Cacetada da polícia
Todo o cidadão comum é um criminoso. É um facto. Mesmo aquelas velhas desdentadas perdidas no Portugal profundo, que são o sustentáculo moral e o postal ilustrado do nosso país, e que acreditam piamente no Senhor e na imaculabilidade das suas vidas, não podem cantar de galo e atirar pedras porque, um dia, quando menos esperam, podem vir a ter problemas com a Justiça. Temos de concordar que os portugueses esforçam-se para serem homens de bem. Para o conseguir, em vez de trabalhar, rezam. Rezaram para que Portugal ganhasse o Euro e a Grécia fez a festa. Rezaram para que chova no Verão e não caía uma gota, só fogos infernais. Rezaram para que a enxurrada do Inverno não lhes levasse os tarecos e caves e primeiros andares inundaram. Rezaram para que o Papa fosse imortal e Deus leva-os inexoravelmente. Acautelem-se que as coisas estão a mudar. Não se pode confiar com certeza absoluta que se levou uma vida de acordo com as leis de Deus e de César. Quando menos se espera a bota do polícia pode deitar a porta abaixo por uma razão anódina. Uma multa, uma carta anónima, um forte indício de crime, um engano, qualquer motivo poderá causar embaraço ao cidadão comum. (E depois de estar emaranhado nos fios da máquina policial e judicial dificilmente se sai sem danos incalculáveis. Mesmo indo para a Roménia trabalhar em projectos da União Europeia).
Os velhos tempos do polícia que respondia por “Sr. Guarda”, semi-barrigudo, mal pago, de músculos enferrujados, que tinha de complementar o vencimento com biscates a verificar boletins do totobola na Santa Casa da Misericórdia, estão enterrados. Estamos nos tempos modernos dos “Srs. Agentes”, bem equipados, com especializações em tudo e mais alguma coisa, formação liceal, musculados, bem remunerados, voluntariosos, com a cabeça cheia de filmes americanos, atiram-se aos maus com ganas. A segnícia evaporou-se das esquadras, mostrar serviço é preciso, mesmo com os naturais excessos de uma profissão que está no limite do legal e do ilegal. Os fins justificam sempre os meios. Só os poetas tísicos ou os idiotas é que pensam o contrário.
Décadas de violência policial tiveram como consequência a necessidade de autodefesa das pessoas. É o princípio básico da mecânica clássica de acção-reacção, (a uma acção corresponde sempre uma reacção), que toda a criança deveria aprender na instrução primária juntamente com o seu miraculoso inglês. Desde o golpe militar de Abril74 que a impunidade da polícia se foi cimentando. Espancamentos, torturas, mortes nas esquadras, prepotência gratuita e abuso de poder nas ruas. E os visados sem nada poderem fazer, excepto, comer e calar. Queixas para os tribunais envolvendo forças de segurança são perda de tempo e dinheiro. A palavra de um agente da ordem é inquestionável. Ao passo que um criminoso mente com quantos dentes… deixou no chão da esquadra.
Os fenómenos da auto-mutilação e do suicídio tornaram-se o dia a dia de um posto policial. (Os criminosos atiram-se contra as paredes e pelas escadas abaixo e enforcam-se quando o “Sr. Agente” está distraído). Portugal, prolífero de especialistas em psicologia, nem um se dedicou ao problema sugerindo soluções. Fizeram o que fazem todos os especialistas portugueses, isto é, assumiram a postura tancredo (sorte do toureio em que o toureiro evita a investida do touro permanecendo imóvel). Os peritos portugueses são muito respeitados pela capacidade de produção de ideias, habilidade de salão muito em voga nos meios universitários, depois sentam-se à espera que passe o tempo ou, então, que venha uma teoria numa revista estrangeira para poderem imitar e ter credibilidade. (Lembram-se de como o filme “Amor de Perdição”, do criador desse género absurdo e ilógico chamado “cinema sem movimento”, Manoel de Oliveira, foi primeiro descoberto pelos críticos franceses e só depois aplaudido pelas penas e esferográficas lusas? Nos outros campos das artes e da ciência passa-se exactamente a mesma coisa).
