Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sexta-feira, junho 15, 2007

Bom-bomboca

Disparamos mais rápido que um bólide da Fórmula Um, rumo ao prometido per capita de nababo, que o amanhã é hoje. Já não faz sentido, em Portugal, dividir o tempo em passado, presente e futuro. Ele é um eterno agora. Vivemos o perene presente. Dirão as más-línguas que cingimos a noção de tempo das crianças, mas os mais filosóficos notarão que cumprimos um cânone civilizacional – “não adiar para amanhã o que pode ser vivido hoje” (um clone aperfeiçoado do velho adágio “não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”). Portugal tem um passado refulgente de peripécias essenciais para a Humanidade e um presente promissor. Porventura chegou a luz que o melhor grupo português, Blasted Mechanism, canta. (Arautos do Prof. Agostinho da Silva no planeta Terra louvam o reino da espiritualidade numa união dos povos materializada na liberdade). Talvez a uberdade intelectual seja discutível mas ninguém pode negar que temos a liberdade de adquirir electrodomésticos catitas. E tudo graças à riqueza “simplex” deste ufano presente.

A antiga terra dos robustos madonaros e misseiros fervorosos, de beatas a perder de vista e da persignação por dá cá aquela palha, com o Domingo como dia nacional metamorfoseia-se, por obra de uma mais que iluminada (incandescente) elite, numa aformoseada nação de laicos operários fanáticos pelos dias úteis. Se houvesse Censura (grrrrrr!), e não Lei de Mercado (aaaaah!), seria proibida a derrotista melodia dos Boomtown Rats “Tell me why I don’t like Mondays”. Porque, a frase mais ouvida nos lares e bares, durante o fim-de-semana, é “nunca mais chega segunda-feira para eu ir trabalhar”. (Até o caçador Miguel Sousa Tavares reconhece que, ao contrário dos calinas passados, os seus contemporâneos gostam de trabalhar). E, com o trabalho honesto, vem a riqueza e o progresso, dizem… os livros infantis como, por exemplo, o da formiguinha e da cigarra. Mercê da abundância o país evoluiu tanto nestes últimos quatro anos que se faz notar no estrangeiro. Há dias a folha de couve londrina The Times noticiava que os inspectores encarregados da investigação do desaparecimento de Madeleine McCann na Praia da Luz, Algarve, faziam almoços de duas horas onde ingeriam bebidas alcoólicas. Longe vão os tempos da “sardinha para quatro”, onde o bocado que nos calhava no prato se engolia num santiámen, acompanhado de água (quando havia). Empachar o bacalhau com grão ou o cozido à portuguesa requer uma disponibilidade dos banquetes romanos ou do filme “A última farra” de Marco Ferreri. E não regá-los com tintol seria o mesmo que ir à missa sem comungar ou… para os mais ateus, ir à casa de alterne sem molhar o bico.

A perspicácia inglesa topou que comemos melhor, e quiçá, dentro em breve estaremos ao seu nível para sermos um franchising americano. A velha Albion teve sorte nos presidentes ianques que engraçaram com aquela espécie de dirigentes no 10 Downing Street e no palácio de Buckingham. Deram-lhe a mão para que progredisse numa nação realmente importante no panorama mundial debelando a imagem do snobe de chapéu colonial e calção de caqui derrotado por Mahatma Gandhi. Antes da ablução americana para a Inglaterra iniciar uma segunda vida, os indígenas engolfados no chauvinismo very british, consideravam os Beatles um marco na História da Música, e não um grupelho de segunda categoria, quando comparados com verdadeiros pilares da música popular como George Gershwin ou B. B. King. E desprezavam os bloody foreigners como se tivessem micose. Nem lhe reconheciam valor económico para trabalhar em explorações contaminadas com o vírus H5N1. Foi pondo os olhos no arcaboiço latino para empurrar a economia do tio Sam no trilho do progresso que perceberam a potencialidade dos forasteiros (isso, ou vendo hollywoodianos filmes com Paz Vega ou Penélope Cruz). Desde que se uniram aos americanos aprenderam a distinguir o bom-bomboca (bom mesmo bom) do mau-lacrau (mau mesmo mau). E até a sua Polícia esmerou a pontaria, como provam os onze tiros disparados sobre o electricista brasileiro Jean Charles de Menezes, confundido com um terrorista, no rescaldo das explosões no Metro de Londres, em 2005. Sete balas acertaram-lhe na cabeça num ensinamento que retiraram dos filmes americanos para certificar um óbito. Como sabem para os ingleses, os portugueses não são nem pretos, nem brancos, mas também não são grande coisa, logicamente, como diria o nosso Luís Figo, só podem ter aprendido com os relatórios do Departamento de Estado americano a condescendência pelas susceptibilidades culturais dos subdesenvolvidos da península ibérica.

