Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Caindo na graçola

A paz descera sobre os verdes prados nacionais e o pachorrento povo das cinco chagas de Cristo imitava o anúncio do leite Agros. Não fazia um boi… e pastava, mastigava e engolia. Pastava, mastigava e engolia. E depois… pastava, mastigava e engolia mais um bocadinho. Pode parecer chato mas se não fosse a paparoca banhada in vino o lusitano solo não podia produzir uma grei desta qualidade. Mas eis que surge o referendo sobre o aborto e tudo muda. As cabeças levantam-se. A manada tresmalha-se. A tranquilidade desaparece. Um tempestuoso frufru agita o luso almargeal. O lugar onde, por mais voltas que a roda da fortuna dê, as Parcas puxam sempre os mesmos cordelinhos da pateguice e da zarolhice. Na verdade o país “floribellizou-se”. Está transformado numa história de gata borralheira circular, sem ir a lado algum, a marcar passo na parada, que não avança um milímetro com o passar dos episódios. Ou pior. A nossa hiper super mega ri-fixe Flor tornou-se numa marca registada, patrocinada pelo Sr. Balsemão, para vender tralha à criançada (bolos, cromos, revistas roupas, discos… e o que vier). E Portugal apenas vende videojogos do Cristianão Ronaldão pelo mundo com dinheiro para pilhas.

As campanhas pelo voto popular sempre foram um interregno na pouca racionalidade que Deus nos distribuiu quando fez os povos. (Isso… e segundo a anedota, também nos deu os alentejanos). Elas transformam o país numa gigantesca bus stop (mas sem a Marilyn Monroe) rodeada de idiotice mais fria que a neve do Montana. Numa epoché (“suspensão do juízo”) sem as preocupações de Pírron de alcançar a “tranquilidade de espírito” (ataraxia) mas para manter a cabeça oca. Numa escada só com degraus a descer. Num frasco de éter desrolhado. Numa narcolepsia perpétua induzida pelo tsé-tsé propagandístico. Em suma, as campanhas políticas, com o repetitivo puxa o cordelinho para o títere votar, ficariam bem musicadas com a canção “Like a Yoyo” cantada pela italiana Sabrina Salerno. Nesta, que doloridamente atravessámos, a fasquia foi colocada rente ao chão e os activos participantes têm feito de tudo para rastejar cada vez mais baixo. Quando os padres – e padrecas agarrados na bainha da batina – saem para o adro bombardeando a torto e direito com Ciência, deveríamos ficar desconfiados. Os papistas nunca foram conhecidos por abraçar esse campo do conhecimento humano, excepto quando o Papa está a morrer, e as sumidades médicas embarcam no avião com destino ao Vaticano, para atardar o seu encontro com o Criador.

Nunca o rezadeiro povo do xaile preto e do barrete campino teve acesso a tanto “facto científico”. Ouve-se em vozes amornadas da rádio que às dez semanas um feto pesa 14 gramas, mede 6 cm, tem olhos, nariz, lábios, impressões digitais – querendo, talvez, dizer que já pode ser registado pela Polícia, logo é um ser humano. E, para acentuar que um embrião não é uma couve-flor, continua a caliente voz, que ele abre os olhos, tem sensibilidade e reacção ao toque e já chucha no dedo. Isto é apresentado como requintado esclarecimento científico para não ficarmos a chuchar no dedo. Nesta época de caça ao voto os números mágicos das estatísticas saltam das cartolas como coelhos de confiança. Dizem que 65% das mulheres depois do aborto sofrem de stress pós-traumático, 80% de sentimento de culpa, 83 % de arrependimento, 79% de sensação de perda e 42% de depressão grave nos 4 anos seguintes. Um leque de negativos estados psicológicos confirmados com depoimentos de mulheres com a cara esborratada digitalmente. E, a estocada final, para provar que o aborto é tão bom que até os homens o farão se legalizado, desfia-se um rol de invasões bárbaras de clínicas, ocorridas noutros países depois de aprovada a lei. A Espanha passou de 16 000 abortos por ano para 85 000, a França de 135 000 para 205 000, a Inglaterra de 58 000 para 196 000 e a Dinamarca de 4 000 para 15 000. E, não satisfeitos, coroam o bolo com uma autêntica ginja científica. Que avanços recentes da Ciência demonstram que ao vigésimo dia o coração começa a bater, revelando que intelectualmente ainda não saímos do século XVI, quando este órgão batia aos pontos o cérebro em importância no conjunto da anatomia humana. A palavra de ordem “optar pelo não sabendo que bate um coração” indica uma banalidade de base – que para o português o cérebro é um órgão menor. (Interessa sim o coração para bater pela nossa selecção. No dia seguinte ao jogo amistoso Portugal – Brasil, em Londres, todos os jornais fizeram primeira página com a magnífica vitória das quinas).

