Entrementes, no farol do Ocidente
Por causa dos velhos o império azteca lixou-se. Montezuma II (1466 – 1520) foi eleito imperador em 1502. Naquelas bandas, a escolha dos imperadores não cumpria a linhagem sanguínea, como na Europa. Eram designados por um conselho de sábios após provarem ferocidade em combate e religiosidade acima da média. Depois de elegidos, ninguém mais podia olhar-lhes nos olhos, nem terem contacto com o povo. O seu poder era ilimitado, com um pequeno senão: os deuses mandavam mais do que eles. (Questões de hierarquia, não de pouca importância, para determinar quem puxa dos galões e quem baixa a bolinha. Os americanos, “donutizados” e “hamburguerizados”, insistem em chamar “rei” do Rock ‘n’ Roll ao filho de Gladys Presley mas, se isso fosse verdade, e não a costumeira estratégia para vender porta-chaves e canecas com a cara de Elvis, então Bo Diddley é um deus).
Como os seus antecessores, Montezuma, ocupava um trono emprestado. Segundo as profecias, Quetzalcoatl, o grande deus das barbas brancas, voltaria um dia à terra dos mexicas para reclamar o seu império de volta. Durante o ritual do “novo fogo”, realizado no final de cada ciclo do calendário, os sacerdotes reuniam-se no monte da Estrela para procurarem sinais do fim da civilização no céu. Se as Plêiades atravessassem a noite escura sem o mundo acabar, anunciavam que Tonatiuh, o deus sol, brilharia resplandecente no dia seguinte. E havia folia religiosa da grossa, com um sacrifício humano para garantir um novo sol e o recomeço da vida. Ao contrário dos deuses gregos, os azetecas detestavam ambrósia, alimentavam-se de sangue, especialmente dos órgãos genitais. E eram bons garfos. Não exigiam apenas mesa farta de sangue de guerreiros. Em cada vintena de dias eram sacrificadas mulheres e crianças para lhes matar a fomeca. (Todavia, durante o reinado de Montezuma, o império viveu tempos de paz e, na falta de prisioneiros para sacrificar, criaram as guerras florais). Em suma, eram deuses modernos, como aqueles que formaram a base da cultura Ocidental, (o deus de Israel e a sua sucursal pobretanas, o deus cristão), documentado pelos cronistas do cristianismo, os noruegueses Gorgoroth – este nome é retirado do Planalto de Gorgoroth, da saga de J.R.R. Tolkien, lugar onde se produziam as armas da terra de Mordor para a guerra dos anéis.
O nono imperador azteca não tinha um carácter optimista como Cavaco Silva. Ele era um fatalista. Os aztecas adoptaram o calendário tolteca que dividia o tempo em ciclos de 52 anos. Ao fim deste período o mundo poderia ser destruído e renovado. (Esta noção de tempo vem da observação da passagem constante, de 52 em 52 anos, das estrelas Plêiades). Conforme a lenda quatro sóis foram destruídos, Montezuma vivia na época do quinto sol, e acreditava piamente na realização nesta catástrofe cósmica. Todas as manhãs ia ao templo maior oferecer o seu sangue aos deuses. Cobria-se de pó negro e feria a carne com um espeto. Mas os deuses jogavam outros dados. Certo dia dois cometas cruzam o céu em órbitas convergentes parecendo encontrarem-se. Ele entende isto como um sinal. Convence-se que os seus dias terminaram e Quetzalcoatl estava próximo de reivindicar o trono. Montezuma teve azar. Em 1519, precisamente um ano de fim do mundo no calendário azteca, do lado do mar, veio Hernan Cortés de tez branca e barbudo. A confusão foi inevitável. Aquele era Quetzalcoatl e entrega-lhe o império de mão beijada. Cortés partira de Havana movido pelos três desejos de qualquer espanhol da altura: conseguir ouro, almas cristãs e glória. E faz um figurão na História, com seiscentos soldados, um notário, dois frades franciscanos e uns cavalos, conquista um dos maiores impérios de todos os tempos. A morte de Montezuma não é consensual. Para o cronista espanhol, ele morreu das feridas resultantes do apedrejamento pelo seu próprio povo, no dia 26 de Junho de 1520. (O ano de 1519 termina e o mundo não acaba, é provável que os súbditos duvidassem da profecia e do carácter divino do imperador, e o olhassem como um simples mortal, logo candidato a umas pedradas). Para os mexicanos, ele foi morto por Cortés, quando perdeu o seu poder e deixou de ter valor para os espanhóis. Uma coisa é certa, ele não se converteu ao cristianismo e, também, não aprendeu uma lição valiosa – que não se deve confiar em velhos (Cortés rondaria os 33 anos), mesmo que sejam deuses encanecidos e sábios como Quetzalcoatl. Mas nem tudo foi mau. A capital do império, Tenochtitlán, foi arrasada para dar lugar à Cidade do México. Uns anitos mais tarde lá chegarão os Therion louvando Quetzalcoatl.
