Os melhores tempos
Os nossos tempos são de encher a barriga. Começamos a semana em grande com aquele comentador das segundas-feiras, torcendo as mãos e lançando de soslaio olhares de velho sátiro, para um ponto indefinido no espaço à sua frente, como mandam as boas técnicas de representação das telenovelas da Globo. O rei do sentido de humor entrelaça, com a confiança de um remendão, o linhol dos sapatos com os quais os espectadores caminharão esclarecidos na sarrabulhada do mundo actual. O piadético nas enfadonhas reuniões políticas, que não resiste a contar larachas aprendidas com a mamparra europeia amiga, serve-nos de arquétipo e farol nas nossas vidas para nos rirmos dos duques e cenas tristes, que saltam do baralho dos extraordinários acontecimentos do nosso tempo. Com ele aprendemos a rir com chufas e pilhérias sem graça alguma. Se o seu nome fosse Júlio Dantas, viveria, não pim! mas sim!
Longe vai a época em que os lugares na mesa do poder eram reservados com o cartãozinho, dobrado ao meio, equilibrado à frente do prato. Nessa altura havia uma familiaridade durante a comezaina – ou seja, durante o exercício da governação – mesmo para os que do quintal observavam através dos vidros das janelas. Quantos hoje podem dizer como Henrique Galvão na sua carta aberta a Salazar: “não te esqueças meu manholas que te vi em ceroulas”. Se actualizarmos a peça de vestuário em questão, nos nossos dias ninguém vê um primeiro-ministro em Calvin Klein Underwear ou sequer num escandaloso fato de banho Dior Homme. Aquela intimidade com a classe política perdeu-se no barulho branco dos Meios de Comunicação Social, que fazem o papel de Surfista Prateado entre os deuses da política e os mortais, explicando-lhes como devem aceitar o seu destino. Há dias os nossos croniqueiros entraram em parafuso quando Wbush numa discursata falou nas tropas portuguesas bem juntinho das romenas. Acendamos velas como está na moda, prostremo-nos no áspero alcatrão, cantemos loas até que a voz nos doa, oremos virados para Washington cinco vezes ao dia, ele lembrou-se do “Mr Burroso” dos Açores e citou na sua possante voz a ocidental praia lusitana e a sua valentona tropa.
Um poderoso fazer referência a Portugal tem o mesmo efeito que um repórter do Kazaquistão publicar um artigo sobre a importância do vinho Madeira nas refeições dos astronautas, ou a mulher-a-dias do monarca do Brunei gabar a patanisca de Alfama, ou a Karolina Kurkova aparecer num showtógrafo da Floribella, é bem-vinda publicidade aos nossos campos de golfe, presentes e futuros. Precisamos de toda a publicidade tal como o mundo precisa dos Yorns para nos trazer postos de trabalho e alegria nas ruas. (Vislumbra-se já a profissão do futuro que leva o nome inglês de caddie e tudo). Para mais Wbush não é um estúpido qualquer. As suas palavras não as leva o vento. O seu papá dizia com ternura e razão: “de vez em quando o George pergunta-me coisas mas eu já não estou em condições de lhe dar opiniões válidas. Para além disso, ele tem capacidades e está rodeado por uma equipa muito competente”. É um homem com visões que se meteu numas enrascadas. Acontece aos melhores. Mas que sabe onde estão os amigos. Invadiu o Afeganistão e ocupar países é sempre uma estopada. Aquilo não está fácil. Por uma razão desconhecida os indígenas não gostam das bases, dos camuflados e do ar sobranceiro dos U.S. Marines. Logo Wbush desembarca na Letónia a pedir empenhamento militar das tropas dos vários países que por lá fandangueiam. O nosso primeiro-ministro, na habitual posição de frango assado, de pronto fez de eco – os países tem de se empenhar no Afeganistão, repetiu ele.
Os verdadeiros líderes, e os rapazes do tambor que os acompanham, criaram um mundo democrático, livre e respeitador dos direitos do Homem. Alguns dirigentes tiveram a sorte de serem promovidos a democratas de primeira água para acompanharem os ventos da História, como Putin, Musharraf ou Hamid Karzai. Ou então Nuri al Maliki, o sheriff de Bagdad, encarregado de instaurar a ordem americana (só existe essa. O resto é caos). Não temos estatísticas das mortes causadas pelo terrível ditador Saddam Hussein, porque é intrínseco da ruindade das ditaduras sonegar informação, mas com a chegada da democracia não só sabemos o número exacto, como também os seus nomes. Os cerca de 30 mil que têm morrido por ano poderão descansar em paz depois de terem sido referidos nos noticiários da CNN. Não há pior sorte que morrer no anonimato, sobretudo no Iraque onde todos usam bigode, o que já tinha confundido os serviços secretos americanos levando-os a acreditar que Saddam tinha duplos.
