À sombra do empurrão
Há algo sadio na Costa Oeste da Europa! “Há sol na rua”, diria Boris Vian, ebrirridente. Mas, ao contrário do faz-tudo francês que afirmava, “gosto do sol mas não gosto da rua”, nós não ficamos fechados em casa “À espera que o mundo venha / Com as suas torres douradas”. Arraigados na mentalidade ganhadora zarpamos para o mundo. Cáspite! Outra coisa não seria de esperar num país de pochete cheia. País de racemoso futuro, para ser depenicado, espojado numa otomana, como se vivêssemos na mansão Playboy. Um país onde um cidadão, com um rendimento mensal de 494 €, é considerado rico, o pão pode encarecer, porque há a alternativa da papança com estrelas Michelin. (Em Portugal, essa quantia marca o início da vida contributiva, ou seja, é obrigatório devolver aos cofres do Estado o remanescente, após um mês de loucura, a gastar à tripa-forra). Não há que enganar. Não nos falta qualidade de vida. Estamos encalacrados no século XXI. Somos “21st Century Boy”.
[dos Sigue Sigue Sputnik, nome retirado de um gang de rua moscovita e significa “arde, arde satélite / companheiro”. Os SSS foram os precursores do cyberpunk, a banda sonora, em ritmos electrónicos, de um mundo futurista de hiperviolência, high tech, sexo e glamour. Eles em “Love Missile F1-11” & “Sex Bomb Boogie”. Foram formados no início da década de 80, por Tony James, ex-baixista do grupo punk inglês Generation X, cujo vocalista era Billy Idol. James também tocou nos Sister of Mercy].
O proeiro da nação, acompanhado da sua Penélope, desceu do avião em Moçambique, para uma semanita de férias e três dias de visita oficial. Levava na bagagem o habitual séquito de empresários para dar, em terras de além-mar, um empurrão na economia portuguesa. Obviava Teixeira dos Santos, ministro das Finanças, que quer a economia a crescer “ao estilo dos balões de São João que ficam lá em cima mais tempo” e não como um foguete que “sobe e cai de imediato”. (Esta festiva economia dos Santos Populares causou arraiais, fogueiras, bailaricos, à saída dos supermercados, quando as massas subiram 25%, o pão 8%, o café 10% e o leite entre 5% a 30%, e nem sequer fez mossa nos 494 €). Porém, Cavaco Silva não se cingiu a tartuficar os autóctones com as novas missangas, como bom português, relembrou com saudade o passado. Ele, jovem alferes, recém-casado, cumprira em Moçambique uma comissão militar entre 1963 e 1965. Habitou, com outros tropas, um prédio a estrear na avenida Pinheiro Chagas. Colocado num trabalho de secretaria na Administração Militar, escoava os dias no paleio pelos cafés, viagens pelos países vizinhos e na filmagem da vida colonial em super-8. Agora, como Abracourcix luso, propõe que se ultrapasse a Guerra Colonial através da evocação dos “aspectos positivos da História”. Relembre-se a marrabenta e a descolonização exemplar! E o resto esvaece-se. Decididamente Cavaco Silva é um “20st Century Boy”.
[dos T. Rex, grupo de Marc Bolan, começou num projecto folk e atingiu o sucesso no glam rock. Em “Children of the Revolution” & “Telegram Sam” & “Metal Guru”. Bolan faleceu em Setembro de 1977 antes de completar 30 anos. Ele nunca aprendera a conduzir apesar de possuir um Mini 1275GT. Aterrorizava-lhe morrer num acidente de viação. No dia 15, sua a namorada, Gloria Jones, espeta-lhe o Mini roxo contra uma árvore na ponte Barnes, no sudoeste de Londres. Bolan morreu de imediato mas há quem diga que antes já tinha sido morto por um cocktail de sucesso, dinheiro, cocaína e brandy. Jones sobreviveu. Ela em “Go Now” e um dueto com Bolan em “To Know You Is To Love You”].
