Academia de polícia XXI – o filme
Quando se deu o golpe militar do 25 de Abril sucedeu um milagre que passou desapercebido aos analistas mais desatentos. A PIDE – chamada DGS no consulado de Marcello Caetano – tinha a melhor rede de informadores do mundo, onde assentava toda a sua eficiência na protecção do regime político em vigor durante quarenta e oito benditos anos. A polícia política pagava bem e, por tabela, satisfazia o sentimento bem português da inveja pelo vizinho. Matava dois coelhos com uma cajadada. Velava pela saúde económica e psicológica do cidadão. Este ganhava uns cobres e podia fazer mal a quem não gostasse. E, de repente, num abracadabra mágico, no meio do folclore de soldados amigos do povo, chaimites e cravos vermelhos, eles desapareceram. No dia 26 todos eram democratas de gema… clara, casca e tudo. Juravam que tudo fizeram para que o benfazejo regime democrático chegasse às praias lusas. Que não aguentavam mais as garras da censura à volta do pescoço coarctando a entrada do ar da Liberdade. Que aquilo era tudo cinzento e almejavam as psicadélicas cores do submarino amarelo dos Beatles. Que se não fosse a PIDE andavam por aí feitos uns Easy Riders, (como Peter Fonda e Dennis Hopper), ao som de “Born To Be Wild”, dos Steppenwolf. Os feios fascistas, e simpatizantes, transmutaram-se em belos democratas como num conto de fadas abrilhantado, não pelo “Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, mas pela “Grândola, Vila Morena” do olvidado Zeca Afonso. Hoje, trinta e dois anos depois, é possível saber o que se passou.
Ao vermos o emocionado Jorge Sampaio (nas funções ainda de Presidente da República e não como Sancho Pança da ONU na luta contra a tuberculose multi-resistente) num carro descaracterizado da GNR, espantado com a incivilidade dos condutores, galrando com os Guardas para encher tempo televisivo público, e a constatar surpreendido que os automobilistas alteram o seu comportamento ao verem que no carro vão dois homens fardados. Num passe de mágica da cartola saca joanica ideia. De que eles deveriam passar a apresentar-se também à paisana. (Em plain clothes, para as novas gerações instruídas no Inglês básico). Que seria uma forma de melhor controlar as estradas.
Poderíamos pensar que o então Presidente neceava para estar ao mesmo nível intelectual dos Guardas, como se estivesse numa estólida conversa de quartel, de portuguesíssimo rubinéctar regada. Ou, que, o politicão estava a aguitarrar a realidade injectando-lhe mais faca e alguidar para que, finalmente, o Fado se tornasse a música nacional, substituindo o “encapuzado” pelo “bófia à paisana”. Mas podemos ver as coisas de outra forma. Quando os heróicos militares ceivaram o povo do curral da longa noite fascista, o “polícia” (efectivo e mental) não foi escorraçado para o exterior. Para o tropical Brasil (Marcello e Thomaz) ou a tauromáquica Espanha (Rosa Casaco). Ele foi interiorizado. No bom fundo português está adormecido o "polícia". De vez em quando levanta o cassetete e exige a sua oferenda de sangue, nódoas negras, ossos estilhaçados ou euros de multas. E vem mesmo a calhar porque estamos no campo profissional do português do futuro. Do século XXI.
A História Económica portuguesa recente descreve-se em duas pinceladas. O tempo em que a praça da jorna era o centro económico da aldeia desapareceu, e com ele, um povo de senhores da terra e jornaleiros, ignorantes, supersticiosos, agarrados ao xaile e às histórias da Bíblia, contadas por melosos padres. A industrialização em Portugal foi uma miragem, serviu, apenas, de expediente para explorar um povo famélico e acumular fortunas em meia dúzia de famílias. O desenvolvimento do sector terciário foi a tábua de salvação engrossando uma função pública que dava emprego a quase todos. Sem agricultura e indústria os restantes portugueses viram-se para a construção civil, criando um país de cabouqueiros e trolhas, optimizando a experiência adquirida nas obras em França. Durante uns tempos a prosperidade floresceu, mas os 91.836 quilómetros quadrados, arrancados a ferros aos espanhóis, em 1297, por D. Dinis, no Tratado de Alcanizes, e disponíveis para a construção estão a esgotar-se rapidamente. Pedem-se novas competências aos herdeiros de Viriato e dos três embaixadores subornados por Servílio Cipião. Os lugares de portugueses de sucesso no estrangeiro são limitados, não chega para todos, a emigração em massa está fora de questão. Sem uma classe empresarial com ideias o futuro parece ser um eterno desemprego. Com os políticos não vale a pena contar, conscientes da sua incapacidade para governar, circunscrevem as suas ambições à luta por um lugar decorativo numa organização internacional (ONU, Comissão Europeia, Organização de Unidade Africana, Associação Internacional dos Padeiros e Pasteleiros, etc.).
