Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

terça-feira, setembro 18, 2007

Não tarda nada
Aristóteles, na sua obra “Arte Poética”, distingue as duas formas originais de Teatro – a Tragédia e a Comédia. Segundo ele, a Tragédia relata a vida dos homens superiores, os heróis, (a elite, diríamos hoje), enquanto que a Comédia conta a lufa-lufa dos homens inferiores, os vulgares habitantes da cidade (os eleitores ou consumidores, numa linguagem actualizada). As tragédias continuam exclusivas dos poderosos. Se não a vivê-las, pelo menos a provocá-las, como un voie d’oiseau pelos “kus de judas” do mundo demonstra. Ou então, pelos nomes familiares com que baptizam as bombas ecológicas. Os americanos chamam carinhosamente “Mother Of All Bombs” ao seu projecto para matar através do vácuo e de uma temperatura do caraças. Os ainda mais afectuosos russos, “Dad Of All Bombs”. E os terroristas que irão testá-las não terão tempo de pronunciar “Son Of All Bitches”. Ou “Schrei” (grita) como goelam os putos do grupo alemão Tokio Hotel.

(A bomba americana, com o nome técnico de GBU-43/B Massive Ordnance Air Blast, tem um poder equivalente a 11 toneladas de TNT. A russa, ainda sem nome, explode num bonito efeito fireball correspondente a 44 toneladas de TNT. “Tudo o que é vivo simplesmente desaparece”, mas é totalmente amiga do ambiente, garante o general Alexander Rukshin. Aliás, como a ianque, estes petardos só vaporizam seres vivos. Os prédios nem tiçonados ficam. Ao contrário dos taliban, que explodiram as estátuas dos Budas de Bamiyan, o mundo civilizado tem as suas prioridades acertadas.) Esta dificuldade dos compostos de matéria orgânica para lidar com tragédias fez os Panic! At the Disco optarem por escrever sobre pecados na canção “I write sins not tragedies”.

O progresso económico diminuiu os adereços para fazer comédia porque de barriga cheia e electrodomésticos comprados tornamo-nos mais espirituosos. Rimo-nos por anedota e meia. No início do século XX, Charlie Chaplin contou a sua fórmula: “tudo que preciso para fazer uma comédia é um parque, um polícia e uma rapariga bonita”. Mas na alvorada do século XXI estes itens reduziram-se. Um cómico e uma assistência são suficientes para galhofa certa, e, em Portugal, nem isso. Para nós basta um político e um auditório partidário, e as bandeiras despregam-se de tanto rir. Somos bem-humorados como a Tokyo Ska Paradise Orchestra.

O piadético António Vitorino, no encerramento do Fórum Novas Fronteiras, casquinava veladamente sobre Luís Filipe Menezes e, sem querer, deu a melhor descrição de político na oposição. Afirmou ele que o candidato ao trono de Marques Mendes “apenas quer aparecer na televisão de manhã quando fechar uma empresa, à tarde quando fechar um centro de saúde e à noite a pretexto do que quer que seja, nem que seja o fecho do telejornal”. Depois desta definição laminar do político desencaixado do tacho certo, o piadista do PS “direitavolveu” o seu sentido de humor contra o Bloco de Esquerda, cujos filiados “juram solenemente que não se coligarão” com o partido da rosa empunhada. Primeiro, fez-se de anjinho na definição de “coligação” explicando à rendida assistência: “eu, ingenuamente, pensava que para haver uma coligação eram precisos pelo menos dois. Não notei que nos tivessem perguntado se nos queríamos coligar com alguém”. Em seguida remata com oitocentos (e tal) anos de imaculada virilidade: “equivale a eu declarar de forma solene perante vós: não tenho intenções de me casar com a Angelina Jolie”. Na sala, uma militante, que lhe conhecia o carácter galifão, gritou: “não é que não gostasse!” – “Hey Good Looking”, dedicar-lhe-ia Hank Williams, se o conhecesse.

