Transcender
Bento XVI acordou do lado errado da cama, e, deve ter calçado, os sapatos doutro eminentíssimo dignitário, que os calos lhe apertaram. E, então, achou por bem, descarregar esse doloroso padecer, em cima da trupe de joviais bispos lusos de visita Ad Limina aos corredores do Vaticano. (“Limina” significa “sepulcros”. A Ad Limina Apostolorum era uma antiga tradição da padralhada de peregrinar aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, situados em Roma, regrada por Sisto V, em 1585. Assim, visitavam as tumbas e aproveitavam para fazer um balanço do estado da cristandade ao Papa. Em 1909 Pio X atribuiu-lhe uma obrigatoriedade quinquenal. Actualmente, o balancete mantém-se, mas a romaria faz-se pelos inúmeros departamentos do Vaticano, para tratar de “assuntos” e “coisas piedosas”). Enfim, vão ao “Talk Talk” (dos The Music Machine, banda de garage rock, sedeada em Los Angeles, entre 1965-1969, liderada por Sean Bonniwell. Vestiam todos de negro e como imagem de marca usavam uma única luva).
No encerramento da visita dos prelados portugueses, o Sumo Pontífice leu numa vozinha ministrone di verdure: “é preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesiástica portuguesa e a mentalidade dos seus membros, para se ter uma Igreja no ritmo do conceito Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado”. Apesar da dureza, as palavras não cheiravam a enxofre, antes exalavam um fragor familiar e refrescante de “Incense and Peppermint” (dos Stawberry Alarm Clock, banda de rock psicadélico de Los Angeles).
Um Papa, de quando em vez, faz um refresh. As suas críticas visam inovar ou corrigir tresmalhos, no interesse do rebanho, nunca condenar na fogueira ovelhas enegrecidas por tortos caminhos. Bento XVI pode ter linha directa com o transcendente mas, neste caso, vive a leste da realidade portuguesa. Em relação a Portugal ele está totalmente “Wipe Out” (pelos The Ventures. Banda fundada por dois pedreiros de Seattle, Don Wilson e Bob Bogle, em 1958). Ordenar que os bispos separem o padre do não-padre num país padreca por excelência é matar-lhe a alma. Em Portugal, as paixões não inflamam quando nasce um imposto ou uma proibição, fecha uma fábrica ou um teatro, mas apenas quando um mui querido padre é transferido de paróquia. As contas do Santuário de Fátima provam a chama da população e a boa gerência da beatice efectuada pela nossa padraria. Esta têm um aliado de peso, que não está nas alturas, mas rente ao solo. A religiosidade tem crescido muito mais do que o PIB potenciada pelo futebol. Sobretudo, pela sagrada Selecção Nacional que mais fé e rezas alevanta. “Bend me, Shape me”, cantavam os The American Breed, e nós fazemos coro. Desde que me ames it’s alright carregar um padre ao lombo.
O impagável José Ferrater Mora definia no seu Dicionário de Filosofia: “em geral tem-se entendido que o transcendente é o que está ‘para lá de alguma coisa’; transcender é ‘sobressair’”. (Supõe-se que deve ser como um espectáculo da Barbara Lynn). A transcender também somos bons. Mário Lino, ministro das Obras Públicas, desvendou o enigma do desemprego: “entre o número de empregados que se desempregaram e o de desempregados que se empregaram o saldo é positivo, há mais 60 mil postos de trabalho, relativamente a Março de 2005, depois, em termos de taxa de desemprego, isto é contrariado porque também houve mais pessoas que chegaram pela primeira vez”. Uma explicação destas desencadearia uma “Psychotic Reaction” (dos Count Five. Banda da Califórnia fundada em 1964 por John “Mouse” Michalski e Kenn Ellner). Exasperaria os nervos dos países menos reformistas, sem visão ou estratégia de mudança. Mas Portugal, responsável pelo achamento do Tratado de Lisboa, recentemente subestimado por Sarkosy no seu discurso ao Parlamento Europeu, propõe agora um político Alta Definição Blu-Ray para não cair no “deserto” político. Um ministro que explica como as coisas, mesmo melhorando, também pioram. Está “para além de alguma coisa” e deixa-nos dependurados … do seu próximo dizer. (“You Keep me Hanging on”, pelos Vanilla Fudge, banda de rock psicadélico entre 1967-1970, numa canção popularizada pelas The Supremes).