“Não confies em ninguém com mais de trinta anos” é uma das célebres frases de Jerry Rubin. Juntamente com Abbie Hoffman é o fundador, em 1967, do Youth International Party (YIP). Os seus membros intitulam-se Yippies, e representam a parte politizada da luta entre jovens e velhos (estudada no conceito sociológico de “conflito de gerações”) na América dos anos 60. O YIP é um partido diferente. O seu programa é um conjunto de folhas em branco. Lutavam contra o “establishment” (não traduzo por causa do Dias da Cunha mas designa a situação político-económica americana vigente). O YIP e outros movimentos contestatários convocaram uma acção política contra a Convenção Democrática de Chicago de 1968. Chamaram-lhe Festival da Vida. No primeiro dia do festival, 23 de Agosto, no Centro Cívico, o YIP apresenta o seu candidato à Convenção – um porco chamado Pégaso, o imortal. Mal acabam de comprar o porco são presos por conduta desordeira. No Parque Lincoln, membros do YIP dão aulas de artes marciais e de dança. Richard Daley, o presidente da Câmara, impõe um recolher obrigatório às 23:00 horas, para impedir os manifestantes de dormirem no parque. No dia 26 de Agosto, Jerry Rubin e Abbie Hoffman incitam os manifestantes a permanecerem no parque. Cantam, dançam e fazem aquelas coisas de influência oriental em moda naqueles tempos “hippiecos”. A Polícia não se comove com cantigas e ataca. Rebenta uma porrada das antigas transmitida pela TV. A América idosa, no conforto do sofá, não acreditava na violência da Polícia contra os seus jovens. Nos dois dias seguintes as coisas pioraram. Manifestantes e jornalistas eram corridos à bastonada e a granadas de gás lacrimogéneo. A coisa estava tão feia que Allen Ginsberg entoou um dos seus cantos “aum” (sílaba vinda das religiões indianas – budismo, hinduísmo etc.) para afastar os manifestantes da bófia. Nos anos 60 chamavam aos bófias “pigs” e, na década de 90, os Body Count só tinham o abate como tratamento para eles em “Cop Killer”.
