Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

terça-feira, junho 09, 2020


Está tudo quase esgotado (tl;dr)

26 de julho de 2017 data maior na Grande História portuguesa, nesse dia, um deputado, de aspeto escangalhado, trôpego, ar de bebé gigante, salvou a democracia do deserto infravermelho no espetro da luz política nacional. Nesse verão ameaçava secar o combate governo / oposição, a economia prosperava, a Europa cooperava, o povo engordava, não havia contrapropostas ganhadeiras de votos. A bandeira opositora murchava. Mas, no Parlamento sentava-se um génio, um Péricles, um Júlio César, um Alcibíades Clinias Escambónidas, si parva licet componere magnis (“se é lícito comparar as pequenas coisas às grandes", expressão de Virgílio, ao comparar o trabalho das abelhas ao dos ciclopes, “Geórgicas”, IV, 176). Não é comparável, o nosso é muito maior que todos os antigos, tem dois olhos e visão interior, na qual anteviu que, no futuro, a oposição escassearia empolgaduras do povo quando as urnas chamassem. O dia 26 de julho de 2017 altera essa trajetória, nesse dia Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, tem a maior vitória política alguma vez vencida em Portugal: “Acabou a especulação, hoje as famílias podem continuar a sua vida, porque o Ministério Público andou bem ao divulgar a lista nominativa das vítimas da tragédia, da tragédia de Pedrógão Grande, e por isso nós não vamos, já informamos hoje o senhor presidente da Assembleia da República, requerer, nem a comissão permanente nem a conferência de lideres que ‘tava agendada.” [1]
António Costa, o primeiro-ministro, não desvendava o número de mortos no incêndio de Pedrogão, nem que a vaca tossisse e o boi espirrasse e o comentador engasgasse, refugiando-se no somenos segredo de justiça, Hugo Soares agarrou-o pelo gasganete e chocalhou-lhe a verdade: “Pedir o levantamento desse segredo para devolver a calma e a confiança às pessoas. (…). Se não sabe governar nem tomar decisões no momento difícil, então tivesse deixado governar quem ganhou as eleições.” (26-07-2017). E assim, magnânimo, – perdoou a contabilização dos suicídios de Passos Coelho [2] e dos cadáveres da empresária Isabel Monteiro [3] –, Hugo Soares aceita a lista nominativa dos 64 mortos em Pedrogão e resgata a democracia em Portugal. Não há democracia sem luta político-partidária, não há luta político-partidária sem argumentos para arremessar ao adversário, sem a visão visionária de Hugo Soares estes resumir-se-iam nas eleições legislativas de 2019: ao líder da oposição, Rui Rio, atirar “a dramatização”, “o circo montado”, “o teatro” [4]; e à líder da direita, Assunção Cristas, lengalengar “a maior carga fiscal de sempre” [5], – pela luta de Hugo Soares enriquecerão esse caldo aguado com as críticas ao incêndio de Pedrogão [6].
Não há herói sem aio, um herói quer aio, e um houve multum in parvo (“dizer muitas coisas em poucas palavras”). Carlos Abreu Amorim, o aio, meteu todos os discursos políticos, do “Pro Sestio” de Cícero ao “O culto do indivíduo” de Nikita Khrushchev, numa sapatilha com o seu “Discurso do indigno”: “Vimos ontem apenas declarações dalguns responsáveis governamentais, que rejeitamos, no mínimo estranhas e até um pouco desesperadas [7]. As acusações que foram feitas ao PSD são totalmente descabidas, são desajustadas e, fazem ricochete. Por exemplo, o governo diz que o PSD está a tentar obter algum aproveitamento político desta tragédia, nada mais falso. (…). Foi dito ontem que o comportamento do PSD é indigno, e o PSD responde de uma forma muito clara. (…). Não houve um responsável governamental que viesse assumir responsabilidades, e pedir desculpas aos portugueses e com toda a sinceridade o PSD julga que já era tempo disso ter acontecido. (…). Indigno e absolutamente reprovável é o facto do PSD ter apresentado um projeto que criava um mecanismo urgente extrajudicial para reparação às famílias dos falecidos e aos feridos graves, e o Partido Socialista não ter consentido que esse projeto fosse aprovado no passado dia 19, ehh, ehh, não dando consentimento para que fossem feitas as três votações, designadamente a votação final deste projeto que ficou a aguardar para setembro. Indigno também é, sem dúvida nenhuma, a lei da rolha, que condicionou a atividade da comunicação social, que aumenta um clima de suspeição e desconfiança em relação àquilo que está a ser feito na prevenção e no combate aos incêndios. Indigno também é este governo não ter sabido explicar por que razão é que mudou os comandos da Autoridade Nacional de Proteção Civil, ehh, eh, a meses do início da época dos fogos com resultados que neste momento estão à vista. Indigno, por fim, é também o facto de insistir na lógica de passa-culpas absolutamente compulsiva e negativa no sentido de que ninguém assume responsabilidades. (…). Não houve até agora um responsável governamental, o próprio primeiro-ministro não pediu desculpa ao país, não pediu desculpa às populações que são diretamente afetadas por esta tragédia dos incêndios, não apenas as de Pedrógão Grande, mas também as da Guarda, as de Alijó, as da Sertã, as de Mação e todas aquelas que estão neste momento a temer pela sua vida e pela segurança dos seus bens. Não houve um responsável governamental que viesse assumir responsabilidades e pedir desculpa aos portugueses e com toda a sinceridade o PSD julga que já era tempo disso ter acontecido. (…). O PSD congratula-se por o governo estar satisfeito pela divulgação da lista nominativa, mas convém não esquecer que foi graças à atuação enérgica do PSD, e contrariando tudo aquilo que o governo vinha defendendo publicamente há semanas, que esta lista foi conhecida.” (27-07-2017).
“Com as suas acusações e política de passa-culpas que estão a fazer há mais de um mês sobre esta tragédia, o que parece estar a acontecer é uma inegável gestão da comunicação e de marketing politico elevado ao ponto máximo, que criou este clima de suspeição e desconfiança, que é muito negativo.” (27-07-2017).
“O vice-presidente da bancada social-democrata Carlos Abreu Amorim quis falar aos jornalistas para criticar as declarações de vários membros do governo na quarta-feira e para vir reclamar os louros do PSD pela divulgação, pelo Ministério Público, da lista de 64 mortos e de outros dois em investigação. «O PSD congratula-se por o governo estar satisfeito pela divulgação da lista nominativa. Mas convém não esquecer que foi graças à atuação enérgica do PSD, e contrariando tudo aquilo que o Governo vinha defendendo publicamente há semanas, que esta lista foi conhecida», vincou o deputado. Pôde acabar assim o «clima de suspeição que estava a grassar por todo o país», acrescentou, criticando a «lógica estranhíssima de ocultação» que envolveu o caso. Questionado pelo Público sobre o timing da divulgação da lista - horas depois de o PSD exigir que o governo pedisse o fim do segredo de justiça e a divulgasse, e meia hora antes de o presidente da República chegar ao incêndio de Mação - o deputado social-democrata disse que a «posição enérgica» do PSD «não era para o Ministério Público mas ainda bem que teve resultados», vincando o «papel fundamental» das exigências de Hugo Soares.” (27-07-2017).
Carlos Abreu Amorim matou a discussão com um tweet: “Tantos ataques ao PSD por exigir os nomes das vítimas e agora, o que dizer? Será que os conheceríamos caso o PSD estivesse calado e manso?” (27-07-2017).
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[1] Hugo Soares malhou na esquerda: “Depois ter sido publicada a lista deixa de fazer sentido aquilo que tinha sido a exigência do PSD, que era a de que houvesse uma conferência de líderes e uma comissão permanente para debatermos este assunto. Ora, uma vez que a lista foi divulgada ficou resolvido essa questão. Voltamos a repetir, acabou a especulação, hoje as famílias podem continuar a sua vida porque o Ministério Público andou bem ao divulgar a lista nominativa das vítimas de tragédia, da tragédia de Pedrogão Grande. E por isso nós não vamos, já informamos o senhor presidente da Assembleia da República, requerer nem a comissão permanente nem a conferência de líderes que ‘tava agendada. (…). Foi posto um ponto final na especulação que foi criada pela irresponsabilidade do governo e pela forma como o governo quis gerir politicamente aquilo que não pode nem deve estar no domínio a política.” (27-07-2019).
[2] Passos Coelho: “Há pessoas, por exemplo, eu tenho conhecimento, já vitimas ehh indiretas deste processo, pessoas que puseram termo à vida. Pessoas que em desespero se suicidaram ehh e que não receberam em tempo, o apoio psicológico, que deveria ter existido ehh isso ainda hoje se passa, e tem havido dificuldade em que esse apoio seja prestado … (olha para Teresa Morais atrás dele) … não há confirmação? Há pouco, há pouco ehh deram-nos essa notícia, enfim, como uma notícia particular ehh ehh enfim de pessoa até de família, e portanto como deve calcular não tive ehh ehh muitas dúvidas nessa nessa indicação ehh mas seja como for, isso eu posso testemunhar, houve muitas pessoas que eu ouvi, e que me deram conta da falta de resposta em termos de apoio psicológico ehh que ainda hoje se sente no terreno. E portanto há pessoas ehh que estão internadas, em consequência de tentativas ehh de suicídio, nomeadamente, e que ehh até hoje não tiveram ehh o apoio que era devido.” (Na visita aos bombeiros de Pedrogão, 26/06/2017).
O jornal Público parangonava no dia seguinte: “Polémica. Passos começou o dia ao ataque e acabou a pedir desculpa”.
Passos Coelho: “Não há arma de arremesso nenhum, o que há é uma situação a que é preciso responder e politicamente é importante que os órgãos do Estado possam reagir em relação a isso. Não é possível esperar que exista uma espécie de branqueamento político sobre as situações que vão ocorrendo.” (26/06/2017).
[3] Graças a um trabalho brilhante de copy / paste a comunicação social revelou o número exato dos mortos, não apenas os 64 que o bom Hugo Soares aceitou. “Lista mortos Pedrogão - Isabel Monteiro cruzou dados de hospitais, bombeiros e agências funerárias, e forneceu ao jornal i uma lista de vítimas mortais da tragédia maior do que a oficial. Não são 64 nem 65, mas pelo menos 73 as vítimas mortais do incêndio em Pedrógão Grande, garante Isabel Monteiro, que foi para o terreno contar as vítimas uma a uma. A empresária de 57 anos, natural de Lisboa, queria construir um memorial na Estrada Nacional 236. Quando começou a recolher os primeiros nomes da lista de vítimas, junto de famílias e agências funerárias, percebeu que a lista total de mortos era mais extensa do que a oficial divulgada pelo Governo, diz ao jornal i. (…). De acordo com a empresária, o número de mortos pelo incêndio será ainda maior do que os 73 nomes que já terá confirmado – Isabel Monteiro diz mesmo que o número pode ultrapassar uma centena. «Ao verificar se os dados da imprensa estavam corretos, comecei a ir de família em família, a abordar bombeiros e cheguei a contar as campas frescas de um dos cemitérios para confirmar que os números são superiores. Parece macabro mas tive de o fazer», conta ao i. O resultado é publicado esta segunda-feira naquele diário, que cita nomes de cadáveres encontrados depois da lista oficial de mortos ter sido divulgada. O jornal relata ainda o clima de «medo» que se vive entre a população e a «pressão» para que não se discuta mais o número oficial de mortos. A lista não foi divulgada pelas autoridades, que se recusam fazê-lo alegando que o caso está «em segredo de justiça», no âmbito do processo-crime que investiga as circunstâncias das operações de combate ao fogo e de resgate às vítimas.” Em jornal Público, 24 de julho de 2017.
