Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

quinta-feira, dezembro 14, 2006

A era Cavaco

Portugal não precisa mais de se esconder debaixo das saias da padeira de Aljubarrota, com medo de aparecer diante dos outros povos, envergonhado da acne do imberbe crescimento, ou da estatura franzina por carência de vitaminas competitivas e fibras tecnológicas. O muito nosso serial killer é do melhor que se faz lá fora. O cabo António Costa da GNR, de Santa Comba Dão, sintetizou o internacional impulso de matar – importado da violenta América – com a nacionalíssima crença em Nossa Senhora de Fátima, nascida na placidez dos lusitanos fraguedos de Aljustrel. Insuspeito chefe de família e profissional competente matava nos meses de Fátima – Maio e Outubro – dando ao crime aquele “toque galo de Barcelos” que a nossa “portugalidade” não dispensa. Esta escolha temporal significativa, seguida do cumprimento ritual da peregrinação, integrou num acto condenável um familiar cheirinho a sardinha assada, que nos faz assumir o cabo Costa como um dos nossos (para o lado do Mal, mas dos nossos).

Será sempre motivo de orgulho nacional quando um português singra no seu ofício, mesmo no campo das malfeitorias e quejandos. (Quem não ficou orgulhoso de ver o Pedro Caldeira ser preso pelo FBI? O FBI! O caviar das polícias condescendendo em algemar um português. Foi emoção a mais). E, o esforço do cabo Costa, no aportuguesamento de uma estrangeirada, continua na mesma senda de colocar na prateleira mais alta da mercearia o luso pundonor. Tanto que deveríamos aproveitar para melhorar o nosso léxico e traduzir serial killer, não pelo literal “assassino em série”, mas por “mata-muitos”, que está mais perto da nossa histórica realidade de corajosos guerreadores da moirama ocupante do solo pátrio. Este acto de matar em português, associado ao quarto lugar no Mundial da Alemanha 2006, gerou uma mistura explosiva para levantar, hoje de novo, o esplendor de Portugal. E marca o início de uma nova era. A era da publicidade positiva para estimular o povo à beira-mar plantado.

Finalmente, o poder político percebeu que uma imagem não vale mil palavras, e que na era da informação, esta, não pode ser deixada ao deus dará ou ninguém percebe nada. É preciso interpretá-la para que as pessoas, perdidas no intranquilo mar do excesso de informação, não ficarem de cérebro vazio de boas patrióticas ideias. Neste aspecto foi exemplar a explanação mediática das aventuras dos nossos heróis futebolistas em terras teutónicas. Desta vez não bastou a transmissão dos jogos. Foi preciso mastigar comentários para as pessoas verem o que lá não estava e acautelar o futuro. Sucedesse o que sucedesse uma grande vitória seria sempre alcançada. Enfatizar cada conquista, como um grande feito digno do poderoso Thor, foi o caminho certo e revela que as elites fazedoras de opinião compreenderam a ideia chave da campanha eleitoral de Cavaco Silva – a consciência de somos pequenos capazes de coisas grandes. O optimismo do consulado cavaquista começou nos relvados germânicos.

Durante a “época da bola” os produtores de telejornais vivem nas sete quintas, ou melhor sete estádios, três quartos de hora de emissão estão garantidos, não é necessário desencantar notícias sobre o tempo ou esticar peças com planos Manoel de Oliveira. Os telejornais, regra geral, constituídos por desfiar um rosário de banalidades sem imaginação e interesse, nem profundidade de análise ou utilidade informativa, ao ponto de vermos o jornalista de microfone em punho entrevistar populares para confirmarem um sismo que não chegou a ser, ou perguntar a um bombeiro que dormia no 1º andar do quartel se sentiu uma potente explosão no rés-do-chão. O esférico a rolar na relva alemã deu azo a longas reportagens, de chupar o dedo, para consumo do povo, tornado mais receptivo pela cerveja. E as opiniões e larachas dos jornalistas vertiam do ecrã para o quotidiano das conversas de trabalho ou lazer como verdades insofismáveis.

Neste estio passado os fabricantes de opinião estavam preparados para fazerem das derrotas vitórias. A “geração de ouro” por pouco – mesmo muito pouco – não ganhou o Campeonato da Europa sub21. Faltou marcar dois golos à França e três à Sérvia-Montenegro. À Alemanha ganhámos. Se isto não é uma quase vitória, então somos pessimistas sem remédio. Mas pelos vistos era difícil publicitar este grande feito das jovens tropas lusas da chuteira como mais uma Coolela (o lugar mítico onde o coronel Eduardo Galhardo desbaratou a tropas do Gungunhana). Então utilizou-se o velho esquema de Mário Soares, para resolver o drama nacional dos ordenados em atraso, na ida década de oitenta – deixou-se de falar no assunto. Volvidos vários meses ninguém se lembra quem ficou em primeiro lugar no Campeonato, nem da cara de chateado do Quaresma por não ter sido chamado à selecção principal.

Graças a Madaílão e Scolarão o Mundial2006 correu melhor. Esta simpática dupla cativa instantaneamente como o Zé Colmeia e o Catatau, ou a mais recente Dumb and Dumber. Não precisa de caldos de galinha, nem paninhos quentes, nem designers de imagem, para cair no goto popular. Num país que só inflama ânimos contra a transferência do padre da paróquia, que se levanta em protestos exaltados, de paus e sacholas em riste, para se oporem à arbitrariedade do bispo, Madaílão e Scolarão mobilizaram o povo para tomar outra hóstia popular: “tudo o que vem à rede é peixe”. Estávamos de joelhos prostrados, expectantes para receber, tudo o que eles nos dessem. Chegaram ao quarto lugar, aceitámos como bom peixe e foram recebidos com honras de reis e príncipes (como sucedeu em todos os outros países porque o poder político compreendeu a importância da publicidade positiva nos fenómenos de massas).

