Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

segunda-feira, dezembro 31, 2007


Desconto de fim de ano
Em Orbit City nada de novo. Nos apartamentos Skypad a família Jetson prepara-se para mais um dia no futuro. O ano é 2062. George Jetson carrega num botão e o aparelho de TV pula do chão da sala de estar. Transmite naquele instante um programa sobre pilastras da Civilização. Uma das figuras mundiais mais celebradas nos vindouros tempos é obviamente Mário Lino. O ministro dos Transportes e Obras Públicas português revolucionou as deslocações das pessoas no espaço. Génio incompreendido na sua terra anunciou: “arranjei um modelo que não traz encargos para o Estado”. Os críticos encartados escarneceram. Ele insistiu. A empresa Estradas de Portugal SA “vai ter que investir, vai ter que ir ao Banco pedir dinheiro emprestado”, desenrasque-se! E não venha pedir batatinhas porque “o Estado não é responsável pelas dívidas da empresa”. Nestas condições vantajosas, para os cofres públicos, assinou uma concessão de exploração das rodovias nacionais até 2099. Como o Banco era estatal, e faz parte da boa gestão perdoar dívidas aos amigos, família e bons clientes, o país ficou com umas eficazes auto-estradas de ar, para circularem os discos voadores, entretanto inventados. O modelo foi globalizado, e no século XXI, as pessoas voejam em segurança para os seus trabalhos, ao som de “Gilt Complex” da banda escocesa Sons And Daughters, fundada por Adele Bethel em 2001.

De manhã, no caminho para o trabalho, George Jetson distribui a família por vários locais. O filho Elroy deixa-o na Little Dipper School. A escola do primeiro contacto com os elevados valores do civismo e solidariedade. Faz parte do programa lectivo o “waterboarding”. Porque mete água as crianças adoram-no. Esta técnica de diálogo social foi popularizada no começo do século pela CIA. Os serviços secretos americanos usaram-na para interrogar evil persons em prisões alugadas nos países cuja elite necessitava dólar forte para pagar despesas com amantes. A CIA não é um bando de torturadores. É uma instituição séria, temente a Deus, e escolheu a simulação de afogamento, porque vinha com garantia de qualidade da Inquisição espanhola – o tribunal do século XV que velava pelas necessidades “espirituais” dos homens antes da profusão de inquisidores. (A administração da MTV2 proibiu o vídeo “Men’s Needs”, dos ingleses The Cribs, após uma queixa da Office of Communications de “violência demasiado chocante para um público diurno”).

Abu Zubaydah foi um dos felizes participantes nos interrogatórios da CIA. Palestiniano, de 30 anos, Zubaydah assumiu a liderança da al Qaeda, em Fevereiro de 2002, quando Osama bin Laden e Ayman al-Zawahiri fugiam da vingança americana. Foi capturado. Ferido gravemente nem assim escapou ao interrogatório colorido. Durante vários dias recusou cooperar com a agência de espiões. Aplicaram-lhe o tratamento. A falta de ar provocou-lhe uma visão de Alá incitando-o a falar. E contou o que sabia (e o que não sabia) produzindo uma informação indirecta, que levou à prisão de Khalid Sheikh Mohammed, em 2003, no Paquistão, que por sua vez foi “waterboarded”, conduzindo ao fracasso de inúmeros ataques terroristas e assim sucessivamente até para além do infinito. Jose Rodriguez Jr., director das operações clandestinas da CIA, ordenou a destruição das cassetes vídeo contendo os interrogatórios de Zubaydah e Abd al-Rahim al-Nashiri. Michael Hayden, director da CIA, clarificou este procedimento para não restar dúvidas das boas intenções da agência: “as cassetes constituíam um sério risco de segurança. Se aparecessem, permitiriam identificar os colegas da CIA que executaram o programa, expondo-os, e às suas famílias, à retaliação da al Qaeda e dos seus simpatizantes”. As informações obtidas foram mais do que aquilo que podiam mastigar, e, assim, solucionam todos os mistérios da História americana, inclusive os OVNI, o bebé Lindberg e Jimmy Hoffa. E, evitaram o “Doom Over The World” (da banda de doom metal finlandesa Reverend Bizarre).

