Está tudo
quase esgotado (tl;dr)
26 de julho de 2017 data maior na Grande História
portuguesa, nesse dia, um deputado, de aspeto escangalhado, trôpego, ar de bebé
gigante, salvou a democracia do deserto infravermelho no espetro da luz
política nacional. Nesse verão ameaçava secar o combate governo / oposição, a
economia prosperava, a Europa cooperava, o povo engordava, não havia
contrapropostas ganhadeiras de votos. A bandeira opositora murchava. Mas, no Parlamento
sentava-se um génio, um Péricles, um Júlio César, um Alcibíades
Clinias Escambónidas, si parva licet
componere magnis (“se é lícito comparar as pequenas coisas às
grandes", expressão de Virgílio, ao comparar o trabalho das abelhas ao dos
ciclopes, “Geórgicas”, IV, 176). Não é comparável, o nosso é muito maior que
todos os antigos, tem dois olhos e visão interior, na qual anteviu que, no
futuro, a oposição escassearia empolgaduras do povo quando as urnas chamassem. O
dia 26 de julho de 2017 altera essa trajetória, nesse dia Hugo Soares, líder
parlamentar do PSD, tem a maior vitória política alguma vez vencida em Portugal:
“Acabou a especulação, hoje as famílias podem continuar a sua vida,
porque o Ministério Público andou bem ao divulgar a lista nominativa das vítimas
da tragédia, da tragédia de Pedrógão Grande, e por isso nós não vamos, já
informamos hoje o senhor presidente da Assembleia da República, requerer, nem a
comissão permanente nem a conferência de lideres que ‘tava agendada.” [1]
António Costa, o primeiro-ministro, não desvendava o
número de mortos no incêndio de Pedrogão, nem que a vaca tossisse e o boi
espirrasse e o comentador engasgasse, refugiando-se no somenos segredo de
justiça, Hugo Soares agarrou-o pelo gasganete e chocalhou-lhe a verdade: “Pedir
o levantamento desse segredo para devolver a calma e a confiança às pessoas.
(…). Se não sabe governar nem tomar decisões no momento difícil, então
tivesse deixado governar quem ganhou as eleições.” (26-07-2017). E assim,
magnânimo, – perdoou a contabilização dos suicídios de Passos Coelho [2] e dos cadáveres da empresária Isabel
Monteiro [3] –, Hugo Soares aceita a lista
nominativa dos 64 mortos em Pedrogão e resgata a democracia em Portugal. Não há
democracia sem luta político-partidária, não há luta político-partidária sem
argumentos para arremessar ao adversário, sem a visão visionária de Hugo Soares
estes resumir-se-iam nas eleições legislativas de 2019: ao líder da oposição,
Rui Rio, atirar “a dramatização”, “o circo montado”, “o teatro” [4]; e à líder da direita, Assunção Cristas, lengalengar
“a maior carga fiscal de sempre” [5], – pela
luta de Hugo Soares enriquecerão esse caldo aguado com as críticas ao incêndio
de Pedrogão [6].
Não há herói
sem aio, um herói quer aio, e um houve multum in parvo (“dizer muitas coisas em poucas palavras”). Carlos Abreu
Amorim, o aio, meteu todos os discursos políticos, do “Pro Sestio” de Cícero ao
“O culto do indivíduo” de Nikita Khrushchev, numa
sapatilha com o seu “Discurso do indigno”: “Vimos ontem apenas declarações dalguns
responsáveis governamentais, que rejeitamos, no mínimo estranhas e até um pouco
desesperadas [7]. As acusações que foram
feitas ao PSD são totalmente descabidas, são desajustadas e, fazem
ricochete. Por exemplo, o governo diz que o PSD está a tentar obter algum
aproveitamento político desta tragédia, nada mais falso. (…). Foi
dito ontem que o comportamento do PSD é indigno, e o PSD responde de uma
forma muito clara. (…). Não houve um responsável governamental que viesse
assumir responsabilidades, e pedir desculpas aos portugueses e com toda a
sinceridade o PSD julga que já era tempo disso ter acontecido. (…). Indigno
e absolutamente reprovável é o facto do PSD ter apresentado um projeto que
criava um mecanismo urgente extrajudicial para reparação às famílias dos
falecidos e aos feridos graves, e o Partido Socialista não ter consentido que
esse projeto fosse aprovado no passado dia 19, ehh, ehh, não dando
consentimento para que fossem feitas as três votações, designadamente a votação
final deste projeto que ficou a aguardar para setembro. Indigno também é,
sem dúvida nenhuma, a lei da rolha, que condicionou a atividade da
comunicação social, que aumenta um clima de suspeição e desconfiança em relação
àquilo que está a ser feito na prevenção e no combate aos incêndios. Indigno
também é este governo não ter sabido explicar por que razão é que mudou os
comandos da Autoridade Nacional de Proteção Civil, ehh, eh, a meses do início
da época dos fogos com resultados que neste momento estão à vista. Indigno,
por fim, é também o facto de insistir na lógica de passa-culpas
absolutamente compulsiva e negativa no sentido de que ninguém assume
responsabilidades. (…). Não houve até agora um responsável governamental, o
próprio primeiro-ministro não pediu desculpa ao país, não pediu desculpa às
populações que são diretamente afetadas por esta tragédia dos incêndios, não
apenas as de Pedrógão Grande, mas também as da Guarda, as de Alijó, as da
Sertã, as de Mação e todas aquelas que estão neste momento a temer pela sua
vida e pela segurança dos seus bens. Não houve um responsável governamental
que viesse assumir responsabilidades e pedir desculpa aos portugueses e com
toda a sinceridade o PSD julga que já era tempo disso ter acontecido. (…). O
PSD congratula-se por o governo estar satisfeito pela divulgação da lista
nominativa, mas convém não esquecer que foi graças à atuação enérgica do PSD,
e contrariando tudo aquilo que o governo vinha defendendo publicamente há
semanas, que esta lista foi conhecida.” (27-07-2017).
“Com as suas
acusações e política de passa-culpas que estão a fazer há mais de um mês
sobre esta tragédia, o que parece estar a acontecer é uma inegável gestão da
comunicação e de marketing politico elevado ao ponto máximo, que criou este
clima de suspeição e desconfiança, que é muito negativo.” (27-07-2017).