Os factos para-científicos também não faltaram. É enternecedora a campanha do CDS em defesa da abelha-mestra da colmeia. Em cartazes com rechonchudos putos de aspecto alemão vaticinam que um país moderno deixa nascer os seus bebés, ou nenhuma vida é demais, porque acreditam em valores. Não obstante a generalidade da palavra “valores” o emérito Bagão Félix contribuiu para a sua quantificação. Alerta o ex-actor de cinema para não se transformar o aborto livre num problema pago pelo dinheiro de todos nós. Posição em que é corroborado pelo PNR, mas estes dizem-no de esguelha com os braços cruzados sobre o peito – julgam eles – imitando Adolf Hitler. É uma pena este amok para ser poupadinho com as finanças públicas não se estender a outras áreas. Como, por exemplo, pagar taxa de televisão para custear as domingueiras patacoadas de Marcelo Rebelo de Sousa ou financiar caças aos gambozinos (“corrupção desportiva”, “voos da CIA”, “tráfico de influências”, financiamento de partidos políticos”, “sacos azuis + amarelos = verdes”…).

Mas o argumento mais caricato vem da modernaça viúva de Sousa Franco para quem “moderno é estar ao lado da vida”. Escudada em economistas renomados defende que se deve desatar a fazer filhos para suportar os sistemas de Segurança Social do mundo livre. Ou seja, se para apoiar cinco milhões de reformados, forem necessários dez milhões de trabalhadores activos, passados uns anos serão necessários vinte milhões para sustentar os primeiros dez, e assim sucessivamente até todo o Universo (se for infinito) estar colonizado. Esta ridícula lógica da sociedade de consumo, que podemos ver materializada na concorrência entre fabricantes de máquina de barbear (adicionar sempre mais uma lâmina melhora a performance. Vão nas cinco e prometem não parar por aí), é o que mundo precisa agora para corrigir as verdades inconvenientes do andarilho Al Gore.

No reino dos tolos tudo vai bem. A padralhada do país, prenha de ciência, pode não cair em graça mas na graçola tem caído. É pena que a campanha esteja no fim. Mais uma vez o Estado cumpriu o seu papel e deu circo ao povo. Se estivesse em jogo um assunto realmente importante não pediam a opinião do eleitorado. Ninguém faz referendos para aumentar o pão, a gasolina ou a Playboy (só leio por causa da qualidade dos artigos).

5 Comments:

  • At 1:03 da manhã, Blogger A Chata said…

    A imagem da manada tresmalhada está genial.
    É realmente a imagem perfeita desta campanha.

     
  • At 12:05 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    O que me espantou nesta campanha foi o espraiar de tanta Ciência. Especialistas surgiam como cogumelos para nos expor mais um facto indiscutível porque teria sido, segundo eles, benzido pela Ciência. Foi muito engraçado. Mesmo com os amargos de boca que a Ciência tem trazido por cá continuamos com fé.
    Estava a fazer um top da campanha, depois desisti. Mas no primeiro lugar fica a visita de Ribeiro e Castro a uma clínica para ver uma ecografia. Lá estava uma Maria Inácia carregando um feto de dez semanas na barriga e um médico ladino nas explicações. As imagens são inclusivas. Não se percebe se Zézinho Ribeiro e Castro esteve mesmo na sala. Nos últimos tempos, as notícias televisivas tornaram-se autênticas curtas-metragens devido ao abuso (criativo) da montagem. Mas, pela ideia, esta enternecedora acção de campanha merece o primeiro lugar.

     
  • At 1:28 da tarde, Blogger A Chata said…

    Com a população mundial quase nos 9 mil milhões e a continuar a crescer e as mudanças climáticas que já nem os mais cépticos conseguem negar lá vamos, cantando e rindo, levados, levados sim...
    a discutir se temos o direito de decidir se queremos trazer mais uma criança para viver neste Mundo.

     
  • At 1:36 da tarde, Blogger A Chata said…

    A propósito de Ciência, não consegui que alguns apoiantes do "Não" me respondessem se concordam, ou não com a fertilização assistida que produz embriões (no entender deles, crianças) em excesso e os que não são utilizados acabam em experiências ou são destruídos.
    Será que o embrião só é vida se estiver dentro da mãe?
    Tinha piada, lançarmos uma campanha para responder a esta questão.

     
  • At 11:49 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Tenho de aprender a tirar o spam dos comentários.

     

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