Segundo a cartilha transmitida de Washington a Londres é simples distinguir um bom-bomboca de um mau-lacrau. Como é fácil de adivinhar o primeiro critério é a Bíblia que anuncia “a candeia dos ímpios será apagada”. Quem não respeita a Cruz está… crucificado. O outro vem das tripas (“guts”, algo que os americanos têm muito). São maus-lacraus todos aqueles que o canastrão de serviço, sentado na Sala Oval, odeia visceralmente. Hugo Chávez é um epítome do mau-lacrau, que deu mais um testemunho da sua intrínseca maldade, quando não renovou a licença à estação de televisão privada Rádio Caracas TV, coarctando a liberdade de expressão e, em última instância, a Democracia (como eloquentemente expôs Durão Barroso que, tal como o metro-padrão está no museu Internacional de Pesos e Medidas, em Paris, o nosso compatriota encontra-se na sede da Comissão Europeia, em Bruxelas, como a medida-padrão da liberdade). Por outro lado, no Paquistão, Pervez Musharraf é um ratificado bom-bomboca responsável por haver menos terroristas respirando o nosso ar. Mandou bloquear o sinal do canal privado por cabo Geo News porque o apresentador do programa “Neary Mutabik”, Shahid Massood, não parava de criticar o Governo, e avisou todos outros operadores nacionais ou internacionais para baterem a bola baixa ou os seus canais irão pregar aos peixinhos noutro lado, que não o Paquistão. (Este é um exemplo de boa e má censura. E quem não consegue distinguir o bom do mau anda com o sinal bloqueado).

Uns maus-lacraus que ninguém contesta foram os nazis. Maus como as cobras matavam judeus com Zyklon B, endrominando-os com um banho de chuveiro, para entrarem num exíguo cubículo, onde pastilhas colocadas nos ralos, por acção da água, libertavam o mortal gás. Entretanto, veio a vitória dos aliados, que nos proporcionou milhões de pedagógicos filmes de guerra com os bons a vencerem sempre e a paz democrática. E não há Democracia sem abusadores. Os Estados Unidos que organizam a sua vida social segundo os preceitos bíblicos (“dente por dente, olho por olho”) têm a necessidade de os despachar para o outro mundo. Um bom método é câmara de gás, que faz o facínora meditar, espumando pela boca, sobre os seus ruins actos, antes de entregar a alma para julgamento divino. Mas como os americanos são indesmentíveis bons-bombocas não iriam usar Zyklon B, coisa de vil ditador e não de democrata respeitador dos direitos dos homens. Optaram pelo ácido cianídrico. (Zyklon B é o nome comercial de um pesticida feito à base de ácido cianídrico). Sei que parece mal. Afinal são ambos a mesma coisa. Mas há uma diferença fundamental. Usando o nome científico os americanos mantêm o estatuto de bom-bomboca. A Ciência dá uma credibilidade que a ideologia nacional-socialista não tem nem em mil anos. (O último condenado gaseado foi Walter LeGrand, em 4 de Março de 1999, no Arizona).