De seguida George larga a filha Judy na Orbit High School. Neste liceu os valores da sociedade são consolidados nas aulas de bons exemplos do passado. Hoje vão analisar o caso de uma aluna inglesa morta no mês de Novembro de 2007. Meredith Kercher, 21 anos, estudava na cidade de Perugia, incluída no programa Erasmus. Foi assassinada na residência, que partilhava com a colega americana de 20 anos, Amanda Knox. Esta confessou o crime como consequência de uma nega de Meredith em participar num bacanal. A vida da comunidade estudantil foi vasculhada por jornalistas e investigadores que encontraram álcool, sexo e drogas, em vez de tardes debruçadas sobre livros ou computadores em bibliotecas e cybercafés. Duas lições foram tiradas. Primeira, os habitantes locais juram que os seus jovens são bons rapazes. Não se metem em confusões. Apenas bebem o copito de vinho às refeições como manda a tradição. São os estrangeiros que estão a trazer costumes alienígenas corrompendo a juventude dos países de acolhimento. O programa de intercâmbio de estudantes está a contaminar as comunidade locais e a importação da cultura da bebida excessiva, drogas e sexo desbragado são exemplos. (“Plaster Casts of Everything” dos Liars).

Em segundo lugar, mostrou que a exposição na Internet é perigosa, porque a Polícia recorre aos websites de convívio social como MySpace, Facebook, YouTube etc. para preencher as lacunas dos factos que não consegue verificar e, também, desenhar perfis dos suspeitos. E, isso é agravado pelo facto da Ciência estar na fase das folhas de chá, isto é, o especialista deita-se a adivinhar sobre os indícios que lhe aparecem, no fundo da chávena. Nesta fase científica não é aconselhável colocar na net fotos ou vídeos de festas e copos ou quaisquer outras. As conclusões destes cientistas são manchas impossíveis de lavar num tribunal. Uma foto de Raffaele Sollecito, italiano de 23 anos, namorado de Amanda Knox, brandindo uma faca numa festa de Halloween, revelará uma personalidade violenta, ou do outro suspeito, Rudy Hermann Guede, da Costa do Marfim, com as pálpebras reviradas, imitando um zombie, indica macabras tendências anti-sociais. O limite da adivinhação científica é o céu nesta nova ordem mundial. (N.W.O. dos Ministry. Banda de metal industrial fundada por Alien Jourgensen em Chicago, no ano de 1981).

A esposa Jane, depois de limpar a carteira do marido, desce no Shopping Center. Os centros comerciais futuristas oferecem um dia no paraíso. O ambiente friendly e as geringonças electrónicas que vendem dissolveram os problemas humanos. Um toque num botão e zás! o bem-estar é servido, não é preciso participar em concursos. A revista letã Privata Dzive promoveu um concurso chamado “Um Dia no Paraíso” destinado aos mendigos. O prémio era um dia de nababo na casa do milionário July Kruminsh. O sortudo contemplado, Alexandr Kuleshov, foi primeiro levado ao salão de beleza para tirar o sarro das ruas e retocá-lo numa forma humana apresentável. Depois partiu para o convívio de Kruminsh. Vestiu camisas de 400 euros, bebeu do melhor, fumou charutos caros, mergulhou na piscina e jogou bilhar com o milionário anfitrião. Quando voltou para a cama de cartão era “Popular” (dos Nada Surf – exceptuando o refrão, a canção é composta pela narração sarcástica de extractos do livro de Gloria Winters “Penny’s Guide To Teen-Age Charm And Popularity”).