Outro humorista mais cabeludo actua em Washington. Yowwwww! Deeedle-leedl-lee George W. Bush, na Sala Oval, botou o discurso da vitória em processo sobre as forças do Mal no Iraque. Afiançou que o seu “em força para o Iraque” resultou. Os relatórios do general David Petraeus e do embaixador Ryan Crocker são tranquilizadores. No Natal regressam 5 700 boys e depois reduz-se o número de brigadas de combate consoante as necessidades no terreno para derrotar o inimigo. Promete que até os gatos serão felizes no fim do job done. Ooh-rah! Hoo-ah! (gritos das tropas, a umas palavrinhas de ocasião de Wbush, quando ele foi ao Iraque meter a cunha ao Petraeus e ao Crocker para não escreverem um relatório demasiado negativo). Contas feitas, Wbush apresentou planos para retirar os 30 000 soldados que foram injectados em Janeiro para pacificar o Iraque. E um observador ingénuo poderia deduzir que, não sendo retirados todos, ficou tudo na mesma. Mas a coerência lógica de Wbush e dos seus advisers veio de outro planeta. Eles vieram de Marte para nos amar como se pode ouvir nos Killer Barbies.

No final do discurso, “Dabliú” dirigiu-se directo ao coração das famílias. Leu um e-mail da família do soldado Brandon Stout, de Michigan, voluntário da Guarda Nacional, que morreu em Bagdad. Wbush comove os telespectadores do prime time: “a sua família sofreu muito, no entanto, na sua dor, eles vêem o grande desígnio. A sua mulher, Audrey, diz que Brandon sentiu-se chamado para servir e sabia porque estava a lutar”. Os pais, Tracy e Jeff, escreveram: “nós acreditamos que esta é uma guerra entre o Bem e o Mal e que nós temos obrigação de ganhar… mesmo que isso custe a vida do nosso filho. A liberdade não é grátis”. (E, 1 220 580 de iraquianos mortos, desde 2003, em consequência da libertação americana, não é um preço por aí além). Quando um presidente está metido numa tinideira é reconfortante ver as suas palavras de sempre repetidas com fé pelos súbditos e que, mesmo com os filhos aos pedaços dentro de caixões, desejam um final feliz para o filme. Talvez por isso, um dos melhores finais de sempre é a explosão da casa no deserto, ao som de “Careful With That Ax, Eugene”, dos Pink Floyd, no filme “Zabriskie Point”, de Michelangelo Antonioni.

(Na verdade a cena final do filme foi alterada. Na versão de Antonioni uma avioneta cruzava o céu do deserto com uma faixa dizendo: “fuck you America”. Louis F. Polk, presidente da Metro Goldwyn Mayer, cortou essa e muitas outras cenas. James T. Aubrey, o sucessor na presidência, voltou a colá-las, excepto a da faixa. “Zabriskie Point”, estreado em 1970, é o primeiro filme de Antonioni rodado na América. Protagonizado por Daria Halprin e Mark Frechette e, quem tiver boa visão, consegue ver Harrison Ford algures entre os manifestantes. Ela no papel de Daria, a secretária de um magnate, idealista e arejada. Ele desempenha o papel de Mark um jovem radical contestatário anti-establisment. Nenhum deles tinha experiência como actor. Frechette vivia numa comuna de Bóston chamada The Lyman Family, liderada pelo músico e guru Mel Lyman, envolvido nas experiências de Timothy Leary com LSD. Foi descoberto, pelos caça talentos de Antonioni, numa paragem de autocarro pela maneira como gritou “motherfucker”. Depois do filme, em 1973, Frechette meteu-se num assalto a um banco de Bóston, que ele declarou como político, e apesar da sua arma não ter balas foi condenado a 15 anos de prisão. Apareceu morto no ginásio do Massachusetts Correctional Institute com o pescoço partido por um alter. Daria casou-se (1972) e divorciou-se (1976) de Dennis Hopper. É psicóloga, escritora e bailarina. Richard Wright compôs ao piano “Us And Them” para a cena final mas Antonioni contestou: “é bonito, mas muito triste, sabes? faz-me pensar em igreja”. A faixa foi incluída no álbum “The Dark Side Of The Moon”. “Zabriskie Point” é um fresco sobre a Contracultura, os anos 60 e uma crítica à sociedade americana, feito por um marxista que filmava de forma peculiar os ricos).