“Última Hora: Incêndios. Empresária contou mais de 80 mortos em Pedrógão Grande. Isabel Monteiro, empresária de 57 anos, natural de Lisboa, reuniu uma base de dados com as vítimas mortais do incêndio dos concelhos de Pedrógão Grande e já contabilizou mais de 80 mortos, dos quais 73 estão confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e local da morte. A intenção era criar uma lista de vítimas para a criação de um memorial na Estrada Nacional 236, hoje conhecida como «Estrada da Morte», mas foi ao recolher a informação junto das famílias, funerárias, bombeiros e dados da comunicação social que Isabel constatou que o número de vítimas mortais seria superior ao número oficial divulgado pelas instituições do Estado. Começou então uma investigação de fundo e o total de mortos contados até à data, na sua base de dados, já ultrapassa os 80. A experiência dizia-lhe que, para ser útil na situação de Pedrógão, teria de ir diretamente ao local e perceber de que tipo de ajuda as famílias precisavam. O instinto tem uma história. Em 1996, na guerra do Kosovo, Isabel viu um apelo da AMI e da Cruz Vermelha Portuguesa e decidiu ajudar, mas apercebeu-se que os donativos não estavam a ser encaminhados. Organizou, nesse ano, o Concerto dos Cobertores, na Praça Sony, cujo bilhete de entrada era um cobertor que seria enviado para Kosovo. O evento foi um sucesso e Portugal foi o segundo país a entregar o maior número de cobertores no Kosovo. Isabel entrou em conflito com a AMI e pressionou o governo para ir diretamente no avião C130, que transportou muita da ajuda humanitária enviada de Portugal. Quis ir diretamente ao local dos acontecimentos entregar em mão a ajuda às vítimas do histórico conflito.” Em jornal Sol 22 de julho 2017.
“O i divulga a lista em constante atualização. Já se contabilizaram mais de 80 mortos, dos quais 73 estão confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e local da morte. Isabel Monteiro, empresária de 57 anos, natural de Lisboa, reuniu uma base de dados com as vítimas mortais do incêndio dos concelhos de Pedrógão Grande e já contabilizou mais de 80 mortos, dos quais 73 estão confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e local da morte. A intenção era criar uma lista de vítimas para a criação de um memorial na Estrada Nacional 236, hoje conhecida como «Estrada da Morte», mas foi ao recolher a informação junto das famílias, funerárias, bombeiros e dados da comunicação social que Isabel constatou que o número de vítimas mortais seria superior ao número oficial divulgado pelas instituições do Estado. Começou então uma investigação de fundo e o total de mortos contados até à data, na sua base de dados, já ultrapassa os 80. A experiência dizia-lhe que, para ser útil na situação de Pedrógão, teria de ir diretamente ao local e perceber de que tipo de ajuda as famílias precisavam. O instinto tem uma história. Em 1996, na guerra do Kosovo, Isabel viu um apelo da AMI e da Cruz Vermelha Portuguesa e decidiu ajudar, mas apercebeu-se que os donativos não estavam a ser encaminhados. Organizou, nesse ano, o Concerto dos Cobertores, na Praça Sony, cujo bilhete de entrada era um cobertor que seria enviado para Kosovo. O evento foi um sucesso e Portugal foi o segundo país a entregar o maior número de cobertores no Kosovo. Isabel entrou em conflito com a AMI e pressionou o governo para ir diretamente no avião C130, que transportou muita da ajuda humanitária enviada de Portugal. Quis ir diretamente ao local dos acontecimentos entregar em mão a ajuda às vítimas do histórico conflito. Isabel contou ao i que aprendeu com essa experiência a não doar dinheiro ou a entregar donativos sem ser diretamente a quem precisava e, ao saber da catástrofe de Pedrógão, decidiu pôr em prática mais uma vez o método de solidariedade direta. «Fui a primeira vez a Pedrógão no dia 21 de junho. Dirigi-me ao quartel dos bombeiros e fiquei mesmo muito impressionada com tudo o que vi. Decidi então recolher donativos e voltei no dia 3 de julho. Fui diretamente à junta de Castanheira de Pêra levar donativos que uns amigos da família que teve nove vítimas mortais me pediu para entregar», conta. «Fui recebida por uma senhora que me disse que não era a Junta que tratava desse assunto e mandou-me entregar tudo aos Médicos do Mundo». Isabel que se recusa a entregar donativos às ONG, decidiu seguir caminho pelas aldeias. Foi então que o seu grupo de voluntários se cruzou com quatro senhoras que recolhiam sementes de eucalipto, na localidade de Vermelho, certificando-se de que estas árvores não voltariam a crescer perto das suas zonas de habitação. As mulheres, apesar de terem perdido todas as árvores e hortas, não quiseram receber donativos uma vez que as suas casas por dentro estavam intactas. «Foi aí que me disseram pela primeira vez que o número de mortos seria muito superior ao anunciado».
A Contagem
«Falaram-me de uma família de duas pessoas que salvaram tudo sozinhos e deixámos lá donativos, já que tinham dado abrigo à sobrinha que só tinha a roupa do corpo desde o dia do incêndio», conta ao i. Foi depois deste contacto que Isabel decidiu ir à aldeia de Nodeirinho, uma vez que tinha sido uma das localidades mais faladas na comunicação social. «Quando cheguei lá, as pessoas estavam todas reunidas na capela. Falei com toda gente, disseram-me o que lhes fazia falta e voltaram a confirmar a teoria de que o número de mortos seria muito superior ao anunciado». Isabel, intrigada com o assunto, terá falado telefonicamente no sábado dia 8 de julho com uma agência funerária em Vila Facaia que pelo telefone lhe confirmou, mais uma vez, que o número era muito superior. Abordou os funcionários com uma história que acabara de inventar. «Tive de inventar uma história, caso contrário nunca se iriam abrir comigo. Falei-lhes então que procurava um rapaz amigo de uma amiga minha que estaria a chegar para o tentar encontrar e que precisava de saber se o nome dele estaria entre os 64 mortos».
Terá sido neste momento que a primeira pista lhe foi dada. Uma das funcionárias terá respondido sob pressão com um sincero «eu sei lá menina, são muito mais, só eu vi mais de 95 corpos», desabafo que Isabel nunca mais conseguiu que se repetisse, já que a senhora em causa nunca mais o confirmou. Isabel explica ao i que, nas suas visitas às localidades dos concelhos afetados pelo incêndio, «os locais estão muito pressionados politicamente e há um estado de medo instalado». Mas ao falar com as famílias de luto, a ideia da criação de um memorial surgiu. «É o mínimo que se pode imaginar depois de uma tragédia destas, nada faz sentido se não houver uma homenagem a todos os que morreram». A empresária de Lisboa terá então iniciado um processo de recolha de informação. «Primeiro procurei tudo o que a imprensa tinha escrito sobre os mortos, chegando mesmo a perceber que tinham dado como mortas pessoas que estavam vivas. Com o é o caso da dona Gina, que estava internada e viva e na comunicação social deram o nome dela como falecida». «Ao verificar se os dados da imprensa estavam corretos, comecei a ir de família em família, a abordar bombeiros e cheguei a contar as campas frescas de um dos cemitérios para confirmar que os números são superiores, parece macabro mas tive de o fazer».
Segundo Isabel e dois bombeiros que não querem ser identificados, várias vítimas foram encontradas mortas depois de os números oficiais terem sido dado como certos. Terá sido o caso de Leonor Silva Henriques e Armindo Henriques Modesto que não estavam referenciados em lugar nenhum, mas morreram dentro do carro de Anabela Lopes Carvalho, de Sarzedas, que circulavam na EN236. Otília, irmã de Anabela, teve de identificar o corpo da irmã na estrada e falou a Isabel dos dois acompanhantes da irmã que não faziam parte das listagens. Também Fernando, de Campelo, foi encontrado carbonizado por uma local de Pobrais no meio do mato vários dias depois. «Estes corpos foram encontrados e enterrados mas os números nunca foram atualizados», explica Isabel Monteiro. O i contactou várias das famílias das vítimas que pertencem à listagem de Isabel e que pedem para não ser identificadas, mas que garantem que o número de mortos (64) dado pelas autoridades «está muito longe da verdade».
Isabel Monteiro e a sua amiga Ana Sousa e Silva juntaram algum dinheiro e, com a ajuda e confiança do padre da Paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes, no Parque das Nações, e um de Bragança, conseguiram uma quantia de dinheiro que lhes permitiu a aquisição local de animais e hortícolas para doar às famílias. Compraram 80 animais (com 208,99 euros) e com 197 euros compraram 700 mudas de hortícolas que transportaram às famílias afetadas pelos incêndios. Foi aí que constataram que, depois de 30 dias, a ajuda ainda continuava por chegar. «Chegaram-me a dizer que havia certamente mais de 100 mortos, eu não queria acreditar. Mas realmente assim que comecei a juntar toda a informação percebi que pelo menos mais de 80 mortos tínhamos listados». Para Isabel há demasiadas falhas em tudo que se relaciona com este assunto, como o exemplo dos questionários online para as vítimas dos incêndios. «Como é que o ministério da Agricultura espera que idosos que não fazem ideia do que é usar a internet, depois de todo o trauma, ainda preencham formulários?», pergunta. O formulário poderia ser entregue na Câmara Municipal até ao sábado dia 15 de julho.
Como Alcafache
No dia 13 de julho, às 18h21, Isabel publicou a lista na sua página do Facebook pedindo que a ajudassem a atualizar e a corrigir os dados disponíveis. «As chamadas, até hoje ainda não pararam, sempre com novas informações». «Isto como bombeiro não me surpreende, já tivemos situações destas em Portugal, como no caso do comboio de Alcafache que nunca chegaram a dar o número real de vítimas e soubemos de corpos enterrados em vala comum». O bombeiro de Viseu conta que militares já lhe haviam falado de um número de mortos muito superior ao anunciado, logo no primeiro dia de ação em Pedrógão. «Entre pessoal das operações sempre se ouviu falar em mais de 100 mortos. Mas sempre se falou disto sem provas, eram apenas boatos. Agora há nomes, como é que se mentem nomes de pessoas?». Segundo a empresária e os dois bombeiros que o i contactou, têm sido várias as pressões para que este assunto «morra na praia». «Disseram-me que devia estar calada porque isto envolve interesses nacionais. Mas eu não quero viver num país em que interesses do Estado valem mais do que vidas humanas». A Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) reiterou neste sábado que o incêndio do mês passado em Pedrógão Grande fez 64 vítimas mortais, em «consequência direta» do fogo, e que outros eventuais casos não se integram nos critérios «definidos». Os critérios que foram identificados para apurar as vítimas do incêndio são «mortes por inalação e queimaduras», resultantes do fogo, adiantou à agência Lusa a adjunta nacional de operações Patrícia Gaspar. Segue-se a listagem das vítimas mortais contabilizadas por Isabel Monteiro, que reuniu informação com famílias, populares, funerárias e bombeiros.