Oito mentores do evento foram presos e acusados de conspiração contra o Governo e de provocar motins. No dia 4 de Setembro de 1969 começa o julgamento presidido pelo juiz Julius Hoffman com a designação legal de “United States vs. David T. Dellinger, et al.”. No banco dos réus estavam: Dave Dellinger do National Mobilization Committee to End the War in Vietnam, Rennard C. Davis e Thomas E. Hayden do Students for a Democratic Society, Lee Weiner, professor de Sociologia, John Froines, químico e membro do SDS, Bobby Seale dos Black Panther Party, Abbie Hoffman e Jerry Rubin. Logo no início do julgamento, Bobby Seale, de pele demasiado escura para ser tomado a sério, espingardou para o juiz umas tiradas políticas. É expulso da sala, condenado em quarto anos de cadeia, por desrespeito ao tribunal. A imprensa irónica começa a chamar-lhe “os julgamentos dos sete de Chicago”. A sala de audiência transforma-se num circo. Durante cinco meses o juiz recusa-se a ouvir testemunhas importantes e aplica aos acusados, advogados e testemunhas duzentas acusações de desrespeito ao tribunal. Jerry Rubin, descontente pelo boicote do juiz aos depoimentos, marcha-lhe em frente da bancada fazendo a saudação nazi aos gritos de “fascista” e “tirano”. No final é condenado a cinco anos de prisão mas levou a sentença na desportiva. Explica ao tribunal que aquele era o dia mais feliz da sua vida e comenta para o juiz: “… você fez mais para destruir o sistema judicial neste país do que qualquer um de nós poderia ter feito”. E presenteou-o uma cópia autografada do seu livro “Do it! Scenarios of the Revolution”. Anos mais tarde Jerry dirá: “a nossa estratégia era dar ao juiz Hoffman um ataque cardíaco. Demos um ataque cardíaco ao sistema judicial, o que é melhor”. O caso fez jurisprudência. O advogado de defesa William Kunstler apelou para o Supremo, que anulou a sentença, depois de verificar as patacoadas do juiz Hoffman, e emitiu uma lei limitando o poder dos juízes nas declarações de desrespeito pelo tribunal. Muito choram os Estados pela juventude. Venham eles para renovar a população no trabalho e nos impostos, dizem. Mas enquanto essa doença não se cura com a idade, prevenir desacatos e desvios, com um controlo mais adequado da mente, é a melhor solução, como cantam os My Chemical Romance em “Teenagers”.
Terminada a guerra do Vietname, a contestação nos Estados Unidos muda. Jerry Rubin passa a trabalhar com John Lennon e Yoko Ono. Lennon desafia-o para tocar bateria em “Imagine” mas Jerry acobardou-se com a responsabilidade e declina o convite. No entanto, chegou a tocar tamborins quando John e Yoko actuaram no teatro Apollo. Os antigos revolucionários tiveram mais uma ocasião para contestar quando John Sinclair, presidente dos Panteras Brancas, foi condenado a dez anos de cadeia pela posse de dois charros de marijuana. Perigosa droga que conduz as raparigas ao banho de mar despidas, os rapazes à loucura, e ambos ao jazz. No dia 10 de Dezembro de 1971, Rubin participa com Lennon nos concertos de solidariedade pela libertação de Sinclair, chamados com propriedade, Ten for Two. A mobilização teve sucesso. Sinclair será libertado dois dias depois.
Os velhos são efectivamente trapos. Se nas sociedades de tradição oral são receptáculos da sabedoria, nas sociedades industriais são um estorvo. A classe política americana é mais velha que Matusalém (patriarca hebreu que viveu 969 anos), e o seu comportamento é ainda mais antigo. Ultimamente deu-lhes para assegurar que o próximo inquilino na Casa Branca seja um político de cérebro musculado do modelo Rudy Giuliani. Esse objectivo atinge-se acagaçando uma população crendeira e que substituiu os bancos da escola pelos filmes de Hollywood. A imprensa publicou um relatório da National Intelligence Estimate afirmando que a al Qaeda, no famigerado santuário das zona tribais, na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, recuperou a sua capacidade operacional para atacar outra vez, tenta introduzir militantes nos Estados Unidos e procura comprar armas químicas, biológicas e nucleares. O Senado decide, por 87 votos a favor e um contra, duplicar o preço pela cabeça de Ossama bin Laden, aumentando o prémio para 50 milhões de dólares. Por milagre uma cassete de 40 minutos foi apreendida antes de chegar aos sites islamistas. Intitulada “A special surprise from As-Sahab. Heaven’s breeze part I” contém 50 segundos de um discurso de bin Laden sobre a importância do martírio. O discurso é muito antigo mas assusta. Entrementes, Rudy Giuliani desdobra-se em declarações harmonizadas com o clima: “não é do interesse dos Estados Unidos, neste momento, quando está a ser ameaçado por terroristas islamistas, patrocinar a criação de outro Estado que apoiará o terrorismo”, diz ele sobre o estertor de Condoleezza Rice para dar pulinhos na teoria dos dois Estados. E continua Rudy de peito inchado: “os teocratas que governam o Irão têm de compreender que podemos agitar, tanto o pau, assim como a cenoura, sabotando o apoio popular do seu regime, prejudicando a economia iraniana, enfraquecendo o poder militar, e se tudo falhar, destruir a infra-estrutura nuclear”. É Verão. O êxito musical do estio tarda em aparecer. Melhor será proteger-nos debaixo da “Umbrella” de Riahnna.