O théatron grego era o “lugar onde se vai para ver” mas quem quer ver também pode vir à Europa. Por força dos dirigentes que medram no ancião continente, Europa e Estados Unidos, estão a ficar tão diferentes como a Kate Moss musicada por Philip Glass ou a Kate Moss musicada pelos White Stripes. A UE quer bloquear os sites que ensinam a fazer bombas mas, Franco Frattini, Comissário da Justiça e Segurança, acordou com uma ideia ainda melhor. Proibir o acesso a palavras perigosas como bomba, morte, terrorismo ou genocídio. Segundo o italiano, a Internet não pode ser um meio de difusão de conceitos ligados a este flagelo e ensinar a fazer explosivos nada tem a ver com a liberdade de expressão ou informação. Para sustentar tal interdição invoca, não Júpiter ou Quirino (ou Rómulo, fundador de Roma), mas os valores supremos da protecção dos direitos dos cidadãos e do direito à vida. Proibir é bom. Mas o italiano anda com os fusíveis trocados. A origem de todos os males não é o terrorismo mas o sexo. Se fosse proibido, não nasceriam comissários italianos, ou outros. Devia-se criar filtros na rede para proibir palavras como troquilheira, pécora, flausina ou mamma mia. Para que não apareça a Veronika Raquel seduzindo os jovens para a pornografia, que leva ao sexo, à fecundação, à sala de espera da maternidade e ao charuto. Perdido por um comissário europeu, perdido por mil, “Destroy 2000 Years of Culture”, exigiam os Atari Teenage Riot (banda formada por Alec Empire, Hanin Elias e Mc Carl Crack, herdeiros, na música e na estética, do grupo Baader-Meinhof).

Não tarda nada estão a proibir fumar nos espaços públicos. Nem sequer será permitido ouvir o “Melo do Tabaco”, da melhor banda brasileira, Bonde do Rolê, por escreverem letras obscenas.

7 Comments:

  • At 12:33 da manhã, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    Um mundo que conseguiu criar o Taj Mahal, William Shakespeare e pasta de dentes às riscas não pode ser assm tão mau, dizia o James Cagney em One, Two, Tree do Billy Wilder. O Billy que sabia bem das diferenças entre comédia e tragédia embora duvide que levasse a sério o Aristóteles

     
  • At 3:40 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Não só este é o melhor dos mundos, como concentra em si, toda a inteligência do universo. Por isso é que não existem extraterrestres. Nem sequer o designer inteligente tão querido dos creacionistas. (É uma possibilidade ilógica porque toda a inteligência disponível está na Terra).

    Tragédias não eram prato para Billy Wilder: “se vais dizer a verdade às pessoas, sê galhofeiro (funny) ou elas matar-te-ão”.

    E o sempre pragmático S. Tomás de Aquino tinha a cura: “A mágoa pode ser aliviada com uma boa soneca, um banho e um copo de vinho”.

     
  • At 7:44 da tarde, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    O Fred Hoyle, que era ateu, achava que a vida tinha vindo do espaço, e ele não era nada ilógico embora fosse dado a hipóteses heterodoxas.
    A frase do Billy só comprova que ele sabia do sabor da tragédia.
    E quanto ao S. Tomás, tb há aquele provérbio muito português que se aplica: enquanto o pau vai e vem folgam as costas. talvez por isso andem por aí muitos marrecos.

     
  • At 4:37 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    William Burroughs era mais comedido. Dizia que apenas a linguagem veio do espaço. Ontem a notícia âncora dos telejornais foi o despedimento de José Mourinho. Foi uma festa de jornalismo. Até foram à pastelaria onde, todos os dias, o pai do special one se reúne com outros velhos para passar o tempo e tomar a bica. A este ajuntamento de velhotes numa pastelaria o jornalista chamava-lhe tertúlia. Que o homem todos os dias fazia uma tertúlia sobre futebol. Enfim. As bolas! As bolas! O meu reino por umas bolas – pedem todos os Ricardos portugueses (imitando o Ricardo III do livreco de Shakespeare).

     
  • At 10:43 da manhã, Blogger Armando Rocheteau said…

    Tu e a Ana Cristina esmagam-me com tanta erudição e é sempre divertido frequentar esta caixa de comentários.
    Parabéns aos dois.
    A malta de Filosofia devia lembrar-se que o saber muitas coisas não traz sabedoria. Meti aqui um grego a martelo por não querer destoar.

     
  • At 2:30 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    De sabedoria nada. Nem sequer sou seu amigo (filos). Sou antes um inimigo do saber, por isso é que o FAR fica danado quando lhe aponto baterias. Não te esqueças do guru do LSD e depois dos computadores, Timothy Leary, que actualizou essa grega atitude perante a vida: “ na era da informação, não se ensina filosofia da mesma maneira que durante o Feudalismo. Exerce-se. Se Aristóteles fosse vivo teria um talk-show”.

     
  • At 3:17 da tarde, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    Nunca gostei lá muito de Aristóteles (sempre preferi o terrível Platão) e ainda menos da Fátima Campos Ferreira. Quanto à sabedoria, só sei que nada sei. Mas temo que a idade apenas me traga reumático.

     

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