Nação valentona
Os descendentes heróis do mar estão a dar cartas em terra, nas mais variadas áreas, e com tanto sucesso que corremos o risco de suplantar os americanos na resolução de conflitos locais e assessoria técnica nos mais sortidos problemas que assolam o homem moderno pós Guerra-Fria. A nação valente voltou a produzir resplandecentes Vascos da Gama que saltam os gigantes Adamastores como se fossem pocinhas. O clima jogralesco faz, de novo, os bardos sacarem das liras, olharem as musas em diáfano John Galliano envoltas, e cantarem os elevados empreendimentos nacionais. Este espírito é visível na nova classe política, de se lhe tirar o chapéu, que comanda os destinos pátrios. Dela sairá pela certa, por muitos e bons anos, conceituados figurões que nos orgulharão na estranja em instituições de prestígio mas falidas de eficácia. O povo gosta deles, nem percebeu que todos os que prescrevem mezinhas e poções mágicas para a crise são os directos responsáveis por ela. O nobre povo não é muito inteligente, mas, de esperança tem baldes para dar e vender. Agarra-se aos símbolos nacionais, Nossa Senhora de Fátima e a garrafa de tinto, e toca para a frente a banda sem dó sustenido. Entre as brumas da memória escurecida de álcool e devoção tropeça no esplendor de Portugal.
Depois do golpe militar de Abril 74, os políticos emergentes conheciam as suas limitações e mediocridade congénita, sabiam que não tinham capacidade alguma para governar o país, mas, como bons funâmbulos não deram parte fraca e mantiveram-se no principesco tacho, e viram nos subsídios europeus uma rápida forma de fazer brilharete. Trataram logo de entrar na CEE para começar a receber. Os subsídios europeus eram a nova pimenta da Índia, permitiam fazer obra, mexiam caravanas de carros topo de gama para inaugurações e beberetes, arremelgava os olhos do Portugal profundo. Estradas, edifícios magnificentes, alfabetização, acesso à Cultura, água canalizada, luz eléctrica para todos, enfim, onfalóide modernização do país que vai permitir durante mais umas décadas olhar para o umbigo e acreditar que tudo vai bem no reino dos couratos avinagrados e dos túbaros açucarados. Afinal, os políticos aprilinos socorreram-se do mais característico expediente luso que permitiu um povo sem valor seguir em frente apesar de todas as oportunidades históricas perdidas, isto é, o chico-espertismo. Este é o grande contributo de Portugal para a Humanidade, não essa patranha salazarista de dar mundos ao mundo, mas esta capacidade de se desenrascar no dia a dia sem preocupações de maior com o dia de amanhã. Os portugueses nunca tiveram um desígnio nacional, os tempos épicos de Camões só surgiram a posteriori, na realidade, nunca foram vividos pelas pessoas da altura. Em boa verdade, a nação valente desenrascou uns problemas técnicos que a navegação de longo curso implicava, trouxe uns fardos de especiarias para ganhar uns magros cobres, e os ingleses ficaram com o domínio dos mares, e os holandeses com a primazia na investigação científica. Aos joco-sérios historiadores portugueses restou a tarefa de meter fagotes e violinos na História para a tornar música para os ouvidos das gerações futuras. E como se sonhava nas escolas primárias com populares heróis nos tempos pré-Steven “Indiana Jones” Spielberg ao ouvir as narrações dos feitos lusos.
