Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Sinais exteriores de tristeza

Antigamente havia um pedaço de sabedoria popular que os pais mais mata-frades (anticlericais e também homofóbicos) repetiam aos filhos como bússola para a vida: “não confies num homem com saias” – diziam com olhar sério, agitando o dedo indicador em frente do nariz do amedrontado rebento. Neste rol incluíam indiscriminadamente os escoceses, os maricas, os espontâneos no Carnaval e os padres. Claro que os actuais progenitores – se fossem funcionais e ensinassem os filhos – não diriam tamanha barbaridade (diriam outras como sucede com todas as gerações), porque vivermos e respirarmos tolerância, e compreensão por culturas e hábitos diferentes. Arthur Brown, Alice Cooper, Marilyn Mason ou os Undercover Slut não fariam um tusto com a provocação e o choque connosco na plateia. Tivéssemos nós existido desde a grande migração de África para os outros continentes e a História da Humanidade seria um desfiar de húmidos beijos, calorosos apertos de mão e fraternos abraços.

Graças ao êxito de bilheteira do filme “Braveheart”, realizado e protagonizado por Mel Gibson, sobre uma versão romanceada da vida do herói da independência da Escócia William Wallace, os escoceses foram reabilitados aos olhos da Civilização, e o kilt passou a ser uma proposta dos costureiros mais ousados para os consumidores de fashion. Os maricas, hoje chamados “alegres”, terão compreensíveis razões para manifestar alegria, pois podem estar na marmelada no banco do jardim, sem a reprovação dos transeuntes, chocados com o bigode inteiriçado, devido à electricidade estática provocada pela fricção. Os excessos dos foliões carnavalescos estão perdoados, depois do Carnaval se ter tornado num produto comercial para atrair turistas, e a figura do incomodativo xexé ter sido substituída pelo simpático travesti. Restam os padres e isso… é outra conversa.

O Cristianismo começou com a melhor história do mundo para camuflar o adultério. Atormentada com uns dias de atraso no período, quiçá por ter cedido os seus favores íntimos a um vizinho galifão, ou ao esbelto moço da padaria ágil no piropo indecente às mulheres casadas, Maria sofria insónias terríveis. Há 2007 anos, mais coisa menos coisa, o seu irreflectido deslize era castigado com a lapidação, e os rectos habitantes de Séforis preferiam as pedras mais pequenas para que a morte fosse lenta. Ainda não se tinha ouvido falar da “primeira pedra” e atiradores não faltavam. O seu dilema aumentava com o passar dos dias sem vislumbre do sanguinolento líquido. Talvez tenha pedido conselho a Ana, a sua experiente mãe, conhecedora dos ancestrais truques da sua tribo para manter os patriarcas na ilusão de domínio conjugal, ou recorreu a uma vizinha pespineta, ou, na aflição, potenciada pela falta de descanso, a sua mente lembrou-se de misturar o divino na justificação da inusitada gravidez, que não podia ser de seu marido pois este sofria de disfunção eréctil, por ter passado muitos anos sentado no banco da carpintaria fazendo artesanato regional. Maria deve ter escolhido o momento ideal para lançar a sua pérfida explicação. Após o jantar, quando o corpo está confortado e o espírito vagueia para o descanso, abeirou-se do velho esposo e terá dito: “sabes, José, estava na horta apanhando couves para o jantar, quando um anjo muito belo, todo luz, desceu do céu e anunciou-me que eu ia ter um filho sem união carnal com um homem”. Ao que José respondeu: “está bem”. E assumiu a paternidade do pimpolho feliz por poder afirmar a sua virilidade perante a comunidade.

Culpar o Espírito Santo pela gravidez foi uma autêntica inspiração (divina?) de Maria. Não envergonhou o marido e escapou ao apedrejamento. Mas teve outra consequência muito mais importante que ela não podia prever. Originou o melhor negócio do mundo. Um negócio que movimenta milhões (de qualquer moeda) sem vender nada material, apenas fornece conforto espiritual e palavras de consolo, nem precisa de capital próprio para investimento, ele vem daqueles que vão consumir o produto final. Isto sim é descobrir o ovo de Colombo empresarial. O filho de Maria saiu melhor que a encomenda. Esperto que nem um alho, deixou marca nos que de perto privaram com ele, que após a sua morte dedicaram esforços a perpetuar-lhe a vida fantasiando-lhe os episódios. Insinuando-se junto das mulheres para chegarem às carteiras dos maridos, edificaram um colosso lucrativo de colocar a Microsoft ao nível de um botequim de bairro. Hoje um frade, um padre, um bispo, um cardeal podem comer que nem um abade por causa da expedita mentira de Maria.

O poder da padralhada em Portugal sobe mais que o custo de vida resultado da limpeza dos velhos tapetes em Roma. O Vaticano tem feito o seu aggiornamento à sociedade controlada pelos Meios de Comunicação Social. João Paulo II, um génio das relações públicas, beijou chãos de aeroportos, benzeu tudo o que era relíquia, na hora da morte distribuiu lenços aos santuários como se eles fossem únicos (e não produção em série). Para Fátima mandou a bala do revólver de Ali Agca, personalizando ainda mais a ligação com o local, e recolhendo admiração e cega devoção dos peregrinos. Bento XVI começa de forma histórica o pontificado visitando a Turquia para amansar os otomanos. Com acções bem planeadas o Vaticano colocou a religião no centro da vida das pessoas. Nos países atrasados ela é bem-vinda como um farol para iluminar as amarguras da vida. Aproveitando o posto privilegiado nesses países, os padres tomam de assalto as consciências das pessoas, torcendo-as para o seu único propósito – dominar.

O referendo sobre o aborto vem que nem ginjas para testar poderes. Na sacristia vai uma lufa-lufa contando baionetas e afiando punhais para uma luta pelo influxo divino que a matéria orgânica supostamente tem. No piedoso site do Patriarcado de Lisboa, o cardeal, entre duas baforadas no cigarro, pincela com ciência: “o cruzamento dos métodos anticonceptivos com os métodos abortivos e as soluções químicas para a interrupção da gravidez fizeram diminuir a realidade do aborto de vão de escada”. No entanto, não há métodos contraceptivos, métodos abortivos ou soluções químicas que nos salve da religião de salão nobre. Há anjinhos há. Os anjinhos somos nós.

4 Comments:

  • At 3:04 da manhã, Blogger A Chata said…

    Este seu texto fez-me lembrar uma peça de teatro de Millor Fernandes em que, a dado momento, dois astronautas no espaço encontram a Virgem Maria.
    Esta pergunta-lhes:
    De onde vindes?
    Ao que eles respondem:
    Do planeta Terra.
    O quê, diz ela, dessa terra de fofoqueiros. Só porque dei uma trepadinha há 2000 anos ainda hoje falam disso!

     
  • At 11:29 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Não conheço a peça. Sempre confundi este Millor Fernandes com o cartoonista que desenhava “o amigo da onça” – uma página que aparecia na revista Cruzeiro. Confusões da pouca idade. Não tenho o dom para aldrabar a infância como o Saramago. Andei pela net à procura e afinal ele chama-se Péricles.

     
  • At 2:45 da tarde, Blogger A Chata said…

    A peça chama-se "Computa computador computa" e fala dos vários problemas sociais que afectavam(am) a sociedade.
    A certa altura, os actores afirmam:
    "Talvez a solução seja contar anedotas".

     
  • At 6:08 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Eis uma boa solução. Aqueles que fazem "comédia em pé" são os únicos ater ume visão lúcida das coisas. O resto defende a sua "dama" (ideias políticas, económicas etc. - ideologias em geral).

     

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