No Porto também se empurrou a História. Na Escola Secundária Carolina Michaelis, uma cena de teimosia, numa sala de aula, é interpretada pelos opinion makers como violência no meio escolar e… o resto da sacristia não viu outra coisa. Na pronúncia do norte, Patrícia, 15 anos, aluna do 9º ano grita: “dá-me o telemóbel já!”. A professora de Francês para provar que também é casmurra não larga e começa um jogo de persistência. A aluna não abdica do seu mais precioso objecto, a professora não cede na sua autoridade e o coro dos jornalistas berraram: “bárbara agressão na sala de aula”. E o trivial corrupio das autoridades competentes estoura. Entram todos na praça, como na “Tourada” do Ary dos Santos, para mostrar serviço. Numa economia atrasada, como a americana, choveria propostas para a moça. Contratos para gravar um disco, entrevistas, reality shows, presenças em festas etc. E, com um pouco de cabeça e uma mãe empreendedora, estava lançada para a vida. Em Portugal é transferida de escola, para aquietar o sentimento de dever cumprido do exército dos oleiros das gerações futuras e siga para bingo. Ainda cá não chegaram as 21st Century Girls.
Há anos largos que os psicólogos alertam para o facto dos telemóveis, nas novas gerações, terem substituído as drogas, provocando idênticos sintomas de uso compulsivo e de abstinência. Ou seja, a Phone House substituiu o Casal Ventoso. Para a geração anterior este bairro lisboeta era o supermercado da droga. Milhares de consumidores, de muitos quilómetros ao redor, rumavam com a precisão de um Seiko Velatura para lá, procurando a melhor oferta quantidade / qualidade. Filas enormes formavam-se nos vários pontos de venda, frequentemente desfeitas, por repetidos alarmes de entrada da bófia no bairro, dados pelos vigias colocados em pontos estratégicos. Depois de aviarem as quartas (mais ou menos um quarto de grama, embalado nos cantos cortados de sacos transparentes, usados para comprar fruta no supermercado), os viciados apressavam-se pelas ruelas de saída, onde, nos dias de galo, lhes saía ao passo um diligente polícia, com manias de engraçado, que galhofava: “hoje é o teu dia de sorte, não vais preso, faz lá uma raspadinha na parede”. E, não havia escapatória deste encontro imediato de chato grau, senão esfregar os saquitos contra a rugosidade de um muro. Mas o vício não se compadece com duvidoso humor policial, obriga a redobrado esforço para conseguir o precioso pó, nem que seja ir roubar uma velha. [Os mestres cantaram esta forma de vida. Os Velvet Underground em “I’m Waiting for the Man”. E Eric Clapton com “Cocaine”].
A actuação policial para conter um ilícito ocasionava outro ilícito, que muito diz sobre a inteligência das autoridades competentes, e da atabalhoada maneira de fazer lusa. Também nesta relação de autoridade / subordinado, a tendência inicial seria para espingardar com o bófia, gritar-lhe: “dá-me a quarta já!”. Mas eles vêm aos pares e são mais fortes. Nas escolas a força física é desaconselhada pelas modernas pedagogias. Deve-se cativar os jovens pela empatia e falinhas mansas. Todavia, a escola sempre foi um lugar violento. É nela que, fora da protecção da família, se aprende as realidades da vida. (Aprende-se sobretudo as formas de defesa física e psicológica dos outros e… umas coisitas que os professores por lá ensinam). As sociedades actuais estão cada vez mais violentas. Por exemplo, pede-se a morte como se de um copo de água se tratasse. No início do ano, Yitzahak Cohen, ministro israelita dos Assuntos Religiosos dizia: “Hassan Nasrallah deve ser assassinado e quanto mais depressa melhor”. Ou, um exemplo ainda mais significativo, porque revela como a linguagem figurada, reflecte o clima social geral: há dias um conhecido blogueiro português vozeava para retirar Luís Filipe Menezes, da presidência do PSD, nem que fosse “à bomba”. (É natural que os jovens, na aprendizagem do convívio social, tenham que mostrar mais violência contra os outros, como forma de defesa). E começam a organizar-se cedo. Na Center Elementary School, no sul da Geórgia, a polícia abortou uma perigosa conspiração. Um grupo de crianças entre os 8 e 10 anos planejava raptar a professora, porque esta repreendeu um deles, por estar em pé sobre uma cadeira. Apreenderam-lhes uma faca de cozinha partida, algemas, fita-cola e a polícia explicou que o plano era elaboradíssimo, incluía distribuição de tarefas, como cobrir as janelas e limpar tudo depois. [Na década de 60, na Inglaterra, os jovens divertiam-se com motas Vespa italianas, roupas com estilo, concertos musicais, cenas de porrada nas praias de Brighton e os The Who tocavam “The Kids Are Alright”. Passada a adolescência iam trabalhar. Nos nossos dias, gravidezes precoces, suicídio, obesidade, crack, radicalismo político ou religioso, desemprego e os The Offspring tocam “The Kids Aren’t Alright”].
