…e justiça para todos
Na terra onde os euros zicham das repartições do Estado para ante-projectos, projectos e obra feita, onde os portugueses estão em alta cotação, onde o futebol deu mais alegrias que as vitórias na Guerra Colonial, onde o caracol e o tremoço são marisco, onde só é pobre quem quer, onde as montanhas parem ratos, e os ratos não abandonam o navio, a apregoada “justiça igual para todos” só existe como tema para comentarista de TV ou diarista de pasquim barregarem ovinas crónicas para nanar meninos. Na prática é mais uma fantasia alucinatória resultado da reputada potomania nacional.
Faz lembrar aqueles temas das trovas do Bandarra, sonhos de 5º Império e de futuros risonhos em terras de Canaan… mas sem judeus. Fantasias alucinatórias de marinheiros esfomeados ou de reis praticamente imbecis, redoirados por Camões na ideia de que, damas pé de cabra e tolos enfarpelados, podem ser tragados como figuras da alta-roda mundial. Uma versão moderna do camoniano optimismo encontramos nos operadores judiciais, tão imbecis como os seus antepassados, mas também com cruciante dificuldade em admitir que estão somente a ganhar o seu dinheirinho, e não a cumprir um desígnio superior para além da Taprobana. Nas salas de audiência tratam-se como deuses, trocam galhardetes entre si, usam deferências sonantes, salamaleques dignos de um emir, piropos que ouvimos nos salões nobres da política, mas, depois de areado o verdete superficial restam apenas licenciados e bacharéis saídos de Universidades portuguesas, onde pouco ou nada se aprende, e a comida nas cantinas é má.
Quando nada é igual para todos – nem a saúde, nem a educação, nem o lugar à mesa… nem sequer a morte, uns têm o jazigo rococó no cemitério, outros a vala comum, outros a frígida laje das aulas práticas de anatomia – os novos optimistas, os novos filhos do velho Fado, Futebol e Fátima, querem vender o último peixe da ideologia burguesa. Apesar de já não sermos iguais em nada, ainda existe um território onde a igualdade se mantém firme como uma multinacional com os estatutos blindados. Esse virginal território iluminista é a Justiça. Mas que por diabo haveremos de ser iguais perante a Justiça? Percebe-se logo que esta boa vontade traz água no bico, quer dizer… na beca
O processo Casa Pia – para além de mostrar o problema escondido da homossexualidade que atormenta o homem português e que não desaparece com o rápido casamento heterossexual – teve a importância de alertar para o que se passava nos tribunais. Que estes são campo privilegiado de classes corporativas carregadas de mordomices e pouco dadas ao trabalho. Que atabalhoar meia dúzia de provas numa acusação chega para condenar. Que o arguido é o elo mais fraco. Que o motor da decisão final é a convicção do juiz. Que a prova produzia pelo réu serve para cumprir protocolo jurídico. Vejamos o que se passou. Começar uma investigação a partir de uma reportagem jornalística é estranho. O jornalismo vale o que vale. Mas, em Portugal, insere-se naquele mais vasto movimento em que toda a gente procura e… curioso… encontra a Verdade. Mais estranho ainda foi iniciar o julgamento sem dois elementos fundamentais: uma lista dos telefonemas entre os arguidos e fotografias dos libertinos a entrar, ou sair, das casas do deboche. Sem isso estamos há dois anos no paleio do “ouvi dizer” e o “passou-se assim”. Mas na altura a preocupação dos juízes foi usar a sua varinha mágica, isto é, decretar prisão preventiva. (Com tubarões envolvidos a tentação era irresistível). De uma coisa podemos ter a certeza. Nunca saberemos quanto custou todo este circo. Porque em Portugal o bolso do contribuinte não tem fundo, logo, não existe o hábito de fazer contas.
Na maior parte dos casos os veredictos eram favas contadas, os réus sem dinheiro, só podiam comer e calar. Depois do festival televisivo do processo Casa Pia, tudo ficará na mesma, mas o quadro da santaria dos heróis nacionais inchou com uma nova colecção de advogados e juízes. Com manifestantes nas ruas a gritar o nome do togado endeusado pelo processo mediático do momento. E, noutra edificante cena vimos o juiz descendo à condição de almocreve, anunciando em viva voz pérolas para o futuro: “era só o que faltava à Justiça que para o incidente de recusa do juiz tivessem em conta a opinião publicada ou até a opinião pública” – deveriam voltar os arautos e as trombetas para, de vila em vila, anunciar estas e outras boas novas.