Lista de vítimas mortais confirmados na EN236 (O número está em atualização constante) 1. Fausto Lopes da Costa (73 anos); 2. Lucília Simões (70 anos); 3. Fernando Rui (48 anos); 4. Luís Fernando (5 anos); 5. Ana Boleo Tomé; 6. Miguel Costa; 7. Ana Mafalda Lacerda; 8. Joaquim (4 anos); 9. António (6 anos - esta família de nove pessoas fugiu de casa com a mesa posta para jantar e morreram na estrada); 10. Maria Cipriano (59), empresária natural de Serpa vivia na Amadora; 11. Manuel André Almeida (esposo de Maria); 12. Aurora Abreu (ia com marido, filho e nora estrear a casa remodelada); 13. Manuel Abreu (esposo de Aurora); 14. Fernando Abreu (Monte Abraão, filho de Manuel e Aurora); 15. Arminda Abreu (esposa de Fernando); 16. Sérgio Machado (35 anos - vivia em Sacavém tinha ido com esposa e filhos à Praia das Rocas); 17. Lígia Sousa (35 anos - esposa de Sérgio); 18. Bianca (4 anos - filha de Sérgio e Lígia); 19. Martim (2 anos - filho de Sérgio e Lígia); 20. Susana Pinhal (41 anos - vivia em Póvoa de Santa Iria); 21. Margarida Pinhal (12 anos - filha de Susana); 22. Joana Pinhal (15 anos - filha de Susana); 23. José Maria Graça (68 anos - vivia na Bobadela); 24. Maria da Conceição Graça (66 anos - esposa de José); 25. Ricardo Martins (37 anos); 26. Fátima Carvalho (57 anos - mãe de Ricardo, era de Pobrais, Vila Facaia); 27. Jaime Mendes Luís (52 anos - padrasto de Ricardo); 28. Ana Henriques (30 anos - namorada de Ricardo); 29. Eduardo Costa (60 anos - era da Pontinha, deixa dois filhos); 30. Maria Cristina (56 anos - esposa de Eduardo); 31. Anabela Silva Lopes Carvalho; 32. Leonor Silva Henriques (ia no carro de Anabela Carvalho); 33. Armindo Henriques Modesto (ia no carro de Anabela Carvalho); 34. Anabela Esteves (47 anos); 35. Anabela Araújo (38 anos amiga e vizinha de Anabela Esteves fugiam do incêndio no mesmo carro). Note-se que o Governo anunciou 47 mortes na EN 236 mas só 38 foram confirmadas nesta lista. Confirmados em outros locais. 36. António Lopes (88 anos - morreu abraçado à sua esposa debaixo dos escombros da casa); 37. Augusta Lopes (87 anos - esposa de António); 38. Sara Costa (35 anos - morreu em casa deixou um filho de 7 anos); 39. Alzira Carvalho da Costa (71 anos - atropelada a fugir das chamas, sepultada em Vila Facaia); 40. Eliana Damásio (38 anos - sepultada no cemitério de Sarzedas); 41. António Damásio Nunes (41 anos - sepultado no cemitério de Sarzedas); 42. Nélson Damásio (33 anos -sepultado no cemitério de Sarzedas); 43. Paulo da Silva (36 anos - sepultado no cemitério de Sarzedas); 44. Vítor Manuel Rosa (56 anos - corpo encontrado em casa em Pobrais e retirado dia 19); 45. Gonçalo Conceição (39 anos - bombeiro); 46. Alphonse Conceição (75 anos - emigrante em França); 47. Sidel Belchior (37 anos viajava com o sobrinho na estrada de Nodeirinho teve um acidente em consequência do incêndio); 48. Rodrigo (4 anos - sobrinho de Sidel); 49. Odete Antunes (avó de Bianca, fugiu de casa com a neta ao colo em Nodeirinho); 50. Bianca (4 anos); 51. Felismina Rosa (83 anos - morreu em casa em Avelar); 52. Luciano Joaquim (78 anos - morreu perto de Vila Facaia); 53. Luísa Rosa (cerca de 50 anos, de Lisboa); 54. Sara Antunes (33 anos - de Lisboa, nora de Luísa); 55. Vasco Rosa (cerca de 50 - de Lisboa, cunhado de Luísa); 56. Dídia Augusto (53 anos - de Balsa, invisual morreu agarrada à cama); 57. Anabela Quevedo; 58. Manuel Bernardo; 59. Maria Odete Anacleto (esposa de Manuel); 60. Mário Carvalho (em Nodeirinho); 61. Diogo Costa (21 anos esteve desaparecido 8 dias, segundo uma vizinha. Saiu para procurar o tio); 62. Jaime Mendes; 63. Helena Henriques; 64. José Henriques da Silva; 65. Fernando Santos (encontrado carbonizado numa mata em Pobrais vários dias depois); 66. José Rosa Tomás (morreu no hospital, era de Nodeirinho, funeral a 17/7); 67. Armindo Rodrigues Medeiro; 68. Esposa de Armindo; 69. Fernando Silva (de Castanheira de Pêra, informação da segurança social local). Em jornal i 23/07/2017.
[4] Rui Rio: “Um governo que se preze não faz chantagem com os portugueses. Na greve dos motoristas, a dramatização que fizeram, o circo que montaram, só tinha sido visto na questão dos professores. Chamaram GNR, mobilizaram Forças Armadas, mandaram atestar os carros 15 dias antes da greve, fixaram serviços mínimos que eram serviços máximos. E tudo para mostrar que o Estado tem autoridade. Mas a autoridade não se exerce desrespeitando a liberdade dos trabalhadores de fazer greve. Não podemos pôr em causa o direito à greve desta maneira grosseira apenas porque há eleições dia 6 de outubro.”
E o líder versejou: “O circo monta e desmonta / Dramatiza e sobressalta / Tem sempre a novela pronta / Espetáculo nunca falta. // Não são dados a rigores / As políticas socialistas. / Foi assim com os professores / É agora com os motoristas. // Mas o teatro montado que o povo irá julgar / Por certo será derrotado / E o PSD vai ganhar.” (31/08/2019).
“A recente crise dos motoristas, é que serviu, serviu exatamente p’a se perceber a forma como o primeiro-ministro atuou nos motoristas e atuou exatamente da mesma maneira nos professores: uma dramatização, com um circo montado, com um teatro montado; agora nos motoristas chama as Forças Armadas, chama a GNR, manda racionar a gasolina. Faz, faz trinta por uma linha, como se aquilo fosse uma coisa muito difícil, muito difícil, que era p’a depois aparecer o governo, aparecer o PS a resolver aquilo que era difícil, não resolveu nada.” (5/09/2019). 
[5] Assunção Cristas: “Queria dizer que o CDS tem feito, e fez, durante estes quatro anos o seu melhor para ser uma oposição muito firme e muito construtiva a uma governação das esquerdas, que nós entendemos que é uma governação que fez mal ao país. Tem, temos a maior carga fiscal de sempre, temos uma degradação enorme dos serviços públicos e entendemos que o país precisa de outro projeto político, com outras políticas, com ambição, com arrojo, com vontade de irmos mais longe, de puxar pela nossa economia, de libertar a força criadora que há nas empresas e que há nas pessoas.” (05/09/2019).
[6] Rui Rio: “O senhor primeiro-ministro, nós todos temos de nos lembrar que quando houve o incêndio de Pedrógão, em que morreram mais de 60 pessoas, não é? aqui, o que está aqui em causa, neste caso agora, que ele fala (crise energética e greve dos motoristas), era entrar ou não entrar num circo mediático ali durante quatro ou cinco dias, entrar mais ou entrar menos, mas o que esteve em causa quando ele não interrompeu pura e simplesmente as férias foi a morte de mais de 60 pessoas. [É mentira, ou como se diz, é inverdade. O primeiro-ministro não estava de férias e estava no local dos incêndios, porém, em lalangue política é uma afirmação verdadeira, porque tudo é verdade]. Portanto foi de uma infelicidade enorme aquilo que o dr. António Costa ontem se referiu, e revela na prática uma coisa: é que não tinha resposta pra ‘quilo que eu tinha dito.” (17/08/2019).  
Assunção Cristas: “O que nós vemos é um governo incompetente, que não assume a sua responsabilidade, é uma ministra da Administração Interna que não é capaz de evitar novas falhas no SIRESP. E portanto este sistema, que foi contratado pelo atual primeiro-ministro, na altura noutras funções, volta a falhar e nós não percebemos como nem porquê. E em terceiro lugar, vemos que falha a chegada das ajudas ahm do dinheiro que solidariamente foi dado por todos os portugueses ahm às populações e às vítimas deste incêndio, portanto é um governo triplamente incompetente.” (17/07/2017).
[7] António Costa: “A polémica surge e só quando resolveram especular e acusar o governo de estar a esconder o número de vítimas, bom seria, aliás, as acusações mais parvas que eu já vi. (…). Estou muito satisfeito que a divulgação tenha posto fim a esta especulação.” (27-07-2019).
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1984. Dezembro. Quinta-feira, 27, “a cançonetista brasileira Elba Ramalho fará vários espetáculos no próximo ano em Portugal, devendo estrear a 4 de abril no Coliseu dos Recreios, de Lisboa. O conjunto Blitz também promoverá uma digressão a Portugal, a começar pelo mesmo Coliseu, em maio do próximo ano. Em 25 de abril deverá deslocar-se a Portugal o sambista Martinho da Vila. A cantora Tetê Espíndola virá em outubro, enquanto Lucinha Lins e Cláudio Tovar devem encerrar em Lisboa as temporadas que pretendem realizar em cidades europeias. Os espetadores das emissões do sistema brasileiro de televisão puderam assistir no dia de Natal a um pograma especial sobre o cantor Ney Matogrosso gravado pela RTP, em Lisboa. Entretanto, anuncia-se no Rio de Janeiro que Paco Bandeira dará uma série de espetáculos nesta cidade por iniciativa do programa de rádio luso-brasileiro «Seleções portuguesas».”
Sexta-feira, 28, “a breakdance pode afetar seriamente o pescoço, a cabeça, os ombros e os testículos – segundo relatório fornecido hoje pela Associação Americana de Medicina. A breakdance, que tanto pode ser dançada de pé como estendido no chão, inclui rápidos movimentos da cabeça, do pescoço e dos ombros que, segundo os médicos, podem ser divertidos mas são um risco de morte. O documento afirma que vários jovens já tiveram de ser tratados por lesões provocadas por essa forma de dança, até agora leves, como fraturas de braços e pernas, rotura de ligamentos e feridas nos ombros e testículos. Os médicos afirmam que, potencialmente, esta dança pode levar a partir o pescoço, a paralisias várias e estrangulamento dos testículos, que pode cortar a circulação e causar gangrena.” [1]
Sábado, 29, “o défice global do setor público administrativo previsto pelo governo para 1985 é de 335 milhões de contos – informou uma fonte oficial. A mesma fonte disse que «esse é o défice previsto para o Orçamento do Estado», acrescentado que o resto do setor público administrativo deverá apresentar contas globalmente equilibradas, uma vez que o governo prevê lucros em alguns Fundos Autónomos, nomeadamente no Fundo de Abastecimentos. O governo tinha anunciado em novembro, em comunicado de Conselho de Ministros, que o défice do Orçamento do Estado para 1985 seria de cerca de 312 milhões de contos. O acréscimo de 23 milhões de contos significa, segundo as fontes «uma opção no sentido de um ligeiro relançamento da economia» no próximo ano. Os setores privilegiados com este aumento das despesas públicas foram as obras públicas, as autarquias (que acabaram por ver consagrada no OE uma verba de 65 milhões de contos) e algumas empresas públicas, de modo a garantirem a concretização dos seus planos de saneamento económico e financeiro. O défice do Orçamento do Estado deste ano, negociado com o Fundo Monetário Internacional, deveria representar 6,2 % do Produto Interno Bruto mas «deverá situar-se próximo dos 9 %». O aumento do défice do Orçamento resultou da ultrapassagem das metas negociadas com o FMI para o crédito ao setor público alargado (Orçamento do Estado, mais Fundos Autónomos e empresas públicas). A taxa de inflação, que em 1984 se situou acima do previsto, e a ultrapassagem das metas para o crédito ao SPAL são as duas únicas cláusulas fundamentais negociadas com o Fundo Monetário Internacional não cumpridas já que o crédito interno, o défice da balança de pagamentos e a dívida externa ficará abaixo dos níveis negociados com o FMI. A taxa de inflação média prevista para 1984 era de 24 % e deverá ser da ordem dos 22 %. Este último valor foi conseguido devido ao adiamento, pelo governo, de aumentos de preços de bens e serviços essenciais programados para o último trimestre deste ano (combustíveis e transportes, nomeadamente) e que se prevê venham a acontecer no início de 1985.”        
Sábado, 29, “o FMI aprovou um empréstimo em «stand by» à Argentina, completando um pacote financeiro multilateral para a reestruturação da dívida externa argentina, que supera os 45 mil milhões de dólares. A junta executiva do FMI decidiu conceder à Argentina uma linha de crédito contingente de 1419 milhões de direitos especiais de transferência, equivalentes a cerca de 1405 milhões de dólares, por um período de 15 meses. O FMI, ainda, prevê mais 275 milhões de direitos especiais de transferência.” 
Sábado, 29, “os emigrantes vão passar a pagar impostos pelos seus depósitos em bancos portugueses que vencem uma taxa de juro líquida de 30 % ao ano, soube-se de fonte oficial. O Orçamento do Estado para 1985, aprovado quinta-feira pelo governo, prevê um imposto sobre estes depósitos que reduz a sua remuneração líquida para 24 %. No entanto prevê-se que metade do imposto não seja suportado pelos emigrantes, pelo que o rendimento líquido dos seus depósitos deverá situar-se nos 27 %. Os depósitos dos emigrantes no sistema bancário português ascendem a cerca de 700 milhões de contos. A mesma fonte acrescentou que, para além da introdução de impostos sobre os depósitos dos emigrantes serão, ainda, aumentados os impostos sobre todos os depósitos em bancos portugueses.”  