Por outro lado, a sociedade tem vendido a ideia da juventude eterna. Confundiu-se um marketing publicitário das empresas de cosmética e clínicas de cirurgia plástica com a realidade. E os velhos negam a velhice, com expressões disparatadas como “jovem de espírito”. Mas a alucinante velocidade da evolução tecnológica torna as gerações obsoletas cada vez mais cedo. Não é de esperar que os mais velhos compreendam a importância da comunicação por SMS entre os jovens e uma professora retire um telemóvel de ânimo leve. Os professores encasquetaram que os conhecimentos transmitidos são importantes, requerem atenção quando falam, acenando aos alunos um futuro brilhante. (Para alguns é verdade. Sufiah Yusof foi considerada um génio e com 13 anos entrou em Oxford. Aos 23 anos é uma prostituta de sucesso e cobra 258 dólares por hora). Com esta fornada de pessoas que acredita ter ultrapassado o Choque de Gerações perdeu-se, pelo menos, a escola que aterrava os putos [“Smoking in the Boys Room” dos Mötley Crüe] mas ganhou-se um falso sentimento de compreensão dos jovens, e quando eles não ligam peva às aulas partem-se os docentes corações. Talvez a solução da professora boa, para motivar os alunos, resulte. [“Situations” dos Escape The Fate ou Van Halen em “Hot for Teacher” ou os Mundo Secreto em “Põe a Mão no Ar”]. Ou, acabar com a escola de vez como Alice Cooper em “School’s Out”. [Versão mais moderna dos GWAR].
Telemóveis e computadores são o plâncton do século XXI. Alimentam um novo tipo de Homem e alteraram as formas de comunicação. Eles permitem captar, editar e colocar imagens na Internet. E causar burburinho social quando elas aparecem no YouTube. Esta facilidade tecnológica teve uma consequência interessante: originou comportamentos voluntários, mas rejeitados pela sociedade, para serem filmados e colocados, como troféus, no popular site de partilha de vídeos. Em França uma violação em grupo, na Inglaterra agressões a jovens mais fracos etc. Na sala de aula do Porto a ocasião fez o cineasta. Rafael, aluno da turma, munido de um telemóvel, filma a altercação professora / aluna. As imagens desencadearam represálias do sistema educativo: ambos foram transferidos de escola. (Só os vídeos de agressões de polícias aos cidadãos não têm consequências e conduzem inevitavelmente ao encerramento do inquérito). No país com o realizador mais velho do mundo em actividade, Manoel de Oliveira, que, se exceptuarmos “Douro, Faina Fluvial”, em 1931, nunca fez um filme digno desse nome, seria de esperar que o jovem Rafael fosse recompensado pelo vídeo, mas também ainda cá não chegou o “21st Century Digital Boy” (do grupo punk americano Bad Religion).