Como consequência do princípio acção-reacção, a violência na sociedade sobe em espiral, para enfrentar a força e a arbitrariedade da Polícia, as pessoas reagem com meios semelhantes aos das forças de segurança. A humilhação de ser enxovalhado numa esquadra, que antigamente era sofrida com resignação e mercurocromo, despoletou na nova geração o desejo de retribuição e vingança. E a força combate-se com a força. Surgiu a necessidade de recorrer a armas de fogo para equilibrar a parada. É a lógica da guerra judaico-palestiniana importada para os nossos bairros. Olho por olho, dente por dente.
Por isso, humanizar as esquadras é uma urgência. A presença de advogados e psicólogos nessas instalações elevará o nível do vocabulário das conversas casuais sobre telenovelas e futebol, porque no quotidiano cavaqueio estará presente um licenciado. É um grande melhoramento, mas não terá outro efeito, pois estes especialistas seriam mais uns funcionários públicos, mal preparados pelas universidades, receberiam o ordenado no fim do mês e não perceberiam nada do que se passa à sua volta. A solução pode ser mais simples. É preciso reformar as estruturas arquitectónicas das esquadras para precaver acidentes que são interpretados na mente criminosa como uma agressão à sua pessoa e desperta o desejo de vingança. Proteger as escadas para os presos não caírem, os corrimões e as paredes para não baterem com a cabeça, retirar vigas que possam favorecer o suicídio, trancar os armários para que não entrem (e o “Sr. Agente” ter que dar pontapés para o tirar lá de dentro), colocar interruptores para desligar as luzes e toda uma panóplia de pequenos ajustes que qualquer Siza Vieira pode resolver. Assim, a violência baixará e nem será preciso gastar muito dinheiro.
Todo o cidadão comum é um criminoso. É um facto. Mesmo aquelas velhas desdentadas perdidas no Portugal profundo, que são o sustentáculo moral e o postal ilustrado do nosso país, e que acreditam piamente no Senhor e na imaculabilidade das suas vidas, não podem cantar de galo e atirar pedras porque, um dia, quando menos esperam, podem vir a ter problemas com a Justiça. Temos de concordar que os portugueses esforçam-se para serem homens de bem. Para o conseguir, em vez de trabalhar, rezam. Rezaram para que Portugal ganhasse o Euro e a Grécia fez a festa. Rezaram para que chova no Verão e não caía uma gota, só fogos infernais. Rezaram para que a enxurrada do Inverno não lhes levasse os tarecos e caves e primeiros andares inundaram. Rezaram para que o Papa fosse imortal e Deus leva-os inexoravelmente. Acautelem-se que as coisas estão a mudar. Não se pode confiar com certeza absoluta que se levou uma vida de acordo com as leis de Deus e de César. Quando menos se espera a bota do polícia pode deitar a porta abaixo por uma razão anódina. Uma multa, uma carta anónima, um forte indício de crime, um engano, qualquer motivo poderá causar embaraço ao cidadão comum. (E depois de estar emaranhado nos fios da máquina policial e judicial dificilmente se sai sem danos incalculáveis. Mesmo indo para a Roménia trabalhar em projectos da União Europeia).
Os velhos tempos do polícia que respondia por “Sr. Guarda”, semi-barrigudo, mal pago, de músculos enferrujados, que tinha de complementar o vencimento com biscates a verificar boletins do totobola na Santa Casa da Misericórdia, estão enterrados. Estamos nos tempos modernos dos “Srs. Agentes”, bem equipados, com especializações em tudo e mais alguma coisa, formação liceal, musculados, bem remunerados, voluntariosos, com a cabeça cheia de filmes americanos, atiram-se aos maus com ganas. A segnícia evaporou-se das esquadras, mostrar serviço é preciso, mesmo com os naturais excessos de uma profissão que está no limite do legal e do ilegal. Os fins justificam sempre os meios. Só os poetas tísicos ou os idiotas é que pensam o contrário.