Londres é o satélite Telstar que faz bip! bip! para Portugal. Todos dançamos o baile de “A whiter shade of pale”, dos Procol Harum, quando a Grã-Bretanha pia. Durante muitos anos os ingleses vestiram-nos com os seus têxteis e beberam o nosso Oporto. Nós achegamo-nos a eles para defesa contra Napoleão e orientação na vida. Provavelmente de lá veio o hodierno conceito de bom e mau irradiado pela “sociedade civil” (e militar, também). Um acontecimento sucedido há quatro anos pôs o motor vruuuuum! vruuuuum! no presente. O Processo Casa Pia separou o trigo do joio na eira da Justiça. Epinício sobre o fadado destino de andar à nora nos tribunais. Agora, sem ser licenciado em Direito, o povo sabe que lado da barreira ocupar. Quando o Supremo Tribunal de Justiça reduz a pena de sete para cinco anos do condenado, por pedofilia, de Celorico de Basto, está a perdoar um mau-lacrau. Pouco interessa que a violação sobre um rapazola de 13 anos fosse continuada no tempo (como na saudosa China de Mao Tze-Tung onde os criminosos eram condenados – e bem – por praticaram violações na mesma pessoa anos a fio). Nesta mesma ordem de ideias, o tribunal de S. João Novo, no Porto, absolve Maria Clementina Pires que matou o marido à machadada e é aplaudido pela assistência. É um caso indubitável de bom-bomboca. A senhora foi abusada durante 40 anos e a violência da morte do cônjuge atesta essa raiva em espinhos contida na alma.

Conta-se que uma das frases do filósofo Tales de Mileto terá sido “tudo está cheio de deuses”. Supõe-se que fez tão peculiar afirmação ao notar as propriedades da pedra imã. Pinto Monteiro, Procurador-geral da República, declarou num jornal, “o país está cheio de arguidos inocentes”. Calcula-se que chegou a esta sui generis conclusão reparando nos calhaus que trabalham no Ministério Público e na judicatura em geral.

7 Comments:

  • At 7:55 da tarde, Blogger A Chata said…

    “não adiar para amanhã o que pode ser vivido hoje”

    ou
    não pedir mais um emprestimo amanhã se pode pedir hoje.

    Ainda não copiamos o panfleto para ensinar a defecar. O ministro da saúde tem estado tão ocupado a copiar o fecho de serviços que, possivelmente escapou-lhe essa medida fundamental para combater a obesidade crescente.


    Eu sei que não é tão simples como parece, passar por situações de violência (lembro-me sempre do filme Salo) mas, tenho uma certa dificuldade em entender as pessoas que se queixam de 30, 40 anos de abusos fisicos e psicologicos sem nunca terem revidado ou feito qualquer tentativa para lhes escapar.Sobretudo quando essa violência envolve os filhos.

    Que raio, se não conseguir fugir-lhe, se não tiver animo ou força para lhe dar com uma cadeira pela cabeça a abaixo, pode sempre optar por um venenozito na sopa do animal que, por norma, gosta de ser "servido".

    O que acontecerá ao instinto de defesa e sobrevivência destas pessoas?

     
  • At 9:29 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    A ideia do panfleto é muito boa. Parece-me saída da cabeça dos licenciados em ciências sociais que têm de fazer pela vida e tornarem-se úteis. Ou, com o fim da família, as pessoas deixaram de ser ensinadas. Ou, então, com a catadupa de descobertas científicas, as pessoas precisam de reciclagem constante. (Como bem incita Sócrates noutras áreas, que não a ida à casa de banho, por enquanto).

    Há uma grande tradição portuga do 605 forte no capítulo dos suicídios, (ainda conheci pessoas que o usaram), mas creio que não dá para assassinatos. Aquilo sabe mal como o diabo. O envenenado notaria logo. Por acaso nunca mais ouvi falar neste veneno. Desconfio que é outra tradição que se perdeu.

     
  • At 3:19 da tarde, Blogger A Chata said…

    E a senhora do creme de 3,99 Euros lá foi a tribunal.
    Era uma questão de principio diz o ministério público!

    Principio caros estes e só aplicados a delitos menores e pessoas que não conheçam as pessoas certas ou não tenham dinheiro suficiente para "empatar" os processos.

    A minha única experiência (até agora) com tribunais foi como testemunha num processo que foi julgado no tribunal de trabalho.
    Uma coisa surrealista...
    -3 audiências (a que tive que ir) em que foram ouvidas dezenas de testemunhas a dizer o mesmo (o mau-estar e conflitos gerados por a empresa a dada altura ter decidido dar o aumento de salário anual apenas às pessoas que pertenciam a um dado sindicato) ou seja 3 dias de trabalho perdido para todas essas pessoas que teve depois de ser recuperado.
    -um advogado da empresa que nem sabia bem do que se tratava (talvez, porque tinha a noção de que ia perder a causa e estava já a preparar o próximo recurso)
    - um bedel que se dirigiu aos 3 ou 4 representates da administração da empresa, cheio de mesuras e os dispensou no inicio da audiência porque, "concerteza tinham trabalho importante a fazer" ( o resto do "maralhal" que secasse...)