Por causa dos velhos o império azteca lixou-se. Montezuma II (1466 – 1520) foi eleito imperador em 1502. Naquelas bandas, a escolha dos imperadores não cumpria a linhagem sanguínea, como na Europa. Eram designados por um conselho de sábios após provarem ferocidade em combate e religiosidade acima da média. Depois de elegidos, ninguém mais podia olhar-lhes nos olhos, nem terem contacto com o povo. O seu poder era ilimitado, com um pequeno senão: os deuses mandavam mais do que eles. (Questões de hierarquia, não de pouca importância, para determinar quem puxa dos galões e quem baixa a bolinha. Os americanos, “donutizados” e “hamburguerizados”, insistem em chamar “rei” do Rock ‘n’ Roll ao filho de Gladys Presley mas, se isso fosse verdade, e não a costumeira estratégia para vender porta-chaves e canecas com a cara de Elvis, então Bo Diddley é um deus).
Como os seus antecessores, Montezuma, ocupava um trono emprestado. Segundo as profecias, Quetzalcoatl, o grande deus das barbas brancas, voltaria um dia à terra dos mexicas para reclamar o seu império de volta. Durante o ritual do “novo fogo”, realizado no final de cada ciclo do calendário, os sacerdotes reuniam-se no monte da Estrela para procurarem sinais do fim da civilização no céu. Se as Plêiades atravessassem a noite escura sem o mundo acabar, anunciavam que Tonatiuh, o deus sol, brilharia resplandecente no dia seguinte. E havia folia religiosa da grossa, com um sacrifício humano para garantir um novo sol e o recomeço da vida. Ao contrário dos deuses gregos, os azetecas detestavam ambrósia, alimentavam-se de sangue, especialmente dos órgãos genitais. E eram bons garfos. Não exigiam apenas mesa farta de sangue de guerreiros. Em cada vintena de dias eram sacrificadas mulheres e crianças para lhes matar a fomeca. (Todavia, durante o reinado de Montezuma, o império viveu tempos de paz e, na falta de prisioneiros para sacrificar, criaram as guerras florais). Em suma, eram deuses modernos, como aqueles que formaram a base da cultura Ocidental, (o deus de Israel e a sua sucursal pobretanas, o deus cristão), documentado pelos cronistas do cristianismo, os noruegueses Gorgoroth – este nome é retirado do Planalto de Gorgoroth, da saga de J.R.R. Tolkien, lugar onde se produziam as armas da terra de Mordor para a guerra dos anéis.
O nono imperador azteca não tinha um carácter optimista como Cavaco Silva. Ele era um fatalista. Os aztecas adoptaram o calendário tolteca que dividia o tempo em ciclos de 52 anos. Ao fim deste período o mundo poderia ser destruído e renovado. (Esta noção de tempo vem da observação da passagem constante, de 52 em 52 anos, das estrelas Plêiades). Conforme a lenda quatro sóis foram destruídos, Montezuma vivia na época do quinto sol, e acreditava piamente na realização nesta catástrofe cósmica. Todas as manhãs ia ao templo maior oferecer o seu sangue aos deuses. Cobria-se de pó negro e feria a carne com um espeto. Mas os deuses jogavam outros dados. Certo dia dois cometas cruzam o céu em órbitas convergentes parecendo encontrarem-se. Ele entende isto como um sinal. Convence-se que os seus dias terminaram e Quetzalcoatl estava próximo de reivindicar o trono. Montezuma teve azar. Em 1519, precisamente um ano de fim do mundo no calendário azteca, do lado do mar, veio Hernan Cortés de tez branca e barbudo. A confusão foi inevitável. Aquele era Quetzalcoatl e entrega-lhe o império de mão beijada. Cortés partira de Havana movido pelos três desejos de qualquer espanhol da altura: conseguir ouro, almas cristãs e glória. E faz um figurão na História, com seiscentos soldados, um notário, dois frades franciscanos e uns cavalos, conquista um dos maiores impérios de todos os tempos. A morte de Montezuma não é consensual. Para o cronista espanhol, ele morreu das feridas resultantes do apedrejamento pelo seu próprio povo, no dia 26 de Junho de 1520. (O ano de 1519 termina e o mundo não acaba, é provável que os súbditos duvidassem da profecia e do carácter divino do imperador, e o olhassem como um simples mortal, logo candidato a umas pedradas). Para os mexicanos, ele foi morto por Cortés, quando perdeu o seu poder e deixou de ter valor para os espanhóis. Uma coisa é certa, ele não se converteu ao cristianismo e, também, não aprendeu uma lição valiosa – que não se deve confiar em velhos (Cortés rondaria os 33 anos), mesmo que sejam deuses encanecidos e sábios como Quetzalcoatl. Mas nem tudo foi mau. A capital do império, Tenochtitlán, foi arrasada para dar lugar à Cidade do México. Uns anitos mais tarde lá chegarão os Therion louvando Quetzalcoatl.