Décadas de violência policial tiveram como consequência a necessidade de autodefesa das pessoas. É o princípio básico da mecânica clássica de acção-reacção, (a uma acção corresponde sempre uma reacção), que toda a criança deveria aprender na instrução primária juntamente com o seu miraculoso inglês. Desde o golpe militar de Abril74 que a impunidade da polícia se foi cimentando. Espancamentos, torturas, mortes nas esquadras, prepotência gratuita e abuso de poder nas ruas. E os visados sem nada poderem fazer, excepto, comer e calar. Queixas para os tribunais envolvendo forças de segurança são perda de tempo e dinheiro. A palavra de um agente da ordem é inquestionável. Ao passo que um criminoso mente com quantos dentes… deixou no chão da esquadra.
Os fenómenos da auto-mutilação e do suicídio tornaram-se o dia a dia de um posto policial. (Os criminosos atiram-se contra as paredes e pelas escadas abaixo e enforcam-se quando o “Sr. Agente” está distraído). Portugal, prolífero de especialistas em psicologia, nem um se dedicou ao problema sugerindo soluções. Fizeram o que fazem todos os especialistas portugueses, isto é, assumiram a postura tancredo (sorte do toureio em que o toureiro evita a investida do touro permanecendo imóvel). Os peritos portugueses são muito respeitados pela capacidade de produção de ideias, habilidade de salão muito em voga nos meios universitários, depois sentam-se à espera que passe o tempo ou, então, que venha uma teoria numa revista estrangeira para poderem imitar e ter credibilidade. (Lembram-se de como o filme “Amor de Perdição”, do criador desse género absurdo e ilógico chamado “cinema sem movimento”, Manoel de Oliveira, foi primeiro descoberto pelos críticos franceses e só depois aplaudido pelas penas e esferográficas lusas? Nos outros campos das artes e da ciência passa-se exactamente a mesma coisa).
Como consequência do princípio acção-reacção, a violência na sociedade sobe em espiral, para enfrentar a força e a arbitrariedade da Polícia, as pessoas reagem com meios semelhantes aos das forças de segurança. A humilhação de ser enxovalhado numa esquadra, que antigamente era sofrida com resignação e mercurocromo, despoletou na nova geração o desejo de retribuição e vingança. E a força combate-se com a força. Surgiu a necessidade de recorrer a armas de fogo para equilibrar a parada. É a lógica da guerra judaico-palestiniana importada para os nossos bairros. Olho por olho, dente por dente.
Por isso, humanizar as esquadras é uma urgência. A presença de advogados e psicólogos nessas instalações elevará o nível do vocabulário das conversas casuais sobre telenovelas e futebol, porque no quotidiano cavaqueio estará presente um licenciado. É um grande melhoramento, mas não terá outro efeito, pois estes especialistas seriam mais uns funcionários públicos, mal preparados pelas universidades, receberiam o ordenado no fim do mês e não perceberiam nada do que se passa à sua volta. A solução pode ser mais simples. É preciso reformar as estruturas arquitectónicas das esquadras para precaver acidentes que são interpretados na mente criminosa como uma agressão à sua pessoa e desperta o desejo de vingança. Proteger as escadas para os presos não caírem, os corrimões e as paredes para não baterem com a cabeça, retirar vigas que possam favorecer o suicídio, trancar os armários para que não entrem (e o “Sr. Agente” ter que dar pontapés para o tirar lá de dentro), colocar interruptores para desligar as luzes e toda uma panóplia de pequenos ajustes que qualquer Siza Vieira pode resolver. Assim, a violência baixará e nem será preciso gastar muito dinheiro.
2 Comments:
At 9:03 da manhã, Anónimo said…
los supuestos diarios de enrique ruano que publicó el ABC.....
At 10:05 da manhã, Táxi Pluvioso said…
Não conhecia Enrique Ruano.
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