Exemplos do chico-espertismo encontramos em todas as esquinas e baiucas. Na contabilidade das empresas, no atendimento ao público, nas conclusões da maior parte das investigações policiais, no comportamento automobilístico, na reparação de electrodomésticos, nos discursos da Assembleia da República. Perpassa todas as classes sociais e profissões. Quando vemos um empresário, dos importantes, daqueles com recheada carteira, dizer que nunca houve acidentes nucleares, excepto Chernobyl, onde só morreram quarenta e quatro pessoas, estamos em presença de um chico-esperto. Nem destoa do resto da tropa. Tem apenas outras prioridades. Persegue o lucro estapafúrdio. O empresário português é muito bom a fazer dinheiro para si próprio, pouca, ou nenhuma, utilidade tem para o país. Felizmente, o mundo desenvolvido sabe do verdadeiro lugar geográfico de Portugal. Fica em África. (Numa emocionante homenagem de compreensão para com os portugueses, os organizadores do Live8 puseram a fadista Mariza a cantar no palco Eden Arena, dedicado precisamente a África, num belo exemplo de que mesmo os azougados menestréis da pop music não estão de ouvidos moucos nas aulas de Geografia). Ora, num país africano tudo é permitido, a fome aguça o engenho, as regras são as da sobrevivência, quanto mais chico-esperto mais possibilidade de ter uma vida longa e regalada. Aliás, as grandes dádivas da colonização portuguesa ao mundo foram o cristianismo e o chico-espertismo.
Mas a verdadeira invenção nacional não foram as bolachas Maria nem o pastel de bacalhau. O traço específico que nos caracteriza, que nos diferencia dos outros povos, que nos liga à Pátria como cola, que enche os poemas como uma maré, não é a Saudade mas a Sorna. Essa sim digna de ser recuperada para o museu da Humanidade da UNESCO como o singelo contributo de um país pequeno em tamanho mas grande na alma das suas gentes. A preguiça mental (ou física) do português perfaz um povo dócil, fácil de governar, duas cantigas chegam-lhe. Desde que haja uma bananeira para estar à sombra, um santinho para rezar, um copo de três para emborcar, está feliz. É por isso que podemos ver os políticos sucederem-se no Poder como se fossem eternamente novos. Durante o seu consulado não fizeram nada de jeito? Não interessa. Descansam durante uns anos na prateleira, fazem um peeling e voltam rejuvenescidos como se fossem o juvenil Sebastião.
Os descendentes heróis do mar estão a dar cartas em terra, nas mais variadas áreas, e com tanto sucesso que corremos o risco de suplantar os americanos na resolução de conflitos locais e assessoria técnica nos mais sortidos problemas que assolam o homem moderno pós Guerra-Fria. A nação valente voltou a produzir resplandecentes Vascos da Gama que saltam os gigantes Adamastores como se fossem pocinhas. O clima jogralesco faz, de novo, os bardos sacarem das liras, olharem as musas em diáfano John Galliano envoltas, e cantarem os elevados empreendimentos nacionais. Este espírito é visível na nova classe política, de se lhe tirar o chapéu, que comanda os destinos pátrios. Dela sairá pela certa, por muitos e bons anos, conceituados figurões que nos orgulharão na estranja em instituições de prestígio mas falidas de eficácia. O povo gosta deles, nem percebeu que todos os que prescrevem mezinhas e poções mágicas para a crise são os directos responsáveis por ela. O nobre povo não é muito inteligente, mas, de esperança tem baldes para dar e vender. Agarra-se aos símbolos nacionais, Nossa Senhora de Fátima e a garrafa de tinto, e toca para a frente a banda sem dó sustenido. Entre as brumas da memória escurecida de álcool e devoção tropeça no esplendor de Portugal.