Os Meios de Comunicação Social não podem estar órfãos de noticiabilidade. Enquanto a moda durar veremos jornalistas de microfone em punho em frente de escolas. Choverão notícias, de alunos prevaricando e professores com a pata na poça, para mostrar pluralismo democrático. Na Escola Primária do Salgueiral uma professora cola a boca de aluno com fita adesiva, noutra um aluno de 12 anos agride uma funcionária etc. Entretanto, a professora do vídeo, Ana Espírito Santo, cidadã de um país de advogados, cita a sabedoria popular, “tão ladrão é o que rouba como o que fica à porta”, para justificar uma queixa contra a alegada agressora e duas contra os colegas da turma. Mas o jogral da festa foi o Procurador-Geral da República que surgiu informando a populaça do reino que um número indefinido de crianças vai armado para a escola. Este fenómeno manifesta-se desde os 6 anos com armas brancas e pistolas 6.35 e 9 mm. E, segundo o magistrado, os pais mais participativos na educação dos filhos, dizem “leva a minha pistola para te defenderes”. O Procurador, conhecido por iniciar processos judiciais a partir de livros escritos sob a influência da dor de corno, não é o funcionário público mais fiável do mundo. Talvez o “olá às armas” seja mais um mito urbano, (no início de 2 000 corria o rumor da venda de granadas em Lisboa, que nunca ninguém viu, a 7 500 escudos cada uma), ou então os putos de hoje estão com um arcaboiço do caraças para dispararem uma 9 mm, ou então chegou ao enriquecido Portugal o “21st Century Schizoid Man".
[Dos King Crimson, grupo inserido na área do rock progressivo fundado por Robert Fripp em 1969. Na década de 80, Fripp casou-se com Toyah Wilcox. Ela em “It’s a Mystery” & “Leya” & “Echo Beach”. E junto do marido].
Há algo sadio na Costa Oeste da Europa! “Há sol na rua”, diria Boris Vian, ebrirridente. Mas, ao contrário do faz-tudo francês que afirmava, “gosto do sol mas não gosto da rua”, nós não ficamos fechados em casa “À espera que o mundo venha / Com as suas torres douradas”. Arraigados na mentalidade ganhadora zarpamos para o mundo. Cáspite! Outra coisa não seria de esperar num país de pochete cheia. País de racemoso futuro, para ser depenicado, espojado numa otomana, como se vivêssemos na mansão Playboy. Um país onde um cidadão, com um rendimento mensal de 494 €, é considerado rico, o pão pode encarecer, porque há a alternativa da papança com estrelas Michelin. (Em Portugal, essa quantia marca o início da vida contributiva, ou seja, é obrigatório devolver aos cofres do Estado o remanescente, após um mês de loucura, a gastar à tripa-forra). Não há que enganar. Não nos falta qualidade de vida. Estamos encalacrados no século XXI. Somos “21st Century Boy”.
[dos Sigue Sigue Sputnik, nome retirado de um gang de rua moscovita e significa “arde, arde satélite / companheiro”. Os SSS foram os precursores do cyberpunk, a banda sonora, em ritmos electrónicos, de um mundo futurista de hiperviolência, high tech, sexo e glamour. Eles em “Love Missile F1-11” & “Sex Bomb Boogie”. Foram formados no início da década de 80, por Tony James, ex-baixista do grupo punk inglês Generation X, cujo vocalista era Billy Idol. James também tocou nos Sister of Mercy].
O proeiro da nação, acompanhado da sua Penélope, desceu do avião em Moçambique, para uma semanita de férias e três dias de visita oficial. Levava na bagagem o habitual séquito de empresários para dar, em terras de além-mar, um empurrão na economia portuguesa. Obviava Teixeira dos Santos, ministro das Finanças, que quer a economia a crescer “ao estilo dos balões de São João que ficam lá em cima mais tempo” e não como um foguete que “sobe e cai de imediato”. (Esta festiva economia dos Santos Populares causou arraiais, fogueiras, bailaricos, à saída dos supermercados, quando as massas subiram 25%, o pão 8%, o café 10% e o leite entre 5% a 30%, e nem sequer fez mossa nos 494 €). Porém, Cavaco Silva não se cingiu a tartuficar os autóctones com as novas missangas, como bom português, relembrou com saudade o passado. Ele, jovem alferes, recém-casado, cumprira em Moçambique uma comissão militar entre 1963 e 1965. Habitou, com outros tropas, um prédio a estrear na avenida Pinheiro Chagas. Colocado num trabalho de secretaria na Administração Militar, escoava os dias no paleio pelos cafés, viagens pelos países vizinhos e na filmagem da vida colonial em super-8. Agora, como Abracourcix luso, propõe que se ultrapasse a Guerra Colonial através da evocação dos “aspectos positivos da História”. Relembre-se a marrabenta e a descolonização exemplar! E o resto esvaece-se. Decididamente Cavaco Silva é um “20st Century Boy”.
