maioria da população está velhota, logo abarrotada de achaques, cliente ideal para os cuidados médicos. E, como estão reformados, e enricados com o Complemento Solidário para Idosos, não lhes falta dinheiro para pagar a conta.
Finalmente um concurso televisivo para todos. “A Bela e o Mestre” permite a participação de 100% da população portuguesa. Homens bonitos e inteligentes e mulheres inteligentes e bonitas. Sejamos realistas para isso existe a reality TV. Para nos mostrar a vida como ela é. Depois de vermos no ecrã não há forma de negá-lo. Somos um país de belas e mestres. Quem nos tomava por pançudos em camisola interior de alças, ou quartudas superlativas na pilosidade, pode engolir em seco. Agora uma Sara Aleixo não fica nada a dever à beleza de Lady Pousse Pousse (dançarina do Crazy Horse). E a inteligência do caçador Miguel Sousa Tavares equipara-se à de Bernard-Henri Lévy (dançarino de frufrus). Não só a nossa aparência e cachimónia se aproximaram da Europa, também nas importantes questões de cidadania avançamos com um singelo concurso de TV. O país que deu mundos ao Mundo, (e o Cristianão Ronaldão ao Manchester), atingiu o ponto de rebuçado na igualdade de oportunidades para todos. Qualquer moçoilo ou moçoila do país superficial (antes dito profundo) não precisa das medidas certas ou dos looks perfeitos para vencer na vida. É caso para dizer que esta realidade cantada por Bob Dylan pertence ao passado:
“Mama is in the factory
She ain’t got no shoes
Daddy is in the alley
He is looking for food
I’m in the kitchen
With the tombstone blues”
(Numa tradução adaptada à nossa realidade socio-económica: “a velhota está no bulimento/ela não tem calcantes/o velhote está no beco/ele procura morfes/eu estou na cozinha/com a maleita do barracal”). Eu sei que citar Bob Dylan vai contra a nossa religiosidade. Bento XVI no seu último livreco, “John Paul II: my beloved predecessor”, afirma que foi contra a participação do baladeiro americano num concerto para a juventude realizado em Bolonha, em 1997, e organizado sob os auspícios de João Paulo II. O então cardeal Joseph Ratzinger acusava Dylan de ser um profeta errado. Uma má influência para a juventude. Um profeta sem o pedigree de João, filho de Zacarias, chamado Baptista. Assim, porque devemos beber as palavras do Papa, e para não perseguirmos carros como os Snow Patrol ou o Pluto neste novo tempo de abundância, o melhor é dançar kuduro com os Buraka Som Sistema.
A privatização do Estado foi a melhor ideia que surgiu nos últimos tempos. (Bem… se calhar rivaliza com outras igualmente boas como entregar pizzas ao domicílio, o preservativo com sabor a morango, as faixas bónus nos discos, os júris dos concursos da TV ou as calças de cintura rebaixada). Na Rússia, vender bens públicos ao desbarato, após a queda do regime comunista, durante o “vodkiano” consulado de Yeltsyn, fez milionários podres de rublos para gáudio dos incondicionais da iniciativa privada. Na verdade, o acelerado crescimento demográfico pôs pressão sobre a Economia, e sobre os seus corvos políticos, para criar ocupações para estas alminhas todas que engrossam as estatísticas do povoamento mundial. Quando os “meios escassos” para a persecução dos “objectivos múltiplos” dos seres humanos são cada vez mais escassos obriga a puxar pela imaginação. Lá isso obriga. (Segundo L. Robbins, Economia, seria a Ciência que “investiga o comportamento humano como fruto de uma relação entre objectivos múltiplos e meios escassos, os quais têm diferentes possibilidades de aplicação”). Quando os recursos não chegam para todos, o melhor é beneficiar os mais aptos (os amigos) e rezar para que eles distribuam a riqueza de forma razoável pelos desafortunados (os outros) – como pretendia David Ricardo que o liberalismo económico funcionasse. Pelo que podemos ver, de uma maneira ou de outra, o carcanhol tem circulado para os bolsos dos degraus inferiores da subideira social suavizando o darwinismo social. Eis duas formas: Bill Gates farta-se de dar benemeritamente guita para curar doenças nos subdesenvolvidos, e “alguém” (o contrário de “ninguém” do garrettiano “Frei Luís de Sousa”) pagou 10 mil euros pela encomenda de uma sova ao presidente da Concelhia do Partido Socialista de Gondomar, Ricardo Bexiga.