Quem quer transcendência a sério vai… ao hipermercado. Neles há de tudo como nas antigas Pharmácias. As crianças cruzam-se com a Leopoldina ou a Popota. Os adultos com chavalas de patins. E, se forem beatnicks, como Allen Ginsberg, com poetas espanhóis: “Que pêssegos e que penumbra! Famílias inteiras fazendo compras à noite! Corredores cheios de maridos! Mulheres nos abacates, bebés nos tomates! – e tu Garcia Lorca, que estavas a fazer ao pé das melancias?” in “Um Supermercado Na Califórnia”. Estávamos no ano de 1952 e a América branca transcendia-se atribuindo prémios aos porvires afro-americanos. Dois anos depois …e tudo Godzilla mudou.
(“Godzilla, The King Of Monsters!” é um filme japonês sobre um monstro com 50 metros de altura que atacou e quase destruiu Tóquio. Na versão americana acrescentaram-lhe umas cenas com Raymond Burr no papel do repórter Steve Martin. Num prenúncio de uma prática comum do american way, o jornalista exagera no tamanho do monstro apresentando-o com 120 metros para assustar as plateias. Godzilla é dissolvido pelo Dr. Daisuke Serizawa com um moderno “destruidor de oxigénio”, tecnologia de ponta numa época de bombas atómicas e de hidrogénio. O filme termina com a possibilidade de existirem outros monstros). Vivia-se em constante medo da “Eve of Destruction” (por Barry McGuire).
A vida beatnick procurava a transcendência no quotidiano. “Quarto tranquilo, / cobertor tranquilo, / grande almofada, fria, / interessante arte…” – Aram Saroyan in “Citação”. Eles pretendiam alcançar a síntese entre os abatidos e o beatífico explicava Jack Kerouac. Na estrada choraram “96 Tears” – dos Question Mark & The Mysterians (com um estilo de dança muito beatnick, a banda formou-se em Flint, Michigan, no ano de 1962. Retiraram o nome do filme japonês “The Mysterians” de 1957. Nele o planeta Mysteroid é destruído e os seus habitantes, os mysterians, fogem para conquistar e habitar a Terra).
E na estrada os diálogos eram deveras estranhos. “Por isso disse: ‘Mas o oceano persegue / os peixes’. / Desta vez riu-se / e disse: ‘suponho que / os morangos foram / empurrados para uma montanha’” – Gregory Corso in “Poetas Pedindo Boleia na Auto-estrada”. E dentro de casa as coisas não estavam melhor: “por ti / matava a minha barata favorita / que vive no rodapé / junto do estirador” – Diane DiPrima in “Mais ou Menos Poemas de Amor”. Os beatnicks usavam cores sombrias, óculos escuros e barbicha. Conta-se que a palavra "beatnick" foi criada, em 1958, por Herb Caen, jornalista do San Francisco Chronicle, numa graceta entre a palavra “beat”, referida ao jazz Bepop e o satélite russo Sputnik, para classificar “alguém fora dos cânones normais da sociedade” e possivelmente pró-comunista. Foram de maneira exemplar retratados por Jerry Lewis no filme de 1960, “Visit to a Small Planet”. Onde Jerry, no papel de um extraterrestre, atrapalha-se com a vida na Terra e faz sucesso entre os beatnicks. Eles iniciaram a viagem em 1948, quando Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs se conheceram em Nova Iorque. E revolveram as águas da poesia americana – “Come on down to My Boat” (dos Every Mother’s Son. Banda de Nova Iorque formada em 1967 por Denis e Larry Larden).