“O
vice-presidente da bancada social-democrata Carlos Abreu
Amorim quis falar aos jornalistas para criticar as declarações de vários
membros do governo na quarta-feira e para vir reclamar os louros do PSD pela
divulgação, pelo Ministério Público, da lista de 64 mortos e de outros dois em
investigação. «O PSD congratula-se por o governo estar satisfeito pela
divulgação da lista nominativa. Mas convém não esquecer que foi graças à
atuação enérgica do PSD, e contrariando tudo aquilo que o Governo vinha
defendendo publicamente há semanas, que esta lista foi conhecida», vincou o
deputado. Pôde acabar assim o «clima de suspeição que estava a grassar por todo
o país», acrescentou, criticando a «lógica estranhíssima de ocultação» que
envolveu o caso. Questionado pelo Público sobre o timing da divulgação da lista
- horas depois de o PSD exigir que o governo pedisse o fim do segredo de
justiça e a divulgasse, e meia hora antes de o presidente da República chegar
ao incêndio de Mação - o deputado social-democrata disse que a «posição
enérgica» do PSD «não era para o Ministério Público mas ainda bem que teve
resultados», vincando o «papel fundamental» das exigências de Hugo Soares.” (27-07-2017).
Carlos Abreu
Amorim matou a discussão com um tweet:
“Tantos ataques ao PSD por exigir os nomes das vítimas e agora, o que dizer?
Será que os conheceríamos caso o PSD estivesse calado e manso?” (27-07-2017).
____________________
[1] Hugo Soares
malhou na esquerda: “Depois ter sido publicada a lista deixa de fazer sentido
aquilo que tinha sido a exigência do PSD, que era a de que houvesse uma
conferência de líderes e uma comissão permanente para debatermos este assunto. Ora,
uma vez que a lista foi divulgada ficou resolvido essa questão. Voltamos a
repetir, acabou a especulação, hoje as famílias podem continuar a sua vida
porque o Ministério Público andou bem ao divulgar a lista nominativa das
vítimas de tragédia, da tragédia de Pedrogão Grande. E por isso nós não
vamos, já informamos o senhor presidente da Assembleia da República, requerer
nem a comissão permanente nem a conferência de líderes que ‘tava agendada. (…).
Foi posto um ponto final na especulação que foi criada pela
irresponsabilidade do governo e pela forma como o governo quis gerir
politicamente aquilo que não pode nem deve estar no domínio a política.” (27-07-2019).
[2] Passos
Coelho: “Há pessoas, por exemplo, eu tenho conhecimento, já vitimas ehh
indiretas deste processo, pessoas que puseram termo à vida. Pessoas que em
desespero se suicidaram ehh e que não receberam em tempo, o apoio
psicológico, que deveria ter existido ehh isso ainda hoje se passa, e tem
havido dificuldade em que esse apoio seja prestado … (olha para
Teresa Morais atrás dele) … não há confirmação? Há pouco, há pouco ehh
deram-nos essa notícia, enfim, como uma notícia particular ehh ehh enfim de
pessoa até de família, e portanto como deve calcular não tive ehh ehh muitas
dúvidas nessa nessa indicação ehh mas seja como for, isso eu posso
testemunhar, houve muitas pessoas que eu ouvi, e que me deram conta da falta de
resposta em termos de apoio psicológico ehh que ainda hoje se sente no terreno.
E portanto há pessoas ehh que estão internadas, em consequência de tentativas
ehh de suicídio, nomeadamente, e que ehh até hoje não tiveram ehh o apoio que
era devido.” (Na visita aos bombeiros de Pedrogão, 26/06/2017).
O jornal Público
parangonava no dia seguinte: “Polémica. Passos começou o dia ao ataque e acabou
a pedir desculpa”.
Passos
Coelho: “Não há arma de arremesso nenhum, o que há é uma situação a que é preciso
responder e politicamente é importante que os órgãos do Estado possam reagir em
relação a isso. Não é possível esperar que exista uma espécie de branqueamento
político sobre as situações que vão ocorrendo.” (26/06/2017).
[3] Graças a um
trabalho brilhante de copy / paste a
comunicação social revelou o número exato dos mortos, não apenas os 64 que o
bom Hugo Soares aceitou. “Lista mortos Pedrogão - Isabel Monteiro cruzou dados
de hospitais, bombeiros e agências funerárias, e forneceu ao jornal i uma lista
de vítimas mortais da tragédia maior do que a oficial. Não são 64 nem 65, mas
pelo menos 73 as vítimas mortais do incêndio em Pedrógão Grande, garante
Isabel Monteiro, que foi para o terreno contar as vítimas uma a uma.
A empresária de 57 anos, natural de Lisboa, queria construir um memorial na
Estrada Nacional 236. Quando começou a recolher os primeiros nomes da lista de
vítimas, junto de famílias e agências funerárias, percebeu que a lista total de
mortos era mais extensa do que a oficial divulgada pelo Governo, diz ao jornal
i. (…). De acordo com a empresária, o número de mortos pelo incêndio será
ainda maior do que os 73 nomes que já terá confirmado – Isabel Monteiro diz
mesmo que o número pode ultrapassar uma centena. «Ao verificar se os dados da
imprensa estavam corretos, comecei a ir de família em família, a abordar
bombeiros e cheguei a contar as campas frescas de um dos cemitérios para
confirmar que os números são superiores. Parece macabro mas tive de o fazer»,
conta ao i. O resultado é publicado esta segunda-feira naquele diário, que cita
nomes de cadáveres encontrados depois da lista oficial de mortos ter sido
divulgada. O jornal relata ainda o clima de «medo» que se vive entre a
população e a «pressão» para que não se discuta mais o número oficial de mortos.
A lista não foi divulgada pelas autoridades, que se recusam fazê-lo alegando
que o caso está «em segredo de justiça», no âmbito do processo-crime que
investiga as circunstâncias das operações de combate ao fogo e de resgate às
vítimas.” Em
jornal Público, 24 de julho de 2017.
“Última
Hora: Incêndios. Empresária contou mais de 80 mortos em Pedrógão Grande. Isabel
Monteiro, empresária de 57 anos, natural de Lisboa, reuniu uma base de dados
com as vítimas mortais do incêndio dos concelhos de Pedrógão Grande e já
contabilizou mais de 80 mortos, dos quais 73 estão confirmados pelas
famílias com nomes completos, localidade e local da morte. A intenção era criar
uma lista de vítimas para a criação de um memorial na Estrada Nacional 236,
hoje conhecida como «Estrada da Morte», mas foi ao recolher a informação junto
das famílias, funerárias, bombeiros e dados da comunicação social que Isabel
constatou que o número de vítimas mortais seria superior ao número oficial
divulgado pelas instituições do Estado. Começou então uma investigação de fundo
e o total de mortos contados até à data, na sua base de dados, já ultrapassa os
80. A experiência dizia-lhe que, para ser útil na situação de
Pedrógão, teria de ir diretamente ao local e perceber de que tipo de
ajuda as famílias precisavam. O instinto tem uma história. Em 1996, na guerra
do Kosovo, Isabel viu um apelo da AMI e da Cruz Vermelha Portuguesa e decidiu
ajudar, mas apercebeu-se que os donativos não estavam a ser encaminhados.
