Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quinta-feira, novembro 16, 2006

Vontade de Comer

Este texto reporta-se aos (talvez bons) velhos tempos do Santana Lopes como primeiro-ministro e onde Bagão Félix pontificava no ministério das Finanças. Decidi inclui-lo porque continua actual, os nomes dos actores é que mudaram, e teremos que esperar mais uma ou duas eleições para ficar a saber que apesar da febre reformista tudo ficou na mesma. O actual ministro das Finanças tem um ar menos padreca e mais boneco do Contra Informação que o Bagão, mas as consequências da sua ciência no percurso do país serão as mesmas, ou seja, daqui a uns anos estaremos todos a gritar aqui d’el-rei que me estão a roubar para “sustentabilizar” a Segurança Social, o Sistema Nacional de Saúde, o Sistema Público de Ensino, as Forças Armadas, a PSP, a GNR, a PJ, as autarquias, o Estado e outra coisa que entretanto apareça.

E, também, porque seria um crime de lesa trapos da memória não recordar aquele momento áureo do nefelibata Bagão Félix descendo à realidade e comparando o Orçamento de Estado com a casinha portuguesa. Aquele modesto primeiro andar a contar vindo do céu, ou o modelo de Raul Lino, ou um modern apartment no Parque das Nações, não importa, desde que o chefe de família fosse honesto e trabalhador e a dona de casa séria e arrumadinha. Para além disso, remexer no passado faz jus à única verdade histórica de que todos os países tiveram um passado brilhante. O problema reside na amofinação do presente, mas, no caso de Portugal, estamos certos que continuará a esgarabulhar para o futuro. O próprio primeiro-ministro de então, para não ir para a História como um paparreta, escreve livros para refazer a memória. Nada de novo Churchill fez a mesma coisa!

No novo reino da bandeira na janela, saído de todas as derrotas passadas, do isolamento internacional e do manjerico barato, algumas coisas teimam em não desaparecer. Uma delas, são os políticos potrincas que teimam em desgalhar o cidadão da pouca riqueza ou recursos que, porventura, alguma vez teve, insistindo em cobrar o grosso abadágio devido ao Estado, em nosso nome e para o nosso bem, mas que afinal não passam de alcoiceiros com um olho no negócio e o outro nas oportunidades futuras. Quando saem do Governo correm para o generoso úbere de um quadro administrativo numa empresa amiga. Mas enquanto passearam pelos corredores do poder reduziram-se a meros cobradores de impostos com ideias para criar outros novos.

Após anos a apertar o cinto a economia portuguesa não mexeu um milímetro na sua caminhada pela estrada dos tijolos amarelos para a “Terra de Oz”, da abastança, do vinho de casta e do milho para todos… julgam os mais distraídos. As classes altas continuam a ter bons rendimentos e os satélites que gravitam à sua volta fazem fortuna mostrando a robustez do liberalismo económico. Quanto ao resto da população culpa-se no darwinismo social o facto dos mais fracos não se sentarem à mesa farta das economias mais ou menos ricas.
O prioste das Finanças lusas apareceu em coloquial conversa – no mesmo género, desenvolvido até à excelência, pelo Prof. Marcello Caetano e o seu amigo Ramiro Valadão na RTP – mostrando como uma casa bem aspirada e arrumada, com cortinas de plástico cor-de-rosa e candeeiros a condizer, umas cadeiras sortidas e um aparelho de televisão, pode ser governada como o Orçamento de Estado. Se não houver dinheiro para sustentar tudo aquilo acaba-se na fila da sopa do Barroso. E, para o Estado, ainda é pior, pois a bicha no FMI é muito maior, dá a volta ao mundo. Esqueceu-se de dizer o laparoto ministro que o papel dos políticos nas democracias bi-partidárias é mais hebetar o povo do que resolver algum problema real, para isso existem as Leis do Mercado. Nunca ninguém viu um servidor público ser castigado pela destruição do nabiçal a seu cargo. Os políticos antes de ababalharem o seu discurso sobre nós deveriam ser obrigados a frequentar um dos cursos da Alexandra Solnado para verem a luz.
É verdade que não surge um economista digno desse nome desde John Maynard Keynes e as Universidades continuam a formar apenas técnicos de contas armados em intelectuais porque têm um curso superior. Não está fácil para as elaborações teóricas. Mas mesmo num país cheio de devotos incrédulos como nós, ficámos estarrecidos ao ver o “velho Cácá das praias”, agora chamado Carlos Ribeiro, num programa da TVI chamado “Levem Tudo Menos a Casa”, a substituir móveis e electrodomésticos velhos por outros novos, testar os conhecimentos do Portugal profundo e deitar por terra a “metáfora da casinha” do Sr. Ministro. Afinal “a casinha portuguesa” pode ser robustecida por um simples programa de TV.
Seria primário culpar o primeiro-ministro, um alcovita de renome… e proveito, reconhecido internacionalmente e que tanto nos orgulha. Ele é a nossa bandeira entre as mulheres (um Clinton à portuguesa). Nem duvidar da dedicação e sacrifício dos seus ministros. Um deixou trinta cargos para nos ajudar, outro perde mais de cem mil contos/ano por ter ido para o Governo. Homens assim só foram vistos durante a implantação da República. Desta abnegação, deste sacrifício desinteressado à res publica só aparecem uma vez num século. (No Governo de hoje são ainda mais ambiciosos ou mais comediantes. Falar-se na redução de 75% no vencimento do director-geral das Finanças para aquele génio da gestão manter o lugar é lol).

