Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Ó xente doutra terra

O neo-liberalismo económico português evolui de forma curiosa. Faz lembrar o científico Lenine de um passo em frente dois atrás, ou o trôpego Vasco Santana, empiteirado, pedindo lume ao candeeiro de iluminação pública, ou a santa inocência do Punk Rock classe trabalhadora dos Angelic Upstars em “Never ‘ad nothing”. A evolução para trás da economia portuguesa recoloca-nos, em espírito, nos tempos do ouro do Brasil, no reinado de D. João V, e, em corpo, na época dos tapetes rotos do Palácio de Sintra, no crepúsculo da monarquia com D. Carlos. Na fértil imaginação dos governantes estamos a esculpir um futuro sem arestas como as curvilíneas estátuas de Henry Moore. No emagrecido corpinho do povo dói como numa cobaia de laboratório, sujeita a experiências duvidosas de um, ainda mais alucinado, Dr. Frankenstein manipulando bocados de teorias económicas mortas, em adoidados testes, não para criar teratológica vida, mas para destruir um monstro – o “monstro do défice”.

Para usar uma Língua cara aos economistas podemos dizer que o neo-liberalismo económico cá da terra está all in the mind e manifesta-se num serôdio optimismo de sorriso Pepsodent encavalitado nos rostos de Belém e São Bento. No que diz respeito ao regime político nacional é um optimismo tostadinho dos dois lados como a torrada. Estas rabacholas atitudes positivas – governamental e presidencial – têm laivos daquele masoquismo de uma Beatriz Costa, despreocupada com as escoriações nas mãos, a cantar “água fria da ribeira”, ou de um Kierkgaard invertido que, em vez de atormentado pelo “espinho na carne”, se deliciasse em perfurar a carne alheia com um espeto. O casalinho no poder delegou sobre a população o transporte do fardo de anos (sem fim à vista) de má governação. Esperemos que não lhes suceda o mesmo drama familiar do tebano casal, Jocasta e Laio, com o seu filho Édipo. Se Presidente da República e Primeiro-ministro forem os progenitores, nós seremos os filhos, e tanto na versão mais trágica de Sófocles, ou no quase final feliz de Eurípedes, cegamos… mas de imbecilidade.

Em termos de realizações concretas o “neo-liberalismo galo de Barcelos e fumeiro” é “um lince da Malcata de papel” (aportuguesando a citação de Mao Zedong). Não assusta e se calhar não existe. Mas o efeito de não ter cheta no bolso, consequência de opções políticas assentes no constante agravamento da carga fiscal, está a aparvalhar das pessoas. Só assim se explica certos anódinos factos que se vão passando aquém e além Tejo.

O primeiro, como não podia deixar de ser na terra consagrada a Maria, vem da inestimável figura do padre paroquial. O tarasco padre de Oliveira de Azeméis anda a distribuir panfletos com fotografias de fetos mortos num contributo pessoal para a campanha pelo “não” ao aborto. Ora o amnésico prelado esqueceu a História e a fisiologia humana. Em vez de fetos, poderia muito bem distribuir fotos de corpos esturricados pela Inquisição no Rossio e Terreiro do Paço, para, dentro do mesmo frenesim educativo, mostrar aos seus paroquianos uma das razões do seu endémico atraso intelectual, crendice, subserviência ao divino e mau gosto no vestir. Por outro lado, como homem, ainda por cima passado pelo seminário, saberá com certeza por experiência própria, que o género masculino é responsável por lançar à pia milhões e milhões de meias-criancinhas, e que mesmo esquecendo a herética adoração ao deus pagão Onan, pelo seu carácter anti-vida atentatório dos Direitos Humanos, esta actividade privada varonil conta para a Igreja como um pecaminoso semi-aborto.