Organizou, nesse ano, o Concerto dos Cobertores, na Praça Sony, cujo bilhete de
entrada era um cobertor que seria enviado para Kosovo. O evento foi um
sucesso e Portugal foi o segundo país a entregar o maior número de cobertores
no Kosovo. Isabel entrou em conflito com a AMI e pressionou o governo para
ir diretamente no avião C130, que transportou muita da ajuda humanitária
enviada de Portugal. Quis ir diretamente ao local dos acontecimentos entregar
em mão a ajuda às vítimas do histórico conflito.” Em
jornal Sol 22 de julho 2017.
“O i divulga
a lista em constante atualização. Já se contabilizaram mais de 80 mortos, dos
quais 73 estão confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e
local da morte. Isabel Monteiro, empresária de 57 anos, natural de Lisboa,
reuniu uma base de dados com as vítimas mortais do incêndio dos concelhos de
Pedrógão Grande e já contabilizou mais de 80 mortos, dos quais 73 estão
confirmados pelas famílias com nomes completos, localidade e local da morte. A
intenção era criar uma lista de vítimas para a criação de um memorial na
Estrada Nacional 236, hoje conhecida como «Estrada da Morte», mas foi ao
recolher a informação junto das famílias, funerárias, bombeiros e dados da
comunicação social que Isabel constatou que o número de vítimas mortais seria
superior ao número oficial divulgado pelas instituições do Estado. Começou
então uma investigação de fundo e o total de mortos contados até à data, na sua
base de dados, já ultrapassa os 80. A experiência dizia-lhe que, para ser útil
na situação de Pedrógão, teria de ir diretamente ao local e perceber de que
tipo de ajuda as famílias precisavam. O instinto tem uma história. Em 1996, na
guerra do Kosovo, Isabel viu um apelo da AMI e da Cruz Vermelha Portuguesa e decidiu
ajudar, mas apercebeu-se que os donativos não estavam a ser encaminhados.
Organizou, nesse ano, o Concerto dos Cobertores, na Praça Sony, cujo bilhete de
entrada era um cobertor que seria enviado para Kosovo. O evento foi um sucesso
e Portugal foi o segundo país a entregar o maior número de cobertores no
Kosovo. Isabel entrou em conflito com a AMI e pressionou o governo para ir
diretamente no avião C130, que transportou muita da ajuda humanitária enviada
de Portugal. Quis ir diretamente ao local dos acontecimentos entregar em mão a
ajuda às vítimas do histórico conflito. Isabel contou ao i que aprendeu com
essa experiência a não doar dinheiro ou a entregar donativos sem ser
diretamente a quem precisava e, ao saber da catástrofe de Pedrógão, decidiu
pôr em prática mais uma vez o método de solidariedade direta. «Fui a primeira
vez a Pedrógão no dia 21 de junho. Dirigi-me ao quartel dos bombeiros e fiquei
mesmo muito impressionada com tudo o que vi. Decidi então recolher donativos e
voltei no dia 3 de julho. Fui diretamente à junta de Castanheira de Pêra levar
donativos que uns amigos da família que teve nove vítimas mortais me pediu para
entregar», conta. «Fui recebida por uma senhora que me disse que não era a
Junta que tratava desse assunto e mandou-me entregar tudo aos Médicos do
Mundo». Isabel que se recusa a entregar donativos às ONG, decidiu
seguir caminho pelas aldeias. Foi então que o seu grupo de voluntários se
cruzou com quatro senhoras que recolhiam sementes de eucalipto, na
localidade de Vermelho, certificando-se de que estas árvores não voltariam a
crescer perto das suas zonas de habitação. As mulheres, apesar de terem perdido
todas as árvores e hortas, não quiseram receber donativos uma vez que as suas
casas por dentro estavam intactas. «Foi aí que me disseram pela primeira vez
que o número de mortos seria muito superior ao anunciado».
A Contagem
«Falaram-me
de uma família de duas pessoas que salvaram tudo sozinhos e deixámos lá
donativos, já que tinham dado abrigo à sobrinha que só tinha a roupa do corpo
desde o dia do incêndio», conta ao i. Foi depois deste contacto que Isabel
decidiu ir à aldeia de Nodeirinho, uma vez que tinha sido uma das localidades
mais faladas na comunicação social. «Quando cheguei lá, as pessoas estavam
todas reunidas na capela. Falei com toda gente, disseram-me o que lhes fazia
falta e voltaram a confirmar a teoria de que o número de mortos seria muito
superior ao anunciado». Isabel, intrigada com o assunto, terá
falado telefonicamente no sábado dia 8 de julho com uma agência funerária em
Vila Facaia que pelo telefone lhe confirmou, mais uma vez, que o número era
muito superior. Abordou os funcionários com uma história que acabara de
inventar. «Tive de inventar uma história, caso contrário nunca se iriam abrir
comigo. Falei-lhes então que procurava um rapaz amigo de uma amiga minha que
estaria a chegar para o tentar encontrar e que precisava de saber se o nome dele
estaria entre os 64 mortos».
Terá sido
neste momento que a primeira pista lhe foi dada. Uma das
funcionárias terá respondido sob pressão com um sincero «eu sei lá menina,
são muito mais, só eu vi mais de 95 corpos», desabafo que Isabel nunca
mais conseguiu que se repetisse, já que a senhora em causa nunca mais o
confirmou. Isabel explica ao i que, nas suas visitas às localidades dos concelhos
afetados pelo incêndio, «os locais estão muito pressionados politicamente e há
um estado de medo instalado». Mas ao falar com as famílias de luto, a ideia
da criação de um memorial surgiu. «É o mínimo que se pode imaginar depois de
uma tragédia destas, nada faz sentido se não houver uma homenagem a todos os
que morreram». A empresária de Lisboa terá então iniciado um processo de
recolha de informação. «Primeiro procurei tudo o que a imprensa tinha escrito
sobre os mortos, chegando mesmo a perceber que tinham dado como mortas pessoas
que estavam vivas. Com o é o caso da dona Gina, que estava internada e
viva e na comunicação social deram o nome dela como falecida». «Ao verificar se
os dados da imprensa estavam corretos, comecei a ir de família em família, a
abordar bombeiros e cheguei a contar as campas frescas de um dos cemitérios
para confirmar que os números são superiores, parece macabro mas tive de o
fazer».
