Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sábado, novembro 04, 2006

Habituem-se


O futuro da Democracia é o Estado policial. E na evidência deste facto só temos que nos habituar. É que nem podemos dizer que se estão a dar passos tímidos nesse sentido. Eles são longos e cadenciados como numa parada militar na Coreia do Norte… mas em formato benfazejo desejável. Mais do que um regime político, a Democracia tornou-se numa espécie de marca registada que se exporta para todo o lado como uma bebida gaseificada carregada de cafeína. No quadro mundial actual provou ser tão útil como um exército poderoso para impor uma ordem económica através de uma via política. O objectivo é sempre o mesmo – o domínio do mundo. Se um país tem algum interesse económico ou estratégico-militar envia-se dinheiro e especialistas em contestação organizada para implantar a Democracia. O esquema nem é novo e funcionou às mil maravilhas no Portugal aprilino quando Frank Carlucci desembarcou com a mala do dinheiro. Ou na Polónia do Lech Walesa de Gdansk, com o Vaticano de João Paulo II a servir de placa giratória do dinheiro. Mais recentemente o processo, com as suas inevitáveis adaptações, deu bons resultados na Sérvia, na Ucrânia, na Geórgia, e no Líbano (antes dos céus manarem bombas israelitas).

E os regimes emergentes serão democracias? Claro, desde que estejam do nosso lado, são democracias indubitavelmente. Veja-se os paradigmáticos casos de Putin e Musharraf, seria impossível encontrar figuras mais democráticas que eles. O povo terá de esperar por melhores dias para entrar na História. Apesar de Karl Marx ter tentado espremê-lo lá para dentro, por enquanto estamos na democracia dos líderes. Eles surgem iluminados em luz eléctrica, debaixo dos focos da clarividência, e pairam em carismática sabedoria por cima do povo, que se atontou nas últimas décadas. Tanto lhe pediram para votar que o cérebro foi-se com o papelinho dobrado, para dentro da urna? Para o bilhar grande? Para alguma ETAR? Difícil dizer. O espectáculo é o mesmo em Portugal ou nos Estados Unidos. Vota-se por convicção clubista, a escolha do partido (ou de uma figura para ocupar um cargo) é emotiva e não racional. Depois espera-se que as coisas melhorem. E, nisto os portugueses são de se lhe tirar o chapéu, nunca perdem a esperança (nem mortos).

Um conceito original surgido na guerra do Iraque foi o de Democracia Musculada. Ou seja, liberdade mas não muito, o cassetete complementa o voto. Apesar do pitoresco da expressão, a realidade é que as nossas sociedades irão desembocar numa liberdade vigiada e controlada. As polícias, dos mais variados aspectos comportamentais, recrutam cada vez mais efectivos e são equipadas com tecnologia de ponta (a determinados níveis mesmo secreta). As leis e o Direito adaptam-se para legalizar um novo statu quo. O que era ilegal passou a ser permitido em nome de um valor mais importante que a Liberdade e que a esta se sobrepõe – a Segurança. Surgem engraçadas teorias como o “Direito para amigos” (os que ameaçam a nossa segurança, mas curam-se com uns tempos de cadeia ou uma execução institucionalizada, nos locais onde professam o cariz revivescente da pena de morte) e o “Direito para inimigos” (os que cospem na nossa segurança e a cadeia ou a pena de morte não chegam para a sociedade cobrar a sua vingança) – teoria saída da cabeça de Günther Jakobs, esse revisor de Rousseau, Kant, Fichte, Hobbes, que considera que certos indivíduos ao cometerem actos inomináveis quebram o contrato social e o consequente direito de cidadania, logo podem ser tratados abaixo de cão. E quem escolhe e define os inimigos? Ora, quem havia de ser? Os nossos líderes. E alguns, como o Sr.Wbush, têm-nos bem definidos na sua prodigiosa mente. São os evil ones. (O toque religioso no discurso é de melhor assimilação do público em geral e dos penalistas alemães argentados de filosofia em particular).

São os famigerados terroristas que despoletaram um negócio de futuro, associado a tudo o que seja segurança, desde instalações de sistemas de vídeo, cursos de defesa pessoal ou como reagir em caso de rapto. E ao mesmo tempo aceleraram a mudança de valores que pautavam as sociedades ocidentais. Esta mudança começou a dar os primeiros passos com a necessidade de controlar grandes aglomerados de pessoas (cidades, manifestações ou estádios de futebol, por exemplo). Com a actividade terrorista deste início de século tornou-se o objectivo e a razão de ser dos nossos líderes. A Segurança passou para valor principal ao qual a Liberdade, Justiça e Solidariedade, estão subordinados. O Estado moderno nasceu. Ao povo dê-se pão e circo enquanto se instala o novo admirável mundo novo.

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