Não espanta que o Estado, nesta dieta de emagrecimento, produza ideias, decisões, avulsa legislação, que noutras situações deixaria as pessoas com a pulga atrás da orelha. Determinadas propostas são tão peregrinas que provocariam incontroláveis ataques de riso. Esta de “acabar” com o pagamento dos contadores é muito boa. Tão boa como a vozinha do guarda-redes do Sporting ou os anúncios Super Bock sem álcool com o Bruno Nogueira. As pessoas vacinadas pela experiência conhecem uma verdade indesmentível: os impostos nunca terminam apenas mudam de nome. (A taxa do contador não sendo tecnicamente um “imposto” funciona como tal. É um rendimento fixo para quem de direito). Se esta proposta ganhar pernas para andar, em vez de “contadores” chamar-lhe-ão “leitores” para rimar, ou nem sequer isso como fez a muito à frente EDP. Esta empresa do nosso orgulho pátrio não lhe chama “contador”, que sugere um malfeito mamarracho introduzido em período de estética fascista na casa das pessoas, mas “potência contratada”, que, como é bom de ver, cheira a Baía dos Porcos, cheira a liberdade, cheira a livre escolha, cheira a modelos despidas por Yves Saint-Laurent, cheira a tudo menos a Lisboa, cheira a avançada Ciência Económica anglo-americana. Talvez estes “objectos inteligentes identificados” surjam para fazer esputar os jornalistas que se atiram a eles como os fãs do Emanuel às raparigas. No futuro, a sabedoria popular interiorizará esta movimentação na alta gestão empresarial no seguinte adágio: “fecha-se uma torneira, abre-se um poço”. Porque, de uma coisa podemos ter a certeza, a solução encontrada para resolver o problema da quebra de receitas será mais cara que a pretérita taxa do contador.
Viver num capitalismo saudável é a nossa grande vantagem sobre os tenebrosos tempos das histórias de Charles Dickens ou John Steinbeck. Um bom termómetro para medir o grau de saúde capitalista é o número desempregados. Quanto mais tipos florejarem na praça da jorna para serem contratados pelos empreendedores, (mão-de-obra escrava para acelerar a economia espanhola também conta como aprimorada iniciativa privada), mais perto estamos da casa de açúcar de Hans e Gretel. Desemprego? Que terrível drama social, dirão lacrimejando “crocodilamente”, os bons corações da direita à esquerda. Mas a vida real é outra. Aqui vai um exemplo. A cadeia de modernaços trapinhos Zara ameaça despedir dez mil empregados, lê-se pela manhã nos pasquins diários. No dia anterior, a Forbes, a folha de couve americana que dá a conhecer ao mundo o ranking dos ricalhaços, complementa e justifica esta boa nova com outra melhor. Amancio Ortega, precisamente o patrão da Zara, subiu para o número oito na lista, com uma fortuna avaliada em 24 biliões de dólares. Por isso, devemos acarinhar o fecho das urgências que levará a iniciativa privada para o interior do país parindo (no sentido poético. Sem dor) muitos milionários. Este cenário é sustentável porque a maioria da população está velhota, logo abarrotada de achaques, cliente ideal para os cuidados médicos. E, como estão reformados, e enricados com o Complemento Solidário para Idosos, não lhes falta dinheiro para pagar a conta.
Finalmente um concurso televisivo para todos. “A Bela e o Mestre” permite a participação de 100% da população portuguesa. Homens bonitos e inteligentes e mulheres inteligentes e bonitas. Sejamos realistas para isso existe a reality TV. Para nos mostrar a vida como ela é. Depois de vermos no ecrã não há forma de negá-lo. Somos um país de belas e mestres. Quem nos tomava por pançudos em camisola interior de alças, ou quartudas superlativas na pilosidade, pode engolir em seco. Agora uma Sara Aleixo não fica nada a dever à beleza de Lady Pousse Pousse (dançarina do Crazy Horse). E a inteligência do caçador Miguel Sousa Tavares equipara-se à de Bernard-Henri Lévy (dançarino de frufrus). Não só a nossa aparência e cachimónia se aproximaram da Europa, também nas importantes questões de cidadania avançamos com um singelo concurso de TV. O país que deu mundos ao Mundo, (e o Cristianão Ronaldão ao Manchester), atingiu o ponto de rebuçado na igualdade de oportunidades para todos. Qualquer moçoilo ou moçoila do país superficial (antes dito profundo) não precisa das medidas certas ou dos looks perfeitos para vencer na vida. É caso para dizer que esta realidade cantada por Bob Dylan pertence ao passado:
“Mama is in the factory
She ain’t got no shoes
Daddy is in the alley
He is looking for food
I’m in the kitchen
With the tombstone blues”
(Numa tradução adaptada à nossa realidade socio-económica: “a velhota está no bulimento/ela não tem calcantes/o velhote está no beco/ele procura morfes/eu estou na cozinha/com a maleita do barracal”). Eu sei que citar Bob Dylan vai contra a nossa religiosidade. Bento XVI no seu último livreco, “John Paul II: my beloved predecessor”, afirma que foi contra a participação do baladeiro americano num concerto para a juventude realizado em Bolonha, em 1997, e organizado sob os auspícios de João Paulo II. O então cardeal Joseph Ratzinger acusava Dylan de ser um profeta errado. Uma má influência para a juventude. Um profeta sem o pedigree de João, filho de Zacarias, chamado Baptista. Assim, porque devemos beber as palavras do Papa, e para não perseguirmos carros como os Snow Patrol ou o Pluto neste novo tempo de abundância, o melhor é dançar kuduro com os Buraka Som Sistema.
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