“Não confies em ninguém com mais de trinta anos” é uma das célebres frases de Jerry Rubin. Juntamente com Abbie Hoffman é o fundador, em 1967, do Youth International Party (YIP). Os seus membros intitulam-se Yippies, e representam a parte politizada da luta entre jovens e velhos (estudada no conceito sociológico de “conflito de gerações”) na América dos anos 60. O YIP é um partido diferente. O seu programa é um conjunto de folhas em branco. Lutavam contra o “establishment” (não traduzo por causa do Dias da Cunha mas designa a situação político-económica americana vigente). O YIP e outros movimentos contestatários convocaram uma acção política contra a Convenção Democrática de Chicago de 1968. Chamaram-lhe Festival da Vida. No primeiro dia do festival, 23 de Agosto, no Centro Cívico, o YIP apresenta o seu candidato à Convenção – um porco chamado Pégaso, o imortal. Mal acabam de comprar o porco são presos por conduta desordeira. No Parque Lincoln, membros do YIP dão aulas de artes marciais e de dança. Richard Daley, o presidente da Câmara, impõe um recolher obrigatório às 23:00 horas, para impedir os manifestantes de dormirem no parque. No dia 26 de Agosto, Jerry Rubin e Abbie Hoffman incitam os manifestantes a permanecerem no parque. Cantam, dançam e fazem aquelas coisas de influência oriental em moda naqueles tempos “hippiecos”. A Polícia não se comove com cantigas e ataca. Rebenta uma porrada das antigas transmitida pela TV. A América idosa, no conforto do sofá, não acreditava na violência da Polícia contra os seus jovens. Nos dois dias seguintes as coisas pioraram. Manifestantes e jornalistas eram corridos à bastonada e a granadas de gás lacrimogéneo. A coisa estava tão feia que Allen Ginsberg entoou um dos seus cantos “aum” (sílaba vinda das religiões indianas – budismo, hinduísmo etc.) para afastar os manifestantes da bófia. Nos anos 60 chamavam aos bófias “pigs” e, na década de 90, os Body Count só tinham o abate como tratamento para eles em “Cop Killer”.