Sábado, 29, “a dívida externa portuguesa deverá situar-se em 15/16 mil milhões de dólares no fim deste ano, 21 % dos quais correspondentes ao vetor de curto prazo, disse hoje à ANOP uma fonte do Banco de Portugal. Em moeda nacional, a divida corresponde a cerca de 2,5 mil milhões de contos. Este valor significa uma evolução altamente favorável no perfil temporal da dívida, pois, no fim de 1982, o vetor de curto prazo representava 33 % do total, acrescentou a mesma fonte. A evolução favorável da dívida externa resultou do facto de o défice da balança de transações correntes ficar este ano em cerca de 700 milhões de dólares (1250 milhões negociados com o FMI), ou seja, 3 % do Produto Interno Bruto. Estimativas do Banco de Portugal indicam que o défice das transações correntes de janeiro a setembro de 1984 foi de 456 milhões de dólares (1300 milhões em igual período do ano passado), o que garante aquele défice no conjunto do ano. O défice da balança de transações correntes atingiu um recorde de 3200 milhões de dólares no fim de 1982, diminuindo para cerca de 1300 milhões no fim do ano passado. Deve situar-se este ano em pouco mais de metade deste valor. A evolução favorável do défice externo durante este ano resultou de uma recuperação das receitas em dólares do turismo (subiram 16 % de janeiro a setembro) e as remessas dos emigrantes, que praticamente estagnaram em dólares, invertendo a tendência para a diminuição verificada em anos anteriores. A diminuição do défice externo fica, ainda, a dever-se à melhoria da balança comercial e à queda da atividade económica (o Produto Interno Bruto deverá ter um crescimento negativo superior a 2 %), bem visível também na diminuição das importações, nomeadamente de bens de equipamento, o que se refletiu numa queda do investimento de cerca de 20 % em termos reais. Em 1984, os salários deverão ter caído em 11 % e o consumo em 4 %. Para 1985, prevê-se um ligeiro relançamento da atividade económica, que passa por um crescimento de défice da balança de transações correntes para cerca de mil milhões de dólares. A verificação deste valor é possível – segundo os cenários elaborados por entidades oficiais – com um crescimento do PIB em 3 %, das exportações e das importações em 8 % cada, em volume, e um crescimento das receitas do turismo de 10 % em dólares e nova estagnação nas remessas dos emigrantes. Para 1985, Portugal precisará de cerca de 2,7 mil milhões de dólares de crédito externo, sendo 1,7 mil milhões para amortizações.”            
 Sábado, 29, “um incêndio que deflagrou esta madrugada, pelas 2h45, nas traseiras do edifício da firma Braz & Braz, na rua de Santa Catarina, no Porto, provocou 20 mil contos de prejuízo, segundo informou à NP um dos responsáveis da firma. (…). O incêndio destruiu completamente os segundo e terceiros pisos e a zona do armazém, deixando, incólume, a área reservada ao centro comercial que, assim, pode continuar a operar. O facto de se encontrarem a dormir nas instalações 15 trabalhadores, que por morarem longe pernoitavam na empresa com vista a procederem a obras de remodelação dos armazéns, possibilitou que o alarme, e consequente combate às chamas, fosse feito em tempo útil, limitando, deste modo, as consequências. Contudo, o ataque ao sinistro foi prejudicado pela explosão de três botijas de gás, instaladas na cozinha, onde os trabalhadores preparavam as suas refeições. Funcionários da firma consideram que o sinistro deve ter tido origem num curto-circuito, já que não existiam aquecedores no edifício, e é pouco provável que qualquer cigarro pudesse desencadear as chamas às 2h45 da madrugada.”       
Segunda-feira, 31, “Zeca Afonso: a sua voz já não canta e os seus dedos já não dedilham a viola. Gravemente doente, Zeca mantém a mesma lucidez e a mesma combatividade de sempre. Sente-se honrado por este poder o ignorar. Acusa as editoras para quem trabalhou de não lhe pagarem aquilo a que tem direto. Diz, sem rodeios, que quem lhe tem valido é a «sociedade dos amigos anónimos». E afirma, para todos ouvirem, que é este o momento de voltar a ser combativo. (…). Zeca tem consciência total da sua situação. Foi ele quem, na tarde de sábado último, em sua casa, no Azeitão – onde vive com dois dos seus quatro filhos e com Zélia, essa espantosa companheira de há longos anos – nos falou cruamente do que tem vivido, do seu dia-a-dia, do amanhã que chegará. (…). «Estou com um aspeto porreiro, não estou? Sou uma espécie de bomba de neutrões: por fora, corda de viola, por dentro, pão bolorento». Os médicos – e tantos já consultou – dizem que Zeca sofre de esclerose lateral amiotrófica. E ele explica para os amigos: é uma doença que afeta todo o sistema nervoso, que avança a pouco e pouco e vai provocando a paralisia gradual, através dos nervos. Os primeiros sintomas apareceram quase há quatro anos. Zeca já recorreu praticamente a tudo o que era possível recorrer. Gastou o que tinha e o que não tinha. (…). «O governo? O Estado? Estou-me… para eles», responde sem hesitar. (…). Falar agora das dificuldades por que tem passado poderia fazer parecer que estaria a pedir alguma coisa a alguém. E Zaca, vertical como sempre o foi ao longo da sua vida, não suporta essa ideia. Insiste. «a única coisa que exijo é que sejam dadas condições para que todos os indivíduos que têm  a minha doença possam ser tratados. Afinal, eu até nem me posso queixar… Agora conheci muita gente na minha situação que já deixou de fazer os tratamentos de que necessita porque não tem dinheiro, não tem possibilidade financeira. É revoltante».
Um exemplo: um dos medicamentos fundamentais para o tratamento desta doença – pelo menos para retardar o seu avanço – é o Interferon, que vem diretamente da Dinamarca. Cada ampola custa cerca de cinco mil escudos. Zeca Afonso esteve quase um ano a tomar uma ampola por dia. Agora, é de dois em dois dias. Fácil, portanto, de fazer as contas. E só desde junho é que a ADSE, a que tem direito, uma vez que foi reintegrado no ensino, de onde havia sido expulso no tempo do fascismo, lhe paga 50 % do preço do medicamento. Mas não é só o Interferon. Zeca já foi a França, Inglaterra, aos EUA, à Roménia, sempre em busca de um remédio, de um tratamento, e algo que o pudesse curar. Sempre à sua custa, com duas exceções de permeio: as viagens a Nova Iorque e a Paris foram arranjadas por dois amigos, o Manuel Beça Múrias e o Joaquim Calhau, este da CGTP. (…). «Posso parecer psicologicamente bem, mas para os desabafos quem me tem aturado é a família». (…). «Gostaria de poder intervir mais no que se passa no meu país. O que me custa é, no período de crise em que vivemos, não poder regressar à estaca zero e andar de terra em terra a lutar, nos limites que me cabem, para atirar com este sistema todo abaixo». (…).
É com azedume que Zeca Afonso fala das duas editoras para quem trabalhou. A Sassetti [2], com quem tem um contrato ainda em vigor, nem os seus telefonemas atende. Desde setembro que deixou de pagar aquilo a que, mensalmente, o cantor tem direito. É certo que Zeca Afonso, segundo o contrato, deveria ter feito três LPs. Só fez um, o «Como se fora seu Filho», que teve «uma publicidade fraca». Mas em contrapartida a editora fez dois outros discos, com base no espetáculo de homenagem no Coliseu. Zeca sublinha que, em termos humanos, tem as melhores relações com o pessoal da Sassetti. Não entende é o comportamento da editora em si, «de profundo esquecimento», «como se eu não existisse». «Não tem dinheiro?» - pergunta Zeca Afonso antes de dar ele próprio a resposta. «Então ao menos um telefonema a dizer qualquer coisa. Quando eu vivia em Coimbra, no Beco da Carqueja, eu não tinha dinheiro para pagar as minhas dívidas – mas empenhava tudo, chegando a ficar apenas com a cama e uma mesa. Mas paguei tudo, que diabo… A verdade é que a insolvência entrou nos hábitos deste país. Deve impunemente quem pode» - desabafa, deixando a Sasseti em paz para falar então do Arnaldo Trindade. «Pois é. O Arnaldinho… Desde 82 que não faz contas comigo. E quanto às cassetes do Arnaldo Trindade: nem um chavo! Ele já disse que enquanto a Sociedade Portuguesa de Autores não resolver a questão das cassetes piratas ele não paga os diretos de autor das cassetes que ele faz. Olha, convido-te a pensar quem é que promove as cassetes piratas». (…). Zeca fez questão de sublinhar que Arnaldo Trindade nem sempre teve, para com ele e para com outros cantores, o comportamento que agora tem. «Há uns belos anos atrás Arnaldo Trindade foi a primeira editora a dar-me condições para viver do disco. Mas os métodos de trabalho da editora foram-se degradando até que chegou ao que chegou. Por isso muitos cantores – além de mim o Sérgio Godinho, o Fausto, o Vitorino, por exemplo – foram saindo de lá. É curioso: no tempo do fascismo a AT estava interessada em gravar a nossa música… Mas agora… olha, não nos podemos esquecer que há toda uma situação político-social que protege o calote unilateral. Isto é: os patrões a não pagarem aos empregados». (…). «Olha, se calhar morri como cantor na altura própria. Não há que prolongar artificialmente uma atividade que só se justifica num dado período. Agora tenho aqui – faz um gesto indicando os seus livros – muitos calhamaços que nunca tive tempo para ler. Ao menos a doença dá-me essa possibilidade. É o que eu tenho feito: ler e estudar». (…).
«Eu até sou um privilegiado: a secretaria de Estado da Cultura dá-me um subsídio, ou lá o que é, de 15 contos mensais. Ou melhor, de 15 contos menos 45 escudos, pois tenho de pagar um selo qualquer… O que eu não aceito é que, por exemplo, os arquivos sonoros do Giacometti estejam a apodrecer, isto quando o ministério da Cultura, que ainda não os adquiriu, acabou agora de dar 6000 contos ao Rui Guedes por uns manuscritos da Florbela Espanca, que esse senhor comprou a um familiar da poetisa por 45 contos… Uma vergonha. Esses manuscritos deviam ser confiscados pura e simplesmente… E o trabalho do Giacometti, um trabalho de anos, militante, pessoal, recolhendo parte do nosso passado coletivo, está a perder-se irremediavelmente, como parece ter já acontecido com a parte relativa ao Minho e Trás-os-Montes. Só há dinheiro para comitivas asiáticas como a que foi ao Japão, com cronistas mundanos e tudo. Isso é que é importante. Como o são as jornadas destinadas a genuflexões junto da CEE… Coitado do Ernâni Lopes: o que ele precisava era de um genuflexório especial».”         
Segunda-feira, 31, “os hotéis, casinos e discotecas têm já desde ontem a lotação quase esgotada para o réveillon com preços que variam entre 2500 e 12 500 escudos. Em contacto efetuado junto os principais casinos, a NP apurou que os preços de entrada vão desde 5 mil escudos a 7500 escudos e segundo afirmam os responsáveis «está tudo quase esgotado». Comparativamente ao ano passado, os preços aumentaram cerca de mil escudos em média «mas nem por isso houve uma quebra de procura». Desde o norte ao sul do país nenhuma das unidades hoteleiras registou baixa de reservas. Na região de Lisboa, o Hotel do Guincho, que realiza pela primeira vez um réveillon, o preço para a passagem do ano atinge os 12 500 escudos mas nem por isso a procura é menos em relação a outras casas de espetáculos com preços bastante inferiores. No Casino Estoril, que no ano passado cobrou cinco mil escudos por pessoa e conseguiu uma casa esgotada, aumentou este ano cerca de 50 % o preço dos bilhetes e um responsável da empresa disso à NP que «também vamos esgotar». No Algarve, o Casino Monte Gordo que cobra o preço mais elevado, cinco mil escudos com jantar completo e espumante, tem ainda várias atrações para animar os festejos.” 