[dos T. Rex, grupo de Marc Bolan, começou num projecto folk e atingiu o sucesso no glam rock. Em “Children of the Revolution” & “Telegram Sam” & “Metal Guru”. Bolan faleceu em Setembro de 1977 antes de completar 30 anos. Ele nunca aprendera a conduzir apesar de possuir um Mini 1275GT. Aterrorizava-lhe morrer num acidente de viação. No dia 15, sua a namorada, Gloria Jones, espeta-lhe o Mini roxo contra uma árvore na ponte Barnes, no sudoeste de Londres. Bolan morreu de imediato mas há quem diga que antes já tinha sido morto por um cocktail de sucesso, dinheiro, cocaína e brandy. Jones sobreviveu. Ela em “Go Now” e um dueto com Bolan em “To Know You Is To Love You”].
No Porto também se empurrou a História. Na Escola Secundária Carolina Michaelis, uma cena de teimosia, numa sala de aula, é interpretada pelos opinion makers como violência no meio escolar e… o resto da sacristia não viu outra coisa. Na pronúncia do norte, Patrícia, 15 anos, aluna do 9º ano grita: “dá-me o telemóbel já!”. A professora de Francês para provar que também é casmurra não larga e começa um jogo de persistência. A aluna não abdica do seu mais precioso objecto, a professora não cede na sua autoridade e o coro dos jornalistas berraram: “bárbara agressão na sala de aula”. E o trivial corrupio das autoridades competentes estoura. Entram todos na praça, como na “Tourada” do Ary dos Santos, para mostrar serviço. Numa economia atrasada, como a americana, choveria propostas para a moça. Contratos para gravar um disco, entrevistas, reality shows, presenças em festas etc. E, com um pouco de cabeça e uma mãe empreendedora, estava lançada para a vida. Em Portugal é transferida de escola, para aquietar o sentimento de dever cumprido do exército dos oleiros das gerações futuras e siga para bingo. Ainda cá não chegaram as 21st Century Girls.
Há anos largos que os psicólogos alertam para o facto dos telemóveis, nas novas gerações, terem substituído as drogas, provocando idênticos sintomas de uso compulsivo e de abstinência. Ou seja, a Phone House substituiu o Casal Ventoso. Para a geração anterior este bairro lisboeta era o supermercado da droga. Milhares de consumidores, de muitos quilómetros ao redor, rumavam com a precisão de um Seiko Velatura para lá, procurando a melhor oferta quantidade / qualidade. Filas enormes formavam-se nos vários pontos de venda, frequentemente desfeitas, por repetidos alarmes de entrada da bófia no bairro, dados pelos vigias colocados em pontos estratégicos. Depois de aviarem as quartas (mais ou menos um quarto de grama, embalado nos cantos cortados de sacos transparentes, usados para comprar fruta no supermercado), os viciados apressavam-se pelas ruelas de saída, onde, nos dias de galo, lhes saía ao passo um diligente polícia, com manias de engraçado, que galhofava: “hoje é o teu dia de sorte, não vais preso, faz lá uma raspadinha na parede”. E, não havia escapatória deste encontro imediato de chato grau, senão esfregar os saquitos contra a rugosidade de um muro. Mas o vício não se compadece com duvidoso humor policial, obriga a redobrado esforço para conseguir o precioso pó, nem que seja ir roubar uma velha. [Os mestres cantaram esta forma de vida. Os Velvet Underground em “I’m Waiting for the Man”. E Eric Clapton com “Cocaine”].
