Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sábado, dezembro 16, 2006

Tolos ‘R’ Us

A guerra é sempre um divertimento animador. Um bálsamo para as almas cansadas de videojogos, anelantes de sangue e bombas reais, de gritos saídos das gargantas e não das colunas 5.1, do verdadeiro surround da destruição total, dos corpos explodidos no “teatro de operações” e não no LCD com resolução de 1366x768 pixels. A guerra é o aperfeiçoamento do Metal Gear sem o agente Solid Snake para salvar o pagode. O Crash Tag Team Racing espatifado contra a parede. O Guild Wars Factions global jogado de arma automática em punho provocando danos colaterais e baixas do fogo amigo. A guerra é um espectáculo autêntico, de desespero e sofrimento, que as consolas em concorrência no mercado ainda não conseguem reproduzir, mas que falta nas nossas vidas, alienadas pela esterilização da imagem vídeo, de cores demasiado brilhantes e frias. A guerra é um necessário banho de realidade onde os cadáveres não se evaporam, em pontos, no canto superior direito do ecrã, e seguem os rituais de enterramento dos mortos. Dor e morte são necessidades básicas humanas tal como o carinho ou o amor. E, ainda por cima, fornece aos telespectadores momentos de grande qualidade visual e informativa. A guerra é o teatro de Antonin Artaud sano per nostru gaudiu.

Todavia, para nosso azar, as guerras contemporâneas são um autêntico aborrecimento. Perderam o charme de outros tempos, em que grandes guerreiros como Alexandre Magno, Átila, Aníbal ou Napoleão, inspiravam e lideravam exércitos e ganhavam batalhas com o seu génio militar. Actualmente, a “guerra à americana” excluiu a intervenção humana directa, não depende da inteligência dos comandantes, nem das suas capacidades estratégicas ou tácticas, mas do poderio do armamento, que nos dias de hoje quer dizer supremacia aérea. Por ser uma guerra assimétrica o vencedor está pré-determinado banindo a incerteza do desfecho final. Uma “guerra à americana” é tão fácil de fazer como o arroz com atum. Bombardeia-se durante meses seguidos países sem meios para se defenderem como a Sérvia, o Afeganistão ou o Iraque, e meia vitória está ganha. Depois avança a infantaria para matar o que sobrou e fixar posições no terreno. E, regra geral, solicita-se uma força multinacional, prometendo contrapartidas comerciais aos países económica e politicamente pobretanas, para fazerem esse sujo serviço.

O ataque israelita ao Líbano seguiu o banal perfil da “guerra à americana”. Militarmente não foi novidade mas foi rica noutros ensinamentos. Do lado dos Estados Unidos nada de novo. Condoleezza Rice foi a Beirute levar promessas e ameaças. Em Telavive recebeu a lista do material de guerra mais urgente para o Exército judaico. Do cantinho europeu os olhos arregalaram fechados, (numa tradução possível do título do filme de Stanley Kubrick “Eyes Wide Shut”). E tal como as personagens William e Alice Hartford percorriam as suas fantasias pessoais num cenário velho continente, assim também os dirigentes europeus palmilharam as suas no recato do lar. Por carência de opiniões e posições próprias e preocupados em ganhar aquelas medalhas de ouro, que a Administração americana distribui, ao desbarato, aos mais afoitos defensores do maniqueísmo político, os euro-líderes propagaram a mesma visão religiosa do seu amo sobre o mundo – dentro da simplicidade comic book – de que naquela guerra as “forças do Bem” esborrachavam as “forças do Mal” para salvar a Humanidade de um fim terrível. Como se Magneto estivesse prestes a vencer o professor Xavier e mutantes e humanos estivessem lixados.

É aceitável que os EUA, ou Israel o seu 51º Estado, matem, destruam, aniquilem, porque têm um mandato superior do “designer inteligente” do universo. Assim, é natural que uma bomba embarcada na base americana el-Eydid, no Kuwait, faça 28 mortos civis, entre eles, 16 crianças, em Canaã, e não levante enfurecidos protestos no mundo árabe, idênticos aos provocados pelas caricaturas de Maomé publicadas no jornaleco dinamarquês Morgenavisen Jyllands-Posten. Todos, religiões e povos, estão rendidos ao poder dos donos do mundo, que de mais perto comungam com os deuses, e não reclamam dos seus actos e decisões.