Segunda-feira, 31, “são pouco vistos nas ruas pelo simples facto de serem poucos, e quando aparecem é em pequenos grupos particularmente ruidosos. Muitos pensarão que eles não existem em Portugal ou que, se já existiram, o punk é qualquer coisa já morta entre nós. Não é verdade. Ainda este mês, três dias antes do Natal, eles, os punks, reuniram-se numa manifestação plena de significado: um «Requiem por um dia de Natal», segundo constava nos cartazes (tirados a fotocópia) que espalharam pela baixa lisboeta, logo tapados por colagens de instituições mais fortes. Foi um pequeno festival, um meeting quase clandestino numa sala obscura e com nome curioso e muito a propósito: A Teia, ali na Junqueira. As bandas presentes tinham nomes sugestivos: Fúria Tribal, Napalm Clímax, Grito Final e uns Youngsters que estavam lá certamente por engano, pois não tocavam nada aproximado ao punk. A assistência um naipe de cristas ou cabelos ouriçados com sebo, blusões pregados, jeans rasgadas, cervejas e escarros. Mobil da ocasião: acusar a hipocrisia presente na atual quadra festiva em que uns engolem o bacalhau e as filhoses lamentando entre garfadas ou trincadelas a miséria dos que têm salários em atraso ou já nem sequer têm emprego. Sim, os miúdos têm um aspeto asqueroso, um comportamento agressivo, mas para aqueles em que isso não funciona como moda de ocasião existe premeditação assumida. Em capa de um disco do guitarrista e cantor punk Richard Hell de há uns anos atrás, o músico aparecia com um blusão aberto mostrando escritas no peito estas palavras: Tu fizeste-me. O movimento punk, cá em Portugal como em outros sítios, é acusativo, logo político [3]. Entre nós é comum a postura anarquista niilista, que acabou por se fechar sobre si própria. Hoje estes grupos, estes punks, ficaram enredados na apologia da destruição de tudo, da afirmação pela negativa. Por isso um processo de dissidência em que estão por exemplo os integrantes dos Napalm Clímax, que desejam igualmente a proposta, o enunciado positivo, o que os faz experimentar incursões musicais noutras áreas que não somente o punk. No novelo ainda os Fúria Tribal, com uma música pretendida no seu estado mais instante, ou os Grito Final, com um som caracteristicamente segunda geração. Este minifestival terá sido o segundo ou terceiro do género, e em todos os casos acontecidos por auto-organização, não querendo nenhum deles a promoção. A exceção foram os Crise Total, que tocaram no Rock Rendez-vous e deram uma entrevista à Música e Som, afastando-se do meio. Aqui a marginalização é buscada, a sombra procurada: querem-se como um cancro inlocalizável, irrecuperável, algures numa pequena fibra do corpo da sociedade (não por acaso deram os punks ao seu fanzine, ainda com um único número divulgado, o nome de Subversão). Intervencionistas e provocadores admiram canções como «Sou o que sou», «Revolução» (Grito Final) ou «Virão os dias», «Antigovernamental» (Napalm Clímax). O punk é uma música urbana, um movimento de juventude como o foram por exemplo os Beatniks, décadas feitas: um modo mais de como se manifesta a nossa decadência fim de século e de milénio, na vivência como na cultura. Vem aí o século XXI e o terceiro milénio, e lembrem-se: se há punks é porque a rapaziada não é feliz.”
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[1] Os tomates estão salvos. “Os organizadores dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 propuseram o breakdance como uma das modalidades da competição. Ao breakdance, um estilo de dança tipicamente associado ao hip-hop ou ao funk, juntam-se nesta proposta o skateboarding, a escalada desportiva e o surf, sendo que estas modalidades fazem a sua estreia nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Os quatro desportos aguardam agora aprovação do Comité Internacional Olímpico, cuja decisão deverá ser conhecida em dezembro de 2020, depois dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Um desporto «urbano, universal e popular», com «mais de um milhão» de praticantes em França. Foi assim que os organizadores dos Jogos Paris 2024 justificaram a proposta de incluir o breakdance como modalidade. «Propomos trazer o breakdance e as suas famosas batalhas para os Jogos Olímpicos de Paris 2024 pela primeira vez na história», acrescentaram.”
[2] “Sendo frequente encontrar lojas que se dedicavam à venda de partituras para piano, para além de editoras especializadas, de entre as quais valerá a pena destacar a Sassetti e Cª Editora, sediada na Rua do Carmo, em Lisboa, editora cujo nome teve origem numa família italiana, e que acabou por envolver-se também em edições discográficas. A casa Sassetti existia desde 1848 e por lá passaram alguns dos maiores artistas portugueses dos últimos 150 anos. É um património musical de valor inestimável, uma inteira fatia da história da cultura portuguesa. Mas a Sassetti foi também uma das empresas vítimas do 25 de Abril, altura em que entrou em regime de autogestão que conduziria ao seu colapso comercial. Alguns artistas, como Sérgio Godinho, Fausto e José Mário Branco tomaram depois a iniciativa de recuperar o material que haviam gravado para essa produtora, tendo em vista a sua reedição em CD. Foram, todavia, iniciativas pontuais e o grosso do riquíssimo património da Sassetti ficou bastante votado ao esquecimento ao longo de toda a década de 80. A Strauss comprou, em 1991, o catálogo Sassetti.”
[3] “Ainda em 1977, Zé Pedro, à época jornalista no Diário de Lisboa, tinha testemunhado em primeira mão o poder da redução do rock aos dois ou três acordes essenciais apanhando bandas como o Clash num festival em França, em Mont de Marsan. «Nessa altura», recordou o guitarrista à Blitz aquando do 30.º aniversário do primeiro concerto dos Xutos & Pontapés, «ainda havia pouca gente sintonizada com o fenómeno punk, mas felizmente o António Sérgio tinha começado muito cedo a tocar punk na rádio, ainda na Rádio Renascença. Vivíamos aqueles tempos pós-25 de Abril com toda a gente muito aluada e aberta às cenas de arte. Havia uma enxurrada de informação para digerir. E depois havia um grupo de pessoas eu, o Paulo Borges [Minas e Armadilhas], o Pedro Ayres [Magalhães, Faíscas]... que se juntava na Munique, trocava discos e tinha grandes conversas onde se comentava a música que o António Sérgio passava, até se trocavam cassetes com gravações do programa dele. A informação ia rodando e havia muita curiosidade sobre o que era isto do punk, mas não sei se havia propriamente um movimento». Com movimento ou sem ele, «é então que o incansável António Sérgio», escreveu António Duarte, «decide lançar a público a primeira banda punk portuguesa, os Faíscas, produzida por ele próprio». E começa aqui a história do «punk tuga». Como sempre nestas coisas há algum debate sobre qual terá sido, de facto, a primeira banda punk nacional. No documentário Meio Metro de Pedra, de Eduardo Morais, Francisco Dias, um dos «historiadores oficiosos» que ajudam a contar a «nossa» história do rock, distingue os Faíscas mais «classe média», a tocarem um «rockabilly speedado» dos Aqui d'el Rock «mesmo das ruas», «punk a sério». Paulo Pedro Gonçalves, membro fundador dos Faíscas e mais tarde dos Corpo Diplomático e Heróis do Mar, tem uma visão diferente, que nos explica, a partir de Londres: «os Faíscas foram a primeira banda punk portuguesa. Os Aqui d'el Rock apareceram mais ou menos na mesma altura mas não eram uma banda punk. Em Inglaterra na altura teriam sido considerados pub rock como os Dr. Feelgood ou Ian Dury and The Kilburns. Os Faíscas tinham a atitude, a música, as letras, a imagem e a vontade de derrubar o status quo. Tínhamos um ‘following’ punk, uma fanzine, invadimos os palcos do rock português para nos deixarem tocar, criávamos situações de caos, destruição e de anarquia. O nosso lema era ‘violar o sistema’. Éramos verdadeiros Situacionistas». Óscar Martins, dos Aqui d'el Rock, explica no mesmo documentário que a diferença podia passar por o seu grupo alinhar mais com a sonoridade americana e menos com a atitude cultivada nas escolas de arte que talvez animasse um pouco mais a abordagem dos Faíscas.”

na sala de cinema

Nati con la camicia” (1983), real. E.B. Clucher, c/ Terence Hill, Bud Spencer, Buffy Dee … sob o título local “Espiões por conta própria” estreado quinta-feira, 15 de dezembro de 1983 no Politeama e no Roma. “Rosco Frazer, um charmoso burlão e o recém-libertado da cadeia, Doug O’Riordan, condenado por afundar um iate que o incomodava, encontram-se durante uma briga num restaurante de estrada. Partem num camião, cada um julgando que o outro era o motorista. Pouco depois a brigada de trânsito para-os por excesso de velocidade, e como não conseguem apresentar os documentos, são confundidos com ladrões de camiões que a polícia procurava. Contudo, graças a Rosco ser ventríloquo, escapam. Doug preferia fugir sozinho mas não consegue livrar-se de Rosco, que tinha engraçado com ele. Juntos vão para o aeroporto a fim de se esconderem noutro estado. Como o voo para Miami estava lotado, fazem-se passar pelos passageiros Steinberg e Mason, que falharam a recolha dos bilhetes, desconhecendo que eles são agentes da CIA em missão. Como tal, são abordados por outro agente pouco antes de o voo decolar que lhe entregou uma mala contendo um milhão de dólares. Depois de várias peripécias e confusões, são levados para a sede da CIA para conhecer Tiger, o seu novo chefe, e são solicitados em várias ocasiões para omitir do seu relatório final incidentes embaraçosos que dariam uma imagem negativa dos operacionais da CIA.”
Diálogos: na abertura do filme, Rosco patina em estrada americana, encontra rapariga num descapotável. Rosco: “Vais para sul?” Rapariga: “Sim, para sul.” Rosco: “Dás-me boleia?” Rapariga: “Claro.” Rosco: “Volto já.” Rapariga: “Fico à espera. Então? Queres esta boleia ou não?” Rosco salta para banco de trás onde ela estava. No plano seguinte Rosco está outra vez a patinar. / Tim: “Doug, chamas a isto justiça? Percebes que me enfiaram aqui toda a vida por causa de um erro? A sério, deram-me 20 anos e eu pedi a revisão do processo. E eles aceitaram. Na revisão tiraram-me os 20 anos e condenaram-me a prisão perpétua.” Doug: “Eu sei, eu sei” Tim: “Chamas a isto justiça? Um coitado como eu comete um pequeno erro. E fi-lo de boa-fé, mas condenaram-me a perpétua. Sabes como foi, certo? Eu trabalhava numa grua.” Doug: “Eu sei, eu sei como foi. O juiz decidiu que largar uma trave de cimento em cima da cabeça da tua sogra não foi uma boa ação. Sabes como são os juízes.” Tim: “Mas eu pensei que era a minha mulher! Tinha toda a razão para fazê-lo.” / Tigre: “Sim, já percebi, mas que me dizes do Fidel Castro?” Agente: “Acordou a meio do dia, diretor.” Tigre: “Que raio de revolucionário é esse? Dorme mais que a Raquel Welch.” Agente: “Fez uma partida de basquete à noite e depois copulou ininterruptamente até às seis da manhã.” Tigre: “E as condições físicas?” Agente: “O satélite Esculápio só transmitiu os dados.” Tigre: “Então?” Agente: “Tensão arterial 130/80. Frequência cardíaca em repouso 42, em esforço 43. Tonificação muscular excelente. Sono tranquilo, digestão normal. Fezes abundantes e consistentes. Sem aerofagia ou outras anomalias.” Tigre: “É são como um pero, esse barbado.” Agente: “Excelente, diretor.” / Tigre: Não, mas que dizem? Ninguém chega a piloto, alpinista, mergulhador, atirador de primeira, campeão de karaté, paraquedista, sabotador, lançador de facas, perito em códigos, em transmissões, em sinalização, em camuflagem, em medicina e em química apenas por sorte.” Doug: “E o agente Steinberg também é ventríloquo, diretor.” / Tigre: “Bem, para além dos vossos dotes, pedi ao Sam para preparar uma coisa extra para vocês, força, Sam.” Sam: “Estes dois frasquinhos têm aquilo a que nós chamamos Eros Plus. Uma essência altamente erotizante. Sabem bem da importância da relação com o outro sexo no vosso trabalho. Uma pequena borrifadela nas vossas roupas e nenhuma mulher será capaz de lhes resistir. E vão transformar-se numa mina inesgotável de informação.” Rosco: “E funciona? Eu não preciso. Já sou fascinante. Experimente nele.” / Tigre: “Mostre-lhe a outra maravilha.” (rolo de papel higiénico) Rosco: “Ele é um crânio.” Sam: “Se cortarem pelo picotado, sai como papel higiénico normal. Em caso de absoluta urgência, também pode ser destinado ao uso, digamos, tradicional, mas…” Doug: “Mas…?” Rosco: “Mas…?” Sam: “Usado na longitudinal torna-se muito resistente. Pode puxar um camião, suportar o peso de um teleférico.” Doug: “É bom para fugir por uma janela.” Rosco: “Sam, deves ter bebido leite de raposa.” / K1: “Bem-vindos a bordo do futuro.” Doug: “Esta tina não está nada mal, K.” K1: “Ora, é uma coisinha de nada.” Rosco: “A propósito, o que significa K1?” K1: “Nada, absolutamente nada. Gostei de K1 e usei-o. É bastante misterioso, não acham?” / K1: “É uma curiosidade legítima. Num futuro muito próximo, senhores, eu, o K1, dominarei o mundo.” Rosco: “Não está a ter mais olhos do que barriga?” / K1: “Exatamente 30 segundos depois do lançamento, partirá um míssil do meu submarino atómico que está fundeando ao largo da Florida. Intercetará o vaivém a exatamente sete milhas na perpendicular do cabo Canaveral. O impacto será emitido em direto pelas estações de televisão de todo o mundo. A cabeça do meu míssil conterá um explosivo mortífero, a bomba K. Quando intercetar o vaivém, explodirá na colisão, e difundirá as suas radiações por todo o planeta. A bomba K é o explosivo mais formidável que já foi concebido pela mente humana. Manterá intacto, tanto as pessoas como as coisas, mas apagará das mentes de todos o número.” Doug: “O número? Qual número?” K1: “Todos, todos os malditos números do primeiro ao último.” / Doug: “Imaginas um mundo sem números? Um jogo de futebol não teria marcador.” Rosco: “É o fim.” Doug: “E não podes mais marcar um número de telefone. 3657… já não podes ligar para uma prostituta.” Rosco: “Nem pedir dois hambúrgueres.” / Tigre: “Não podem fazer esperar o presidente.” Rosco: “Presidente?” Doug: “Qual presidente?” Tigre: “Como qual? O presidente dos Estados Unidos, convidou-vos a passar com ele o fim de semana em Camp David.”