A actuação policial para conter um ilícito ocasionava outro ilícito, que muito diz sobre a inteligência das autoridades competentes, e da atabalhoada maneira de fazer lusa. Também nesta relação de autoridade / subordinado, a tendência inicial seria para espingardar com o bófia, gritar-lhe: “dá-me a quarta já!”. Mas eles vêm aos pares e são mais fortes. Nas escolas a força física é desaconselhada pelas modernas pedagogias. Deve-se cativar os jovens pela empatia e falinhas mansas. Todavia, a escola sempre foi um lugar violento. É nela que, fora da protecção da família, se aprende as realidades da vida. (Aprende-se sobretudo as formas de defesa física e psicológica dos outros e… umas coisitas que os professores por lá ensinam). As sociedades actuais estão cada vez mais violentas. Por exemplo, pede-se a morte como se de um copo de água se tratasse. No início do ano, Yitzahak Cohen, ministro israelita dos Assuntos Religiosos dizia: “Hassan Nasrallah deve ser assassinado e quanto mais depressa melhor”. Ou, um exemplo ainda mais significativo, porque revela como a linguagem figurada, reflecte o clima social geral: há dias um conhecido blogueiro português vozeava para retirar Luís Filipe Menezes, da presidência do PSD, nem que fosse “à bomba”. (É natural que os jovens, na aprendizagem do convívio social, tenham que mostrar mais violência contra os outros, como forma de defesa). E começam a organizar-se cedo. Na Center Elementary School, no sul da Geórgia, a polícia abortou uma perigosa conspiração. Um grupo de crianças entre os 8 e 10 anos planejava raptar a professora, porque esta repreendeu um deles, por estar em pé sobre uma cadeira. Apreenderam-lhes uma faca de cozinha partida, algemas, fita-cola e a polícia explicou que o plano era elaboradíssimo, incluía distribuição de tarefas, como cobrir as janelas e limpar tudo depois. [Na década de 60, na Inglaterra, os jovens divertiam-se com motas Vespa italianas, roupas com estilo, concertos musicais, cenas de porrada nas praias de Brighton e os The Who tocavam “The Kids Are Alright”. Passada a adolescência iam trabalhar. Nos nossos dias, gravidezes precoces, suicídio, obesidade, crack, radicalismo político ou religioso, desemprego e os The Offspring tocam “The Kids Aren’t Alright”].
Por outro lado, a sociedade tem vendido a ideia da juventude eterna. Confundiu-se um marketing publicitário das empresas de cosmética e clínicas de cirurgia plástica com a realidade. E os velhos negam a velhice, com expressões disparatadas como “jovem de espírito”. Mas a alucinante velocidade da evolução tecnológica torna as gerações obsoletas cada vez mais cedo. Não é de esperar que os mais velhos compreendam a importância da comunicação por SMS entre os jovens e uma professora retire um telemóvel de ânimo leve. Os professores encasquetaram que os conhecimentos transmitidos são importantes, requerem atenção quando falam, acenando aos alunos um futuro brilhante. (Para alguns é verdade. Sufiah Yusof foi considerada um génio e com 13 anos entrou em Oxford. Aos 23 anos é uma prostituta de sucesso e cobra 258 dólares por hora). Com esta fornada de pessoas que acredita ter ultrapassado o Choque de Gerações perdeu-se, pelo menos, a escola que aterrava os putos [“Smoking in the Boys Room” dos Mötley Crüe] mas ganhou-se um falso sentimento de compreensão dos jovens, e quando eles não ligam peva às aulas partem-se os docentes corações. Talvez a solução da professora boa, para motivar os alunos, resulte. [“Situations” dos Escape The Fate ou Van Halen em “Hot for Teacher” ou os Mundo Secreto em “Põe a Mão no Ar”]. Ou, acabar com a escola de vez como Alice Cooper em “School’s Out”. [Versão mais moderna dos GWAR].