Procuraram a transcendência mas o tempo, esse conselheiro, segui o seu rumo. Frank O’ Hara ainda gritou: “Girem, bobinas de celulóide, / como a grande terra também gira!” – in “A Indústria Cinematográfica em Crise”. A crise foi pouca e as bobinas giraram no final da década de 50 início de 60. Estrearam pérolas da cinematografia americana. “The Giant Claw”(1957) – que destrói o edifício das Nações Unidas. “The Beach Girls and the Monster” (1965) – com as Watusi Dancing Girls. “Monster A-Go Go” (1965) – com pretty girls. E a musa de todas as festas de amanhã, Annette Funicello, enche o ecrã. (em “Pajama Party”, 1964, “Beach Party”, 1963, com Frankie Avalon, e jovem, a preto e branco, em “Lonely Guitar”, na série TV da Disney, "Zorro", em 1958).
Uma nova América sai da sala do cinema. A música é outra e uma fauna esquisita toma as ruas de assalto. Vestem roupas coloridas e têm cabelos compridos. Alguns grupos proporcionam a banda sonora destes tempos e fazem a transição entre os Beatnicks e os Hippies. Não ganharam dinheiro, fizeram apenas História. Os The Fugs, formados em 1965, em Nova Iorque, pelos poetas Ed Sanders e Tuli Kupferberg. Este nomeou a banda a partir de “fug”, eufemismo para “fuck”, usado por Norman Mailer em “Os Nus e os Mortos”. Segundo Sanders a mudança do termo “beatnick” para “hippie” deu-se numa reunião no parque Golden Gate, S. Francisco, em 1967, enquanto Allen Ginsberg, Michael McClure e Gary Snyder entoavam o canto budista Om. (os The Fugs na TV sueca).
Os 13th Floor Elevators foram fundados em Austin, Texas, em 1965 por Roky Erickson. Compositor, guitarrista, tocador de harmónica e vocalista, em 1968, durante uma actuação desata a disparatar. É internado no hospital psiquiátrico de Houston e sujeito a um tratamento compulsivo de electrochoques. Em 1969 é apanhado com um charro, para evitar dez anos de prisão, nega a acusação invocando insanidade mental. Foi condenado e institucionalizado. Primeiro, no hospital estadual de Austin e depois, por ter fugido, no hospital estadual Rusk for the Criminally Insane, para mais um tratamento compulsivo de electrochoques e Thorazine até 1972. O nome 13th Floor Elevators terá sido composto num jogo com a décima terceira letra do alfabeto, M, de marijuana, e a superstição de certos edifícios não terem o décimo terceiro andar. Eles em “You Gonna Miss Me”.
Os Merry Pranksters grupo itinerante que vivia em comunidade na Califórnia. Dele faziam parte o pioneiro das experiências com LSD, e autor do livro “Voando sobre um ninho de cucos”, Ken Kesey. O escritor Ken Babbs. Neal Cassady, imortalizado no livro “On The Road”, como Dean Moriarty. Carolyn Adams, conhecida como Mountain Girl, e casada com Jerry Garcia. Paul Krassner, editor da revista The Realist, e juntamente com Jerry Rubin, fundador do Youth Internatonal Party, e muitos outros. Viajavam pela América num autocarro chamado Furthur distribuindo LSD a todos. Quem fornecia a música nestas sessões de ácido era o grupo de Jerry Garcia, os The Warlocks, que depois mudariam o nome para Grateful Dead. No Verão de 1964 aparecem na propriedade doutro guru do LSD, Timothy Leary, em Millbrook, Nova Iorque. Mas Leary tinha passado a noite a tripar e estava a dormir. As aventuras do grupo foram relatadas por Tom Wolfe em “The Electric Kool-Aid Acid Test”. O abuso de drogas e sobretudo a difusão da heroína extinguiu esta segunda vaga de atingir o sublime. O mundo deixou de ser um parque de diversões. “My Green Tambourine”, canção ainda psicadélica dos The Lemon Pipers (banda de Oxford, Ohio. Queriam tocar mais rock psicadélico, mas a editora ameaçou despedi-los se não tocassem vendável pop).
