Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sexta-feira, novembro 09, 2007

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Após as Tágides terem sido enxotadas do Tejo, pelas toxinas e microrganismos patogénicos, consequentes do evacuar da cidade da Portela + 1, pouca etérea vianda restou onde os poetas afincarem o dente… do espírito. Os espertos emigraram para o comissariado político inspirados pelo paredão do Estoril (“de passar repassar a multidão / de um domingo estoril no paredão” – Vasco Graça Moura in “Um domingo Estoril”). Nos futebóis estão as melhores alminhas da nossa geração. “Encontrei 23 homens a chorar no balneário” declamava José Mourinho para os gloriosos líricos dos telemóveis com gravador. Viciados nos videogames estão alguns mais novos, disparando gatinhos com um canhão, enquanto não sai o Halo 3 ½. Os outros, sob o peso da carga fiscal, ficaram azuis – nem foi preciso ir a Montreux ver o rei da guitarra, Buddy Guy, acompanhado por Junior Wells, na harmónica.

(No século XIX, a palavra “blues” conotava-se com a nossa “saudade”. Significava uma depressiva tristeza provocada por estar distante do lar. Ela aparece com esse sentido na correspondência dos soldados da Guerra Civil americana. Na música, conta a lenda que em 1903 W.C. Handy, chefe de orquestra e compositor, enquanto esperava pelo comboio para Memphis, na estação de Tutwiler, Mississippi, terá visto um trabalhador negro do campo, chamado John Sloan, a tocar guitarra roçando uma faca pelas cordas. Impressionado por aquele som adaptou-o nas suas composições e ganhou o título de “pai dos Blues”. Todavia, porque a cor da pele era de bom tom na América segregada, a canção mais antiga com blues no título é “Dallas Blues”, registada em 1912 por Hart A. Wand, um músico branco de Oklahoma. W.C. Handy terá ouvido algo semelhante ao estilo que Bukka White – o primo de B. B. King que lhe ofereceu a primeira guitarra – toca em “Poor Boy Long Way From Home”. Em certa medida, o tempo fez justiça, é dele a canção mais gravada nos EUA, “St. Louis Blues” – aqui cantada, entre copos, por Bessie Smith).

Azulados pelo estrangulamento do Estado, ou cerúleos por excesso de ar puro, os portugueses não meteram os pés na cova, apesar do conforto dos caixões actuais. Nem se dedicaram à fanfarronice sobre passadas vidas como os ingleses (aqui a equipa de Monty Python, John Gleese, Graham Chapman, Tim-Brooke Taylor mais Marty Feldman, em 1948). Montaram nas novas caravelas, as botas, e foram desencantar inspiração na casmurrice, na insistência da produção de boas ideias. “Ó boi da paciência sê meu amigo!”, evocava António Ramos Rosa, desatando o nó da estrangulada inspiração. “Let Me Ride”, entoaria Memphis Minnie NcCoy, as musas voltaram ao… arrabalde do Tejo! Pois essa bovina paciência torna-se imagem de marca do país do “futuro já começou”. Os resultados saltam como janelas de pop-up. Portugal já produz mais ideias do que aquelas que importa. Pachorrentamente talhou-se uma nova cara para o país. A incubadora criativa da Europa agora espelha ventura pelas “ruas da doçura” (ex-amargura). Afinada neste diapasão, a Juventude Socialista lançou uma imaginativa campanha de ovação aos seus senhores mais velhos. Nos cartazes, um jovem sorridente, sobre um fundo azul, realiza o sonho de qual homem – uma sanduíche entre uma loira e uma morena. Ao lado, em letras negras, anuncia-se as boas ideias do Governo. Neste (fértil) areal, Skip James não tocaria “Worried Blues”, porque não temos preocupações.

Infelizmente, ainda se dão passos atrás. É de lamentar que a proposta de colocar dísticos coloridos nos carros, para diferenciar os condutores, segundo o número de acidentes, não tenha avançado. Vermelho, para aqueles que provocaram mais de dois sinistros no último ano, ou que, nos últimos dez anos, tenham originado quatro ou mais acidentes. Laranja, para os causadores de dois acidentes no último ano, ou foram declarados culpados de três acidentes, nos últimos dez anos. Verde, para recompensar aqueles que não causaram acidentes nos últimos três anos, ou apenas um nos últimos dez anos. Olarila! Assim estávamos aparelhados para circular na “Highway 49” com Big Joe Williams.

