Barba rija
Algo de muito errado se passava na imagem que o país tinha de si próprio. Do país dos garanhões que comem todas, dos engatatões de esquina, dos maliciosos cantores brejeiros, das “camones” que invadiam as praias algarvias na demanda do santo machão, da potência sexual infinita. O processo Casa Pia veio trazer para campo aberto a homossexualidade subterrânea que percorre toda a sociedade portuguesa. Se a promiscuidade e a confusão sexual eram um traço das classes mais baixas, atascadas nos ex-bairros de barracas, o golpe militar aprilino e a derrocada da moral sexual repressiva, soltou-lhes as rédeas também nas classes altas. Diria uma possidónia velha tia de Cascais: “perderam a vergonha”.
Lembremo-nos da estrutura social no tempo do “homem das ceroulas e polainas”, (Salazar nos livros de História), com a separação de sexos nas escolas, as idas à catequese para apaziguar e moldar o impulso sexual, a protecção dos elementos femininos pela família que só abandonavam o lar paterno com o casamento, o sexo encarado como assunto do coração. Como consequência, a primeira experiência sexual dos jovens mancebos na idade da explosão hormonal era feita entre os seus pares, deixando um leve travo de homossexualidade na adolescência, que o casamento deveria apagar (julgava-se), mas a maior parte das vezes não apagou, levando os portugueses enquanto adultos a uma vida dupla – de dia bons chefes de família e de sucesso na sua profissão, e à noite condutores de automóveis caros, navegando as ruas à procura de parceiro, sempre um jovem, para relembrar as templárias delícias da sua juventude.
Toda a gente deveria estranhar o facto do homem português não perder uma oportunidade para se vestir de mulher. É no inevitável Carnaval, é quando a mulher não está em casa, são as carreiras no sacerdócio, são as cerimónias maçónicas, é no gosto por inventar confrarias, que todos os dias aparecem dedicadas aos vinhos, à chanfana, à pêra, ao croquete e à patanisca. Tudo é motivo para saltar para dentro de uma saia ou aproximado. Por isso, quando rebentou o “escândalo” Casa Pia só se espantaram as velhas que acreditavam piamente (e os padres sempre as enalteceram no Santo Marial), que tinham cumprido o seu papel sexual e proporcionado prazer ao seu digno cônjuge. Apesar de, nelas, a coisa tivesse corrido “assim, assim”, mas os sorrisos dos filhos compensaram todos os sacrifícios sofridos, escabujadas nos momentos de luxúria do legítimo esposo.
A perseguição levada a cabo nos últimos tempos contra a prostituição enquadra-se nestes velhos fantasmas dos portugueses. Não se trata apenas da “moderna Polícia” a pôr no teatro de operações os novos conhecimentos de investigação e procedimentos tácticos, adquiridos nas Academias de Ciências Policiais ou nos cursos intensivos para o Euro2004, ou mais uma operação para eliminar a corrupção e fuga aos impostos, ou as mães de Bragança preocupadas com o corte no orçamento familiar. Não se trata de uma questão política e emocional – de ser a favor ou contra a prostituição – pois a mulher deve ter o direito de vender o corpo a quem quiser (pelo menos, dentro da actual filosofia político-económica da “terceira via” não se percebe porque é que a mulher tem que dar o corpo de borla, em nome do poético Amor, quando tudo o resto foi privatizado para render lucros aos “empreendedores” e “investidores”). O que sucede é que aos bravos descendentes de Viriato atormenta, de facto, uma homossexualidade latente e que mais tarde ou mais cedo vem ao de cima – ou é assumida e o homem abandona a mulher e filhos e vai viver com outro homem, ou aparece noutra elaboração (de forma manifesta diria Freud) em comportamentos não sexuais como a perseguição policial às casas de alterne, ou torrar dinheiro nas marcas registadas nos centros comerciais, ou empolgar-se contra o árbitro nos estádios de futebol.
