Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quarta-feira, novembro 08, 2006

Um azelha à chuva

Era uma vez… um país pequenino, com um povo muito atarefado, que enchia ruas e escritórios numa sinfonia de trabalho, alegria e felicidade, como uma colmeia na Primavera. Nada apagava o sorriso deste nobre povo, mesmo o mexoalho político era motivo de celebração e galhofa. Este prepóstero país, abacalhoado no gosto, com alguidaradas de sabedoria a escorrer dos quiosques todas as manhãs, não deixa de surpreender os mais desvelados. Há uns tempos, os mais atentos leram, no mesmo dia, duas notícias que, se dúvidas houvessem, poriam Portugal na senda dos mais avançados países do mundo.

A primeira dizia respeito às cabeçadas entre dois gestores na Caixa Geral de Depósitos que levou à intervenção do Ministro da tutela pondo ordem no revezo e deslocando o gado para outra pastagem. Como consequência, o Sr. Mira Amaral meteu a reforma… com os papéis entregues em mão na Caixa Geral de Aposentações. Claro que a mão não foi a dele. Pertencia à secretária particular. Nem dava muito trabalho, pois era só atravessar o Campo Pequeno, mas a vida a jacto dos gestores turbo não se coaduna com minhoquices burocráticas… e à tarde já estava com a sua pequena reforma de 18 mil Euros (3 621 contos) disponível na conta… podendo dedicar-se livremente a um futuro de… polquista, hirudinicultor, helicicultor, pescador de alto mar, criador de cavalos ou internauta num jardim público. Mas não foi o que ele fez. Em vez disso continuou a patinhar nos grandes tachos. Ultimamente, acostou ao Fórum da Competitividade e podemos vê-lo a perdigotar postas de pesada sobre bálsamos para endireitar a economia do país. Nem me preocupa saber quem lhe paga mais este complemento de reforma. Ele merece!

A outra notícia é mais seca, curta, anónima, e referia que na zona do Cadaval um emigrante morria de fome. Um desgraçado ignorado do “Estado social… mas em vias de privatização” que cometeu o erro de passar a vida a trabalhar em vez de ter entrado para um partido político ou de ter seguido uma anafada carreira no funcionalismo público.

Muitos dirão que o Sr. Amaral tem um cérebro privilegiado que lhe permitiu tirar um curso difícil e aceder a postos de grande responsabilidade. Que quem está na alta finança dá muitos lucros ao patrão e que as decisões importantes que toma justificam uma compensação choruda. Que são pessoas que geram muitos lucros para o país através da sua aguda inteligência e que dar-lhe 18 mil Euros é uma bagatela. Que no dia em que choverem Miras Amarais em Portugal sairemos para o pelotão da frente das nações mais ricas e avançadas deixando de vez para trás tarefas menores como servir cafés na Base das Lajes. Ou organizar jogos de futebol. Ou vasculhar por um bisavô nos Açores no passado dos laureados com o prémio Nobel.

Num país assolado por verdadeiras versões modernas de pragas bíblicas como a dos “padres cantores”, que assombram as ondas hertzianas nacionais, ou a dos “polícias escritores” que enricam as prateleiras da Biblioteca Nacional, é claro como água que o nosso futuro está na chuva. Numa chuvada de cérebros gestores que façam o que sempre fizeram, isto é, destruir as empresas públicas e esperar para ver qual é o próximo passo histórico do liberalismo económico (ou, a “terceira via” para os amigos mais íntimos).

Portugal nunca soube assumir compromissos ou tratados internacionais. O exemplo de Cabinda deveria vir à memória dos que aprenderam História no tempo em que havia mais escolas abertas. Mas quando nos tornamos tolos não brincamos em serviço, somos tolos a valer, perdemos todo o sentido da decência e honestidade intelectual. Subimos para cima de cadeiras e fazemos um triste espectáculo no fundo do palco. Quem não se lembra das velhas de cabelo pintado de loiro colado a laca, formando um belo cabeção, percorrendo as ruas em manifestações aprazadas que, ainda hoje julgam ter tido alguma influência na independência de Timor. Essa onda de “consciência política” que não se via desde o 25 de Abril e que aqueceu os corações dos indigentes das classes altas numa espécie de desígnio sagrado para preencher o vazio do seu quotidiano. Os portugas de curta memória não se lembram que, se não fossem as mulheres dos políticos americanos também falarem de política nos seus chás canastras, Timor ainda faria parte da Indonésia. E que talvez fosse a sua sorte.

Mas, Portugal continua um bom país para dançar aquela arte espanhola de bater com os pés no chão abanando os braços fazendo trejeitos com os dedos e comprar postais para mandar aos amigos In articulo mortis (“na hora da morte”).

2 Comments:

  • At 12:34 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    parabens pelo texto!
    como pela minha parte tenho feito de tudo para que o rectângulo fosse um bocadinho melhor, estou cada vez mais desiludido com o caminho que lhe deram....

     
  • At 4:09 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Por ser um fã (emborrachado pelas máximas do Mister no anúncio da CGD) dos rapazes que fazem “comédia em pé”, vejo Portugal como uma óptima fonte de inspiração. Bruno Nogueira mostra uma via no “jovens com asas” do Millennium, se trocarmos por “jovens com penas”, o futuro da galinheiro está assegurado. (E por favor não defendam o aumento dos impostos da banca porque quem irá paga-los não é o João Salgueiro ou a Opus Dei…).

     

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