Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quinta-feira, outubro 12, 2006

Nas barbas da rainha


As sociedades de comércio livre, controladas pelo poder económico-financeiro, segregaram para segundo plano o poder político. Os profissionais desta actividade passaram a ter sérias dificuldades em justificar o seu lugar na sociedade, que passou a vê-los como uma excrescência supérflua, decrescendo, a olhos vistos, a afluência às urnas nos actos eleitorais. A velha técnica de prometer pão e circo declina como chamariz para atrair o cidadão eleitor à medida que a riqueza das sociedades cresce satisfazendo cada um segundo as suas necessidades. O inesgotável palavreado dos políticos esvai-se de sentido, cheira a banha da cobra, adquire mofo e deixa as assembleias de voto às moscas. O que se passou com a utilidade dos líderes políticos? … E tudo o vento do dinheiro levou. Tornavam-se nos modernos bobos da corte. Ninguém duvida que, por exemplo, o CEO da McDonald’s tem mais poder efectivo que a maior parte dos chefes de Estado ou de Governo (excepto, os que seguiram a opção americana de patrocinar sectores económico-industriais - o seu Presidente passou a ser apenas um testa de ferro de alguma poderosa indústria. No caso da administração em funções, a petrolífera e a de armamento militar). Era urgente montar uma nova tenda com espectáculo renovado, instrumentos novos e bailarinas mais ecléticas. Em suma, era preciso mudar o disco e a ajuda, tal como na Idade Média, veio do Islão.

É um método muito antigo para manter o poder. Quando as coisas estão mal inicia-se uma guerra. (Os imperadores romanos usavam e abusavam do estratagema. Às vezes a coisa dava para o torto. Marco Aurélio usou o esquema atacando os Partos, para os lados do Irão, venceu, mas trouxe para Roma, além do saque, uma doença desconhecida, provavelmente malária, que dizimou um quarto da sua população). Para que uma campanha militar tenha o apoio popular generalizado, e ninguém gosta de morrer, recorre-se a uns truques de polichinelo, mas de grande efeito psicológico, que qualquer aprendiz de político muito bem conhece na sua gestão de grandes multidões. Usa-se o “choque atordoante” que dá resultados imediatos (utilizado com sucesso pela administração Roosevelt que deixou o ataque a Pearl Harbour suceder para gerar uma onda de repudio e ódio entre uma população americana pouco motivada para a guerra. Desde esse dia 7.12.1941 as filas nos postos de alistamento perdiam-se de vista e os G.I. Joes combateram com o empenho que se viu). Ou, então aproveita-se o silencioso “terror psicológico” (tão bem explorado nos velhos filmes de cowboys e índios de John Ford. As caravanas de colonos que atravessavam o Far-West estavam sujeitas a uma ameaça sempre presente mas invisível. E, assim, o realizador americano mantinha o espectador em suspense sem ter que gastar muito dinheiro em actores secundários e figurantes). O espanto causado por um acontecimento doloroso que feriu o orgulho nacional ou o medo contínuo de um inimigo invisível continuam a ser os melhores métodos para conduzir as massas à guerra.

A categoria de inimigo requer umas pinceladas para provocar a aversão imediata (veja-se o que sucedeu ao apoio popular à guerra do Vietname quando, na imagem veiculada pelos media, Ho Chi Min, com o seu ar diáfano, parecia um santo e o aspecto oleoso de Richard Nixon transmitia a ideia de um patife dissimulador). A demonização do inimigo é a primeira letra da cartilha pronunciada pelos senhores encarregados de preparar o povo para a guerra. A linguagem política – o terrorista, o islamita, o fundamentalista – usada na nossa época para agitar patriotismos, empunhar estandartes e ir para a guerra, situação permanente de uma sociedade interessada em propagar o comércio livre, é eficaz em agitar corações e má conselheira para a razão. Quando a fanfarronada política se torna em conceitos sociológicos, encurta a distância da análise, e o comentador isento desaparece substituído por um yes man. (Os nossos comentadores e académicos são de morrer a rir. Batem os “Gato Fedorento” nos trocadilhos da Língua portuguesa).

O dialecto político-religioso americano sobre os perpetradores de atentados – evil ones, bad person, thugs, evil ideology – tem dificultado a compreensão do fenómeno. Neste new speech de Washington “árabe morto” é traduzido por “militante islâmico”e ninguém se apercebeu da desonestidade e cobardia deste tipo de generalizações. Quando as bombas rebentaram em Inglaterra, nas barbas da rainha, vieram dar uma nova hipótese de uma abordagem científica dos factos. Os terroristas não são mais uns barbudos sujos, desconhecidos, encafuados nas areias do deserto, mas o vizinho next door, o professor dos nossos filhos, o rapaz que joga cricket, o friendly neighbour (que tão bem conhecemos das aventuras do Homem-Aranha). Talvez, finalmente, acordem para o entendimento das razões que estão por detrás deste tipo de comportamentos estranhos para a sociedade ocidental. (Como seria bom que a luz viesse de um investigador português para juntar aos inúmeros factos que nos últimos tempos os lusitanos tem sido responsáveis).

Mas pelos vistos não. O desejo mais íntimo de Tony Blair seria meter um chip em cada árabe e controlá-los por GPS mas, démocratie oblige, as medidas escolhidas para combater o terrorismo têm de ser iguais para todos. Não queremos ser acusados de trogloditas que ainda não descobriram o regime político perfeito. Controlar as chamadas telefónicas de todos os europeus é suficientemente democrático. Controlar os Meios de Comunicação Social para minimizar o “efeito jarrão de Bagdad” (como bem teorizou Donald Rumsfeld. Passar repetidamente a mesma imagem dava a ideia errada de que existiam centenas de jarrões em Bagdad). Ipso facto, passar imagens de árabes ensanguentados, estraçalhados, queimados até parece que os estão a matar e não a levar Liberdade e Democracia, também não é uma boa medida. Toda a gente se empanturra com televisão, a informação tem que ser controlada para o nosso bem.

Não se combate o terrorismo com lugares comuns do estilo: não hostilizar a comunidade islamita, conseguir a adesão dos moderados contra os sectores mais fanáticos e radicais, combater o racismo e o anti-islamismo para que, atitudes estigmatizantes, não acentuem mais o radicalismo. Controlar é a palavra de ordem nesta visão apocalíptica dos dirigentes actuais. Seja de camisa castanha ou camisa preta, o fascismo é a sociedade democrática atingindo o seu estado de perfeição.