Enquanto a mesma coisa não chega a Cuba todos os democratas dão graças a Deus por Guantánamo. Único sítio daquela ilha de ateus e comunistas onde se respeitam os direitos humanos. Se não fosse a base americana nem uma missa em condições se rezaria naquelas terras onde Colombo procurou o reino do Grande Khan e só encontrou moscas, calor e indígenas de língua estranha. E que hoje continua a assustar a democracia-cristã como os vitupérios da fedelha Linda Blair no filme “O Exorcista”. Fazer-se um escarcéu sobre uns voos da CIA serve apenas para gastar o chorudo orçamento da EU. Correcto está o Governo português na atitude dos três macacos. Não vi. Não ouvi. Não falo.
A passagem do “jorgeseneano” Reino da Estupidez para o Reino da Tolice, consequência da globalização e da re-situação de Portugal no mundo após o golpe militar de Abril, não podia deixar de se reflectir na lota governativa. O peixe sai fresquinho directamente para os nossos estômagos sem passar pela boca. Os ideólogos do regime de Salazar deveriam ficar felizes por se ter realizado a trilogia Fado, Futebol e Fátima dentro de portas, e o orgulhosamente acompanhado na política externa. Quem compreendeu o nosso tempo não foi o Castro Carlos, nem Eduardo Lourenço, nem o José Gil, foi esse outro grande filósofo chamado Alpoim Galvão. Que definia a rusticidade como característica principal do soldado português. Consistindo esta na capacidade de se adaptar a todas as situações, facilidade de criar espírito de corpo e criar laços dentro da unidade. Explicava ele que um soldado americano necessitava de pelo menos dez pessoas por trás dele a cuidar da sua manutenção no terreno de combate, enquanto que o castrense luso era capaz de lutar praticamente só enfiado num pardieiro com a sua rudimentar escopeta. O rústico hoje é ministério dos governos e dos governados, (empanturrados de sábia análise de comentadores e politólogos), por isso vivemos numa espécie de eterna silly season, como se o “jornalismo 24 Horas” tivesse vencido. Somos rústicos e tolos.
Os nossos tempos são de encher a barriga. Começamos a semana em grande com aquele comentador das segundas-feiras, torcendo as mãos e lançando de soslaio olhares de velho sátiro, para um ponto indefinido no espaço à sua frente, como mandam as boas técnicas de representação das telenovelas da Globo. O rei do sentido de humor entrelaça, com a confiança de um remendão, o linhol dos sapatos com os quais os espectadores caminharão esclarecidos na sarrabulhada do mundo actual. O piadético nas enfadonhas reuniões políticas, que não resiste a contar larachas aprendidas com a mamparra europeia amiga, serve-nos de arquétipo e farol nas nossas vidas para nos rirmos dos duques e cenas tristes, que saltam do baralho dos extraordinários acontecimentos do nosso tempo. Com ele aprendemos a rir com chufas e pilhérias sem graça alguma. Se o seu nome fosse Júlio Dantas, viveria, não pim! mas sim!
Longe vai a época em que os lugares na mesa do poder eram reservados com o cartãozinho, dobrado ao meio, equilibrado à frente do prato. Nessa altura havia uma familiaridade durante a comezaina – ou seja, durante o exercício da governação – mesmo para os que do quintal observavam através dos vidros das janelas. Quantos hoje podem dizer como Henrique Galvão na sua carta aberta a Salazar: “não te esqueças meu manholas que te vi em ceroulas”. Se actualizarmos a peça de vestuário em questão, nos nossos dias ninguém vê um primeiro-ministro em Calvin Klein Underwear ou sequer num escandaloso fato de banho Dior Homme. Aquela intimidade com a classe política perdeu-se no barulho branco dos Meios de Comunicação Social, que fazem o papel de Surfista Prateado entre os deuses da política e os mortais, explicando-lhes como devem aceitar o seu destino. Há dias os nossos croniqueiros entraram em parafuso quando Wbush numa discursata falou nas tropas portuguesas bem juntinho das romenas. Acendamos velas como está na moda, prostremo-nos no áspero alcatrão, cantemos loas até que a voz nos doa, oremos virados para Washington cinco vezes ao dia, ele lembrou-se do “Mr Burroso” dos Açores e citou na sua possante voz a ocidental praia lusitana e a sua valentona tropa.