Sorte também teve Astro, o cão de Elroy. Não foi recrutado para o Iraque. Pode sornar pelo apartamento rosnando: “right, Reorge!”. Matar em terra alheia causa complicações. O stress pós-traumático é um pincel psicológico. No regresso a casa impede de trabalhar e desperta o impulso de matar no centro comercial, na igreja ou na rua. Para atenuar estes efeitos a tropa americana tem cães terapeutas. Foram enviados para o Iraque os labradores Boe e Budge com a missão de dar “conforto emocional” aos soldados. Integrados no 85º Destacamento Médico da Marinha americana vão proporcionar afecto no campo de batalha e ajudar a recuperar do stress e traumas. Entretanto, Astro fica em Orbit City a ver na TV “Fuck The World” dos Turbonegro (grupo de death punk norueguês).

Rosie, a empregada doméstica robot dos Jetsons, não tem uma vida social fácil. As reivindicações humanas conseguiram a legalização dos casamentos dentro do mesmo sexo. Mas a luta do futuro é legitimar, no civil e na igreja, o matrimónio entre humanos e robots. Em 2062 Traci Lords, a maior actriz pornográfica americana, estaria desempregada ou simplesmente a cantar. Os circuitos integrados e as luzes pisca-pisca atraem os humanos, que sofrem o opróbrio e o ostracismo social, por uns momentos numa casa de banho pública com um robot. No futuro uma coisa se mantém. As passagens de ano continuam o eterno retorno do mesmo. As pessoas divertem-se a ver TV militar, comer tremoços e beber cervejolas, e desejar uma guerra nova para o ano seguinte, enquanto Robbie Williams se despe, até ao esqueleto, numa discoteca fiscalizada pela ASAE, em “Rock DJ”.

9 Comments:

  • At 3:46 da tarde, Blogger Armando Rocheteau said…

    Grande post. Grande Traci Lords.Bom Ano.

     
  • At 5:03 da tarde, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    Passo cá depois para ler. Entretanto, bom ano.

     
  • At 6:14 da tarde, Blogger Jana said…

    Ainda não li o seu post, mas acredito que esteja excelente como todos os outros, mas depois de tanto tempo de ausência minha, devo dizer que vou tirar meia hora para ler todos o que estão em atraso.... só me resta mesmo desejar um bom ano e continuação de excelentes posts! Bj

     
  • At 9:07 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Bom ano táxi.

     
  • At 12:51 da manhã, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    Uma pergunta: nesse futuro próximo ou longínquo fuma-se ou não se fuma? É que se se fuma, ainda há esperança...

     
  • At 1:53 da manhã, Anonymous Anónimo said…

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  • At 10:22 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    No futuro um português descobrirá o gene do tabaco, exportará esta tecnologia e as pessoas nascerão já com o número de maços fumados. Não há lugar para “Lauren Bacais”. No futuro não é preciso saber assobiar. Todos tocam gaita e, graças à riqueza gerada pela globalização, há gaitas para todos.

    Pus a Mona Lisa a mostrar a língua ao novo ano, porque não entendo as renovadas esperanças num ano melhor. Logicamente as coisas só podem piorar. (Ainda faltam as imagens chocantes nos maços de tabaco, por exemplo).

    Tentei fazer um best of do ano. Mas isso é impossível, pois a catadupa de trapalhadas é enorme, que necessitava de um livro e não um post. Mas acho que Mário Lino merece o título de português do ano. Escolhi o resto pelo seu simbolismo. O waterboarding – actividade digna e as explicações dos políticos ainda mais. A morte da aluna do Erasmus – muito boa a reacção dos italianos e um grande ensinamento para o que se publica na net. Facilita o trabalho dos aparelhos repressivos do Estado. No tempo do Saddam andava a CIA, tonta como uma barata, à procura do seu livro “Zubaida e o rei” para lhe fazer o perfil psicológico. Hoje bastava um click. Os pobrezinhos e o Iraque – são temas universais.