Telemóveis e computadores são o plâncton do século XXI. Alimentam um novo tipo de Homem e alteraram as formas de comunicação. Eles permitem captar, editar e colocar imagens na Internet. E causar burburinho social quando elas aparecem no YouTube. Esta facilidade tecnológica teve uma consequência interessante: originou comportamentos voluntários, mas rejeitados pela sociedade, para serem filmados e colocados, como troféus, no popular site de partilha de vídeos. Em França uma violação em grupo, na Inglaterra agressões a jovens mais fracos etc. Na sala de aula do Porto a ocasião fez o cineasta. Rafael, aluno da turma, munido de um telemóvel, filma a altercação professora / aluna. As imagens desencadearam represálias do sistema educativo: ambos foram transferidos de escola. (Só os vídeos de agressões de polícias aos cidadãos não têm consequências e conduzem inevitavelmente ao encerramento do inquérito). No país com o realizador mais velho do mundo em actividade, Manoel de Oliveira, que, se exceptuarmos “Douro, Faina Fluvial”, em 1931, nunca fez um filme digno desse nome, seria de esperar que o jovem Rafael fosse recompensado pelo vídeo, mas também ainda cá não chegou o “21st Century Digital Boy” (do grupo punk americano Bad Religion).
Os Meios de Comunicação Social não podem estar órfãos de noticiabilidade. Enquanto a moda durar veremos jornalistas de microfone em punho em frente de escolas. Choverão notícias, de alunos prevaricando e professores com a pata na poça, para mostrar pluralismo democrático. Na Escola Primária do Salgueiral uma professora cola a boca de aluno com fita adesiva, noutra um aluno de 12 anos agride uma funcionária etc. Entretanto, a professora do vídeo, Ana Espírito Santo, cidadã de um país de advogados, cita a sabedoria popular, “tão ladrão é o que rouba como o que fica à porta”, para justificar uma queixa contra a alegada agressora e duas contra os colegas da turma. Mas o jogral da festa foi o Procurador-Geral da República que surgiu informando a populaça do reino que um número indefinido de crianças vai armado para a escola. Este fenómeno manifesta-se desde os 6 anos com armas brancas e pistolas 6.35 e 9 mm. E, segundo o magistrado, os pais mais participativos na educação dos filhos, dizem “leva a minha pistola para te defenderes”. O Procurador, conhecido por iniciar processos judiciais a partir de livros escritos sob a influência da dor de corno, não é o funcionário público mais fiável do mundo. Talvez o “olá às armas” seja mais um mito urbano, (no início de 2 000 corria o rumor da venda de granadas em Lisboa, que nunca ninguém viu, a 7 500 escudos cada uma), ou então os putos de hoje estão com um arcaboiço do caraças para dispararem uma 9 mm, ou então chegou ao enriquecido Portugal o “21st Century Schizoid Man".
[Dos King Crimson, grupo inserido na área do rock progressivo fundado por Robert Fripp em 1969. Na década de 80, Fripp casou-se com Toyah Wilcox. Ela em “It’s a Mystery” & “Leya” & “Echo Beach”. E junto do marido].
10 Comments:
At 5:37 da tarde, Táxi Pluvioso said…
Mais um episódio para arquivar na pasta “só visto, contado ninguém acredita”. Foram dois meses e meio de avarias no sinal ADSL, e, na recta final, fiquei dezoito dias consecutivos sem sinal.
Afinal a minha hipótese de uma cegonha ter pousado na linha não era tão descabida. Disse o técnico que se tratou de um cabo partido na central. E, no imaginário português, cegonha, tem um valor metafórico. Pode ser um rato, um cervo ou uma cotovelada ao festejar um golo… como sou optimista dou graças por terem levado tão pouco tempo a reparar o cabo... e rezo para que o próximo não seja um sargento.
Tudo está bem quando acaba bem.
At 12:00 da tarde, Ana Cristina Leonardo said…
aleluia!
At 1:25 da tarde, Táxi Pluvioso said…
Digo o mesmo. Uma coisa destas não lembra ao diabo. Só gostava de saber se outras pessoas passaram por situações iguais ou semelhantes, ou se eu tive um azar dos diabos? Tipo levar com o projéctil do pombo num estádio de futebol cheio.