    A empresa perdeu, recorreu e passados anos, anos e anos teve que pagar o que devia (algumas das pessoas já nem eram vivas).

    Foi esta a imagem com que fiquei da justiça em Portugal e, por isso, acho que tenho o direito de perguntar:
    Principios, meus senhores, principios????
    Quais principios?
    Os de quem tem dinheiro ou "desvia" quantias significativas e tem os "amigos" certos devem ter tratamento priviligeado ...

     
  • At 6:53 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Creio que li numas daquelas legendas de rodapé, num telejornal qualquer, que a dita senhora tinha apresentado o talão de compra do “roubado” cântaro de creme. Mesmo que haja talão acho que a Justiça tem de prosseguir o seu inexorável rumo. Há muitos licenciados em Direito e é preciso gerar trabalho para essa malta toda.

    Uma tarde passada num tribunal é muito mais divertida do que um espectáculo de “comédia em pé” no Maxime. Se tivermos acesso às acusações dos réus em julgamento, para estarmos dentro do assunto, e umas luzes de Direito, por ter lido um manual de introdução (à referida “ciência)”, é galhofa garantida. Cheguei a ler uma acusação lavrada pelo Ministério Público que acusava um tipo de ter entrado numa casa em dia incerto, junto com um companheiro desconhecido, e teriam roubado um frigorífico que estaria em parte incerta. (Creio que a cor do frigorifico era também desconhecida). E o tipo estava em prisão preventiva nestes termos (vagos para os leigos mas fortes indícios para o licenciado em Direito).

    Tive pena de não tido acesso a uma fotocopiadora para fazer um duplicado daquela obra, e de outras que li, porque a verdadeira literatura não é feita por escritores debruçados (ou em pé como o Eça) sobre a escrivaninha, mas por anónimos, no seu anónimo quotidiano, que despejam a vida como ela é. (E poupa-se na ficção).

     
  • At 8:10 da tarde, Blogger A Chata said…

    O problema é linguagem 'tribal' usada...

    Aqui há uns anos, uns amigos pediram-me (a mim e mais 3 amigos)para testemunhar que a filha de ambos era filha deles e não da minha amiga e do ex-marido de quem se tinha separado há menos de um ano.
    Não tendo presenciado o acto de criação mas, acreditando na palavra deles, lá fui fazer uma declaração a um oficial de justiça ( muito zeloso, por sinal, fartou-se de fazer contas dos meses de gravidez da raça humana e de me perguntar se tinha a certeza do facto).
    No fim ao ler-me a declaração para que a assinasse o homem sai-se com esta:
    "E aos costumes disse nada"
    Ignorante como sou desta linguagem disse-lhe logo que não tinha afirmado nada disso.
    Depois de esclarecida sobre o significado da tal frase, lá assinei a declaração.
    Enfim, linguagens 'tribais'...
    Ao fim de 3 anos, vários testemunhos e idas a tribunal a miúda lá foi finalmente registada com o nome do pai biológico.
    Parece que estes processos entretanto foram simplificados mas, estou certa que ainda dão trabalho a muita gente.
    Não havia necessidade de ocupar um advogado oficioso, não sei quantos escriturários, um juiz e sabe-se lá mais quem.
    Só as fotocópias do processo, de certeza que custaram mais que os ditos 3.99 Euros.

     
  • At 8:28 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Afinal o país está bem. Tem futuro. Acabo de ver nas legendas do telejornal da TVI que o tribunal de Portimão está a julgar um homem que roubou um caldo Knorr no valor de 59 cêntimos.

    Agora sou obrigado a esperar pela próxima passagem da legenda para ter a certeza.

     
  • At 5:15 da tarde, Blogger A Chata said…

    O país está a ficar dividido entre arguidos cuja presumível inocência será provada ou não no próximo século e criminosos perigosos que andam a roubar cremes, caldos Knorr ou (como já assisti) chouriços nos supermercados.

    O nosso lema nacional devia ser:
    O crime só compensa se o valor 'desviado' for superior a 1 milhão de Euros!

     

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