Bastava dar uma volta pelo estrangeiro para nos apercebermos, pelos olhares estranhos que nos deitavam, que a fama de esquisitos ultrapassara a linha da raia com Espanha. Claro que os nossos gays sempre tiveram sucesso em qualquer parte do mundo, condenados à emigração por terem uma imagem demasiado forte para um povo que gosta da dissimulação e da camuflagem, expandiam o nome de Portugal além fronteiras. (Agora devido à mudança de mentalidades ultrapassaram os playbacks de Gloria Gaynor nos clubes especializados nocturnos, são felizes no seu país natal, têm locais próprios de reunião à luz do dia e até espectáculos para assistirem, como por exemplo, as superproduções de Madonna). Mas este desvio da energia sexual para fins não-sexuais dá uma luz nova à frase mais repetida pelo povo do jardim sobre o Atlântico dependurado. Quando se lhes pergunta “o que sabem fazer?”, respondem sem pestanejar: “comer e beber”. Esta fixação à “fase oral” do desenvolvimento da sexualidade é uma fuga a comportamentos socialmente reprováveis e uma substituição aos seus verdadeiros prazeres. Por sorte todas as autarquias apanharam a febre da gastronomia e não faltam festivais para empachar.
Outro comportamento a-sexual mas decorrente da mesma situação foi o nosso saudoso Ministro da Defesa e (da água) do Mar, mesmo sem submarinos, enfrentar de peito descoberto, o terror da morte dos óvulos insuflados com o sopro de Deus. Como os nossos ratívoros marinheiros e as suas caravelas, saiu do conforto de São Julião da Barra para o mar não deixando poutar nos portos portugueses aquelas perigosas abortistas, que vinham de barco corromper a virgindade das nossas donzelas, incitando-as ao aborto, mesmo não estando grávidas. Felizmente, em Portugal, existem associações e instituições públicas presididas por homens que lutam pelos direitos das mulheres, o que vem acentuar mais o carácter feminino do homem português, pois ele é capaz de “vestir a pele” de mulher e compreendê-la melhor que ninguém.
A homossexualidade em Portugal não é um problema genético, ou de opção de vida, ou causado por uma mãe demasiado possessiva, ou uma excentricidade de uns perversos valdevinos que cirandavam pelos jardins de Belém. É uma situação normal decorrente de um problema cultural enraizado profundamente na evolução da sociedade lusa durante o século XX. Há muitos anos que o macho português de barba rija era motivo de chacota em todo o lado, consequência da carnalidade da “geração bolacha Maria e marmelada”. Veremos as consequências da virtualidade sexual na “geração Playstation”.
Lembremo-nos da estrutura social no tempo do “homem das ceroulas e polainas”, (Salazar nos livros de História), com a separação de sexos nas escolas, as idas à catequese para apaziguar e moldar o impulso sexual, a protecção dos elementos femininos pela família que só abandonavam o lar paterno com o casamento, o sexo encarado como assunto do coração. Como consequência, a primeira experiência sexual dos jovens mancebos na idade da explosão hormonal era feita entre os seus pares, deixando um leve travo de homossexualidade na adolescência, que o casamento deveria apagar (julgava-se), mas a maior parte das vezes não apagou, levando os portugueses enquanto adultos a uma vida dupla – de dia bons chefes de família e de sucesso na sua profissão, e à noite condutores de automóveis caros, navegando as ruas à procura de parceiro, sempre um jovem, para relembrar as templárias delícias da sua juventude.
Toda a gente deveria estranhar o facto do homem português não perder uma oportunidade para se vestir de mulher. É no inevitável Carnaval, é quando a mulher não está em casa, são as carreiras no sacerdócio, são as cerimónias maçónicas, é no gosto por inventar confrarias, que todos os dias aparecem dedicadas aos vinhos, à chanfana, à pêra, ao croquete e à patanisca. Tudo é motivo para saltar para dentro de uma saia ou aproximado. Por isso, quando rebentou o “escândalo” Casa Pia só se espantaram as velhas que acreditavam piamente (e os padres sempre as enalteceram no Santo Marial), que tinham cumprido o seu papel sexual e proporcionado prazer ao seu digno cônjuge. Apesar de, nelas, a coisa tivesse corrido “assim, assim”, mas os sorrisos dos filhos compensaram todos os sacrifícios sofridos, escabujadas nos momentos de luxúria do legítimo esposo.