Tal como nos meados da década de setenta a bóia vem do emprego no improdutivo sector terciário. Mas não na função pública no sentido restrito. Essa deu o berro em Portugal. O mangas-de-alpaca terá de vestir a farda para se adaptar ao ar dos tempos. O emprego das novas gerações de portugueses será na Polícia. O futuro trará uma pletora de especializações. Teremos a polícia tributária. A polícia do cocó do cão. A polícia da separação do lixo. A polícia da Internet. A polícia do parquímetro. A polícia do lixo atirado da janela para a rua. E todas as outras que a imaginação trouxer e as necessidades de controlo por parte do Estado o exigirem. Quem acredita na fantasia de que o neo-liberalismo económico significa menos Estado deveria ler Josef Estaline para saber como isso se faz. (Num Estado em vias de extinção, o seu desaparecimento passa inevitavelmente pelo reforço dos seus poderes). O futuro será o Estado policial. E, os portugueses, graças aos frutos do regime do Prof. Dr. Oliveira Salazar, podem tomar a dianteira da Humanidade outra vez, desbravando os mares ignotos da vídeo-vigilância, dos computadores de reconhecimento facial, dos cartões com dados biométricos, dos arquivos de ADN. E, desta vez, nem é preciso dobrar Bojador algum. Basta exteriorizar o “polícia” que temos dentro de nós.
Quando se deu o golpe militar do 25 de Abril sucedeu um milagre que passou desapercebido aos analistas mais desatentos. A PIDE – chamada DGS no consulado de Marcello Caetano – tinha a melhor rede de informadores do mundo, onde assentava toda a sua eficiência na protecção do regime político em vigor durante quarenta e oito benditos anos. A polícia política pagava bem e, por tabela, satisfazia o sentimento bem português da inveja pelo vizinho. Matava dois coelhos com uma cajadada. Velava pela saúde económica e psicológica do cidadão. Este ganhava uns cobres e podia fazer mal a quem não gostasse. E, de repente, num abracadabra mágico, no meio do folclore de soldados amigos do povo, chaimites e cravos vermelhos, eles desapareceram. No dia 26 todos eram democratas de gema… clara, casca e tudo. Juravam que tudo fizeram para que o benfazejo regime democrático chegasse às praias lusas. Que não aguentavam mais as garras da censura à volta do pescoço coarctando a entrada do ar da Liberdade. Que aquilo era tudo cinzento e almejavam as psicadélicas cores do submarino amarelo dos Beatles. Que se não fosse a PIDE andavam por aí feitos uns Easy Riders, (como Peter Fonda e Dennis Hopper), ao som de “Born To Be Wild”, dos Steppenwolf. Os feios fascistas, e simpatizantes, transmutaram-se em belos democratas como num conto de fadas abrilhantado, não pelo “Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, mas pela “Grândola, Vila Morena” do olvidado Zeca Afonso. Hoje, trinta e dois anos depois, é possível saber o que se passou.
Ao vermos o emocionado Jorge Sampaio (nas funções ainda de Presidente da República e não como Sancho Pança da ONU na luta contra a tuberculose multi-resistente) num carro descaracterizado da GNR, espantado com a incivilidade dos condutores, galrando com os Guardas para encher tempo televisivo público, e a constatar surpreendido que os automobilistas alteram o seu comportamento ao verem que no carro vão dois homens fardados. Num passe de mágica da cartola saca joanica ideia. De que eles deveriam passar a apresentar-se também à paisana. (Em plain clothes, para as novas gerações instruídas no Inglês básico). Que seria uma forma de melhor controlar as estradas.
Poderíamos pensar que o então Presidente neceava para estar ao mesmo nível intelectual dos Guardas, como se estivesse numa estólida conversa de quartel, de portuguesíssimo rubinéctar regada. Ou, que, o politicão estava a aguitarrar a realidade injectando-lhe mais faca e alguidar para que, finalmente, o Fado se tornasse a música nacional, substituindo o “encapuzado” pelo “bófia à paisana”. Mas podemos ver as coisas de outra forma. Quando os heróicos militares ceivaram o povo do curral da longa noite fascista, o “polícia” (efectivo e mental) não foi escorraçado para o exterior. Para o tropical Brasil (Marcello e Thomaz) ou a tauromáquica Espanha (Rosa Casaco). Ele foi interiorizado. No bom fundo português está adormecido o "polícia". De vez em quando levanta o cassetete e exige a sua oferenda de sangue, nódoas negras, ossos estilhaçados ou euros de multas. E vem mesmo a calhar porque estamos no campo profissional do português do futuro. Do século XXI.