Oito mentores do evento foram presos e acusados de conspiração contra o Governo e de provocar motins. No dia 4 de Setembro de 1969 começa o julgamento presidido pelo juiz Julius Hoffman com a designação legal de “United States vs. David T. Dellinger, et al.”. No banco dos réus estavam: Dave Dellinger do National Mobilization Committee to End the War in Vietnam, Rennard C. Davis e Thomas E. Hayden do Students for a Democratic Society, Lee Weiner, professor de Sociologia, John Froines, químico e membro do SDS, Bobby Seale dos Black Panther Party, Abbie Hoffman e Jerry Rubin. Logo no início do julgamento, Bobby Seale, de pele demasiado escura para ser tomado a sério, espingardou para o juiz umas tiradas políticas. É expulso da sala, condenado em quarto anos de cadeia, por desrespeito ao tribunal. A imprensa irónica começa a chamar-lhe “os julgamentos dos sete de Chicago”. A sala de audiência transforma-se num circo. Durante cinco meses o juiz recusa-se a ouvir testemunhas importantes e aplica aos acusados, advogados e testemunhas duzentas acusações de desrespeito ao tribunal. Jerry Rubin, descontente pelo boicote do juiz aos depoimentos, marcha-lhe em frente da bancada fazendo a saudação nazi aos gritos de “fascista” e “tirano”. No final é condenado a cinco anos de prisão mas levou a sentença na desportiva. Explica ao tribunal que aquele era o dia mais feliz da sua vida e comenta para o juiz: “… você fez mais para destruir o sistema judicial neste país do que qualquer um de nós poderia ter feito”. E presenteou-o uma cópia autografada do seu livro “Do it! Scenarios of the Revolution”. Anos mais tarde Jerry dirá: “a nossa estratégia era dar ao juiz Hoffman um ataque cardíaco. Demos um ataque cardíaco ao sistema judicial, o que é melhor”. O caso fez jurisprudência. O advogado de defesa William Kunstler apelou para o Supremo, que anulou a sentença, depois de verificar as patacoadas do juiz Hoffman, e emitiu uma lei limitando o poder dos juízes nas declarações de desrespeito pelo tribunal. Muito choram os Estados pela juventude. Venham eles para renovar a população no trabalho e nos impostos, dizem. Mas enquanto essa doença não se cura com a idade, prevenir desacatos e desvios, com um controlo mais adequado da mente, é a melhor solução, como cantam os My Chemical Romance em “Teenagers”.
Terminada a guerra do Vietname, a contestação nos Estados Unidos muda. Jerry Rubin passa a trabalhar com John Lennon e Yoko Ono. Lennon desafia-o para tocar bateria em “Imagine” mas Jerry acobardou-se com a responsabilidade e declina o convite. No entanto, chegou a tocar tamborins quando John e Yoko actuaram no teatro Apollo. Os antigos revolucionários tiveram mais uma ocasião para contestar quando John Sinclair, presidente dos Panteras Brancas, foi condenado a dez anos de cadeia pela posse de dois charros de marijuana. Perigosa droga que conduz as raparigas ao banho de mar despidas, os rapazes à loucura, e ambos ao jazz. No dia 10 de Dezembro de 1971, Rubin participa com Lennon nos concertos de solidariedade pela libertação de Sinclair, chamados com propriedade, Ten for Two. A mobilização teve sucesso. Sinclair será libertado dois dias depois.
Os velhos são efectivamente trapos. Se nas sociedades de tradição oral são receptáculos da sabedoria, nas sociedades industriais são um estorvo. A classe política americana é mais velha que Matusalém (patriarca hebreu que viveu 969 anos), e o seu comportamento é ainda mais antigo. Ultimamente deu-lhes para assegurar que o próximo inquilino na Casa Branca seja um político de cérebro musculado do modelo Rudy Giuliani. Esse objectivo atinge-se acagaçando uma população crendeira e que substituiu os bancos da escola pelos filmes de Hollywood. A imprensa publicou um relatório da National Intelligence Estimate afirmando que a al Qaeda, no famigerado santuário das zona tribais, na fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, recuperou a sua capacidade operacional para atacar outra vez, tenta introduzir militantes nos Estados Unidos e procura comprar armas químicas, biológicas e nucleares. O Senado decide, por 87 votos a favor e um contra, duplicar o preço pela cabeça de Ossama bin Laden, aumentando o prémio para 50 milhões de dólares. Por milagre uma cassete de 40 minutos foi apreendida antes de chegar aos sites islamistas. Intitulada “A special surprise from As-Sahab. Heaven’s breeze part I” contém 50 segundos de um discurso de bin Laden sobre a importância do martírio. O discurso é muito antigo mas assusta. Entrementes, Rudy Giuliani desdobra-se em declarações harmonizadas com o clima: “não é do interesse dos Estados Unidos, neste momento, quando está a ser ameaçado por terroristas islamistas, patrocinar a criação de outro Estado que apoiará o terrorismo”, diz ele sobre o estertor de Condoleezza Rice para dar pulinhos na teoria dos dois Estados. E continua Rudy de peito inchado: “os teocratas que governam o Irão têm de compreender que podemos agitar, tanto o pau, assim como a cenoura, sabotando o apoio popular do seu regime, prejudicando a economia iraniana, enfraquecendo o poder militar, e se tudo falhar, destruir a infra-estrutura nuclear”. É Verão. O êxito musical do estio tarda em aparecer. Melhor será proteger-nos debaixo da “Umbrella” de Riahnna.