Segundo
Isabel e dois bombeiros que não querem ser identificados, várias
vítimas foram encontradas mortas depois de os números oficiais terem sido dado
como certos. Terá sido o caso de Leonor Silva Henriques e Armindo Henriques
Modesto que não estavam referenciados em lugar nenhum, mas morreram dentro do
carro de Anabela Lopes Carvalho, de Sarzedas, que circulavam na EN236. Otília,
irmã de Anabela, teve de identificar o corpo da irmã na estrada e falou a
Isabel dos dois acompanhantes da irmã que não faziam parte das listagens. Também
Fernando, de Campelo, foi encontrado carbonizado por uma local de Pobrais no meio
do mato vários dias depois. «Estes corpos foram encontrados e enterrados mas os
números nunca foram atualizados», explica Isabel Monteiro. O i contactou várias
das famílias das vítimas que pertencem à listagem de Isabel e que pedem para
não ser identificadas, mas que garantem que o número de mortos (64) dado
pelas autoridades «está muito longe da verdade».
Isabel
Monteiro e a sua amiga Ana Sousa e Silva juntaram algum dinheiro e, com a ajuda
e confiança do padre da Paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes, no Parque das
Nações, e um de Bragança, conseguiram uma quantia de dinheiro que lhes permitiu
a aquisição local de animais e hortícolas para doar às famílias. Compraram 80
animais (com 208,99 euros) e com 197 euros compraram 700 mudas de hortícolas
que transportaram às famílias afetadas pelos incêndios. Foi aí que constataram
que, depois de 30 dias, a ajuda ainda continuava por chegar. «Chegaram-me a
dizer que havia certamente mais de 100 mortos, eu não queria acreditar.
Mas realmente assim que comecei a juntar toda a informação percebi que pelo
menos mais de 80 mortos tínhamos listados». Para Isabel há demasiadas falhas em
tudo que se relaciona com este assunto, como o exemplo dos questionários online
para as vítimas dos incêndios. «Como é que o ministério da Agricultura
espera que idosos que não fazem ideia do que é usar a internet, depois
de todo o trauma, ainda preencham formulários?», pergunta. O
formulário poderia ser entregue na Câmara Municipal até ao sábado dia 15 de
julho.
Como Alcafache
No dia 13 de
julho, às 18h21, Isabel publicou a lista na sua página do Facebook
pedindo que a ajudassem a atualizar e a corrigir os dados disponíveis. «As
chamadas, até hoje ainda não pararam, sempre com novas informações». «Isto como
bombeiro não me surpreende, já tivemos situações destas em Portugal, como no
caso do comboio de Alcafache que nunca chegaram a dar o número real de vítimas
e soubemos de corpos enterrados em vala comum». O bombeiro de Viseu conta que
militares já lhe haviam falado de um número de mortos muito superior ao
anunciado, logo no primeiro dia de ação em Pedrógão. «Entre pessoal das
operações sempre se ouviu falar em mais de 100 mortos. Mas sempre se falou
disto sem provas, eram apenas boatos. Agora há nomes, como é que se
mentem nomes de pessoas?». Segundo a empresária e os dois bombeiros que o i
contactou, têm sido várias as pressões para que este assunto «morra na praia».
«Disseram-me que devia estar calada porque isto envolve interesses nacionais.
Mas eu não quero viver num país em que interesses do Estado valem mais do que
vidas humanas». A Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) reiterou neste
sábado que o incêndio do mês passado em Pedrógão Grande fez 64 vítimas mortais,
em «consequência direta» do fogo, e que outros eventuais casos não se integram
nos critérios «definidos». Os critérios que foram identificados para apurar as
vítimas do incêndio são «mortes por inalação e queimaduras», resultantes do
fogo, adiantou à agência Lusa a adjunta nacional de operações Patrícia Gaspar. Segue-se
a listagem das vítimas mortais contabilizadas por Isabel Monteiro, que
reuniu informação com famílias, populares, funerárias e bombeiros.
Lista de
vítimas mortais confirmados na EN236 (O número está em atualização constante)
1. Fausto Lopes da Costa (73 anos); 2. Lucília Simões (70 anos); 3. Fernando
Rui (48 anos); 4. Luís Fernando (5 anos); 5. Ana Boleo Tomé; 6. Miguel Costa;
7. Ana Mafalda Lacerda; 8. Joaquim (4 anos); 9. António (6 anos - esta família
de nove pessoas fugiu de casa com a mesa posta para jantar e morreram na
estrada); 10. Maria Cipriano (59), empresária natural de Serpa vivia na
Amadora; 11. Manuel André Almeida (esposo de Maria); 12. Aurora Abreu (ia com
marido, filho e nora estrear a casa remodelada); 13. Manuel Abreu (esposo de
Aurora); 14. Fernando Abreu (Monte Abraão, filho de Manuel e Aurora); 15. Arminda
Abreu (esposa de Fernando); 16. Sérgio Machado (35 anos - vivia em Sacavém
tinha ido com esposa e filhos à Praia das Rocas); 17. Lígia Sousa (35 anos -
esposa de Sérgio); 18. Bianca (4 anos - filha de Sérgio e Lígia); 19. Martim (2
anos - filho de Sérgio e Lígia); 20. Susana Pinhal (41 anos - vivia em Póvoa de
Santa Iria); 21. Margarida Pinhal (12 anos - filha de Susana); 22. Joana Pinhal
(15 anos - filha de Susana); 23. José Maria Graça (68 anos - vivia na
Bobadela); 24. Maria da Conceição Graça (66 anos - esposa de José); 25. Ricardo
Martins (37 anos); 26. Fátima Carvalho (57 anos - mãe de Ricardo, era de
Pobrais, Vila Facaia); 27. Jaime Mendes Luís (52 anos - padrasto de Ricardo); 28.
Ana Henriques (30 anos - namorada de Ricardo); 29. Eduardo Costa (60 anos - era
da Pontinha, deixa dois filhos); 30. Maria Cristina (56 anos - esposa de
Eduardo); 31. Anabela Silva Lopes Carvalho; 32. Leonor Silva Henriques (ia no
carro de Anabela Carvalho); 33. Armindo Henriques Modesto (ia no carro de
Anabela Carvalho); 34. Anabela Esteves (47 anos); 35. Anabela Araújo (38 anos
amiga e vizinha de Anabela Esteves fugiam do incêndio no mesmo carro). Note-se
que o Governo anunciou 47 mortes na EN 236 mas só 38 foram confirmadas nesta
lista. Confirmados em outros locais. 36. António Lopes (88 anos - morreu
abraçado à sua esposa debaixo dos escombros da casa); 37. Augusta Lopes (87
anos - esposa de António); 38. Sara Costa (35 anos - morreu em casa deixou um
filho de 7 anos); 39. Alzira Carvalho da Costa (71 anos - atropelada a fugir
das chamas, sepultada em Vila Facaia); 40. Eliana Damásio (38 anos - sepultada
no cemitério de Sarzedas); 41. António Damásio Nunes (41 anos - sepultado no
cemitério de Sarzedas); 42. Nélson Damásio (33 anos -sepultado no cemitério de
Sarzedas); 43. Paulo da Silva (36 anos - sepultado no cemitério de Sarzedas); 44.