A outra face da moeda deste sistema – os que estão a montante e fornecem a carne para ele funcionar – mudaram bastante. Na antiga ordem das coisas, os GNRs gostavam de vinho e os guardas da PSP, passados pela escolaridade obrigatória, eram viciados em “meninas da vida”. Trinta anos de democracia refinaram os gostos. Os GNRs estão mais esbeltos, até já podem andar a cavalo sem serem incomodados pela sociedade protectora dos animais, reclamando do peso que o animal tinha que transportar. O “guarda” da PSP agora é “agente” e o “melhor amigo” no bairro. E todos aprenderam com os estrangeiros as técnicas modernas de controlo de multidões, houve roupas bonitas para todos, armas e aparelhos à James Bond, novos laços e novas fontes de auto-estima, gratificados e horas extraordinárias, uma febre devoradora de fazer explodir mochilas, foguetório de elogios. Se o progresso não chega a Portugal, em forças da ordem estamos bem servidos.
O cerco policial na Bemposta, Bucelas, foi um dos momentos mais altos da execução, na prática, do extenuante treino espargido nas nossas forças de segurança pelos melhores cérebros em ciência policial. Foram 17 horas de cerco policial e 30 horas de vigilância, um aparato nunca visto fora dos filmes, uso da terminologia técnica correcta “temos a certeza que o suspeito se encontra na residência”, 25 homens bem fardados e equipados, megafones, micro-câmaras, cães, ambulâncias, “tivemos a necessidade de intervir com as maiores cautelas” – tudo isto para tirar o “Castanha” da cama que, com a derrota do Benfica, tinha dado dois tiros para o ar. Não se sabe se ele era católico ou muçulmano, que poderia justificar alguma parte deste espectáculo, pois na altura o SIS descobrira que bin Laden tinha comprado um mapa das estradas de Portugal num quiosque em Tora Bora. Finalizada com sucesso a intervenção policial as únicas declarações do Castanha ao entrar para o veículo novo da Guarda foram: “estou bem e vou de férias”. Disto tudo podemos concluir que a característica mais portuguesa não é o palito na boca e servir ensopado de borrego mas sim a tolice, que, quando nasce é para todos. E por isso somos apreciados no mundo.
A proclamada igualdade perante a Justiça é uma realidade, é um valor inegável das democracias bi-partidárias, de facto existe em doses farmacêuticas pelos quatros cantos de Portugal. Começa antes da entrada no tribunal resume-se a levar porrada democrática de “Batalhões de Intervenção Rápida” (nada a ver com a fascista “Polícia de Choque”) bem treinados, bem equipados, bem pagos, motivados e com consciência cívica, seja no Redondo, Vila Real ou ainda em Elvas e Vilar Formoso.
Na terra onde os euros zicham das repartições do Estado para ante-projectos, projectos e obra feita, onde os portugueses estão em alta cotação, onde o futebol deu mais alegrias que as vitórias na Guerra Colonial, onde o caracol e o tremoço são marisco, onde só é pobre quem quer, onde as montanhas parem ratos, e os ratos não abandonam o navio, a apregoada “justiça igual para todos” só existe como tema para comentarista de TV ou diarista de pasquim barregarem ovinas crónicas para nanar meninos. Na prática é mais uma fantasia alucinatória resultado da reputada potomania nacional.
Faz lembrar aqueles temas das trovas do Bandarra, sonhos de 5º Império e de futuros risonhos em terras de Canaan… mas sem judeus. Fantasias alucinatórias de marinheiros esfomeados ou de reis praticamente imbecis, redoirados por Camões na ideia de que, damas pé de cabra e tolos enfarpelados, podem ser tragados como figuras da alta-roda mundial. Uma versão moderna do camoniano optimismo encontramos nos operadores judiciais, tão imbecis como os seus antepassados, mas também com cruciante dificuldade em admitir que estão somente a ganhar o seu dinheirinho, e não a cumprir um desígnio superior para além da Taprobana. Nas salas de audiência tratam-se como deuses, trocam galhardetes entre si, usam deferências sonantes, salamaleques dignos de um emir, piropos que ouvimos nos salões nobres da política, mas, depois de areado o verdete superficial restam apenas licenciados e bacharéis saídos de Universidades portuguesas, onde pouco ou nada se aprende, e a comida nas cantinas é má.
