Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

segunda-feira, outubro 23, 2006

Futebol e pontapé na canela

Numa época em que acabaram os analistas perspicazes, isentos, capazes de penetrar a realidade e encontrar os fios de Ariane condutores ao seu Sentido. Ficámos sem guias intelectuais que orientem na transição da idade das massas para o germinar do novo individualismo. Ficámos sem pensadores que façam a agigantada faina oceânica de um Ortega y Gasset às avessas. Para piorar as coisas, os políticos e os padres fazem o derradeiro esforço para massificar as sociedades e não perderem o emprego. Os observadores sensatos foram engolidos no ruído branco do excesso de informação, ataroucados na nova filosofia “mostrar tudo para nada revelar” dos mass media em livre concorrência, encostaram à boxe da ataraxia, definharam no mar das notícias. E, elevaram-se do palude, os comentadores perdidos no poço da ideologia. Com a simplicidade de um fã de futebol escolhem a sua equipa, enfarpelam-se a rigor de convicções e certezas, e cada um defende a sua dama como a mais bela e virtuosa esgrimindo variações sobre argumentos saídos das bocas dos seus líderes. E, isso é grave quando os líderes são simplesmente mentirosos.

Quando ouvimos disparates como a “visão” dos dois Estados de Wbush para o Médio Oriente ninguém viu que ele está apenas a macaquear Martin Luther King. Gerou-se um quiqueriqui no galinheiro da intelectualidade, que opina em troca do pay check no fim do mês, vendendo a ideia de que a solução chegou e a paz reinará na terra de Canaã enterrando as idiossincrasias dos povos. Mas, aqueles que conhecem a psicologia do povo judeu sabem que, tem mais possibilidades o Muro das Lamentações ganhar pernas e andar, do que o ancestral espírito de colonização, no cumprimento da promessa do seu Deus, esfumar-se em acordos sobre fronteiras que não respeitem os limites da Terra Prometida. Aceitar a ideia de dois Estados significa nunca ter olhado um mapa actualizado da região e não compreender da impossibilidade de um Estado palestiniano cruzado de estradas exclusivas para judeus que ligam os vários colonatos existentes. E dos que serão construídos no futuro.

As visões erradas da realidade surgem porque a única voz que os media veiculam é a dos políticos e do seu coro grego encarregado de dar mais efeito dramático ao enredo. Ninguém se preocupa em analisar a constituição psicológica do povo como um todo unido num meio cultural. Como funciona o cérebro das pessoas? Como ele foi estruturado a partir dos elementos de Cultura? Em última análise é isso que forma as estruturas cognitivas e determina as escolhas e os acontecimentos.

Matejar no emaranhado semasiológico criado pelos novos fazedores de opinião carece de uma lâmina mais afiada que a de Guilherme de Occam. Imagine-se! Até dizem que a História é uma ciência. De facto, a História como ciência é uma pura mistificação para ocupar ociosos e vender livros. Um dos maiores erros que se comete é pensar que a História é escrita pelos vivos (ilustres historiadores) num sensível trabalho de filigrana de ordenação dos acontecimentos passados. A História como elucidação do passado é uma historieta contada nas aulas televisivas do agente turístico e Prof. Hermano Saraiva. A História serve para dar sentido ao presente não ao passado. Seleccionamos os factos, privilegiamos alguns, esquecemos outros, numa trama coerente que melhor serve os nossos propósitos actuais. Que dê sentido à nossa vida e clarifique o nosso entendimento do mundo. Por isso, a História de hoje será escrita pelos que hão-de nascer, no seu afã de criar uma concepção do mundo (Weltanschauung), darão um Sentido à nossa realidade. Tal como nós o fazemos com o passado.

Para melhor se compreende que os factores psicológicos se sobrepõem às boas vontades dos políticos convém recordar dois acontecimentos anódinos que nem constam da História. Moshe Nisin, condutor de um dos bulldozers usados no campo de refugiados de Jenin, fez a seguinte declaração reveladora de uma forma generalizada de pensar: “quando me disseram para demolir uma casa, explorei essa ordem de modo a destruir umas quantas mais. Pelo megafone, avisavam os residentes que saíssem antes de eu entrar. Mas não dei hipóteses a ninguém. Não esperei. Tenho a certeza que morreu gente dentro das casas. Acho que lhes deixámos um campo de futebol, eles que joguem lá”. Talvez fosse neste campo que o neófito santo nacional, José Mourinho, patrocinou, juntamente com Shimon Peres, aquele jogo entre crianças judaicas e palestinianas numa acção de marketing político para derrubar as barreiras entre as duas comunidades. Mas isso não invalida o sentimento popular que vem ao de cima quando as câmaras de televisão abandonam o local.

Outro acontecimento deu-se em Março de 2002, no campo de Bourj Barajneh, bairro sul de Beirute. Numa manifestação anti-Israel crianças entre os 5 e 7 anos gritavam “morte a Israel” e “morte a Sharon”. E ninguém achou este comportamento bizarro. Quando crianças desta idade usam palavras tão fortes, (como se desejar a morte, seja de quem for, fosse uma banalidade), os dirigentes do mundo, sem excepção, preocupados com o fenómeno da pedofilia e na protecção da infância, deveriam parar para pensar e… demitirem-se em bloco. Assim fariam História.

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