A perseguição levada a cabo nos últimos tempos contra a prostituição enquadra-se nestes velhos fantasmas dos portugueses. Não se trata apenas da “moderna Polícia” a pôr no teatro de operações os novos conhecimentos de investigação e procedimentos tácticos, adquiridos nas Academias de Ciências Policiais ou nos cursos intensivos para o Euro2004, ou mais uma operação para eliminar a corrupção e fuga aos impostos, ou as mães de Bragança preocupadas com o corte no orçamento familiar. Não se trata de uma questão política e emocional – de ser a favor ou contra a prostituição – pois a mulher deve ter o direito de vender o corpo a quem quiser (pelo menos, dentro da actual filosofia político-económica da “terceira via” não se percebe porque é que a mulher tem que dar o corpo de borla, em nome do poético Amor, quando tudo o resto foi privatizado para render lucros aos “empreendedores” e “investidores”). O que sucede é que aos bravos descendentes de Viriato atormenta, de facto, uma homossexualidade latente e que mais tarde ou mais cedo vem ao de cima – ou é assumida e o homem abandona a mulher e filhos e vai viver com outro homem, ou aparece noutra elaboração (de forma manifesta diria Freud) em comportamentos não sexuais como a perseguição policial às casas de alterne, ou torrar dinheiro nas marcas registadas nos centros comerciais, ou empolgar-se contra o árbitro nos estádios de futebol.
Bastava dar uma volta pelo estrangeiro para nos apercebermos, pelos olhares estranhos que nos deitavam, que a fama de esquisitos ultrapassara a linha da raia com Espanha. Claro que os nossos gays sempre tiveram sucesso em qualquer parte do mundo, condenados à emigração por terem uma imagem demasiado forte para um povo que gosta da dissimulação e da camuflagem, expandiam o nome de Portugal além fronteiras. (Agora devido à mudança de mentalidades ultrapassaram os playbacks de Gloria Gaynor nos clubes especializados nocturnos, são felizes no seu país natal, têm locais próprios de reunião à luz do dia e até espectáculos para assistirem, como por exemplo, as superproduções de Madonna). Mas este desvio da energia sexual para fins não-sexuais dá uma luz nova à frase mais repetida pelo povo do jardim sobre o Atlântico dependurado. Quando se lhes pergunta “o que sabem fazer?”, respondem sem pestanejar: “comer e beber”. Esta fixação à “fase oral” do desenvolvimento da sexualidade é uma fuga a comportamentos socialmente reprováveis e uma substituição aos seus verdadeiros prazeres. Por sorte todas as autarquias apanharam a febre da gastronomia e não faltam festivais para empachar.
Outro comportamento a-sexual mas decorrente da mesma situação foi o nosso saudoso Ministro da Defesa e (da água) do Mar, mesmo sem submarinos, enfrentar de peito descoberto, o terror da morte dos óvulos insuflados com o sopro de Deus. Como os nossos ratívoros marinheiros e as suas caravelas, saiu do conforto de São Julião da Barra para o mar não deixando poutar nos portos portugueses aquelas perigosas abortistas, que vinham de barco corromper a virgindade das nossas donzelas, incitando-as ao aborto, mesmo não estando grávidas. Felizmente, em Portugal, existem associações e instituições públicas presididas por homens que lutam pelos direitos das mulheres, o que vem acentuar mais o carácter feminino do homem português, pois ele é capaz de “vestir a pele” de mulher e compreendê-la melhor que ninguém.
A homossexualidade em Portugal não é um problema genético, ou de opção de vida, ou causado por uma mãe demasiado possessiva, ou uma excentricidade de uns perversos valdevinos que cirandavam pelos jardins de Belém. É uma situação normal decorrente de um problema cultural enraizado profundamente na evolução da sociedade lusa durante o século XX. Há muitos anos que o macho português de barba rija era motivo de chacota em todo o lado, consequência da carnalidade da “geração bolacha Maria e marmelada”. Veremos as consequências da virtualidade sexual na “geração Playstation”.
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