Bento XVI acordou do lado errado da cama, e, deve ter calçado, os sapatos doutro eminentíssimo dignitário, que os calos lhe apertaram. E, então, achou por bem, descarregar esse doloroso padecer, em cima da trupe de joviais bispos lusos de visita Ad Limina aos corredores do Vaticano. (“Limina” significa “sepulcros”. A Ad Limina Apostolorum era uma antiga tradição da padralhada de peregrinar aos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo, situados em Roma, regrada por Sisto V, em 1585. Assim, visitavam as tumbas e aproveitavam para fazer um balanço do estado da cristandade ao Papa. Em 1909 Pio X atribuiu-lhe uma obrigatoriedade quinquenal. Actualmente, o balancete mantém-se, mas a romaria faz-se pelos inúmeros departamentos do Vaticano, para tratar de “assuntos” e “coisas piedosas”). Enfim, vão ao “Talk Talk” (dos The Music Machine, banda de garage rock, sedeada em Los Angeles, entre 1965-1969, liderada por Sean Bonniwell. Vestiam todos de negro e como imagem de marca usavam uma única luva).
No encerramento da visita dos prelados portugueses, o Sumo Pontífice leu numa vozinha ministrone di verdure: “é preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesiástica portuguesa e a mentalidade dos seus membros, para se ter uma Igreja no ritmo do conceito Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado”. Apesar da dureza, as palavras não cheiravam a enxofre, antes exalavam um fragor familiar e refrescante de “Incense and Peppermint” (dos Stawberry Alarm Clock, banda de rock psicadélico de Los Angeles).
Um Papa, de quando em vez, faz um refresh. As suas críticas visam inovar ou corrigir tresmalhos, no interesse do rebanho, nunca condenar na fogueira ovelhas enegrecidas por tortos caminhos. Bento XVI pode ter linha directa com o transcendente mas, neste caso, vive a leste da realidade portuguesa. Em relação a Portugal ele está totalmente “Wipe Out” (pelos The Ventures. Banda fundada por dois pedreiros de Seattle, Don Wilson e Bob Bogle, em 1958). Ordenar que os bispos separem o padre do não-padre num país padreca por excelência é matar-lhe a alma. Em Portugal, as paixões não inflamam quando nasce um imposto ou uma proibição, fecha uma fábrica ou um teatro, mas apenas quando um mui querido padre é transferido de paróquia. As contas do Santuário de Fátima provam a chama da população e a boa gerência da beatice efectuada pela nossa padraria. Esta têm um aliado de peso, que não está nas alturas, mas rente ao solo. A religiosidade tem crescido muito mais do que o PIB potenciada pelo futebol. Sobretudo, pela sagrada Selecção Nacional que mais fé e rezas alevanta. “Bend me, Shape me”, cantavam os The American Breed, e nós fazemos coro. Desde que me ames it’s alright carregar um padre ao lombo.
O impagável José Ferrater Mora definia no seu Dicionário de Filosofia: “em geral tem-se entendido que o transcendente é o que está ‘para lá de alguma coisa’; transcender é ‘sobressair’”. (Supõe-se que deve ser como um espectáculo da Barbara Lynn). A transcender também somos bons. Mário Lino, ministro das Obras Públicas, desvendou o enigma do desemprego: “entre o número de empregados que se desempregaram e o de desempregados que se empregaram o saldo é positivo, há mais 60 mil postos de trabalho, relativamente a Março de 2005, depois, em termos de taxa de desemprego, isto é contrariado porque também houve mais pessoas que chegaram pela primeira vez”. Uma explicação destas desencadearia uma “Psychotic Reaction” (dos Count Five. Banda da Califórnia fundada em 1964 por John “Mouse” Michalski e Kenn Ellner). Exasperaria os nervos dos países menos reformistas, sem visão ou estratégia de mudança. Mas Portugal, responsável pelo achamento do Tratado de Lisboa, recentemente subestimado por Sarkosy no seu discurso ao Parlamento Europeu, propõe agora um político Alta Definição Blu-Ray para não cair no “deserto” político. Um ministro que explica como as coisas, mesmo melhorando, também pioram. Está “para além de alguma coisa” e deixa-nos dependurados … do seu próximo dizer. (“You Keep me Hanging on”, pelos Vanilla Fudge, banda de rock psicadélico entre 1967-1970, numa canção popularizada pelas The Supremes).