No entanto, a ideia da empresa Peres n’ Partners ainda está em bruto. Precisa de ser trabalhada como todos os diamantes. Seria mais eficaz se os dísticos fossem cosidos na lapela dos casacos dos automobilistas. Assim sofreriam a reprovação social mesmo quando conduzissem o carrinho do supermercado. Mas, mais importante ainda é antever a proverbial tendência dos portugueses para a marosca. De certeza, mal saísse o decreto-lei, logo o engenho luso dava-lhe a volta. Para não haver trapaça a matrícula do carro deveria ser tatuada no pulso. Etiquetar pessoas com sinais visíveis nunca foi tentado na História. Por enquanto, uma ideia realmente boa, e sobretudo original, foi para a gaveta. Se continuamos a chutar para as calendas boas ideias incorremos no risco de acabar a apanhar fardos de algodão (ou em inglês técnico dos manuais de Economia “Pick a Bale of Cotton”) como Leadbelly.

(Leadbelly nasceu numa plantação perto de Mooringston, Luisiana. Recebeu esta alcunha na prisão de Sugar Land, Texas, num trocadilho com o seu nome, Hudy William Ledbetter, associado ao facto de ser rijo como pedra. Conta-se que depois de esfaqueado no pescoço, tirou a faca e quase matou o atacante. Leadbelly é considerado um cantor de música Folk. Conviveu com Pete Seeger e Woody Guthrie. Nos anos trinta, a American Record Corporation tentou vendê-lo como músico de Blues, com pouco sucesso. Durante a sua primeira digressão europeia foi-lhe diagnosticada a doença de Lou Gehring. Não termina a tournée e morre em Nova Iorque, em 1949. Os amigos The Weavers homenageiam-no no seu maior êxito, “Goodnight Irene”).

O reino mitológico das musas e ninfas desapareceu. Mas os bovídeos também são okey, se caso fosse necessário, lenha para aquecer os lusíadas. A profissional GNR, no zelo pela segurança da caça à multa, mandou parar uma ambulância que transportava um doente grave entre Arcos de Valdevez e o hospital de Ponte de Lima. Mostra documento, sopra balão, inspecção aos farolins e pneus, e o doente morre mal entra no hospital. Noutra época a morte era o fim. Mas não agora. Os actos humanos carecem do “inquérito” antes de serem dados como finados. Esta regra burocrática visa o direito sagrado de informação e não é quebrada, nem que apareça no enterro, o reverendo Gary Davis, com Pete Seeger, Donovan e Shawn Phillips, para carregarem o caixão.

Os GNRs actuais não participariam no Projecto Pombo por excesso de inteligência. Os antigos, também não participavam, mas por falta de inteligência. (O Projecto Pombo foi uma ideia bem bolada do psicólogo behaviorista americano B.F. Skinner. Tratava-se de um míssil guiado por pombos. Três no total que funcionavam por maioria democrática. Uma imagem do alvo seria projectada num ecrã interior e os pombos, condicionados por técnicas pavlovianas, desatariam á bicada orientando o míssil até ao destino). Nem os modernos GNRs são uns meros sabujos ou “Hound Dog” (canção escrita por Jerry Leiber e Mike Stoller. Big Mama Thornton foi a sua cantora original, aqui acompanhada por Buddy Guy). Os GNRs, que mal sabiam bater a pala ou acertar o passo, hoje, até fazem log in. Lemos no relatório do inquérito: “a GNR abriu um processo de averiguações aos elementos da BT envolvidos na paragem de uma ambulância, tendo concluído que estes não tiveram qualquer responsabilidade” na morte do homem. Pudera! Ninguém esperava conclusões diferentes. Quem dá e tira a vida é Deus. Só os que vendem a alma ao diabo escapam ao chamamento da morte, como Robert Johnson, em “Crossroad” (a lenda do bluesman que ia aos cruzamentos vender a alma ao diabo, em troca da habilidade de tocar os Blues, foi atribuída a Robert Johnson, embora o músico nunca tivesse reivindicado essa prática mística antiga. Era Tommy Johnson quem reclamava a autoria da lenda).

Quem quer boas maneiras e etiqueta compra o Barney Boas Maneiras. No mundo das ideias boas não se lava mãos ou diz obrigado. Muito menos no mundo “al gorizado”, onde os manuais de boas maneiras estão a ser substituídos por manuais de boas práticas ambientais. Onde os políticos solitários “Walk That Lonesome Valley Blues” (Mississippi John Hurt), em jactos privados, para nos conduzir até à luz. Portugal ficou famoso por desenvolver um programa de “políticos na hora” que tanto nos honra. Temos um famoso na solidão do cume. O cinéfilo Durão Barroso, rememorando Mad Max, profetiza: “as alterações climáticas constituem uma ameaça para a segurança global. Basta imaginar a luta com que nos iremos confrontar, no final do século, pelo acesso às fontes de energia e aos recursos naturais”. “So What Papa?” perguntava Mamie Smith.