A História Económica portuguesa recente descreve-se em duas pinceladas. O tempo em que a praça da jorna era o centro económico da aldeia desapareceu, e com ele, um povo de senhores da terra e jornaleiros, ignorantes, supersticiosos, agarrados ao xaile e às histórias da Bíblia, contadas por melosos padres. A industrialização em Portugal foi uma miragem, serviu, apenas, de expediente para explorar um povo famélico e acumular fortunas em meia dúzia de famílias. O desenvolvimento do sector terciário foi a tábua de salvação engrossando uma função pública que dava emprego a quase todos. Sem agricultura e indústria os restantes portugueses viram-se para a construção civil, criando um país de cabouqueiros e trolhas, optimizando a experiência adquirida nas obras em França. Durante uns tempos a prosperidade floresceu, mas os 91.836 quilómetros quadrados, arrancados a ferros aos espanhóis, em 1297, por D. Dinis, no Tratado de Alcanizes, e disponíveis para a construção estão a esgotar-se rapidamente. Pedem-se novas competências aos herdeiros de Viriato e dos três embaixadores subornados por Servílio Cipião. Os lugares de portugueses de sucesso no estrangeiro são limitados, não chega para todos, a emigração em massa está fora de questão. Sem uma classe empresarial com ideias o futuro parece ser um eterno desemprego. Com os políticos não vale a pena contar, conscientes da sua incapacidade para governar, circunscrevem as suas ambições à luta por um lugar decorativo numa organização internacional (ONU, Comissão Europeia, Organização de Unidade Africana, Associação Internacional dos Padeiros e Pasteleiros, etc.).
Tal como nos meados da década de setenta a bóia vem do emprego no improdutivo sector terciário. Mas não na função pública no sentido restrito. Essa deu o berro em Portugal. O mangas-de-alpaca terá de vestir a farda para se adaptar ao ar dos tempos. O emprego das novas gerações de portugueses será na Polícia. O futuro trará uma pletora de especializações. Teremos a polícia tributária. A polícia do cocó do cão. A polícia da separação do lixo. A polícia da Internet. A polícia do parquímetro. A polícia do lixo atirado da janela para a rua. E todas as outras que a imaginação trouxer e as necessidades de controlo por parte do Estado o exigirem. Quem acredita na fantasia de que o neo-liberalismo económico significa menos Estado deveria ler Josef Estaline para saber como isso se faz. (Num Estado em vias de extinção, o seu desaparecimento passa inevitavelmente pelo reforço dos seus poderes). O futuro será o Estado policial. E, os portugueses, graças aos frutos do regime do Prof. Dr. Oliveira Salazar, podem tomar a dianteira da Humanidade outra vez, desbravando os mares ignotos da vídeo-vigilância, dos computadores de reconhecimento facial, dos cartões com dados biométricos, dos arquivos de ADN. E, desta vez, nem é preciso dobrar Bojador algum. Basta exteriorizar o “polícia” que temos dentro de nós.
4 Comments:
At 1:17 da manhã, A Chata said…
E começar a pensar onde vamos colocar tantos presos.
A Inglaterra já tem esse problema.
Já têem as prisões tão cheias que até as celas das esquadras de policia já estão cheias e a ser ocupadas por mais tempo que o que era habitual.
Como ler a imprensa inglesa é assim como ir à Maya para prever o futuro em Portugal (com resultados mais fiáveis), não tarda estamos a transformar antigos hospitais e quarteis em prisões.
Desconfio fortemente que os nossos ministros não fazem nada sem ler os
jornais ingleses.
At 12:26 da tarde, GPC said…
Para ficarem sem destoar no texto, não escreva pontinhos nos números.
(se quiser separar,use um espaço)
Como aprendo palavras consigo ("cabouqueiros", por exemplo) quis retribuir...
cumprimentos
At 8:23 da manhã, Táxi Pluvioso said…
Agradeço a sugestão dos números. Sou daqueles que ainda usa a enciclopédia em suporte papel.
At 8:29 da manhã, Táxi Pluvioso said…
Quanto ao aumento da população prisional será inevitável, pois existirão cada vez mais comportamentos criminalizáveis, mas o Estado está a criar formas imaginativas de punição e, por tabela, poupar algum.
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