Quem quer transcendência a sério vai… ao hipermercado. Neles há de tudo como nas antigas Pharmácias. As crianças cruzam-se com a Leopoldina ou a Popota. Os adultos com chavalas de patins. E, se forem beatnicks, como Allen Ginsberg, com poetas espanhóis: “Que pêssegos e que penumbra! Famílias inteiras fazendo compras à noite! Corredores cheios de maridos! Mulheres nos abacates, bebés nos tomates! – e tu Garcia Lorca, que estavas a fazer ao pé das melancias?” in “Um Supermercado Na Califórnia”. Estávamos no ano de 1952 e a América branca transcendia-se atribuindo prémios aos porvires afro-americanos. Dois anos depois …e tudo Godzilla mudou.
(“Godzilla, The King Of Monsters!” é um filme japonês sobre um monstro com 50 metros de altura que atacou e quase destruiu Tóquio. Na versão americana acrescentaram-lhe umas cenas com Raymond Burr no papel do repórter Steve Martin. Num prenúncio de uma prática comum do american way, o jornalista exagera no tamanho do monstro apresentando-o com 120 metros para assustar as plateias. Godzilla é dissolvido pelo Dr. Daisuke Serizawa com um moderno “destruidor de oxigénio”, tecnologia de ponta numa época de bombas atómicas e de hidrogénio. O filme termina com a possibilidade de existirem outros monstros). Vivia-se em constante medo da “Eve of Destruction” (por Barry McGuire).
A vida beatnick procurava a transcendência no quotidiano. “Quarto tranquilo, / cobertor tranquilo, / grande almofada, fria, / interessante arte…” – Aram Saroyan in “Citação”. Eles pretendiam alcançar a síntese entre os abatidos e o beatífico explicava Jack Kerouac. Na estrada choraram “96 Tears” – dos Question Mark & The Mysterians (com um estilo de dança muito beatnick, a banda formou-se em Flint, Michigan, no ano de 1962. Retiraram o nome do filme japonês “The Mysterians” de 1957. Nele o planeta Mysteroid é destruído e os seus habitantes, os mysterians, fogem para conquistar e habitar a Terra).
E na estrada os diálogos eram deveras estranhos. “Por isso disse: ‘Mas o oceano persegue / os peixes’. / Desta vez riu-se / e disse: ‘suponho que / os morangos foram / empurrados para uma montanha’” – Gregory Corso in “Poetas Pedindo Boleia na Auto-estrada”. E dentro de casa as coisas não estavam melhor: “por ti / matava a minha barata favorita / que vive no rodapé / junto do estirador” – Diane DiPrima in “Mais ou Menos Poemas de Amor”. Os beatnicks usavam cores sombrias, óculos escuros e barbicha. Conta-se que a palavra "beatnick" foi criada, em 1958, por Herb Caen, jornalista do San Francisco Chronicle, numa graceta entre a palavra “beat”, referida ao jazz Bepop e o satélite russo Sputnik, para classificar “alguém fora dos cânones normais da sociedade” e possivelmente pró-comunista. Foram de maneira exemplar retratados por Jerry Lewis no filme de 1960, “Visit to a Small Planet”. Onde Jerry, no papel de um extraterrestre, atrapalha-se com a vida na Terra e faz sucesso entre os beatnicks. Eles iniciaram a viagem em 1948, quando Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs se conheceram em Nova Iorque. E revolveram as águas da poesia americana – “Come on down to My Boat” (dos Every Mother’s Son. Banda de Nova Iorque formada em 1967 por Denis e Larry Larden).
Procuraram a transcendência mas o tempo, esse conselheiro, segui o seu rumo. Frank O’ Hara ainda gritou: “Girem, bobinas de celulóide, / como a grande terra também gira!” – in “A Indústria Cinematográfica em Crise”. A crise foi pouca e as bobinas giraram no final da década de 50 início de 60. Estrearam pérolas da cinematografia americana. “The Giant Claw”(1957) – que destrói o edifício das Nações Unidas. “The Beach Girls and the Monster” (1965) – com as Watusi Dancing Girls. “Monster A-Go Go” (1965) – com pretty girls. E a musa de todas as festas de amanhã, Annette Funicello, enche o ecrã. (em “Pajama Party”, 1964, “Beach Party”, 1963, com Frankie Avalon, e jovem, a preto e branco, em “Lonely Guitar”, na série TV da Disney, "Zorro", em 1958).