Um poderoso fazer referência a Portugal tem o mesmo efeito que um repórter do Kazaquistão publicar um artigo sobre a importância do vinho Madeira nas refeições dos astronautas, ou a mulher-a-dias do monarca do Brunei gabar a patanisca de Alfama, ou a Karolina Kurkova aparecer num showtógrafo da Floribella, é bem-vinda publicidade aos nossos campos de golfe, presentes e futuros. Precisamos de toda a publicidade tal como o mundo precisa dos Yorns para nos trazer postos de trabalho e alegria nas ruas. (Vislumbra-se já a profissão do futuro que leva o nome inglês de caddie e tudo). Para mais Wbush não é um estúpido qualquer. As suas palavras não as leva o vento. O seu papá dizia com ternura e razão: “de vez em quando o George pergunta-me coisas mas eu já não estou em condições de lhe dar opiniões válidas. Para além disso, ele tem capacidades e está rodeado por uma equipa muito competente”. É um homem com visões que se meteu numas enrascadas. Acontece aos melhores. Mas que sabe onde estão os amigos. Invadiu o Afeganistão e ocupar países é sempre uma estopada. Aquilo não está fácil. Por uma razão desconhecida os indígenas não gostam das bases, dos camuflados e do ar sobranceiro dos U.S. Marines. Logo Wbush desembarca na Letónia a pedir empenhamento militar das tropas dos vários países que por lá fandangueiam. O nosso primeiro-ministro, na habitual posição de frango assado, de pronto fez de eco – os países tem de se empenhar no Afeganistão, repetiu ele.
Os verdadeiros líderes, e os rapazes do tambor que os acompanham, criaram um mundo democrático, livre e respeitador dos direitos do Homem. Alguns dirigentes tiveram a sorte de serem promovidos a democratas de primeira água para acompanharem os ventos da História, como Putin, Musharraf ou Hamid Karzai. Ou então Nuri al Maliki, o sheriff de Bagdad, encarregado de instaurar a ordem americana (só existe essa. O resto é caos). Não temos estatísticas das mortes causadas pelo terrível ditador Saddam Hussein, porque é intrínseco da ruindade das ditaduras sonegar informação, mas com a chegada da democracia não só sabemos o número exacto, como também os seus nomes. Os cerca de 30 mil que têm morrido por ano poderão descansar em paz depois de terem sido referidos nos noticiários da CNN. Não há pior sorte que morrer no anonimato, sobretudo no Iraque onde todos usam bigode, o que já tinha confundido os serviços secretos americanos levando-os a acreditar que Saddam tinha duplos.
Enquanto a mesma coisa não chega a Cuba todos os democratas dão graças a Deus por Guantánamo. Único sítio daquela ilha de ateus e comunistas onde se respeitam os direitos humanos. Se não fosse a base americana nem uma missa em condições se rezaria naquelas terras onde Colombo procurou o reino do Grande Khan e só encontrou moscas, calor e indígenas de língua estranha. E que hoje continua a assustar a democracia-cristã como os vitupérios da fedelha Linda Blair no filme “O Exorcista”. Fazer-se um escarcéu sobre uns voos da CIA serve apenas para gastar o chorudo orçamento da EU. Correcto está o Governo português na atitude dos três macacos. Não vi. Não ouvi. Não falo.
A passagem do “jorgeseneano” Reino da Estupidez para o Reino da Tolice, consequência da globalização e da re-situação de Portugal no mundo após o golpe militar de Abril, não podia deixar de se reflectir na lota governativa. O peixe sai fresquinho directamente para os nossos estômagos sem passar pela boca. Os ideólogos do regime de Salazar deveriam ficar felizes por se ter realizado a trilogia Fado, Futebol e Fátima dentro de portas, e o orgulhosamente acompanhado na política externa. Quem compreendeu o nosso tempo não foi o Castro Carlos, nem Eduardo Lourenço, nem o José Gil, foi esse outro grande filósofo chamado Alpoim Galvão. Que definia a rusticidade como característica principal do soldado português. Consistindo esta na capacidade de se adaptar a todas as situações, facilidade de criar espírito de corpo e criar laços dentro da unidade. Explicava ele que um soldado americano necessitava de pelo menos dez pessoas por trás dele a cuidar da sua manutenção no terreno de combate, enquanto que o castrense luso era capaz de lutar praticamente só enfiado num pardieiro com a sua rudimentar escopeta. O rústico hoje é ministério dos governos e dos governados, (empanturrados de sábia análise de comentadores e politólogos), por isso vivemos numa espécie de eterna silly season, como se o “jornalismo 24 Horas” tivesse vencido. Somos rústicos e tolos.
1 Comments:
At 6:49 da tarde, Armando Rocheteau said…
O Jornalismo "24 horas" venceu. O povo continua rústico. Temos os teus retratos. Não se pode ter tudo.
Abraço
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