Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Ena pá!... 2007

De Boliqueime veio um santinho montado no seu burrito, vestido de chita e algodão, troteando numa SCUT, em direcção a Lisboa, para fazer milagres, prodígios, sortilégios, magias, coisas maravilhosas de pasmar animais, vegetais e minerais. Encantamentos de fechar Hogwarts, envergonhada, e escancarar a Universidade Católica, libertando o mago da Economia e Finança para a cidade e o mundo (reduzido, depois da retumbante vitória no Euro2004, ao Portugal dos pequeninos). O eleitorado da estola de raposa ao pescoço via-o como um Prof. Alexandrino que distribuía firmeza e hirteza num país fraco das canetas para correr com os grandes, ou com os pequenos, e ainda com os médios. Simplesmente, não corria, mas também não parava quieto. Não permitia que o “empreendorismo” tomasse conta de todos os negócios lucrativos deixando para o Estado os ossos do prejuízo. Apostaram nele, como uma taluda garantida, e ele embicou o burrito para Belém. Do seu passado ficaram para a História as melhores cargas da polícia, em tempos democráticos, que em nada devem às vilipendiadas e repudiadas traulitadas da polícia de choque do regime fascista. Apesar da prodigalidade dos hematomas (e, pior, ossos partidos e balas no corpo) distribuídos aos desgraçados que tiveram o azar de andar pelos locais dos protestos, a sua índole seráfica e querubínica, de santinho milagreiro, nunca foi beliscada. (O cassetete democrático tem outro doer, que nos faz ver a luz sobre o nosso errado comportamento e não as estrelas, antes de desmaiar).

Não deixa de ser irónico, numa época em que os ditos valores morais e éticos saem pianinho quando uma carteira se abre, ou “fruta e rebuçadinhos” são atirados sobre a mesa, que seja preciso publicitar uma reserva de serafins e querubins na sociedade. Impolutos poços de cloreto de cádmio para caçar neutrinos. “Popeye” Doyle e Buddy Russo incorruptíveis contra… qualquer coisa. Elliott Ness ao cubo. Uns santos de fazer inveja aos santos encartados pelo Vaticano. Em Portugal, os seráficos são mais que as mães: o Palácio de Belém, a PJ, o Tribunal de Contas, a Direcção-Geral de Impostos, as Entidades Reguladoras & etc., os seus toques são superiores ao de Midas, porque produzem algo mais valioso que o ouro (ou, modernamente, o crédito bancário), irradiam idoneidade e honradez como estrelas no céu a guiar o nosso caminho. Desde o cimo até, mais ou menos, o meio da escadaria do poder existem uns seres e instituições em quem nós podemos confiar as chaves de casa. E o nosso Presidente ombreia com os melhores. O seu palmarés de prémios com designações germanófilas em prol do mundo livre é invejável.

Mas o maior serafim do mundo é obviamente Wbush, que introduziu a simplicidade da navalha de Occam na política internacional, definindo com objectividade inabalável o bad e o good. Um afegão morto é um taliban. Um iraquiano morto é um insurgente. Não se pode ser mais simples que isto. A sua cruzada tem contribuído em força para a evolução cultural da Humanidade. Nos últimos dias deu origem ao melhor motion-pictures de sempre. O pequeno filme sobre o enforcamento de Saddam é uma obra-prima que tornou redundante a ida ao cinema este ano. A cerimónia dos Óscares tem, por certo, já escolhido o seu vencedor. É claro que os chefões da indústria cinematográfica americana terão certa relutância em pegar na película por não ser possível fazer sequelas: "Saddam reloaded" ou "Saddam revolutions". O actor principal morre no fim, que chatice para o happy end e a formação moral das criancinhas, mas isso nunca foi impedimento para os criativos argumentistas de Hollywood, que darão a volta por cima com outras personagens como Barzan al-Tikriti ou Awad al-Bandar e uma fila de ex-dirigentes iraquianos que espera pela corda no pescoço. Filmado num documental estilo “Blair Witch Project”, mas fazendo parte do “Wbush Saint Project” para angelizar o mundo, passado à hora de almoço pelas televisões portuguesas, fez os homens de boa vontade beber mais coca-cola.

O porta-voz do Governo americano no Iraque, Mowaffak al-Rubaie, veio dizer que Saddam não foi humilhado no enforcamento. E tem razão. Do ponto de vista das pessoas sensatas o enforcamento é que foi humilhado por Saddam. Todos sabem que um enforcamento não se faz assim. Implica uma árvore com um ramo paralelo ao chão, meia dúzia de tipos vestidos à cowboy, o futuro enforcado deve estar montado num cavalo com as mãos atadas atrás das costas, e depois de uma breve prece cristã, um homem idóneo com uma estrela de xerife ao peito dará uma palmada na garupa do cavalo consumando a execução. No final vão comemorar para o saloon a morte de um outlaw e, ao som dos Bon Jovi na pianola, apalpar o rabo às dançarinas de can-can. E ouvem-se gritos de “drinks for all” e não “viva Moqtada al-Sadr”. Não restam dúvidas de que Saddam desprestigiou a sagrada instituição do enforcamento.

Em matéria de espanto longe vão os tempos do porco a andar de bicicleta. Depois de um paraplégico, o xeque Ahmed Yasin, dirigente espiritual do Hamas, ter sido morto com um míssil – podiam ter-lhe roubado a cadeira de rodas que ele morria de fome na cama, ou atirá-lo por uma escada abaixo, ou misturar-lhe polónio 210 nas papas, mas não, insistiram que fosse um míssil para o fazer em fanicos – e depois do maior criminoso do século XX, Henry Kissinger, ter passado ao largo da Justiça duas unidades astronómicas (300 milhões de quilómetros) é natural não se espantar com nada. E ainda mais é legitimo matar democraticamente (e não ditatorialmente) para satisfação da nossa alma anelante de liberdade. Este ano começa bem. Cavaco a exigir “progressos claros na educação, economia e justiça” e o filme do ano está visto. Ena pá… vai-nos sobrar muito tempo para viver com qualidade!

3 Comments:

  • At 2:02 da tarde, Blogger A Chata said…

    Não quero ser pessimista mas, acho que só teremos mais qualidade de vida se nos unirmos aos franceses no grito:
    Parem o planeta que quero sair!

     
  • At 11:02 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Mas os homens fazem o planeta tão engraçado. Então não tem piada licenciados em Direito a ler livros fruto da dor de corno (como se costuma dizer)? Ou começar uma guerra por uma razão e depois fazer um u-turn e continuar por outra razão qualquer? Ou o gelo polar a derreter e nós a pagar água cada vez mais cara? Ou preservar espécies apenas pelo seu valor económico?...

    Faço uma correcção no texto: onde se lê “e ouvem-se gritos de…” deverá ler-se “e ouve-se gritos de…”.

     
  • At 11:26 da manhã, Blogger A Chata said…

    Os homens até têem graça e são capazes de coisas maravilhosas
    mas, reproduziram-se ao nível de praga (6 billiÕes e tal) e como uma praga de gafanhotos estão a eliminar, de forma acelerada, a sua sobrevivência.
    Bem, talvez fiquem alguns para começar tudo de novo...

     

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