Uma nova América sai da sala do cinema. A música é outra e uma fauna esquisita toma as ruas de assalto. Vestem roupas coloridas e têm cabelos compridos. Alguns grupos proporcionam a banda sonora destes tempos e fazem a transição entre os Beatnicks e os Hippies. Não ganharam dinheiro, fizeram apenas História. Os The Fugs, formados em 1965, em Nova Iorque, pelos poetas Ed Sanders e Tuli Kupferberg. Este nomeou a banda a partir de “fug”, eufemismo para “fuck”, usado por Norman Mailer em “Os Nus e os Mortos”. Segundo Sanders a mudança do termo “beatnick” para “hippie” deu-se numa reunião no parque Golden Gate, S. Francisco, em 1967, enquanto Allen Ginsberg, Michael McClure e Gary Snyder entoavam o canto budista Om. (os The Fugs na TV sueca).
Os 13th Floor Elevators foram fundados em Austin, Texas, em 1965 por Roky Erickson. Compositor, guitarrista, tocador de harmónica e vocalista, em 1968, durante uma actuação desata a disparatar. É internado no hospital psiquiátrico de Houston e sujeito a um tratamento compulsivo de electrochoques. Em 1969 é apanhado com um charro, para evitar dez anos de prisão, nega a acusação invocando insanidade mental. Foi condenado e institucionalizado. Primeiro, no hospital estadual de Austin e depois, por ter fugido, no hospital estadual Rusk for the Criminally Insane, para mais um tratamento compulsivo de electrochoques e Thorazine até 1972. O nome 13th Floor Elevators terá sido composto num jogo com a décima terceira letra do alfabeto, M, de marijuana, e a superstição de certos edifícios não terem o décimo terceiro andar. Eles em “You Gonna Miss Me”.
Os Merry Pranksters grupo itinerante que vivia em comunidade na Califórnia. Dele faziam parte o pioneiro das experiências com LSD, e autor do livro “Voando sobre um ninho de cucos”, Ken Kesey. O escritor Ken Babbs. Neal Cassady, imortalizado no livro “On The Road”, como Dean Moriarty. Carolyn Adams, conhecida como Mountain Girl, e casada com Jerry Garcia. Paul Krassner, editor da revista The Realist, e juntamente com Jerry Rubin, fundador do Youth Internatonal Party, e muitos outros. Viajavam pela América num autocarro chamado Furthur distribuindo LSD a todos. Quem fornecia a música nestas sessões de ácido era o grupo de Jerry Garcia, os The Warlocks, que depois mudariam o nome para Grateful Dead. No Verão de 1964 aparecem na propriedade doutro guru do LSD, Timothy Leary, em Millbrook, Nova Iorque. Mas Leary tinha passado a noite a tripar e estava a dormir. As aventuras do grupo foram relatadas por Tom Wolfe em “The Electric Kool-Aid Acid Test”. O abuso de drogas e sobretudo a difusão da heroína extinguiu esta segunda vaga de atingir o sublime. O mundo deixou de ser um parque de diversões. “My Green Tambourine”, canção ainda psicadélica dos The Lemon Pipers (banda de Oxford, Ohio. Queriam tocar mais rock psicadélico, mas a editora ameaçou despedi-los se não tocassem vendável pop).
Desde lado do Atlântico, a Inglaterra também foi invadida por extraterrestres em “The Earth Dies Screaming” (1964). E, em 1972, o camaleão do outro mundo cantava “Jean Genie”...
8 Comments:
At 2:53 da tarde, Táxi Pluvioso said…
Só para explicar a frase inicial. Conhecem esta velha anedota?
Pela manhã estava a madre superiora na capela a rezar. Ajoelhou-se junto dela a irmã Lúcia e disse-lhe:
- Bom dia madre. Hoje acordou do lado errado da cama.