Em termos de eficácia, comparando o que se gastou com os resultados obtidos, a campanha da Alemanha foi um total fracasso. A prestação da selecção em termos desportivos, e não sociológicos, foi má. Chegou às meias-finais com apenas um golo marcado e muita sorte. Um golo contra a Holanda e muita sorte no jogo com a Inglaterra. No entanto, o discurso ideológico foi outro e todos acreditaram. Portugal batalhou a indomada palanca angolana. Pelejou o perigoso Irão. Guerreou o México. Combateu a Holanda. No jogo contra a Inglaterra, com a prestação do frangueiro no Sporting, herói na selecção, passámos com o coração apertado, e uma reportagem na CNN sobre uma tasca no Montijo. Contra a França fomos roubados!

E se isto não bastasse ganhámos todos os prémios de consolação: a equipa mais empolgante, os melhor depilados debaixo dos braços, os que melhor usavam o brinco de diamante na orelha, os que melhor comeram bratwurst… Valeu os 44 contos que a estação de televisão, para a qual pagamos a taxa, ofereceu a mais aos seus emissários à Alemanha, e os 134 contos, por noite, da suite de Madaílão em Évora. Cavaco foi eleito para nos fazer sentir grandes apesar da triste realidade contrariar este desiderato. Mas isso pouco importa, pois somos ricos em sonhos e em ouro, porque no Portugal contemporâneo a Floribella casou com o príncipe da publicidade bem feita. E, no ano de 2006 fizemos o pleno ético – o cabo Costa no Mal e a selecção no Bem. Que seja recordado como tal.

6 Comments:

  • At 3:44 da tarde, Blogger A Chata said…

    O melhor mesmo é não passarmos cavaco a isto...

    Zona Euro é a que menos cresce até 2008
    A Zona Euro será a região económica que menos crescerá nos próximos dois anos. A estimativa faz parte das "Perspectivas Económicas Globais" do Banco Mundial, segundo as quais os países do euro, depois de terminarem este ano com um crescimento de 2,4%, conhecerão uma desaceleração, em 2007, para 1,9%. Um ritmo que, segundo a instituição, irá manter-se em 2008.


    mas,

    Caminho da recuperação da economia "é convincente"
    Vítor Constâncio diz que é preciso que a conjuntura de retoma europeia continue

    O governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio admitiu considera que o caminho da recuperação da economia portuguesa anunciado pelo Governo "é convincente" mas, por enquanto, "ainda moderado".
    "As previsões que fizemos para o próximo ano indicam que a economia vai recuperar um pouco, o que abre perspectivas de congelação e de normalização da conjuntura portuguesa no sentido de voltar a estar sincronizada com a conjuntura europeia", defendeu, à margem de um almoço-debate da Câmara de Comércio Luso-Britânica, no Porto.

     
  • At 8:15 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Há apenas uma lei da economia que é verdadeira mas não é ensinada nas universidades. Que para haver ricos têm que existir pobres. E, consequentemente,a riqueza só se acumula com o esforço daqueles que não têm acesso a ela.

     
  • At 2:41 da tarde, Blogger A Chata said…

    O problema é quando o número daqueles que se esforçam para que alguns sejam ricos começa a atingir níveis tão altos que, inevitavelmente, se dá uma ruptura.

    Mas, como diz Vonnegut, pode ser que o sistema imunologico do Planeta resolva os nossos problemas.

     
  • At 3:37 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Outro corolário da mesma lei: para existirem riquíssimos têm de existir paupérrimos em cada vez maior número. Não me parece que sistema social chegue ao ponto de ruptura, porque o Estado está a criar miríades de polícias, cada vez mais especializadas em aspectos específicos da realidade social passível de causar problemas. Ou onde seja necessário disciplinar comportamentos, com a separação do lixo, o cocó do cão, o estacionamento selvagem etc. etc. etc. (Agora criaram uma para combater a corrupção no desporto)
    Não tenho dúvidas de que num futuro próximo existirá um controlo apertado de todos os actos comportamentais humanos. Se calhar mais cedo do que possamos pensar.
    Eu sempre disse que no futuro, nas operações stop, os carros seriam passados a pente fino, (os polícias não se limitariam a pedir a carta e o livrete, ver o selo e o seguro), e que se o cidadão tivesse no carro, por exemplo, um CD copiado seria multado (ou preso, conforme a pressão da poderosa indústria discográfica para criminalizar esse acto). E, afinal, não é que já está a acontecer… mas as coisas não ficarão por aí.
    Não esqueçamos que a Internet não uma janela para o mundo, como dizem os optimistas acelerados com cafeína. É sobretudo uma porta para dentro das casas das pessoas e o meio ideal para as controlar. Talvez as coisas não cheguem ao extremo do “Minority Report” do Spielberg, e o crime seja perseguido antes de ser cometido, mas andará lá perto.

     
  • At 3:43 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Faltou-me o "é" na frase "não esqueçamos que a Internet não é uma janela para o mundo". Bolas! Por mais que olhe escapa-me sempre qualquer coisa.

     
  • At 2:30 da manhã, Blogger A Chata said…

    Concordo consigo que as tentativas de controlo policial estão aí para durar e aumentar nos próximos tempos.
    Estou à espera de ler alguma coisa sobre as novas leis de segurança que estão a ser fabricadas para a UE.
    Penso que, por muitas leis ou polícias que se criem, os conflitos sociais se vão agravar e o "terrorismo" vai aumentar.

     

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