Se me contassem uma cena destas teria muita dificuldade em acreditar. Quando fiquei sem sinal, todos os dias mandei um mail a protestar, todos os dias respondiam. Quando a avaria foi reparada, diz-me o técnico que só o avisaram nesse dia. Até dá vontade de rir.
Creditaram-me 58 euros por esta trapalhada. Agora tenho de perceber qual o significado disso. A conta que recebi tem 4 euros a menos, se calhar fica por aí, e o resto é imposto para o Estado. Não me admirava nada.
At 3:51 da tarde, Armando Rocheteau said…
Grande regresso!
At 5:26 da manhã, Táxi Pluvioso said…
Ver violência nesta história da professora é um caso de alucinação colectiva. Ou nunca viram violência. Eu só vejo uma birra entre gajas. E gajas porque agora todos se julgam jovens e não há linhas de demarcação. (Também o nono ano é a idade parva e os professores têm de ter outro estofo). Mas ela apresentar queixa no Ministério Público bate todas as marcas.
Por causa da difusão mediática, parece-me que as pessoas pensam nos tribunais, como lugares divinos, povoados de seres com poderes sobrenaturais, para resolver questões da forma mais justa. Os tribunais são locais de trabalho como os outros, e tal como todos os locais de trabalho estão povoados de inaptos que deviam estar a fazer outra coisa.
Conheço o caso de uma professora que repreendeu um aluno de 8 anos, por estar a levantar os tacos do ginásio, com um objecto cortante. Ele desata aos pontapés. Ela segura-o para não levar. Depois veio a mãe e cascou-lhe. E depois ainda veio a avó e também molhou a fruta. Não sei qual é a raça ou etnia. Este pormenor é fundamental para compreender os comportamentos. Mas como vivemos na época do “todos iguais” esse assunto é tabu e nunca serão possíveis estudos conclusivos. Continuem assim que vão longe.
No impresso de matrícula deve vir um quadro para a etnia para que sejam tomadas as estratégias necessárias, enquanto tratarem todos como iguais, vão deparar-se com problemas diferentes e depois não se queixem.
At 1:34 da manhã, Patrícia C. Carvalho said…
Olá Táxi!
Seja bem vindo a poltrona do computador que nos conecta ao mundo!
Voltaste com toda energia, pois já esta a escrever! Como sempre, com críticas pertinentes!
Lendo o seu artigo, e também com o teu regresso, lembrei-me de uma música de Chico Buarque (conheces?)
Bem, a canção chama-se "Meu caro amigo" o clipe está neste endereço do you tube http://www.youtube.com/watch?v=WPEPj3wpSb0
Quanto a reforama ortográfica, nós vamos nos adaptando aos poucos, ora pois ;)
Mais uma vez, seja bem vindo!
At 5:29 da manhã, Táxi Pluvioso said…
É a coisa está a ficar preta.
Tive que acrescentar o link das agressões policiais que me esqueci. Foi este episódio, sucedido no Parque das Nações, cujo inquérito foi recentemente arquivado.
Mas também podia ser outro qualquer, agressões de bófia não são crime, são manifestações de amor (pela ordem e pela lei).
At 11:11 da tarde, Manuel S. Fonseca said…
Táxi, obrigado pela boleia. Agora que voltei a ouvir "In the Court of the Crimson King" o que acho exaltante é como a coisa é meio medieva e muito sinfónica: a soma das partes dá um kitsch exaltante. Também gostei do regresso à mansão Playboy. Não vais acreditar, mas um dia convidaram-me. E fui.
At 2:54 da manhã, Táxi Pluvioso said…
Oh, Manel que sorte. A mansão Playboy deve ser o paraíso de que falam os muçulmanos, mas em que elas não são virgens, e onde podemos ir vivos.
At 2:17 da tarde, Anónimo said…
Isto não anda?
Tens aí o investidor do Boavista como matéria-prima!
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