O país cavacado
Os dez anos do consulado Cavaco Silva que temos pela frente prometem ser mais um período pleno de instantâneos Kodak para mais tarde recordar (ou snapshots Nikon Coolpix S1 em ficheiros JPEG – o que interessa é termos acesso imediato, como base de dados, para futuras histórias infantis suplantando os irmãos Grimm ou Christian Andersen na imaginação e lições de vida). Os prenúncios e ameaços são bons e muitos. Tudo começa com o making of… de um génio.
Nos atrasados meios políticos caseiros, os “fazedores de opinião” da direita Rosa & Teixeira, durante dez anos atarefaram-se em danças dos véus, para revelarem qualidades presidenciais de uma certa quartuda almeia que tinham de reserva no alcoice político. Ela, tímida, pouco falava. Mas era gulosa por bolo-rei e brindes nos jornais para espevitar as tiragens. Escrevia sobre monstros e má moeda. As palavras rolavam como dados incandescentes queimando onde mais dói na estonteante “movida” partidária política lusa, isto é, no inflado ego. Os seus sicários conseguiram vender a ideia de que estávamos perante um génio saído – não de uma reles lamparina a petróleo ou azeite – mas do farol eléctrico que ilumina as trevas das relações inter-humanas: uma Faculdade de Economia qualquer. E… os reinícolas do reino dos tolos acreditaram e abriram-lhe as portas do Palácio de Belém. (Pelos vistos, o homem teve vintes. E, este facto, seria suficiente para justificar a genialidade, como se fosse difícil encontrar tipos com vintes nos Cursos de Economia. Toda a gente conhece um. Dos outros cursos é mais difícil lembrarmo-nos de alguém).
O novo Presidente entrou no ex-palácio dos condes de Aveiras como o alimpador que o jardim espraiado do lado de fora dos muros carecia. Desgalhar os ramos mortos de pessimismos passados, cortar as bordas da relva dos mais espaventosos e enxertar novos rebentos de confiança constituíram o ponto de partida desta moderna jardinagem por objectivos. Era imperativo vicejar de novo o brio português depois de anos rastejantes na maior inópia de pão para a boca e o espírito. O pântano político seguido da anunciação da retoma económica, sem diferença alguma visível, lançara o país nos braços de Scolarão & Madaílão, que criavam novos heróis, traziam a esperança de volta, apresentavam resultados e bons lugares para vender bifanas e bojecas. O posto cimeiro da Nação precisava de um flautista superior ao de Hamlin – da Travessa do Possolo era suficiente – que encantasse o povo para paragens seguras e não hiantes abismos. E… como todos os outros presidentes começaram as passeatas no país e no estrangeiro.
Cavaco, com aquele aspecto de capigorrão que não saiu a porta do seminário, esgueirando-se ao Lula (dizem), apareceu na Bienal de Artes de São Paulo, e foi com sentida emoção que ouvimos a esfinge vaticinar: “a arte moderna choca-nos, às vezes, impressiona-nos, mas tem a sua mensagem. Nós podemos não saber interpretar mas os artistas sabem”. Claro que ele se referia ao mictório que Marcel Duchamp mandou para o primeiro Salão dos Independentes Americanos com o óbvio título de “The Fountain”. A obra não foi aceite pelos vanguardistas americanos mas servia para aliviar a bexiga. Ou as fotos de Jeff Koons da Cicciolina que serviam para aliviar outro órgão na mesma região. Ou as vacas retalhadas de Damien Hirst que serviam para fazer um bom bife com batatas fritas e ovo a cavalo. De facto, os artistas sabem interpretar a sua arte para além do bem e do mal… vender. Com Cavaco, perante a arena quase internacional, estamos bem representados – “quase internacional” porque o Brasil é praticamente Portugal. Agora que o Governo encomendou um estudo sobre as prostitutas brasileiras a labutarem nas nossas esquinas, ficaremos a conhecer melhor a mão-de-obra que nos assiste nos trabalhos menores que nós ricos rejeitamos… a mão-de-obra e o resto, consoante o pedido do freguês.
A direita Rosa & Teixeira e a esquerda Dolce & Gabbana afinam tão bem que dispensam o diapasão. Tão familiares são as suas relações que até parecem incestuosas. Neste lar não haverá casos de violência doméstica. Nem divórcios com barrela na praça pública. Dá que pensar se desenterrar o cadáver esquisito do Mário Soares, em vez de apoiar Manuel Alegre para a Presidência da República, não foi um deslize de taralhoquice política socialista, mas um acto premeditado na certeza de que, com o poeta do vento que passa como galo da capoeira, os ovos teriam de ser postos com mais cuidado. E muitos deles não seriam galados, nem por Belém, nem pelo Tribunal Constitucional, apodrecendo estéreis nos cantos do galinheiro ministerial ou parlamentar. Por cá estamos bem governados na perseguição do liberalismo total. Somos governados pelo Sr. Mata e o Sr. Esfola. Um diz mata, o outro esfola.
Enérgico como um concerto dos Cannibal Corpse ou dos Napalm Death, Cavaco não pára quieto na sofreguidão pela arte. Vemo-lo refranzear diante dos quadros de Amadeo Souza-Cardoso na Gulbenkian. Aquele prismático cubismo despertava-lhe empatia pelas companhias e mensagens do artista. Pudera! A arte vale balúrdios depois de transposta a soleira (para o lado de dentro) do museu. A colecção Berardo foi avaliada pela Christie’s em 316 milhões de euros. Explicou a Ministra da Cultura, apequenada perante os castiçais gigantes de Joana Vasconcelos, que o avultado valor é suficiente para três Casas da Música, dois Centros Culturais de Belém e milhões de pratos de caracóis. Resta-nos esperar que vendam aqueles magnificentes tarecos pelo melhor preço e, em 2007, não se oiça falar do reverencial respeito pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, nem das bárbaras ameaças de Bruxelas para poupar trocos no Orçamento de Estado.
2 Comments:
At 9:26 da tarde, Táxi Pluvioso said…
Correcção: o sempre muito informativo site da Presidência da República explica que Cavaco é Licenciado em Finanças pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, Lisboa, e doutorado em Economia pela Universidade de York, Reino Unido. Por razões históricas, confundiu-o com um licenciado em direito, acostumado que estou a serem esses os governantes do país. No fundo Finanças e Direito são disciplinas idênticas. Ambas têm pretensões a serem ciências. E produzem muitos tipos com vinte valores.
At 11:33 da manhã, A Chata said…
A propósito de Cavaco...
Um dia destes tinha a televisão ligada mas não estava a olhar e ouço uma voz, a discursar, meio aflautada e 'seminarista' e pensei estão a transmitir novamente filmes de arquivo dos discursos de Salazar.
Mas, não era.
Não acredito, nem deixo de acreditar em reencarnações mas, o homem até tem uma D. Maria.
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