Vítor Manuel Rosa (56 anos - corpo encontrado em casa em Pobrais e retirado dia
19); 45. Gonçalo Conceição (39 anos - bombeiro); 46. Alphonse Conceição (75
anos - emigrante em França); 47. Sidel Belchior (37 anos viajava com o sobrinho
na estrada de Nodeirinho teve um acidente em consequência do incêndio); 48.
Rodrigo (4 anos - sobrinho de Sidel); 49. Odete Antunes (avó de Bianca, fugiu
de casa com a neta ao colo em Nodeirinho); 50. Bianca (4 anos); 51. Felismina
Rosa (83 anos - morreu em casa em Avelar); 52. Luciano Joaquim (78 anos -
morreu perto de Vila Facaia); 53. Luísa Rosa (cerca de 50 anos, de Lisboa); 54.
Sara Antunes (33 anos - de Lisboa, nora de Luísa); 55. Vasco Rosa (cerca de 50
- de Lisboa, cunhado de Luísa); 56. Dídia Augusto (53 anos - de Balsa, invisual
morreu agarrada à cama); 57. Anabela Quevedo; 58. Manuel Bernardo; 59. Maria Odete
Anacleto (esposa de Manuel); 60. Mário Carvalho (em Nodeirinho); 61. Diogo
Costa (21 anos esteve desaparecido 8 dias, segundo uma vizinha. Saiu para
procurar o tio); 62. Jaime Mendes; 63. Helena Henriques; 64. José Henriques da
Silva; 65. Fernando Santos (encontrado carbonizado numa mata em Pobrais vários
dias depois); 66. José Rosa Tomás (morreu no hospital, era de Nodeirinho,
funeral a 17/7); 67. Armindo Rodrigues Medeiro; 68. Esposa de Armindo; 69.
Fernando Silva (de Castanheira de Pêra, informação da segurança social local). Em jornal
i 23/07/2017.
[4] Rui Rio: “Um
governo que se preze não faz chantagem com os portugueses. Na greve dos
motoristas, a dramatização que fizeram, o circo que montaram, só tinha
sido visto na questão dos professores. Chamaram GNR, mobilizaram Forças Armadas,
mandaram atestar os carros 15 dias antes da greve, fixaram serviços mínimos que
eram serviços máximos. E tudo para mostrar que o Estado tem autoridade. Mas
a autoridade não se exerce desrespeitando a liberdade dos trabalhadores de
fazer greve. Não podemos pôr em causa o direito à greve desta maneira
grosseira apenas porque há eleições dia 6 de outubro.”
E o líder
versejou: “O circo monta e desmonta / Dramatiza e sobressalta / Tem sempre a
novela pronta / Espetáculo nunca falta. // Não são dados a rigores / As
políticas socialistas. / Foi assim com os professores / É agora com os
motoristas. // Mas o teatro montado que o povo irá julgar / Por certo será
derrotado / E o PSD vai ganhar.” (31/08/2019).
“A recente
crise dos motoristas, é que serviu, serviu exatamente p’a se perceber a forma
como o primeiro-ministro atuou nos motoristas e atuou exatamente da mesma
maneira nos professores: uma dramatização, com um circo montado,
com um teatro montado; agora nos motoristas chama as Forças Armadas,
chama a GNR, manda racionar a gasolina. Faz, faz trinta por uma linha,
como se aquilo fosse uma coisa muito difícil, muito difícil, que era p’a depois
aparecer o governo, aparecer o PS a resolver aquilo que era difícil, não
resolveu nada.” (5/09/2019).
[5] Assunção Cristas:
“Queria dizer que o CDS tem feito, e fez, durante estes quatro anos o seu
melhor para ser uma oposição muito firme e muito construtiva a uma governação
das esquerdas, que nós entendemos que é uma governação que fez mal ao país. Tem,
temos a maior carga fiscal de sempre, temos uma degradação enorme dos
serviços públicos e entendemos que o país precisa de outro projeto político,
com outras políticas, com ambição, com arrojo, com vontade de irmos mais longe,
de puxar pela nossa economia, de libertar a força criadora que há nas
empresas e que há nas pessoas.” (05/09/2019).
[6] Rui Rio: “O
senhor primeiro-ministro, nós todos temos de nos lembrar que quando houve o incêndio
de Pedrógão, em que morreram mais de 60 pessoas, não é? aqui, o que está
aqui em causa, neste caso agora, que ele fala (crise energética e greve dos
motoristas), era entrar ou não entrar num circo mediático ali durante
quatro ou cinco dias, entrar mais ou entrar menos, mas o que esteve em causa
quando ele não interrompeu pura e simplesmente as férias foi a
morte de mais de 60 pessoas. [É mentira, ou como se diz, é inverdade. O
primeiro-ministro não estava de férias e estava no local dos incêndios, porém,
em lalangue política é uma afirmação
verdadeira, porque tudo é verdade]. Portanto
foi de uma infelicidade enorme aquilo que o dr. António Costa ontem se referiu,
e revela na prática uma coisa: é que não tinha resposta pra ‘quilo que eu tinha
dito.” (17/08/2019).
Assunção Cristas:
“O que nós vemos é um governo incompetente,
que não assume a sua responsabilidade, é uma ministra da Administração Interna
que não é capaz de evitar novas falhas no SIRESP. E portanto este sistema, que
foi contratado pelo atual primeiro-ministro, na altura noutras funções, volta a
falhar e nós não percebemos como nem porquê. E em terceiro lugar, vemos que
falha a chegada das ajudas ahm do dinheiro que solidariamente foi dado por
todos os portugueses ahm às populações e às vítimas deste incêndio, portanto
é um governo triplamente incompetente.” (17/07/2017).
[7] António
Costa: “A polémica surge e só quando resolveram especular e acusar o governo de
estar a esconder o número de vítimas, bom seria, aliás, as acusações mais
parvas que eu já vi. (…). Estou muito satisfeito que a divulgação tenha
posto fim a esta especulação.” (27-07-2019).
▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬▬
֍ ▬
1984.
Dezembro. Quinta-feira, 27, “a cançonetista brasileira Elba
Ramalho fará vários espetáculos no próximo ano em Portugal, devendo
estrear a 4 de abril no Coliseu dos Recreios, de Lisboa. O conjunto Blitz
também promoverá uma digressão a Portugal, a começar pelo mesmo Coliseu, em
maio do próximo ano. Em 25 de abril deverá deslocar-se a Portugal o sambista Martinho
da Vila. A cantora Tetê
Espíndola virá em outubro, enquanto Lucinha
Lins e Cláudio Tovar devem encerrar em Lisboa as temporadas que
pretendem realizar em cidades europeias. Os espetadores das emissões do sistema
brasileiro de televisão puderam assistir no dia de Natal a um pograma especial
sobre o cantor Ney
Matogrosso gravado pela RTP, em Lisboa. Entretanto, anuncia-se no
Rio de Janeiro que Paco
Bandeira dará uma série de espetáculos nesta cidade por iniciativa
do programa de rádio luso-brasileiro «Seleções portuguesas».”
Sexta-feira,
28, “a breakdance
pode afetar seriamente o pescoço, a cabeça, os ombros e os testículos – segundo
relatório fornecido hoje pela Associação Americana de Medicina. A breakdance, que tanto pode ser dançada
de pé como estendido no chão, inclui rápidos movimentos da cabeça, do pescoço e
dos ombros que, segundo os médicos, podem ser divertidos mas são um risco de
morte. O documento afirma que vários jovens já tiveram de ser tratados por
lesões provocadas por essa forma de dança, até agora leves, como fraturas de
braços e pernas, rotura de ligamentos e feridas nos ombros e testículos. Os
médicos afirmam que, potencialmente, esta dança pode levar a partir o pescoço,
a paralisias várias e estrangulamento dos testículos, que pode cortar a
circulação e causar gangrena.” [1]
Sábado, 29, “o
défice global do setor público administrativo previsto pelo governo para 1985 é
de 335 milhões de contos – informou uma fonte oficial. A mesma fonte disse
que «esse é o défice previsto para o Orçamento do Estado», acrescentado que o
resto do setor público administrativo deverá apresentar contas globalmente
equilibradas, uma vez que o governo prevê lucros em alguns Fundos Autónomos,
nomeadamente no Fundo de Abastecimentos. O governo tinha anunciado em novembro,
em comunicado de Conselho de Ministros, que o défice do Orçamento do Estado
para 1985 seria de cerca de 312 milhões de contos. O acréscimo de 23 milhões de
contos significa, segundo as fontes «uma opção no sentido de um ligeiro
relançamento da economia» no próximo ano. Os setores privilegiados com este
aumento das despesas públicas foram as obras públicas, as autarquias (que
acabaram por ver consagrada no OE uma verba de 65 milhões de contos) e algumas
empresas públicas, de modo a garantirem a concretização dos seus planos de
saneamento económico e financeiro. O défice do Orçamento do Estado deste ano,
negociado com o Fundo Monetário Internacional, deveria representar 6,2
% do Produto Interno Bruto mas «deverá situar-se próximo dos 9 %». O
aumento do défice do Orçamento resultou da ultrapassagem das metas negociadas
com o FMI para o crédito ao setor público alargado (Orçamento do Estado, mais
Fundos Autónomos e empresas públicas). A taxa de inflação, que em 1984 se
situou acima do previsto, e a ultrapassagem das metas para o crédito ao SPAL
são as duas únicas cláusulas fundamentais negociadas com o Fundo Monetário
Internacional não cumpridas já que o crédito interno, o défice da balança de
pagamentos e a dívida externa ficará abaixo dos níveis negociados com o FMI. A
taxa de inflação média prevista para 1984 era de 24 % e deverá ser da ordem dos
22 %. Este último valor foi conseguido devido ao adiamento, pelo governo,
de aumentos de preços de bens e serviços essenciais programados para o último
trimestre deste ano (combustíveis e transportes, nomeadamente) e que se prevê
venham a acontecer no início de 1985.”
Sábado, 29, “o
FMI aprovou um empréstimo em «stand by» à Argentina, completando um pacote
financeiro multilateral para a reestruturação da dívida externa argentina, que supera
os 45 mil milhões de dólares. A junta executiva do FMI decidiu conceder à
Argentina uma linha de crédito contingente de 1419 milhões de direitos
especiais de transferência, equivalentes a cerca de 1405 milhões de dólares,
por um período de 15 meses. O FMI, ainda, prevê mais 275 milhões de direitos
especiais de transferência.”
Sábado, 29, “os
emigrantes vão passar a pagar impostos pelos seus depósitos em bancos
portugueses que vencem uma taxa de juro líquida de 30 % ao ano, soube-se de
fonte oficial. O Orçamento do Estado para 1985, aprovado quinta-feira pelo
governo, prevê um imposto sobre estes depósitos que reduz a sua remuneração
líquida para 24 %. No entanto prevê-se que metade do imposto não seja suportado
pelos emigrantes, pelo que o rendimento líquido dos seus depósitos deverá
situar-se nos 27 %. Os depósitos dos emigrantes no sistema bancário português
ascendem a cerca de 700 milhões de contos. A mesma fonte acrescentou que, para
além da introdução de impostos sobre os depósitos dos emigrantes serão, ainda,
aumentados os impostos sobre todos os depósitos em bancos portugueses.”
Sábado, 29, “a
dívida externa portuguesa deverá situar-se em 15/16 mil milhões de dólares no
fim deste ano, 21 % dos quais correspondentes ao vetor de curto prazo,
disse hoje à ANOP uma fonte do Banco de Portugal. Em moeda nacional, a divida
corresponde a cerca de 2,5 mil milhões de contos. Este valor significa uma
evolução altamente favorável no perfil temporal da dívida, pois, no fim de
1982, o vetor de curto prazo representava 33 % do total, acrescentou a mesma
fonte. A evolução favorável da dívida externa resultou do facto de o défice da
balança de transações correntes ficar este ano em cerca de 700 milhões de
dólares (1250 milhões negociados com o FMI), ou seja, 3 % do Produto Interno
Bruto. Estimativas do Banco de Portugal indicam que o défice das transações correntes
de janeiro a setembro de 1984 foi de 456 milhões de dólares (1300 milhões em
igual período do ano passado), o que garante aquele défice no conjunto do ano.