Depois do golpe militar de Abril 74, os políticos emergentes conheciam as suas limitações e mediocridade congénita, sabiam que não tinham capacidade alguma para governar o país, mas, como bons funâmbulos não deram parte fraca e mantiveram-se no principesco tacho, e viram nos subsídios europeus uma rápida forma de fazer brilharete. Trataram logo de entrar na CEE para começar a receber. Os subsídios europeus eram a nova pimenta da Índia, permitiam fazer obra, mexiam caravanas de carros topo de gama para inaugurações e beberetes, arremelgava os olhos do Portugal profundo. Estradas, edifícios magnificentes, alfabetização, acesso à Cultura, água canalizada, luz eléctrica para todos, enfim, onfalóide modernização do país que vai permitir durante mais umas décadas olhar para o umbigo e acreditar que tudo vai bem no reino dos couratos avinagrados e dos túbaros açucarados. Afinal, os políticos aprilinos socorreram-se do mais característico expediente luso que permitiu um povo sem valor seguir em frente apesar de todas as oportunidades históricas perdidas, isto é, o chico-espertismo. Este é o grande contributo de Portugal para a Humanidade, não essa patranha salazarista de dar mundos ao mundo, mas esta capacidade de se desenrascar no dia a dia sem preocupações de maior com o dia de amanhã. Os portugueses nunca tiveram um desígnio nacional, os tempos épicos de Camões só surgiram a posteriori, na realidade, nunca foram vividos pelas pessoas da altura. Em boa verdade, a nação valente desenrascou uns problemas técnicos que a navegação de longo curso implicava, trouxe uns fardos de especiarias para ganhar uns magros cobres, e os ingleses ficaram com o domínio dos mares, e os holandeses com a primazia na investigação científica. Aos joco-sérios historiadores portugueses restou a tarefa de meter fagotes e violinos na História para a tornar música para os ouvidos das gerações futuras. E como se sonhava nas escolas primárias com populares heróis nos tempos pré-Steven “Indiana Jones” Spielberg ao ouvir as narrações dos feitos lusos.
Exemplos do chico-espertismo encontramos em todas as esquinas e baiucas. Na contabilidade das empresas, no atendimento ao público, nas conclusões da maior parte das investigações policiais, no comportamento automobilístico, na reparação de electrodomésticos, nos discursos da Assembleia da República. Perpassa todas as classes sociais e profissões. Quando vemos um empresário, dos importantes, daqueles com recheada carteira, dizer que nunca houve acidentes nucleares, excepto Chernobyl, onde só morreram quarenta e quatro pessoas, estamos em presença de um chico-esperto. Nem destoa do resto da tropa. Tem apenas outras prioridades. Persegue o lucro estapafúrdio. O empresário português é muito bom a fazer dinheiro para si próprio, pouca, ou nenhuma, utilidade tem para o país. Felizmente, o mundo desenvolvido sabe do verdadeiro lugar geográfico de Portugal. Fica em África. (Numa emocionante homenagem de compreensão para com os portugueses, os organizadores do Live8 puseram a fadista Mariza a cantar no palco Eden Arena, dedicado precisamente a África, num belo exemplo de que mesmo os azougados menestréis da pop music não estão de ouvidos moucos nas aulas de Geografia). Ora, num país africano tudo é permitido, a fome aguça o engenho, as regras são as da sobrevivência, quanto mais chico-esperto mais possibilidade de ter uma vida longa e regalada. Aliás, as grandes dádivas da colonização portuguesa ao mundo foram o cristianismo e o chico-espertismo.
Mas a verdadeira invenção nacional não foram as bolachas Maria nem o pastel de bacalhau. O traço específico que nos caracteriza, que nos diferencia dos outros povos, que nos liga à Pátria como cola, que enche os poemas como uma maré, não é a Saudade mas a Sorna. Essa sim digna de ser recuperada para o museu da Humanidade da UNESCO como o singelo contributo de um país pequeno em tamanho mas grande na alma das suas gentes. A preguiça mental (ou física) do português perfaz um povo dócil, fácil de governar, duas cantigas chegam-lhe. Desde que haja uma bananeira para estar à sombra, um santinho para rezar, um copo de três para emborcar, está feliz. É por isso que podemos ver os políticos sucederem-se no Poder como se fossem eternamente novos. Durante o seu consulado não fizeram nada de jeito? Não interessa. Descansam durante uns anos na prateleira, fazem um peeling e voltam rejuvenescidos como se fossem o juvenil Sebastião.
1 Comments:
At 6:58 da tarde, A Chata said…
Ufa! Finalmente alguém que está acordado!
Já julgava que estava maluca e azeda e que tinha perdido a noção da realidade.
Obrigada e continue.
Enviar um comentário
<< Home