Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

terça-feira, novembro 28, 2006

Dois portugueses de sucesso

Do solo pátrio têm saído homens de incontestável valor, que têm dado o corpo e a alma pela Humanidade e, por arrasto, elevaram a nossa bandeira bem alto nos mastros estrangeiros, fazendo povos alienígenas trautear o nosso hino como se fosse o último êxito de Roberto Leal ou Marco Paulo. E, despertando a vontade compulsiva de virem jogar nos nossos campos de golfe, comprar artesanato, banhar-se em sol, praia e História, ver espectacular paisagem, desfrutar ameno clima e comer culinária regional.

Os nossos primevos emigrantes sofrendo de atricose, o corpo forrado a pêlo, de abundante e inevitável vibrissa, nariz vermelhuço, bem atoucinhados, com a barriga a saltar fora das calças, adeptos do palito e convictos enófilos, vão sendo substituídos por uma nova leitegada, menos lapuz, mais citadina, que cuida da sua imagem e acredita nas ciências naturais e nas tecnologias de informação, não esconde o seu lado feminino mas lê revistas de homens, trocou o barbeiro pelo cabeleireiro, o palito pelo telemóvel e o álcool pela gasosa, fala várias línguas e só tem barriguinha durante o Inverno.

Neste grupo está o chic señor Barroso, (Mr. Nobody para os ingleses), político de poliglota logorreia que saiu zinzilulando pelos beirais da Europa como uma avezinha bem ensinada para servir de avindor aos donos da União Europeia. É verdade que emigrar depois de uma derrota eleitoral não é novidade mas é sempre uma boa opção política. A sua saída foi mais parecida à de um sovaqueiro, que foge de um autocarro da Carris, depois de apanhar o cobiçado objecto alheio, do que um chefe de família política com dificuldade em sustentar os seus apaniguados. Mas agora ao vermos o seu sucesso na estranja, a falar aquelas línguas todas inclusive o espanhol, é mais uma quina na bandeira, mais uma corda na guitarra, mais nata no pastel, mais colorido no galo de Barcelos, mais areia na Costa da Caparica, é mais um fôlego no patrioteirismo abichado no Euro2004. Como ele sai da limusine de “bacalhau” estendido, confiança no rosto, tenuemente perfumado, fato bem passado, inovadoras ideias na manga, embala o nosso patriótico coração – quase nos apetece gritar bem alto: “Portugal, Portugal”. Ele é dos nossos, é mais um que pertence ao clube dos que têm a sorte de ver o Toy, ou o José Alberto Reis, ou os D’ZRT numa Casa de Portugal em qualquer esquina do mundo. (Dentro de dez anos esperamos pelo seu regresso como Presidente da República salva pátrias).

Outro emigrante de sucesso, Nadia Almada, saiu do Campanário, Madeira, com um género e nome diferentes. Era homem e chamava-se Jorge mas isso não o impediu de lutar pelo que acreditava – casar de vestido branco. No seu Campanário natal teve a inspiração divina, olhando o sino da igreja, de que o seu futuro estava no extenso mundo além-mar, o qual, segundo o padre António Vieira, os portugueses têm à sua disposição para morrer. Os apetites sexuais trocados não lhe agouravam grande futuro nas terras de Alberto João Jardim. Podem ser tolerados e degustados na negridão da noite, mas nascendo o dia são arrenegados como o próprio Mefistófeles. Entre ser um anónimo traveca, olhado com desprezo pelos vizinhos e corrido à pedrada pela catraiada, Jorge decide sonhar com o céu do emigrante, com o cantinho onde as ruas estão pavimentadas a ouro e meteu na mala de plástico a sua roupa interior feminina e abalou para a Inglaterra.

De certa maneira estas duas vidas são semelhantes. Dois portugueses de incontestável valor foram à procura de um sítio onde fossem reconhecidos e apreciados. O primeiro, um político mendaz que ficaria na História como um moço de fretes, incapaz de uma ideia original, um cherne que se afoitou para sair do mar mas que acabou num charco, um mensageiro da tanga, um corneteiro da falsa retoma, um faniqueiro da política que não serve para o glorioso país do futebol. Deo Gratias pela Europa que viu as qualidades de político faneco, óptimo para não fazer nada, que é grosso modo o resumo do trabalhoso dia a dia de um Presidente da Comissão Europeia. É um herói.

O segundo, um rapaz sensível, com dons para dona de casa, perdido numa terra de labruscos, teria um futuro negro. Achincalhado pelos seus pares, amaldiçoado pelo padre, nunca chegaria ao paraíso económico encharcado de qualidade de vida criado pelo Governo Regional, sem hipótese de aparecer nos grandes eventos culturais da ilha, comer lapas com os importantes da terra ou usar biquini na praia. As terras de Sua Majestade deixaram-no espraiar a Teresa Guilherme que todos temos dentro de nós, mudou de género, agora é uma bonita mulher de quem nos podemos orgulhar. No Big Brother britânico brilhou, arrasou e arrebatou o prémio. É uma heroína.

Políticos e mulheres são os principais produtos de consumo da nossa sociedade (desenganem-se as colas e os hambúrgueres), são eles que nos deixam saciados e satisfeitos, e com vontade de voltar ao supermercado, e neste aspecto um pequeno país dá cartas no mundo com dois emigrantes de sucesso. In excelsu gloria!

2 Comments:

  • At 6:30 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Maturino, fantástico texto como sempre polvilhado de pesquisa e espírito arguto. Permite-me corrigir tão-só o vocábulo, atricose (do Grego a, privação + thrix, pêlo s. f.,
    ausência anormal de pêlos.) por hipertricose, no brilhante período em que relatas os nossos primevos emigrantes. No final, uma pequena dúvida que o meu parco latim não descortinou; será "In excelsu gloria! ou antes, "In excelsis gloria"? Abraço.

     
  • At 9:41 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Obrigado pela correcção. Foi desatenção minha não me lembrar que o "a" é um prefixo de negação.
    Quanto ao latim, o meu também não vai longe. Tentei encontrar o sítio onde o li mas não consegui. Ou foi no "Pêndulo" do Umberto Eco ou numa tradução brasileira do Platão. De facto, tanto um como o outro não são de fiar. A palavfra latina é "excelsu" mas se calhar é preciso fazer a declinação e aí acabam os meus conhecimentos de latim.

     

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