Quando nada é igual para todos – nem a saúde, nem a educação, nem o lugar à mesa… nem sequer a morte, uns têm o jazigo rococó no cemitério, outros a vala comum, outros a frígida laje das aulas práticas de anatomia – os novos optimistas, os novos filhos do velho Fado, Futebol e Fátima, querem vender o último peixe da ideologia burguesa. Apesar de já não sermos iguais em nada, ainda existe um território onde a igualdade se mantém firme como uma multinacional com os estatutos blindados. Esse virginal território iluminista é a Justiça. Mas que por diabo haveremos de ser iguais perante a Justiça? Percebe-se logo que esta boa vontade traz água no bico, quer dizer… na beca
O processo Casa Pia – para além de mostrar o problema escondido da homossexualidade que atormenta o homem português e que não desaparece com o rápido casamento heterossexual – teve a importância de alertar para o que se passava nos tribunais. Que estes são campo privilegiado de classes corporativas carregadas de mordomices e pouco dadas ao trabalho. Que atabalhoar meia dúzia de provas numa acusação chega para condenar. Que o arguido é o elo mais fraco. Que o motor da decisão final é a convicção do juiz. Que a prova produzia pelo réu serve para cumprir protocolo jurídico. Vejamos o que se passou. Começar uma investigação a partir de uma reportagem jornalística é estranho. O jornalismo vale o que vale. Mas, em Portugal, insere-se naquele mais vasto movimento em que toda a gente procura e… curioso… encontra a Verdade. Mais estranho ainda foi iniciar o julgamento sem dois elementos fundamentais: uma lista dos telefonemas entre os arguidos e fotografias dos libertinos a entrar, ou sair, das casas do deboche. Sem isso estamos há dois anos no paleio do “ouvi dizer” e o “passou-se assim”. Mas na altura a preocupação dos juízes foi usar a sua varinha mágica, isto é, decretar prisão preventiva. (Com tubarões envolvidos a tentação era irresistível). De uma coisa podemos ter a certeza. Nunca saberemos quanto custou todo este circo. Porque em Portugal o bolso do contribuinte não tem fundo, logo, não existe o hábito de fazer contas.
Na maior parte dos casos os veredictos eram favas contadas, os réus sem dinheiro, só podiam comer e calar. Depois do festival televisivo do processo Casa Pia, tudo ficará na mesma, mas o quadro da santaria dos heróis nacionais inchou com uma nova colecção de advogados e juízes. Com manifestantes nas ruas a gritar o nome do togado endeusado pelo processo mediático do momento. E, noutra edificante cena vimos o juiz descendo à condição de almocreve, anunciando em viva voz pérolas para o futuro: “era só o que faltava à Justiça que para o incidente de recusa do juiz tivessem em conta a opinião publicada ou até a opinião pública” – deveriam voltar os arautos e as trombetas para, de vila em vila, anunciar estas e outras boas novas.
A outra face da moeda deste sistema – os que estão a montante e fornecem a carne para ele funcionar – mudaram bastante. Na antiga ordem das coisas, os GNRs gostavam de vinho e os guardas da PSP, passados pela escolaridade obrigatória, eram viciados em “meninas da vida”. Trinta anos de democracia refinaram os gostos. Os GNRs estão mais esbeltos, até já podem andar a cavalo sem serem incomodados pela sociedade protectora dos animais, reclamando do peso que o animal tinha que transportar. O “guarda” da PSP agora é “agente” e o “melhor amigo” no bairro. E todos aprenderam com os estrangeiros as técnicas modernas de controlo de multidões, houve roupas bonitas para todos, armas e aparelhos à James Bond, novos laços e novas fontes de auto-estima, gratificados e horas extraordinárias, uma febre devoradora de fazer explodir mochilas, foguetório de elogios. Se o progresso não chega a Portugal, em forças da ordem estamos bem servidos.
O cerco policial na Bemposta, Bucelas, foi um dos momentos mais altos da execução, na prática, do extenuante treino espargido nas nossas forças de segurança pelos melhores cérebros em ciência policial. Foram 17 horas de cerco policial e 30 horas de vigilância, um aparato nunca visto fora dos filmes, uso da terminologia técnica correcta “temos a certeza que o suspeito se encontra na residência”, 25 homens bem fardados e equipados, megafones, micro-câmaras, cães, ambulâncias, “tivemos a necessidade de intervir com as maiores cautelas” – tudo isto para tirar o “Castanha” da cama que, com a derrota do Benfica, tinha dado dois tiros para o ar. Não se sabe se ele era católico ou muçulmano, que poderia justificar alguma parte deste espectáculo, pois na altura o SIS descobrira que bin Laden tinha comprado um mapa das estradas de Portugal num quiosque em Tora Bora. Finalizada com sucesso a intervenção policial as únicas declarações do Castanha ao entrar para o veículo novo da Guarda foram: “estou bem e vou de férias”. Disto tudo podemos concluir que a característica mais portuguesa não é o palito na boca e servir ensopado de borrego mas sim a tolice, que, quando nasce é para todos. E por isso somos apreciados no mundo.
A proclamada igualdade perante a Justiça é uma realidade, é um valor inegável das democracias bi-partidárias, de facto existe em doses farmacêuticas pelos quatros cantos de Portugal. Começa antes da entrada no tribunal resume-se a levar porrada democrática de “Batalhões de Intervenção Rápida” (nada a ver com a fascista “Polícia de Choque”) bem treinados, bem equipados, bem pagos, motivados e com consciência cívica, seja no Redondo, Vila Real ou ainda em Elvas e Vilar Formoso.
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