no aparelho de televisão

Os Trapalhões” (1975/1995), série brasileira transmitida aos domingos, pelas 21h25, na RTP 1, entre 13 de janeiro / 17 de fevereiro de 1980. “Foi um programa humorístico brasileiro, criado por Wilton Franco e protagonizado pelo grupo cómico do mesmo nome, composto por Didi, Dedé, Mussum e Zacarias; cada um desenvolveu uma persona cénica distinta. O grupo já obtinha sucesso na televisão e no cinema desde meados da década de 1960 [1]. (…). O programa era formulado por várias cenas de alguns minutos, em que tomavam parte situações cómicas dos protagonistas, às vezes com um deles, dois, três e mesmo com os quatro Trapalhões. Os assuntos das cenas eram, por exemplo, os Trapalhões se opondo a inimigos ou a si mesmos em disputas (nas quais Didi e qualquer um dos três Trapalhões que estivessem do lado dele saíam vitoriosos em quase todas as vezes), eles pregando partidas a outras pessoas e até entre si mesmos e os quatro cooperando entre si para chegar a um objetivo comum. Houve também, ao longo dos anos do programa, várias paródias de super-heróis tradicionais, como Super-Homem (frequentemente interpretado por Didi por causa de seu papel de líder), Batman (este mais interpretado por Dedé, devido ao seu papel de segundo em comando), Homem-Aranha, Fantasma, Hulk, etc. [2] Também houve, ao longo dos anos do programa, os Trapalhões mencionando a campanha a favor dos deficientes físicos e a favor do menor carente.” [3]Noves fora… nada!” (1981), concurso transmitido às sextas-feiras, pelas 22h05, na RTP 1, entre 16 de outubro de 1981 / 5 de fevereiro de 1982. ”Artur Agostinho volta à televisão como apresentador / animador de um novo concurso [4]. Veremos hoje o programa zero, com emissão explicativa.” “Aliciante concurso com prémios em ouro que podem ir até aos mil contos.” [5] Mário Castrim: “Quanto ao concurso «Noves fora nada», fica assinalado o regresso de Artur Agostinho e Artur Varatojo. Para o primeiro, o facto representará algo de muito importante no seu equilíbrio humano, social, profissional. Será uma batalha difícil. Desejo que a vença. Sobre o concurso propriamente dito, registe-se uma frase de Varatojo: «Como eu costumava fazer antigamente…» Eis um perigo. A televisão nunca se pode fazer como antigamente. Este concurso, na sua primeira apresentação, sabe-me a chá requentado. Oxalá a realidade me desminta.” [6]
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[1] Curiosidades sobre os Trapalhões. “1.ª - Exibição por 18 anos ininterruptos de «Os Trapalhões». Durante 18 anos, o quarteto atrapalhado Didi, Dedé, Mussum e Zacarias animou os domingos. 2.ª - A escolha do nome completo de Didi. A personagem de Renato Aragão chama-se Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgina Mufumbo. A escolha do nome foi feita durante uma rábula do próprio programa. Saiu da cabeça do próprio artista. 3.ª - A escolha do nome de Dedé. Manfried Sant’Anna é o nome real do ator que representa a personagem Dedé Santana. O nome é a mesma alcunha do ator, que foi dado desde criança por seu irmão. 4.ª - A escolha do nome Mussum. Mussum surgiu antes mesmo de «Os Trapalhões». O humorista servia no Exército e estava sempre barbeado e com a cabeça raspada e, por isso, recebeu o apelido. Mussum é um peixe escuro e sem escamas. 5.ª - «Adoráveis Trapalhões» (1965). Poucos fãs devem se lembrar, mas a origem de «Os Trapalhões» chamava-se «Adoráveis Trapalhões», na TV Excelsior (1965), e tinha no elenco Renato Aragão (Didi), Wanderley Cardoso, Ivon Cury e Ted Boy Marino. 6.ª - Morte de Mussum pôs fim à série. A Globo tentou reviver a turma atrapalhada com novos atores, mas não teve sucesso. Mussum morreu em 29 de julho de 1994, quando a trupe se desfez. Já Zacarias morreu 4 anos antes, em 1990.”
[2] Mário Castrim: “Pelo que nos foi dado ver pela primeira emissão, que data dos primeiros tempos de 1977, quando a «abertura» brasileira apenas buscava as primeiras chupadas no biberão, Trapalhões orienta-se para o riso de cócegas, riso que não quer ter juízo, quer apenas ser um riso de guizo, em suma, um riso que em 1977 não queria ter prejuízo. Esta comicidade, este palhacismo, tem sem dúvida as suas raízes e os principais atores da nova série são profissionais de qualidade. Mas, como espetáculo novo, tem muitos trapos velhos. O truque das janelas, o dos fantasmas e macacos, o da vela, são barbudíssimos. Ora múmias de pirâmides não fazem rir. Conceda-se a dúvida ao programa. Foi a primeira emissão, grande parte do jogo importante está na manga. Mas a recordação do «Planeta dos homens» é uma terrível sombra. As trapalhadas inteligentes são uma coisa. As trapalhadas chochas, são outra. E uma audiência inteligente – ai está uma coisa em que eu profundamente acredito.”  
[3] Os Trapalhões em Portugal” foi um programa exibido durante três anos, de 1995 a 1998, pela SIC em Portugal. “Depois da morte de Mussum em 1994, o programa «Os Trapalhões» ainda sobreviveria alguns meses no Brasil. Em 1995 o programa acabou por aqui, mas continuou com a dupla Renato Aragão e Dedé Santana em Portugal. «Os Trapalhões em Portugal» foi produzido entre 1995 e 1997 pela emissora portuguesa Sociedade Independente de Comunicação (SIC), famosa pela sua forte ligação com a TV Globo (A SIC exibe programas e telenovelas brasileiras por lá. Até o logotipo da emissora foi criado por uma figurinha carimbada global: Hans Donner). «Os Trapalhões em Portugal» levava a mesma fórmula do programa consagrado no Brasil com algumas adaptações para a realidade dos portugas. Piadas e alguns musicais, por exemplo, sofriam alterações para termos, regiões e cidades da terrinha. Além da dupla Renato Aragão e Dedé Santana (Lá também chamados de Didi e Dedé), havia a presença de Roberto Guilherme (chamado no programa e conhecido entre os portugueses somente como Pincel) e atores portugueses. Convidados completavam o casting do programa, que após seu término ficaram muito conhecidos por lá como, por exemplo, Cristina Möhler e a cantora Bárbara Barradas. «Os Trapalhões em Portugal» teve relativo sucesso entre os lusitanos sendo lançado até vários VHS de momentos do programa. Uma pena que os portugueses não tenham convivido com o humorismo de Mussum e Zacarias também.” – Margarida Reis, a secretária do Claxon, Ruby, também participou nesta série, nos «Malucos do Riso» e apresentou o “Mini-Chuva de Estrelas”. Vive nos Estados Unidos, onde casou com um norte-americano.    
[4] Artur Agostinho raspara-se para o Brasil após o 25 de abril, sob suspeitas de ser informador da PIDE. Ainda hoje não se sabe se foi ou não. Polícia de Estado, curiosa esta PIDE, eram poucos agentes, mas tinham uma vastíssima rede de informadores, que os elevava à excelência. Na madrugada do dia 26 de abril, operou-se um milagre superior ao de Fátima, não havia mais informador nenhum, todos odiavam a odiosa PIDE.
No Brasil, Artur Agostinho escreveu a obra “Até na prisão fui roubado!”. “Sou português, tenho 55 anos de idade mas… não sou escritor. Porque não é escritor quem quer. Verdade seja que nunca tive pretensão de o ser e, muito menos, vocação para tal. (…). Tive apenas uma pretensão: respeitar a verdadedoa a quem doer. Nada mais do que isso. (…). O livro que começo a escrever hoje, nesta maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, seria o segundo se o primeiro não tivesse sido apreendido na prisão de Caxias. Creio que esse teria um conteúdo humano bem mais forte, pois todo ele foi escrito sob um clima emocional que, até então, eu jamais havia respirado. (…). Por mim, se um dia voltar, não deixarei de passar por Caxias onde talvez ainda esteja, em qualquer arquivo, o manuscrito que um dia me roubaram durante a sádica busca feita na cela para onde me transferiram após dois meses de isolamento e onde aguardei, ainda mais um mês, a liberdade que me concederam na véspera de Natal de 1974, para que tudo tivesse o aspeto de um indulto muto cristão, a despeito dos terríveis crimes por mim cometidos. (…). Finalmente, entrei no edifício do Quartel entre alas formadas por aquela soldadesca que gozava, à sua maneira, o show que lhes oferecia gratuitamente a chegada de um preso inocente e ainda ingenuamente convencido de que estava apenas a ser vítima de um lamentável equívoco. (…).
Não sei quanto tempo fiquei especado à entrada da enfermaria-prisão. Lembro-me, apenas, que fui despertado por uma voz que me disse: «Você também? Venha para aqui e sente-se!». Olhei e vi o general Kaúlza de Arriaga, sorridente e tranquilo, como se estivesse numa simples e vulgaríssima reunião de amigos. Estava sentado num dos vários colchões espalhados pelo chão da enfermaria já que as camas (embora em número considerável) não eram suficientes para todos os «internados». (…). O general Kaúlza – recordo-me como se fosse hoje – estava sem gravata e com barba por fazer, sinal evidente de que também tinha sido «visitado» no cumprimento de ordens recebidas. Aproximei-me e sentei-me também, enquanto me fixava melhor nos meus companheiros de… «enfermaria». Havia ali muitas altas patentes das Forças Armadas e também algumas outras pessoas que eu conhecia, pelo menos de vista. Mas havia muita gente, para mim desconhecida. Recordo-me, porém, do comodoro Valente de Araújo, do general Raul de Castro e de outros cujo nome não vale a pena citar. Depois, quando mais tarde me levaram num carro celular para Caxias, veria mais gente conhecida como Moreira Baptista, Silva Cunha, Elmano Alves, o conde de Caria, Brás Monteiro, o pai do cavaleiro tauromáquico João Zoio e, até o pai do Ministro Melo Antunes que seria libertado já em Caxias, mas antes de dar entrada na cela que lhe estava reservada. Alguém quando o facto ocorreu, comentou a propósito: «Fala-se muto em acabar com os privilégios de alguns mas, afinal de contas, continua a valer a pena ter um Ministro na família…».” 