Se um quinto dos portugueses vive à beira da pobreza. Se existem 2 300 sem-abrigo em Lisboa e Porto. Se o nível de escolaridade é baixo. Se é o segundo país mais rural da União Europeia sem, no entanto, ter agricultura. Se quinhentos mil estão desempregados. Se quatrocentos mil passam fome. Se Lisboa está cheia de casas a cair. Se os ordenados são baixos. Nada disto será culpa dos políticos, que a bem da utilização da arte da oomancia, para encontrar novos caminhos, são capazes de pôr os ovos pelo país.

Homens competentes, profissionais de gabarito, que recebem elogios rasgados… dos seus colegas. Quando morrem têm direito a carpideiras e desfile, povoarão jardins e ruas com as suas estátuas e nomes, não merecem ser castigados quando se revelam uns perfeitos idiotas. Manda a boa educação nunca chamar “idiota” a um político, ele pode estar errado nas suas opções, ser mal aconselhado, pertencer a outra família política, ser inseguro nas decisões ou fraco de vontade mas nunca será um burro chapado. Se a sopa dos pobres tem cada vez mais adeptos, isso não significa que os portugueses tenham fome, o que têm é vontade de comer.

4 Comments:

  • At 8:44 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Para quem não está familiarizado com o novo "text-speak", lol, entre outras, é abreviatura de laughing out loud.

     
  • At 1:50 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    "Mas enquanto passearam pelos corredores do poder reduziram-se a meros cobradores de impostos com ideias para criar outros novos."

    Com ideias?

    Nem isso!

    Limitam-se a copiar o que "melhor" se fez nos EUA ou em Inglaterra, ou seja, as "modas" económicas.
    (Os Downsizing, os Outsourcing,...)

    Espere só para ver os novos impostos 'verdes' para combater o aquecimento global.
    ( A Inglaterra já está a tratar disso).

     
  • At 4:14 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    “Ideias” no sentido de que algo lhes vem à mona. Não está implícita qualquer originalidade. Mas tem de concordar que as justificações apresentadas são do melhor que se produz em solo luso. Aquelas explicações para cobrar taxas nos internamentos e nas cirurgias foram muito boas, mas não são imbatíveis, espero melhor nos próximos impostos.
    Triste é a inevitabilidade de tudo isto. O político actual tem apenas três funções: vender património do Estado e aplicar impostos para suprir a perda de rendas (que esse património deveria dar). E mais importante ainda criar mecanismos eficazes para esses impostos sejam cobrados.
    Desconhecia estas modas económicas inglesas. Vou informar-me.
    Se alguma vez, por preguiça para traduzir, for instituído algum imposto em inglês, deveríamos recusar pagá-lo e responder "no hablo inglés"!Pelo menos.

     
  • At 11:17 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    mais um magnífico texto!

     

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