6 Comments:
At 2:04 da manhã, Ana Cristina Leonardo said…
Caro Taxi, a sua capacidade para misturar assuntos, tempos, culturas e o mais que lhe aprouver é de se lhe tirar o chapéu. Os velhos foram bem tratados por Bioy Casares em «Diario de la guerra del cerdo» e os novos de que fala no post serão avós hoje em dia. Lá chegaremos todos, de uma maneira ou de outra. Resta a Riahanna, mas, feliz ou infelizmente, tem chovido pouco este Verão.
At 8:23 da manhã, Táxi Pluvioso said…
Eu sei que é muito feio (intelectualmente falando) misturar alhos com bugalhos. Que ensinam nos bancos da “escolinha de filosofia” que uma mente analítica separa os assuntos para melhor os compreender. Mas a realidade cultural humana é una. Quando separamos, estamos a fazer uma opção, arriscaria a dizer… política, incluímo-nos numa determinada escola (filosófica ou científica). Mas, também, não deixa de ser curioso que, depois de passado um tempo, em que as ciências eram muito protectoras do seu território, agora preconizem a multidisciplinaridade. (O que foi separado volta a ser unido e Parménides tem a sua vingança).
Quando misturo as coisas não pretendo desenterrar conexões ocultas. Muitas vezes é apenas para mostrar o ridículo da condição humana ou fazer humor. (Montezuma tropeçou na religião e não em Cortés, e mostra como as nossas convicções podem ser enganadoras). Como não sei tudo, as minhas conclusões são SEMPRE produto da ignorância e NUNCA esclarecidas ou iluminadas.
Espanta-me que no mundo do trabalho a média de idade desça. Já vai sendo difícil encontrar um trabalhito com seis lustros em cima do pêlo. (É verdade que, por exemplo, no Japão, por falta de jovens, os velhos estão a voltar ao mercado de trabalho. Mas isso é outra conversa. Será uma história de exploração, como o trabalho infantil, para ser contada por cronistas futuros e ser estudada, pelas ciências sociais, dentro de uns anos). Nas sociedades da informação, os conhecimentos mudam com tanta rapidez, que não é possível acompanhá-los e ficamos trapos cada vez mais cedo. (Mesmo com as requalificações de que falam os políticos. O meu computador chama-lhes updates).
Na nossa sociedade, idade não é sinónimo de mais saber. No entanto, a religião e a política mantêm incólumes as características das sociedades sem escrita. Os velhotes são respeitados e considerados os mais aptos para os cargos de destaque (quando por lá aparece um mais novito é uma festa com fogo de artificio e tudo). Não quero dizer que os novos fariam melhor, com certeza, fariam igual ou pior. Mas os políticos americanos entretêm-me. Ver velhotes a dizer barbaridades e a serem levados a sério revela como as coisas mudaram desde a década de 60.
O caso Reagan é sintomático. Um velhote ainda por cima com Alzheimer é presidente de uma superpotência. Ele entrou na Casa Branca com 70 anos. Sei que só lhe diagnosticaram a doença quando ele tinha 90 anos e abandonara o poleiro há muito. Mas esta é uma doença degenerativa. Não é uma virose. Não possível determinar com exactidão a data do início. Os sintomas vão aparecendo até o médico não poder adiar mais o diagnóstico. E, até, os biógrafos (com um pingo de honestidade) andam à mora para marcar a altura em que a doença começou a manifestar-se e a interferir com os assuntos do Estado. Hoje ele é considerado um dos melhores presidentes. As pessoas afectadas pelas suas políticas, ou morreram ou esqueceram, e entraram os historiadores (os senhores que contam histórias). Tal como Wbush será um grande presidente dentro de dez ou vinte anos.