Mas o lado cómico da guerra foi de facto a propaganda ocidental, porque a outra só a percebeu quem fala árabe. Militares condecorados, políticos avençados, comentadores empenhados, politólogos almocrevados, paramilitares de sofá, todos se esforçaram por juntar na profusão de frases que proferiam as palavras Irão e Síria. Algumas vezes pareciam gagos, como o simpático porquinho Porky, num aflitivo empenhamento de meter sempre Irão e Síria na mesma frase. Este comportamento nem tem uma razão transcendente. Apenas os serviços secretos americanos estão a alimentar Wbush com um satânico inimigo, e o arco atlântico recebe a ideologia (ou a matéria-prima para pensar) directamente da Sala Oval.

Wbush não concebe o mundo ou a vida sem Satanás, sem o lado escuro que tenta e puxa para a condenação eterna. Sem a força contra a qual temos de lutar para sermos melhores. Sem a penitência e a alegria da recompensa. A sua religiosidade primária tem estupidificado o discurso político dos últimos anos. E tolos somos nós em ir atrás das muitas cantigas do bandido que a linguagem oficial tem cantado. E talvez fosse melhor ouvir uma palavra avisada de Bob Geldof – antes de nos melgar a paciência com concertos para os pobrezinhos – quando ainda cantava alguma coisa de jeito nos Boomtown Rats: “não acreditem no que lêem”.

7 Comments:

  • At 4:19 da tarde, Blogger CORCUNDA said…

    Achei as tuas crónicas excelentes! Se não te importares criarei um link para poder passar por cá mais vezes. Abraço e continuação do excelente trabalho (prazer)!

     
  • At 6:46 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Pode estar à vontade quando aos links. Aproveito para corrigir a frase em latim. Onde se lê "sano" deve ler-se "sanum". Ou então retirar o itálico e deixar a palavra em português, que era a minha ideia original.

     
  • At 2:40 da manhã, Blogger A Chata said…

    Não batam mais no Bush.
    Acha mesmo que um homem que mal sabe alinhar uma frase é capaz de ter essas ideias todas?
    Lembre-se que o Cheney dorme num quarto no mesmo corredor que o homem na Casa Branca e Rumsfeld passa a vida a 'buzinar-lhe' aos ouvidos.
    E estes senhores trabalham para quem?

     
  • At 7:26 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Claro que o Wbush não é um génio. Mas de uma coisa estou certo. Será considerado um dos grandes presidentes da América. No mesmo panteão que o Reagan. Agora que toda a gente esqueceu como era a vida no tempo dele, até o pintam como o herói que derrubou a União Soviética. Lembro-me de o ver cair, creio que numa cerimónia na China, parecia o nosso Salazar a tombar da cadeira, mas considerá-lo o derrubador do comunismo é um pouco forçado. As causas foram muitas. Os regimes, como a vida, começam a morrer logo após a nascença.
    A América precisa de heróis.

     
  • At 4:00 da tarde, Blogger A Chata said…

    "Será considerado um dos grandes presidentes da América"

    Isso também não é coisa que o rale (ao Bush).
    Quando Bob Woodward lhe perguntou como achava que a História o iria julgar pelas opções que tomou como presidente, Bush encolheu os ombros e disse:
    'Já vamos estar todos mortos'

    Só tenho dúvida se o 'todos' se referia a ele e ao Bob ou à Humanidade em geral.

    "A América precisa de heróis"

    Acho que já não há heróis que nos salvem.
    Nem a à América nem à raça Humana.

     
  • At 8:58 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Estava convencido que ele tinha dito isso ao Larry King. Numa entrevista em que o Larry calçou as suas botinhas de cowboy para ir à Casa Branca.
    Ouvi apenas unas partes da entrevista. Posso estar a fazer confusão. Na realidade tenho quase sempre o som da TV desligado. Uso-a como candeeiro. Para dar cores à sala.

     
  • At 7:12 da tarde, Blogger A Chata said…

    Foi numa entrevista ao Bob Woodward a seguir à saída do livro que escreveu.

     

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