O défice da balança de transações correntes atingiu um recorde de 3200 milhões
de dólares no fim de 1982, diminuindo para cerca de 1300 milhões no fim do ano
passado. Deve situar-se este ano em pouco mais de metade deste valor. A
evolução favorável do défice externo durante este ano resultou de uma
recuperação das receitas em dólares do turismo (subiram 16 % de janeiro a
setembro) e as remessas dos emigrantes, que praticamente estagnaram em dólares,
invertendo a tendência para a diminuição verificada em anos anteriores. A
diminuição do défice externo fica, ainda, a dever-se à melhoria da balança
comercial e à queda da atividade económica (o Produto Interno Bruto deverá ter
um crescimento negativo superior a 2 %), bem visível também na diminuição das
importações, nomeadamente de bens de equipamento, o que se refletiu numa queda
do investimento de cerca de 20 % em termos reais. Em 1984, os salários
deverão ter caído em 11 % e o consumo em 4 %. Para 1985, prevê-se um
ligeiro relançamento da atividade económica, que passa por um crescimento de
défice da balança de transações correntes para cerca de mil milhões de dólares.
A verificação deste valor é possível – segundo os cenários elaborados por
entidades oficiais – com um crescimento do PIB em 3 %, das exportações e das
importações em 8 % cada, em volume, e um crescimento das receitas do turismo de
10 % em dólares e nova estagnação nas remessas dos emigrantes. Para 1985,
Portugal precisará de cerca de 2,7 mil milhões de dólares de crédito externo,
sendo 1,7 mil milhões para amortizações.”
Sábado, 29, “um incêndio que deflagrou esta
madrugada, pelas 2h45, nas traseiras do edifício da firma Braz & Braz, na
rua de Santa Catarina, no Porto, provocou 20 mil contos de prejuízo, segundo
informou à NP um dos responsáveis da firma. (…). O incêndio destruiu
completamente os segundo e terceiros pisos e a zona do armazém, deixando,
incólume, a área reservada ao centro comercial que, assim, pode continuar a
operar. O facto de se encontrarem a dormir nas instalações 15 trabalhadores,
que por morarem longe pernoitavam na empresa com vista a procederem a obras de
remodelação dos armazéns, possibilitou que o alarme, e consequente combate às
chamas, fosse feito em tempo útil, limitando, deste modo, as consequências.
Contudo, o ataque ao sinistro foi prejudicado pela explosão de três botijas de
gás, instaladas na cozinha, onde os trabalhadores preparavam as suas refeições.
Funcionários da firma consideram que o sinistro deve ter tido origem num curto-circuito,
já que não existiam aquecedores no edifício, e é pouco provável que qualquer
cigarro pudesse desencadear as chamas às 2h45 da madrugada.”
Segunda-feira,
31, “Zeca
Afonso: a sua voz já não canta e os seus dedos já não dedilham a
viola. Gravemente doente, Zeca mantém a mesma lucidez e a mesma combatividade de
sempre. Sente-se honrado por este poder o ignorar. Acusa as editoras para quem
trabalhou de não lhe pagarem aquilo a que tem direto. Diz, sem rodeios, que
quem lhe tem valido é a «sociedade dos amigos anónimos». E afirma, para todos
ouvirem, que é este o momento de voltar a ser combativo. (…). Zeca tem
consciência total da sua situação. Foi ele quem, na tarde de sábado último, em
sua casa, no Azeitão – onde vive com dois dos seus quatro filhos e com Zélia,
essa espantosa companheira de há longos anos – nos falou cruamente do que tem
vivido, do seu dia-a-dia, do amanhã que chegará. (…). «Estou com um aspeto
porreiro, não estou? Sou uma espécie de bomba de neutrões: por fora, corda de
viola, por dentro, pão bolorento». Os médicos – e tantos já consultou – dizem
que Zeca sofre de esclerose lateral amiotrófica. E ele explica para os
amigos: é uma doença que afeta todo o sistema nervoso, que avança a pouco e
pouco e vai provocando a paralisia gradual, através dos nervos. Os primeiros
sintomas apareceram quase há quatro anos. Zeca já recorreu praticamente a tudo
o que era possível recorrer. Gastou o que tinha e o que não tinha. (…). «O
governo? O Estado? Estou-me… para eles», responde sem hesitar. (…). Falar agora
das dificuldades por que tem passado poderia fazer parecer que estaria a pedir
alguma coisa a alguém. E Zaca, vertical como sempre o foi ao longo da sua vida,
não suporta essa ideia. Insiste. «a única coisa que exijo é que sejam dadas
condições para que todos os indivíduos que têm
a minha doença possam ser tratados. Afinal, eu até nem me posso queixar…
Agora conheci muita gente na minha situação que já deixou de fazer os
tratamentos de que necessita porque não tem dinheiro, não tem possibilidade
financeira. É revoltante».
Um exemplo:
um dos medicamentos fundamentais para o tratamento desta doença – pelo menos
para retardar o seu avanço – é o Interferon, que vem diretamente da Dinamarca. Cada
ampola custa cerca de cinco mil escudos. Zeca Afonso esteve quase um ano a
tomar uma ampola por dia. Agora, é de dois em dois dias. Fácil, portanto, de
fazer as contas. E só desde junho é que a ADSE, a que tem direito, uma vez que
foi reintegrado no ensino, de onde havia sido expulso no tempo do fascismo, lhe
paga 50 % do preço do medicamento. Mas não é só o Interferon. Zeca já foi a
França, Inglaterra, aos EUA, à Roménia, sempre em busca de um remédio, de um
tratamento, e algo que o pudesse curar. Sempre à sua custa, com duas exceções
de permeio: as viagens a Nova Iorque e a Paris foram arranjadas por dois
amigos, o Manuel Beça Múrias e o Joaquim Calhau, este da CGTP. (…). «Posso
parecer psicologicamente bem, mas para os desabafos quem me tem aturado é a
família». (…). «Gostaria de poder intervir mais no que se passa no meu país. O
que me custa é, no período de crise em que vivemos, não poder regressar à
estaca zero e andar de terra em terra a lutar, nos limites que me cabem, para
atirar com este sistema todo abaixo». (…).
É com
azedume que Zeca Afonso fala das duas editoras para quem trabalhou. A Sassetti
[2], com quem tem um contrato ainda em vigor,
nem os seus telefonemas atende. Desde setembro que deixou de pagar aquilo a que,
mensalmente, o cantor tem direito. É certo que Zeca Afonso, segundo o contrato,
deveria ter feito três LPs. Só fez um, o «Como
se fora seu Filho», que teve «uma publicidade fraca». Mas em
contrapartida a editora fez dois outros discos, com base no espetáculo de
homenagem no Coliseu. Zeca sublinha que, em termos humanos, tem as melhores
relações com o pessoal da Sassetti. Não entende é o comportamento da editora em
si, «de profundo esquecimento», «como se eu não existisse». «Não tem dinheiro?»