A irmã Lúcia terminou as orações e saiu da capela para tratar do farelo do pequeno-almoço. A madre superiora, absorvida nas suas rezas, não lhe prestou atenção. Pouco depois entra a irmã Jacinta. Ajoelha-se, persigna-se e faz o mesmo reparo:
- Bom dia, madre. Então hoje acordou do lado errado da cama? – diz ela com um sorriso trocista.
A madre superior ficou intrigada, mas pensou que teria alguma ruga mais vincada na cara que lhe desse aparência de mau humor. Mas o caso repetiu-se com todas as outras que se ajoelhavam ao seu lado para as orações matinais.
Quando a irmã Francisca repete a mesma observação a madre não resistiu e perguntou:
- Mas porque diz isso? Estou com mau aspecto?
- Não madre – responde de imediato a irmã Francisca – é que calçou os sapatos do Sr. padre.
Com isto não estou afirmar que o Santo Padre dorme com algum noviço, ou padre avançado, no seu rico leito do Vaticano. Dormirá, com certeza, mas acompanhado de Deus. Quero dizer sim que Deus usa sapatos.
At 1:10 da tarde, Ana Cristina Leonardo said…
Não pude deixar de citá-lo e, hélas!, ao Mário Lino na Pastelaria
At 2:57 da tarde, Táxi Pluvioso said…
O Mário Lino é uma luz neste país. Sempre que fala acerta na mosca. Espero pelas suas palavras como quem espera por Sebastião para salvar a pátria.
O Governo, para faciltar, devia publicar um horário dos seus futuros dizeres, ou melhor, inclui-lo no Borda d'Água, junto do horário das marés.
At 3:30 da tarde, Anónimo said…
Vou ouvir a compilação Nuggets.
At 10:42 da tarde, Armando Rocheteau said…
Tenho uma dúvida. Cartesiana? Não sei se gosto mais dos teus posts se dos comentários aqui e na blogosfera.
At 4:52 da manhã, Táxi Pluvioso said…
Claro que os comentários são melhores. Os posts estão a ficar muito grandes, mas neste não me contive em falar dos nossos bispos. Fiquei comovido com a sua alegria pelas galerias do Vaticano, pareciam umas crianças com balão de hélio, e depois o Papa manda-os separar o sagrado do profano. Como se eles fossem uns Mirceas Eliades para saber a diferença.
Os vídeos que escolhi são verdadeiros tesouros da música americana da década de 60. Queria dar uma ideia do ambiente que se vivia na época. Por um lado a América corporativa produzindo entretenimento para os jovens. E pelo outro os jovens produzindo e consumindo as suas próprias coisas. Claro que passados uns anos foi tudo recuperado e integrado. Até o Smithsonian queria comprar o autocarro do Ken Kesey. Não há margens, no sentido de Derrida, ou noutro sentido, nos negócios humanos.
At 6:30 da tarde, Jana said…
Tenho a declarar que os teus posts são realmente compridos, mas únicos!
Só vou comentar a parte da religiosidade portuguesa, ainda que o santuário de fátima tenha uns lucros imensos, e os estádios se encham para ver onze palhaços a andar e a dizer que soam a camisa pela tuguisse, a alma destes portugueses é de ocasião, vão a fátima nos dias 13 quaisquer e a sua fé é feita de acções que possam ser vistas e reconhecidas pelos outros...e ao futebol vestidos de palhaços pare ver se uma camâra pára sobre eles... isso para mim não é nada, ainda que com consequências mais nefastas ao nível da moral e da religião!
Bj
At 9:34 da manhã, Táxi Pluvioso said…
É verdade que os posts estão a ficar muito longos, em compensação só escrevo um por semana. Neste então abusei, mas tinha que meter alguns extractos de poemas e umas palavras para situar as várias bandas.
Qualquer estudo sociológico, ou psicológico, sério não pode dissociar a religião dos portugueses. Não digo que ela não seja ignorada nalguns meios urbanos, mas isso é uma minoria e Portugal não é Lisboa. Se formos para o país real é a religião que comanda as mentes tal como sucede desde a Idade Média. Pouco avançou Portugal apesar da euforia actual.
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