Ter torrentes de ideias é a sina dos políticos. “Os políticos vivem dependentes das ideias como os pensadores profissionais” (Alberto Martins, líder parlamentar do PS). Quando uma desabrocha parece duas, que apetece escrever uma carta, como a grande Sippie Wallace com John Mayall & the Bluesbreakers. Nestes dias Portugal e Bruxelas digladiam-se pela realização da “histórica” Cimeira de Dezembro. Lisboa exibe pergaminhos sobre o Tratado Reformador. Bruxelas puxa dos galões de uma reunião de políticos de alta cilindrada. Que fazer? Decisões. Decisões. Nestes casos manda a etiqueta não zangar as comadres. Então, acordam dividir o evento pelas duas capitais, isto é, vamos assistir a um potencial crime de tráfico de seres humanos… em primeira classe. No aeroporto da Portela + 1 acenaremos “Bye Bye Bird” com Sonny Boy Williamson.

10 Comments:

  • At 8:28 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    O jogo de atirar o gato funciona usando as teclas do cursor para controlar a inclinação do canhão e a distância a que o gato é atirado. Para disparar usa-se a tecla “space”.

    É terrível este jogo. Terrível. Sobretudo porque trato bem os gatos. Dou-lhes os livros que me restam para eles arranharem. Estraçalharam-me a enciclopédia Einaudi. E ainda bem. Não há pior destino para um livro que acabar os seus dias numa biblioteca. O caixote do lixo é mais apropriado.

    Armando, aqui estão os Blues como prometi. A predominância de Delta Blues é arbitrária. É muito difícil vaguear nesta música, pois cada cidade tem um estilo. Pode ser que volte para meter os outros, também importantes, que ficaram de fora. Tenho que escrever um post sobre as consequências da beat generation, mas para isso se calhar será mais apropriado jazz. Também tenho que meter pop inglês dos anos 60, sem Beatles nem Rolling Stones. Logo se vê...

     
  • At 10:38 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Esta é uma história do blues realmente informada. Se falares sobre os beats ouve isto. Suponho que ainda é possivel o download. Não é apenas jazz-beat para ouvintes preguiçosos mas uma boa compilação com narração do kerouac. (no entanto só na winamp library o alinhamento fica correcto; seria chato ouvir como apêndice os discursos todos seguidos do kerouac).

     
  • At 10:39 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    "dos blues" e não "do blues"

     
  • At 10:59 da manhã, Anonymous Anónimo said…

  • At 11:01 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Já não deu para fazer o download. De qualquer maneira, a minha ideia era avançar para os poetas e loucos e músicos no início da década de 60.

     
  • At 12:43 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Imperdível crónica de Isabel Stilwell sobre o recente massacre.
    Deixo aqui um excerto:

    "Não usava brincos na orelha, era um caucasiano puro, o cabelo loiro com gel, como o de qualquer outro adolescente de 18 anos. Estava longe do protótipo do lobo mau, não tinha piercings no nariz, nem tranças compridas e oleosas. Não usava sequer um boné à americana, em sinal de revolta contra o sistema."

     
  • At 5:24 da manhã, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Os suspeitos do costume são culpados – as armas. Já parece a Justiça portuguesa onde os suspeitos são sempre culpados.

    Só não percebo como proibi-las resolve o assunto. Qualquer objecto é uma arma. Por acaso, conheço um tipo que matou outro numa zaragata parva com um corta-unhas. Acertou-lhe no lugar certo de uma têmpora, mais os atrasos nas urgências (já foi há uns anos. Actualmente era logo atendido e não morria).

    Sou sempre pelas resoluções definitivas. Em vez de proibir as armas, decepa-se as mãos. Pelo menos seriam engraçadas as guerras, a malta ao pontapé, e as convenções de Genebra a proibir as dentadas.

     
  • At 1:40 da tarde, Blogger Ana Cristina Leonardo said…

    Os Monty Python tiveram essa ideia há uns anos mas ninguém lhes deu ouvidos. E agora vou ler o post, propriamente dito.

     
  • At 6:52 da tarde, Blogger Armando Rocheteau said…

    És daqueles que cumpre o que promete. Obrigado. Li o post e já comecei a ir aos links. Terei muito que ouvir. Continuas erudito e a dar música, da boa, à malta.

     
  • At 7:21 da tarde, Blogger Táxi Pluvioso said…

    Se reparares comecei e terminei com a harmónica. Foi a única ordem voluntária possível. No resto, sigo o princípio da razão suficiente, para pôr as coisas em termos leibnizianos, como o Manuel lembrou no seu blog.

     

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