[5] Ouro, precioso metal, que fantasiaria qualquer jovem portuguesa numa vida de casada com um arquiteto ou um doutor. “Ela era uma daquelas raparigas bonitas e encantadoras nascidas, como se fosse um erro do destino, numa família de empregados de balcão no Grandela. Ela não tinha dote, nem expetativas, nem meios de se tornar conhecida, compreendida, amada ou casar com um homem rico e distinto, portanto, deixou-se casar com um funcionário irrelevante do ministério da Educação. Vestia-se de forma simples, porque nunca tinha sido capaz de pagar nada melhor, mas ela estava infeliz como se já tivesse sido rica. As mulheres não pertencem a uma casta ou classe, a sua beleza, graciosidade e chame natural tomam o lugar do berço e família. Delicadeza natural, elegância instintiva e agudeza de espirito determinam o seu lugar na sociedade e tornam as filhas dos plebeus iguais às mais requintadas senhoras. Ela sofria sem parar, sentindo que tinha direito a todas as iguarias e luxos da vida. Ela sofria por causa da pobreza da casa enquanto olhava para as paredes sujas, as cadeiras desgastadas e as cortinas feias.” Em “O colar”, Guy de Maupassant.
[6] Muito moderna Ann-Margret aderiu à moda de casar em minissaia. Casou em Las Vegas a 8 de maio de 1967. “Las Vegas, 9 - A estrela de cinema Ann-Margret, sueca de nascimento, casou-se, a noite passada, nesta cidade, com o ator Roger Smith. A cerimónia realizou-se inesperadamente. Vencida pela comoção, a atriz-cantora, de cabelos vermelhos, chorou enquanto repetia os votos de casamento, tendo feito uma pausa, a fim de se recompor. Para Ann-Margret, que nasceu nem 1941, em Estocolmo, foi o primeiro casamento. Roger Smith, de 32 anos, mais conhecido pelo seu papel de detetive na série de TV «77 Sunset Strip», foi casado com a atriz, australiana de nascimento, Victoria Shaw, de quem se divorciou em 1965.” – Razão mais que suficiente para casar com ela. Seis anos antes, em 1961, Ann-Margret cantado “Bill Bailey, Won't You Please… Come Home?” no screen test para o filme “State Fair” (1962), real. José Ferrer, c/ Pat Boone, Bobby Darin, Pamela Tiffin… sob o título local “A feira da vida” estreado segunda, 19 de novembro de 1962 no Tivoli.

na aparelhagem stereo

Enquanto a principal - e única - reivindicação do movimento #MeToo: que as mulheres possam aceder a quartos de hotéis de homens sem serem descuecadas, para beber, comer, snifar, numa camaradagem entre iguais, não tem expressão na lei – para que os homens não paralisem, ensinam-se nas escolas inclusivas, para convívio sociável intergéneros, que as mulheres nascem com um manual de instruções: “O que elas não gostam na cama”. “Torcer e esborrachar os seios. Esqueça o que viu nos filmes pornográficos! A não ser que ela lhe dê indicações para tal... Não aperte os seios selvaticamente, não lhe dê estaladas, nem torça os mamilos como se estivesse a sintonizar o rádio. Lamba, acaricie, beije e massaje carinhosamente. Tal como referido acima, aprenda a interpretar os sinais que lhe são passados. Ignorar as restantes partes do corpo. Contrariamente aos homens as mulheres têm mais zonas erógenas, por isso não salte diretamente para a vagina como se o mundo fosse acabar amanhã! Acaricie, lamba e beije as várias zonas aprendendo a apreciar esses momentos… vai deixá-la (ainda mais) louca de desejo! Não avisar na hora H. Tenha a decência e o cuidado de avisar quando estiver pronto a ejacular, principalmente se for sexo oral. Cabe à mulher decidir como quer terminar. Não obstante, não deverá ejacular para cima dela sem falar primeiro sobre o assunto. Empurrar a cabeça no sexo oral. Se está a receber relaxe e aprecie o momento. Não agarre a cabeça para fazer o movimento e deixe ser ela a comandar. Também não caia no erro de estar a puxar-lhe a cabeça para o pénis como que a dar-lhe a dica, enquanto ela o está a beijar por exemplo. Ela há de lá chegar, mas caso não, fale com ela sedutoramente ou faça-lhe primeiro sexo oral.” [1]
Gostos dos anos oitenta:
Jailbait” (1985), p/ Lemmy & Wendy O. Williams. “Em 1985, Wendy O. Williams, dos Plasmatics, convidou Lemmy Kilmister e ‘Würzel’ para tocarem o clássico dos Motörhead, «Jailbait» do álbum «Ace Of Spades» (1980), ao vivo no Camden Palace Theatre, em Londres. O concerto foi filmado e lançado num DVD chamado «Bump ‘N’ Grind». Também inclui outra versão dos Motörhead, «No Class», embora ‘Würzel’ e Lemmy não se tenham juntado a Wendy no palco durante essa música.” (Work That Muscle) Fuck That Booty” (1986), p/ Wendy O. Williams. Canção incluída no seu segundo álbum a solo, “Kommander of Kaos”, gravado em 1984 mas só editado em 1986. “Saindo de casa aos 16 anos, Wendy viajou à boleia pelo Colorado, ganhando dinheiro tricotando biquínis. Viajou para a Florida e Europa aterrando em vários empregos como nadadora-salvadora, stripper, cozinheira macrobiótica e empregada no Dunkin' Donuts. Após chegar a Nova Iorque em 1976, começou a atuar em espetáculos de sexo ao vivo e em 1979 apareceu no filme porno «Candy Goes to Hollywood». Nesse ano o agente Rod Swenson recrutou-a para os Plasmatics e envolveram-se romanticamente. A banda rapidamente tornou-se conhecida na cena underground local, atuando em clubes como o CBGB. (…). Os seus professores e outras fontes descrevem Wendy Williams como uma criança tímida de voz apagada, aluna mediana, que aprendeu a tocar muito bem clarinete na banda da escola – embora ela se tenha descrito imensas vezes como sentindo-se uma pária e era incompreendida pelos seus pais severos, a quem se referia como «cocktail zombies». Swenson lembrou uma entrevista na qual Wendy lhe disse que houve tentativas para a internar depois de se ter tornado adolescente rebelde. Dizia-se que ela «experimentou drogas e sexo desbragado» na adolescência (embora anos mais tarde, como adulta, em 1979, inícios de 80, se tornaria abstemia, nas palavras do seu parceiro). (…). Wendy tentou suicidar-se pela primeira vez em 1993 espetando uma faca no peito que se alojou no esterno. Entretanto, ela mudou de ideias e telefonou a Rod Swenson para a levar ao hospital. Tentou suicídio outra vez em 1997 com uma overdose de efedrina. Wendy morreu de ferimento de bala autoinfligido em 2 de abril de 1998, quando tinha 48 anos. Swenson, o seu parceiro há mais de 20 anos, regressou à casa onde viveram desde que se mudaram do Connecticut para Nova Iorque. Encontrou um pacote que ela deixou para ele contendo talharim de que ele gostava, uma saqueta de sementes de hortaliças para cultivar, balsamo de massagem oriental e cartas fechadas dela. As cartas de suicídio, que incluíam um testamento vital negando suporte de vida, uma carta de amor para Swenson e várias coisas a fazer, levaram-no a que procurasse por ela no bosque. Cerca de uma hora depois, ao anoitecer, ele encontrou o corpo numa área arborizada com a pistola ao lado. Ela aparentemente tinha estado a alimentar esquilos antes do suicídio, bem como colocara um saco na cabeça antes de disparar para poupar o companheiro da horrível visão. «O ato da Wendy não foi um ato irracional espontâneo», disse ele; durante quatro anos ela ponderou o suicido. Swenson descreveu-a como «desanimada» no momento da morte.”
Massacre à l'Electrode (M.A.E) (1979), p/ Artefact. “O meu nome é Eric Vennettilli, também conhecido como Riton V., também conhecido como Dynamo, nascido em 23 de janeiro de 1959 sob o signo de Aquário, criado em Villejuif, cidade-dormitório dos subúrbios de Paris. Setembro de 1975, primeiro encontro com Maurice ‘G’ Dantec no centro cultural da Romain Rolland High School em Ivry-sur-Seine. Uma espécie de sala de alunos informal, nascida das experimentações de 68, dinamizada por Jean-Bernard ‘Pouy Pouy’, um irmão mais velho que nos introduz (e nosso camarada Tonino Benacquista) na literatura policial e ficção científica, nas teorias artístico-políticas dos situacionistas ou no cinema de Chris Marker («La jetée») e George Lucas («THX 1138», «American Graffiti»). Os meus espetáculos marcantes: Led Zeppelin e Deep Purple em 1973, Lou Reed no Olympia na época do Rock ‘n’ Roll Animal, «Foutoir», peça de teatro de Marc Caro no festival de Avignon, «Einstein on the Beach», com a música de Philip Glass, o concerto de Nico e Tangerine Dream na catedral de Reims (um milagre), os Kraftwerk no Ba-ta-clan para a tournée Autobahn. No concerto dos Hawkwind encontro a filha de um músico contemporâneo, Paul Mefano, que me iniciará em Stockhausen, Pierre Henry, Xenakis, Terry Riley e outros papas das experiências concretas ou repetitivas. Dantec (cabelos compridos, t-shirt dos Blue Oyster Cult) é fã de heavy metal e dos New York Dolls, eu próprio sou de Lou Reed e Roxy Music. Compartilhamos a nossa paixão musical por Stooges, Bowie, Kraftwerk ou Ramones, e literária por Burroughs («The Wild Boys: A Book of the Dead»), Bukowsky, Ballard («Crash»), Philip K. Dick («Ubik»), Norman Spinrad («Final Chaos»), e outros escritores do cyberpunk. Começámos a sonhar em fazer figuração no filme de Jodorowsky «Dune». Mas, como o projeto do filme capotou, partimos de camionete para o deserto marroquino durante o verão. (…). Em 1977, o movimento radicalizou-se. Somos fascinados por Baader e Mesrine [2]. Juntámo-nos à manifestação antinuclear de Creys-Malville ao som dos Sex Pistols, depois de ter enviado um texto comum, «Como garantir o caracter violento da manifestação de Creys-Malville», a ser publicada pelo Libération. Engolimos os concertos: Clash, Jam, Cherry Vanilla e Wayne County no Palais des Glaces, Iggy Pop em Pantin, Johnny Thunder e os Heartbreakers, Dave Vanium e os Damned. A ideia de fundar um grupo de punk rock ultraviolento obcecava-nos, ao meu amigo Marc e a mim. No final de novembro, o projeto materializa-se. Maurice decide, e encontramo-nos na cave do pavilhão suburbano de seu pai, em Nogent-sur-Marne. O grupo é então chamado État d’Urgence. Algumas semanas após a sua formação, Jean Ternisien junta-se a nós, e o nosso primeiro concerto ocorre no anfiteatro N da universidade de Tolbiac, no meio de uma manif. Tocamos as nossas quatro canções cyberpunk («(RAF Propaganda», «Sans Contrôle», «Massacre à l'Electrode», «Brigade Interférences») e depois fugimos com o equipamento todo podre antes das cargas da CRS.” [3]