E que achou do filme sobre os malefícios da marijuana? Já não se fazem coisas assim. Tão elucidativas. Tão to be or not to be. Tão Ernest Lubitsch. É nestes momentos que tenho orgulho em ser português para poder ter saudade.
Achata: mas que se passa com o What?????? Nunca mais avançou. Não será por falta de notícias suculentas. Essas nunca pararam. Aqui vai uma: “Floribella dormiu de barriga para cima por causa das maminhas” (24 Horas 15/8/07). Se isto não é uma NOTÍCIA (assim com todas as letras maiúsculas) então não percebo nada de jornalismo.
At 3:38 da tarde, A Chata said…
"Os velhotes são respeitados e considerados os mais aptos para os cargos de destaque "
Será respeito?
Ou será que são os que têem mais mais amigos influentes e mais poder de compra?
E/ou, nalguns casos, (Reagan e Bush por exemplo) são os mais faceis de manobrar e convenientes para dar a cara?
Confesso que aprecio a sua mistura de alhos com bogalhos.
Porque é que havemos de comer só alface quando uma salada mista permite conhecermos uma variedade muito maior de sabores e texturas?
Todos os impérios acabam por tropeçar um dia.
Na religião, na falta e/ou má distribuição de recursos, na gestão de herdeiros de imperador incompetentes e, até, nas dívidas (sub-prime) que ninguém sabe onde param...
Eu sei que tem havido noticias 'escaldantes' (essa da Floribela não tinha lido) mas, como não posso fazer 'outsourcing' das obras de manutenção da casa para a China, e o preço dessa mão-de-obra nacional está acima das minhas posses, a solução é o 'Faça você mesmo' e, por isso, o tempo é curto.
Uma noticia fresquinha.
Coisa que pensei que não existia: um banqueiro suíço ingénuo!
"Top Swiss banker attacks US lending standards as 'unbelievable'
...
"Something unbelievable happened. People who had neither income nor capital got credit with very attractive conditions. Now reality is striking back,"
E o que acho ainda mais piada é que se fala só dos calotes dos americanos como se na Europa não se passasse algo de muito semelhante.
É feio.
Insultar os vizinhos quando os nossos telhados são de vidro.
At 4:01 da tarde, Táxi Pluvioso said…
“Um conhecido cientista italiano está a causar polémica na Itália depois de ter apresentado uma teoria em que diz que a espécie humana está a caminhar para a bissexualidade”, uma "previsão científica", enfim, sem nada demais. Não é fracturante. Dar para os dois lados, não é tão grave como dar para o lado contrário, pensa-se.
Qual não é o meu espanto quando leio que os animais estão pior. Vão a todas. “Uma australiana de 60 anos foi morta pelo seu camelo de estimação no fim-de-semana, após o animal ter aparentemente tentado ter relações sexuais com ela”.
At 5:17 da tarde, Armando Rocheteau said…
Mais um post para ir saboreando nos próximos dias. Hoje li-o, amanhã vou aos links.
Abraço e Do It!
At 4:38 da manhã, Táxi Pluvioso said…
Armando: repara no efeito da Maria Joana sobre os rapazes. Enlouquecidos pela droga esquecem-se de levar o abre caricas quando vão beber uma grade de soda pop. E as consequências são vidros na garganta e estômago. Dramático! O filme devia ser restaurado e passado 24 horas por dia nas pousadas da juventude.
A simplicidade para fundar o YIP relatada por Jerry Rubin, estavam todos pedrados, reporta-nos aos nossos dias de desburocratização. Do partido político na hora.
Ainda não deu para meter o link de que te falei. No próximo post talvez também não dê, que é sobre o sobrinho de Freud, mas chegarei lá. Também não coloquei o blues da ordem. Há um de Bo Diddley, já com a sua viola quadrada, no endereço em baixo. Creio que é possivel fazer a hiperligação aqui. Não sei como fazê-lo.
http://www.youtube.com/watch?v=25upsgckM2Y&mode=related&search=
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