Outro facto curioso que sobressai no bestiário nacional reporta-se ao mau hábito da “meia-informação” que nos fornece os serviços do Estado. Embandeirou-se em arco o Plano de Recuperação de Dívidas e o Plano de Combate à Fraude e Evasão Fiscal como as novas minas de volfrâmio para enriquecer o erário público e por tabela o cidadão cumpridor. Anuncia-se com pompa o “fisco recupera 352 milhões de euros”. Rebentam foguetes de merecida festança. Mas não se explica quanto foi gasto para conseguir este prodígio. Se gastaram 353 milhões, não sei se será um bom negócio, e para quem conhece a “normal forma de ser português”, esta suspeição não é tão descabida como possa parecer à primeira vista. “Já foram feitas 8 500 penhoras e mais 4 000 vêm a caminho”, declara inchado de natural empáfia o ministro das Finanças. Mais aplausos, rolhas saltam das garrafas de champanhe, serpentinas voam pelo ar e mais foguetes estrondeiam. Mas esquece-se o político de dizer quantas penhoras foram puro abuso de poder e, depois de remexidos os poeirentos papéis e muitas horas perdidas pelos contribuintes saltando de guichet em guichet, concluiu-se que afinal nada deviam. Quem está familiarizado com a trapalhice burocrática dos serviços do Estado não estranha ver os tarecos leiloados por engano, e depois para desfazer esse engano, como dizia o outro: “isso dá cá uma trabalheira”.

Um novo herói nasceu para juntar ao juiz das jeans e t-shirt. Paulo Macedo, Director-Geral dos Impostos, ganhou a admiração dos trabalhadores do fisco que, por nunca terem emigrado, não conheciam a figura do capataz para os obrigar a trabalhar, e antecipam a portuguesíssima saudade se ele partir. Por causa da nova Lei dos Vencimentos da Função Pública os funcionários não podem receber mais que o Primeiro-ministro, e os 23 mil euros do gestor-maravilha colidem, por larga margem, com os parcos 5 mil e trocos de Sócrates. O sindicato dos trabalhadores das Finanças saiu em defesa do director, não porque ele fosse seu filiado, mas porque é uma estrutura de classe sempre do lado dos injustiçados. Que 23 mil são uma caganifância comparado com os resultados alcançados. Que devia ser encontrado um compromisso para o génio das cobranças difíceis não abandonar o gabinete. Que o povo perderia um homem providencial. Como todos os sindicatos protestam, protestam, protestam mas não apresentam soluções.

A solução para o problema do milionário vencimento é simples, já testada com êxito no nosso Scolarão e chama-se patrocínio. Um banco, uma empresa de telecomunicações ou informática, uma queijaria, uma pichelaria, uma retrosaria, um quiosque de jornais agarrariam esta oportunidade de ouro para promoverem os seus produtos. E o amado director usaria autocolantes (ou bordados) publicitários no fato italiano.

3 Comments:

  • At 12:07 da tarde, Blogger A Chata said…

    Acho que está a dar mérito a mais aos nossos neo-liberais.

    O neo-liberalismo económico português é um mau dançarino que tenta, desesperada e desincronizadamente, copiar os passos de dança do neo-liberalismo americano e inglês.

    Copiam cegamente as medidas tomadas nos EUA ou em Inglaterra mesmo que tenham tido resultados desastrosos no país de origem.
    E, com a proverbial "esperteza saloia" vão, pelo meio, amealhando nas suas conta pessoais uns dinheiritos compensatórios pelos "bons" negocios efectuados.

    Apesar desta pequena diferença de opinião, continuo a achar os seus textos excepcionalmente bons.
    Parabéns.

     
  • At 3:10 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Nem me parece que haja diferença de opinião pois é isso que eu penso do neo-liberalismo. Uma forma de enriquecer à conta do Estado e dos contribuintes. Apesar de eu regra geral utilizar a parrésia de Diógenes, por vezes posso escrever uma coisa para significar outra, são resquícios da ironia socrática.

     
  • At 3:10 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Nem me parece que haja diferença de opinião pois é isso que eu penso do neo-liberalismo. Uma forma de enriquecer à conta do Estado e dos contribuintes. Apesar de eu regra geral utilizar a parrésia de Diógenes, por vezes posso escrever uma coisa para significar outra, são resquícios da ironia socrática.

     

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