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[1] Totalmente livres, sem manual algum, resplandecem as modelos russas. Sati, 1,84 m, 48 kg, 82-80-89, sapatos 37, nascida a 12 de março de 1989 em Podolsk, Moscovo, t.c.c. Cady, Karina, Karina K, Keri, Keri B, Sadie. Sites: {The Nude} {Indexxx} {Met-Art} {Met-Art} {MPLStudios} {Domai}. “Ela é a mais enigmática das nossas modelos. Grig pouco soube sobre ela. Sati vive numa pequena cidade perto de Moscovo. Ela é muito parecida com uma personagem do programa de TV russo «Star Fabric». Talvez, Sati não seja uma personagem típica da viagem do mestre a Moscovo. Se a tivesse conhecido em Volgograd, ele teria fotografado mais e descoberto diferentes matizes da sua vida. Talvez você consiga decifrar o seu mistério nas fotos e na pequena entrevista. O rosto e sorriso de Sati são lindos. O semblante sempre sério faz com que as pessoas vejam a sua luta interior e dúvidas. Ela disse a Grig que nunca perdoa as ofensas e é muito vingativa. Consegue imaginar de onde vem a sua tatuagem? Aquele dragão verde foi um presente do namorado quando ela atingiu a maioridade. Feito desesperado. Sati é uma rapariga modesta mas autoconfiante. Ela é a única pessoa que Galitsin não conseguiu expor até à alma. Se não fosse a sua doença, o mestre teria sido capaz de passar mais tempo com ela fotografando e aproximando-se.” Entrevista: P: “Quais pensas que são os teus melhores atributos?”, Sati: “A tatuagem.” P: “Cor favorita?”, Sati: “Verde.” P: “Programas de TV favoritos, lista de nomes”, Sati: “Star Fabric.” P: “Livros favoritos, lista de títulos”, Sati: “The Coronation, Boris Akunin.” P: “Filmes favoritos, lista de títulos”, Sati: “Azazel.” P: “Revistas favoritas, lista de nomes”, Sati: “UFO.” P: “Música favorita, lista de títulos”, Sati: “Música de dança.” P: “Altura favorita do dia, porquê?”, Sati: “Gosto do dia todo. Cada parte é especial por si só.” P: “Qual é a tua formação? Curso?”, Sati: “Estudante.” P: “Falas outras línguas? Se assim for, diz-me algo nessa língua”, Sati: “Não.”, P: “Lugar favorito para viajar, relaxar ou visitar”, Sati: “Gosto de cafés.” P: “Quais foram os locais que visitaste?”, Sati: “Só na Rússia.” P: “Qual é o teu feriado preferido? (Natal, dia dos namorados, dia de ação de graças, etc.)”, Sati: “O meu aniversário.” P: “Comida favorita, lanches, doces”, Sati: “Pudim de doce.” P: “Qual é o teu carro de sonho?”, Sati: “BMW.” P: “Qual é o teu emprego de sonho?”, Sati: “Esteticista.” P: “Descreve o teu lugar favorito para fazer compras”, Sati: “Gosto de centros comerciais.” P: “Assistes a desporto, se sim, quais são as tuas equipas favoritas?”, Sati: “Não.” P: “Quais são os teus passatempos?”, Sati: “Desenhar.” P: “Preferência de bebidas, alcoólicas e não alcoólicas”, Sati: “Coca-Cola.” P: “Tens algum animal de estimação?”, Sati: “Não.” P: “Estado civil?”, Sati: “Solteira.” P: “O meu pior hábito é…”, Sati: “Roer as unhas.” P: “A única coisa que não suporto é…”, Sati: “Mentirosos.” P: “Que animal melhor descreve a tua personalidade e porquê?”, Sati: “O dragão.” P: “As pessoas que me conheceram no liceu pensavam que eu era…”, Sati: “Misteriosa.” P: “Como é que descontrais ou passas o teu tempo livre?”, Sati: “Vou dar um passeio até à floresta. É calmo lá.” P: “Qual foi o momento mais feliz da tua vida?”, Sati: “Desfruto cada momento da minha vida.” P: “Quais são as tuas esperanças e sonhos”, Sati: “Vou mantê-los em segredo para não serem desconsiderados.” P: “O melhor conselho que já me deram foi…”, Sati: “Para fazer uma tatuagem.” P: “O pior conselho que me deram…”, Sati: “Para deixar os estudos.” P: “Que tipo de cuecas usas, se algumas”, Sati: “Tanga.” P: “O tamanho importa? Qual é a tua medida ideal?”, Sati: “O mediano.” P: “Descreve a tua primeira vez (pormenores, local, pensamentos, satisfação, etc.)”, Sati: “Não quero entrar em detalhes, mas foi com uma pessoa que amei e não me arrependo disso.” P: “O que te excita?”, Sati: “Perfumes caros.” P: “O que te desliga?”, Sati: “Falta de educação.” P: “O que te faz sentir mais desejada?”, Sati: “Palavras de amor.” P: “Melhor maneira de te dar um orgasmo”, Sati: “Festas no clitóris.” P: “Masturbas-te? Com que frequência? (dedo, brinquedos ou ambos)”, Sati: “Muito raramente num banho cheio de espuma.” P: “Qual foi o teu primeiro fetiche, se algum?”, Sati: “Chicote de borracha.” P: “Qual é o lugar mais exótico ou invulgar em que fizeste sexo? Ou onde gostarias que fosse?”, Sati: “No quintal da minha casa.” P: “Posição sexual favorita, porquê?”, Sati: “À canzana.” P: “Descreve um dia típico da tua vida”, Sati: “Não tenho dias típicos. Cada dia é único e diferente.” P: “Tens alguma curiosidade sexual que gostasses de explorar ou tivesses explorado? Por favor, descreve com pormenores (rapariga / rapariga, voyeurismo, etc.)”, Sati: “Fressura.” P: “Descreve em detalhe a tua fantasia sexual favorita”, Sati: “Quero fazer amor à sombra da Grande Muralha da China.” P: “Se pudesses ser fotografada de qualquer forma, em qualquer cenário, qual escolhias? O que te faria sentir mais desejada, mais sensual?), Sati: “Quero ser fotografada numa casinha chinesa circundada de uma atmosfera antiga.” Obra fotográfica: {fotos1} {fotos2} {fotos3} {fotos4}.
[2] Foi assassinado pela polícia francesa. “Jacques Mesrine, (28 de dezembro de 1936 / 2 de novembro de 1979), foi um marginal francês responsável por numerosos assassinatos, assaltos a bancos, roubos e sequestros, em França, Espanha, Suíça, Itália, Bélgica e Canadá. Mesrine escapou várias vezes da prisão e fez manchetes internacionais durante o período final, como fugitivo, quando as suas façanhas incluíam tentar sequestrar o juiz que o havia condenado anteriormente. Uma aptidão para o disfarce valeu-lhe a alcunha ‘O homem das mil caras’, e permitiu que ele permanecesse em liberdade enquanto recebia abundante publicidade como um homem procurado. Mesrine era visto por larga maioria como um Robin dos Bosques anti-establishment. Sustentando a sua imagem carismática, ele raramente estava sem uma companheira glamourosa. (…). A unidade especial de polícia encarregada de encontrar e capturar Mesrine descobriu ser impossível localizá-lo diretamente. Por fim, usando informação fornecida pelo jornalista Jacques Tiller (que se queria vingar) apuraram a matrícula do carro que uma mulher chamada Sylvia Jeanjacquot, que acreditava-se ser amante de Mesrine, tinha usado e verificaram as multas de estacionamento que ela recebera nos meses anteriores. Estas multas indicaram que ela estava a frequentar um certo bairro sem razão aparente. Patrulhas à paisana vasculharam a área e um homem que encaixava na descrição de Mesrine foi avistado passeando com uma mulher que se acreditava ser Sylvia, a 31 de outubro de 1979. Um guarda que viu Mesrine em tribunal confirmou a identificação notando a compleição física distintiva de Mesrine. O casal foi seguido até casa e o seu prédio vigiado 24 sobre 24 horas. Dois dias depois, a 2 de novembro de 1979, o casal deixou o apartamento para um fim de semana no campo, levando consigo o caniche alperce de Sylvia. Mesrine e Sylvia chegaram à Porte de Clignancourt, nos arredores de Paris, quando o BMW dourado em que seguiam foi encurralado na entrada de um cruzamento, um caminhão diante do carro, imediatamente atiradores da polícia na traseira levantam a lona e disparam à vontade. Gabaram-se os guardas, que no instante antes de abrirem fogo, os olhos de Mesrine de tão chocados, pareciam estar saindo da cabeça quando ele percebeu que estava cercado. Vinte e um tiros foram disparados à queima-roupa; Mesrine foi atingido 18 vezes. Um golpe de misericórdia foi então administrado com uma pistola. Sylvia Jeanjacquot perdeu um olho e sofreu danos duradouros no braço. O seu cão de estimação, Fripouille, foi morto.”
[3] Polícia é a melhor profissão do mundo, podem matar à descrição, são louvados e bem pagos pela classe social que protegem e, para não se cansarem muito, são ajudados pela população. “Quando se encontra um assassino que matou seis pessoas, não esperamos deparar-nos com uma jovem minúscula nervosa carregando um bebé. «O meu primeiro trabalho foi há dois anos numa província próxima. Estava muito assustada e nervosa porque era a minha primeira vez». Maria, nome falso, atualmente executa assassinatos por contrato como parte de uma guerra sancionada pelo governo contra as drogas. Ela faz parte de uma equipa de assassinos que inclui três mulheres, que são apreciadas, porque podem aproximar-se da sua vítima sem levantar suspeitas, que um homem levantaria. Desde que o presidente Duterte foi eleito e incitou os cidadãos e a polícia a matarem vendedores de droga que resistissem à prisão, Maria matou mais cinco pessoas, todas com um tiro na cabeça. Perguntei-lhe quem dava a ordem para esses assassinatos. «O nosso chefe, o comandante da polícia», disse ela. Na mesma tarde em que nos encontramos, ela e o marido souberam que a sua casa fora exposta. Eles estão a mudar-se na bisga. Esta controversa guerra às drogas trouxe-lhe mais trabalho, mas também mais riscos. Ela explicou como começou, quando o marido foi contratado, por um polícia, para matar um devedor, que era também vendedor de droga. «O meu marido era mandado matar pessoas que não pagavam o que deviam. Isto transformou-se num trabalho regular para ele até que uma situação mais complicada surgiu. Uma vez, eles precisavam de uma mulher… o meu marido chamou-me para fazer o trabalho. Quando vi o homem, era suposto matá-lo, cheguei perto dele e dei-lhe um tiro». Maria e o marido vêm de um bairro empobrecido de Manila e não tinham rendimento regular antes de concordarem em tornarem-se assassinos a soldo. Ganham até 20 000 pesos filipinos (376 €) por trabalho, o que é partilhado entre três ou quatro deles. Isto é uma fortuna para filipinos de baixo rendimento, mas agora parece que Maria não tem saída. O assassinato por contrato não é novidade nas Filipinas. Mas os esquadrões da morte nunca estiveram tão ocupados como agora. O presidente Duterte enviou uma mensagem inequívoca. Antes da eleição, prometeu matar 10 000 criminosos nos primeiros meses de mandato. E alertou em particular os traficantes de droga: «Não destruam o meu país, porque vou matar-vos». No último fim de semana [20/21 de agosto de 2016], ele reiterou esse ponto de vista franco, ao defender as execuções extrajudiciais de suspeitos de crimes. «Será que a vida de 10 desses criminosos realmente importa? Se for eu a enfrentar toda esta dor, 100 vidas desses idiotas significam alguma coisa para mim?» O que provocou o presidente das declarações ríspidas a desencadear esta campanha impiedosa é a proliferação de cristal ou «shabu», como é conhecida nas Filipinas. Barata, fácil de fabricar e altamente viciante, proporciona uma pedrada instantânea, um escape da imundice e vida de escravidão nos bairros de lata, um carburante para meter as pessoas em trabalhos extenuantes, como conduzir camiões o dia todo. Muitas vezes chamado «ice» ou «crystal meth» ou metanfetamina no ocidente, «Shabu» é o termo usado para uma forma pura e potente de anfetamina nas Filipinas e outras partes da Ásia. Custa cerca de 1000 pesos filipinos (19 €). Pode ser fumada, injetada, snifada ou dissolvida na água. As Filipinas abrigam laboratórios de escala industrial que produzem toneladas da droga, que depois é distribuída pela Ásia. (…). Maria também lamenta a escolha que fez. «Sinto-me culpada e isso é duro para os meus nervos. Não quero que as famílias daqueles que matei venham atrás de mim». Ela preocupa-se com o que os seus filhos irão pensar. «Não quero que eles se voltem contra nós e digam que viveram porque matámos por dinheiro». O seu filho mais velho já faz perguntas sobre como ela e o marido ganham tanto. Ela tem mais um assassinato, mais um contrato para cumprir, e gostaria que fosse o último. Mas o seu chefe ameaçou matar quem abandonasse a equipa. Ela sente-se encurralada. Ela pede ao padre absolvição durante a confissão, mas não se atreve a dizer-lhe o que faz. Sente ela alguma legitimação levando a cabo a campanha do presidente Duterte para aterrorizar o tráfico de droga? «Só falamos sobre a missão, como realizá-la», diz ela. «Quando está terminada, nunca mais falamos sobre isso».”