    Traci Lords é fantástica. Os seus gemidos eram sinfonias, autênticas óperas, música dos planetas. É pena, pois havia uma entrevista no YouTube, mas não consigo encontrar. Deve ter sido retirada. Ela mentiu na idade e começou no métier do porno aos 15 anos. Consequência: o Estado mandou retirar do mercado a sua obra inicial e os produtores foram para a cadeia, por causa do sexo com crianças. Criança? Com um corpo daqueles?

    Acho que o Estado deve determinar a idade de início da vida sexual mas também o seu final. Para não vermos velhos a mentir. A não ser que se considere sexo, a retirada da botija, quando a velha exclama: “ai que já me fodeste”.

     
  • At 5:58 da tarde, Blogger Jana said…

    Pessoalmente a história de Perugia chocou-me muito, evitei escrever sobre ela, até porque vinha num contexto, aqui na Itália, de grande violência de cariz sexual contra jovens, e em que o extremar de posições contra os estrangeiros, que me levou durante umas duas semanas e temer sair de casa... ao menos aqui em Roma!
    A morte da Amanda, mais uma vez, aqui na Itália teve grandes reprecurssões e foi a primeira vez que os italianos assistiram a uma cobertura televisiva alla portuguesa (emissões intermináveis em directo e mais contra-informação, do que realmente factos)...
    Não adianta recontar a história com os promenores a mais que sei... no fundo todo este horror levou a que se reflectisse sobre a necessidade de ter limites... e essa é uma palavra muito ambigua em Erasmus... para explicar melhor, perguntaram-me porque quis fazer parte destes quase dez milhões, que nos ultimos 10 ou 15 anos estudaram por um período fora do seu país... encontro três principais motivações: 1º tomar contacto com outras formas de ver a ciência que estou a aprender e tanto amo; 2º pelo facto de aprender uma lingua nova; 3º e acima de tudo pela experiência (o conhecer novas pessoas, novas culturas e novas formas de ver o mundo)...
    O erasmus é tudo isto e muito mais, é avassalador, não queria tornar isto demasiado intimista só com a minha experiência pessoal, mas como estou a vivê-lo neste momento, é impossivel... mas há uma Juliana anterior e uma posterior a esta estadia na Itália: em Portugal, devido a uma data de responsabilidades familiares e também o gosto pelo meu espaço e pelos livros, o tempo que sobra para execessos é pouco! Aqui, esse tempo é imenso! É necessário aprender a viver com ele, para muitos é a 1ª vez que estão fora de casa, com os pais a mts km (sendo nos amigos e no convivio com estes, que se encontra todo o suporte emocional), além de dinheiro no banco para administrar consoante se entender! ... penso que o resultado são os tais excessos, que em casos extremos têm destas consequências...
    Quanto ao lado institucional, ninguém espera outra coisa dos erasmus, os professores, os coordenadores, etc... não esperam que os alunos venham às aulas, que saibam muito para os passar... porque simplesmente são ERASMUS...um período da vida sem limites, no qual os estudos é o que menos interessa!
    Ser-se diferente, torna-nos um bicho raro, ainda que tenha encontrado pessoas calmas como eu, e que tenha feito amizades que durarão a vida toda... e é isso que é o Erasmus para mim... um misto de nova experiências e de interculturalidade... uma coisa posso dizer, não somos uma massa homogenea, transportamos no coração todas as emoções, mas uns voltam a casa com alguns problemas no fígado, de dependência de drogas e com um leque de novas experiências sexuais... o cerne da questão está sempre nos limites morais que se impõe...e a moralidade não é feita em erasmus, vem já dentro de nós, por isso os erasmus (enquanto pessoas) não vêem ao país dos outros fazer algo, que não fariam em casa, aqui simplesmente o 8 vira 80! No meu caso pessoal, o 1 ou 2 virou 8!
    Quanto às questões da nova cientificidade das investigações guardo para outro comment, ou até para um futuro post, porque este já vai muito longo!

     
  • At 7:30 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Fiquei com pena de não ter havido Erasmus no meu tempo!

     

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