Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quinta-feira, outubro 26, 2006

Os secos e os enxutos


Manifestações de polícias são coisas tão estranhas como os donuts sem buraco, ou os hambúrgueres quadrados, ou a música ligeira. É estranho mas há. E quando são realizadas pela Polícia de Segurança Pública causa espanto e pavor. Mas, num país em que os programas de maior audiência televisiva são patuscas telenovelas e estultos reality shows, então, tudo é permitido, tudo é desejável, tudo será louvado, inclusive, a proliferação no canal público de televisão de multíloquos comentadores políticos, (um é demais, dois são uma multidão), para embetesgar o Rossio e, tornar a enigmática realidade que nos envolve, clara como o desfecho de uma aventura do Tintin.

Por mais enxadas que se poisem. Por mais cursos superiores que substituam o trabalho no campo. Por mais cosmopolitismo que se respire. O lerdaço povo português permanecerá rural na alma. Pacóvio na atitude e citadino no vestir. Flausinas e melcatrefes brilham na estranja em áreas tão díspares como o desporto e a matemática, a física e a moda, a economia e a construção civil, criando nos que ficaram dentro fronteiras sentimentos de capacidades para realizar grandes factos como, por exemplo, derrabar um leão, encontrar caminhos para a Índia, construir super-computadores ou descobrir a cura para a onixe. A idiossincrasia portuguesa requer que no meio do moral elevado surjam aqueles que nunca estão satisfeitos, que exigem do Ministro, do Governo, do Estado, do ar, outras condições que supostamente os farão trabalhadores exímios e cidadãos felizes. É uma atitude mais fácil do que ter que admitir incapacidades genéticas.

Nestes democráticos tempos cabe às forças de segurança virem lamentar-se no rosário do costume. No choradinho fadista português. Estamos mal preparados, mal vestidos e mal armados. E que a lei protege o criminoso, que nós estamos desamparados, ai de nós, ai de nós, quirieleisão!

A realidade é outra muito diferente. O celebrado trabalho técnico-policial sempre foi o espancamento e a tortura até à confissão (para poder continuar a investigação e não para apresentar em tribunal). Depois, não há nada a perder, se não se consegue o que se pretende, manda-se o suspeito embora com o papinho cheio. A técnica policial também recorre à colocação de provas para incriminar determinado sujeito em que recaem “as fortes suspeitas” mas que não se consegue agarrar de outra forma, ou então para remover um pobre diabo de um determinado lugar e fazer um favor a alguém. A intimidação e a manipulação sistemática de testemunhas (ou arguidos), é outra técnica banalíssima, que até vemos advogados na TV a considerarem normal aproveitar a ignorância do comum mortal nas ciências jurídicas para lhes extorquir informação. O assassínio, quando as coisas dão para o torto, também aparece como uma técnica de recurso, depois, é retocado como excesso de zelo. Para todas as suas diligências a Polícia sabe que pode contar com a conivência dos juízes. Quer por manifesto desconhecimento da situação a que são chamados a se pronunciar. Quer por puro laxismo e preguiça. Os juízes optam pela visão da Polícia e do Ministério Público e mandam para a cadeia indiscriminadamente (para não incorrer no risco de deixar um criminoso em liberdade. Quem acredita na lengalenga que todos são inocentes até prova em contrário, deve deixar de ver filmes americanos).

O polícia português é aquele que não sabe que uma shotgun disparada à queima-roupa é mortal, mas faz manifestações por melhores fardas, melhores armas, leis mais duras e melhores condições de trabalho. Inteligência, ninguém pede, todos acham que têm a mais. Ao cidadão comum resta-lhe admitir que nos bons velhos tempos, o fradinho economista de Boliqueime (e futuro presidente do país) tinha muita razão em dar-lhes umas valentes mangueiradas. No actual colorido cortejo folclórico os secos e os enxutos manifestam-se juntos. Já não há molhados. É tão bom viver num país de banazolas. Algures noutro país distante, um homem de 17 anos (se fosse vítima de alguma coisa seria uma criança ou, então, um jovem) que assalta uma farmácia com três pedras da calçada é baleado (não é abatido, isso só sucede a polícias), com disparos de aviso e contenção, e morre (não é assassinado). Onde para travar aceleras se utiliza rajadas de metralhadora. Nesse país o uso da proporcionalidade – parlenda política que rege actuação das forças da ordem – significa mais proporção do lado da lei.

Não deixa de ser enternecedor o ar simplacheirão do ministro da Administração Interna na Assembleia da República escudado no babadoiro da estatística. Entre 2002-2006 foram disparados 1 588 tiros pela PSP, e uns modestos 585 pela GNR, resultando na morte de 18 criminosos e 140 feridos. Será necessário melhorar a pontaria. Não se pode dizer que cada tiro um pardal. Temos que ter em linha de conta que as balas estão pela hora da morte neste tempo de contenção orçamental. Pelo seu lado, a GNR espera alcançar os seus colegas "mais rápidos no gatilho" da PSP, graças à “homogeneização da criminalidade nas zonas urbanas e rurais”, anunciada pelo Sr. Ministro. Para fim de estatística morreram 9 agentes e guardas e 46 ficaram feridos. Não se sabe quantos tiros dispararam os criminosos.