- pergunta Zeca Afonso antes de dar ele próprio a resposta. «Então ao menos um
telefonema a dizer qualquer coisa. Quando eu vivia em Coimbra, no Beco da
Carqueja, eu não tinha dinheiro para pagar as minhas dívidas – mas empenhava
tudo, chegando a ficar apenas com a cama e uma mesa. Mas paguei tudo, que diabo…
A verdade é que a insolvência entrou nos hábitos deste país. Deve impunemente
quem pode» - desabafa, deixando a Sasseti em paz para falar então do Arnaldo
Trindade. «Pois é. O Arnaldinho… Desde 82 que não faz contas comigo.
E quanto às cassetes do Arnaldo Trindade: nem um chavo! Ele já disse que
enquanto a Sociedade Portuguesa de Autores não resolver a questão das cassetes
piratas ele não paga os diretos de autor das cassetes que ele faz. Olha,
convido-te a pensar quem é que promove as cassetes piratas». (…). Zeca fez
questão de sublinhar que Arnaldo Trindade nem sempre teve, para com ele e para
com outros cantores, o comportamento que agora tem. «Há uns belos anos atrás
Arnaldo Trindade foi a primeira editora a dar-me condições para viver do disco.
Mas os métodos de trabalho da editora foram-se degradando até que chegou ao que
chegou. Por isso muitos cantores – além de mim o Sérgio Godinho, o Fausto, o
Vitorino, por exemplo – foram saindo de lá. É curioso: no tempo do fascismo a
AT estava interessada em gravar a nossa música… Mas agora… olha, não nos
podemos esquecer que há toda uma situação político-social que protege o calote
unilateral. Isto é: os patrões a não pagarem aos empregados». (…). «Olha, se
calhar morri como cantor na altura própria. Não há que prolongar
artificialmente uma atividade que só se justifica num dado período. Agora tenho
aqui – faz um gesto indicando os seus livros – muitos calhamaços que nunca tive
tempo para ler. Ao menos a doença dá-me essa possibilidade. É o que eu tenho
feito: ler e estudar». (…).
«Eu até sou
um privilegiado: a secretaria de Estado da Cultura dá-me um subsídio, ou lá o
que é, de 15 contos mensais. Ou melhor, de 15 contos menos 45 escudos, pois
tenho de pagar um selo qualquer… O que eu não aceito é que, por exemplo, os
arquivos sonoros do Giacometti estejam a apodrecer, isto quando o ministério da
Cultura, que ainda não os adquiriu, acabou agora de dar 6000 contos ao Rui Guedes
por uns manuscritos da Florbela Espanca, que esse senhor comprou a um familiar
da poetisa por 45 contos… Uma vergonha. Esses manuscritos deviam ser
confiscados pura e simplesmente… E o trabalho do Giacometti, um trabalho de
anos, militante, pessoal, recolhendo parte do nosso passado coletivo, está a
perder-se irremediavelmente, como parece ter já acontecido com a parte relativa
ao Minho e Trás-os-Montes. Só há dinheiro para comitivas asiáticas como a que
foi ao Japão, com cronistas mundanos e tudo. Isso é que é importante. Como o
são as jornadas destinadas a genuflexões junto da CEE… Coitado do Ernâni Lopes:
o que ele precisava era de um genuflexório especial».”
Segunda-feira,
31, “os hotéis, casinos e discotecas têm já desde ontem a lotação quase
esgotada para o réveillon com preços que variam entre 2500 e 12 500
escudos. Em contacto efetuado junto os principais casinos, a NP apurou que
os preços de entrada vão desde 5 mil escudos a 7500 escudos e segundo afirmam
os responsáveis «está tudo quase esgotado». Comparativamente ao ano passado, os
preços aumentaram cerca de mil escudos em média «mas nem por isso houve uma
quebra de procura». Desde o norte ao sul do país nenhuma das unidades
hoteleiras registou baixa de reservas. Na região de Lisboa, o Hotel do Guincho,
que realiza pela primeira vez um réveillon, o preço para a passagem do ano
atinge os 12 500 escudos mas nem por isso a procura é menos em relação a
outras casas de espetáculos com preços bastante inferiores. No Casino Estoril,
que no ano passado cobrou cinco mil escudos por pessoa e conseguiu uma casa
esgotada, aumentou este ano cerca de 50 % o preço dos bilhetes e um responsável
da empresa disso à NP que «também vamos esgotar». No Algarve, o Casino Monte
Gordo que cobra o preço mais elevado, cinco mil escudos com jantar completo e
espumante, tem ainda várias atrações para animar os festejos.”
Segunda-feira,
31, “são pouco vistos nas ruas pelo simples facto de serem poucos, e quando
aparecem é em pequenos grupos particularmente ruidosos. Muitos pensarão que
eles não existem em Portugal ou que, se já existiram, o punk é qualquer coisa já morta entre nós. Não é verdade. Ainda este
mês, três dias antes do Natal, eles, os punks,
reuniram-se numa manifestação plena de significado: um «Requiem por um dia de
Natal», segundo constava nos cartazes (tirados a fotocópia) que espalharam pela
baixa lisboeta, logo tapados por colagens de instituições mais fortes. Foi um
pequeno festival, um meeting quase clandestino numa sala obscura e com nome
curioso e muito a propósito: A Teia, ali na Junqueira. As bandas presentes
tinham nomes sugestivos: Fúria Tribal, Napalm Clímax, Grito Final
e uns Youngsters que estavam lá certamente por engano, pois não tocavam nada
aproximado ao punk. A assistência um
naipe de cristas ou cabelos ouriçados com sebo, blusões pregados, jeans
rasgadas, cervejas e escarros. Mobil da ocasião: acusar a hipocrisia presente
na atual quadra festiva em que uns engolem o bacalhau e as filhoses lamentando
entre garfadas ou trincadelas a miséria dos que têm salários em atraso ou já
nem sequer têm emprego. Sim, os miúdos têm um aspeto asqueroso, um comportamento
agressivo, mas para aqueles em que isso não funciona como moda de ocasião
existe premeditação assumida. Em capa de um disco do guitarrista e cantor punk Richard Hell de há uns anos atrás,
o músico aparecia com um blusão aberto mostrando escritas no peito estas
palavras: Tu fizeste-me. O movimento punk,
cá em Portugal como em outros sítios, é acusativo, logo político [3]. Entre nós é comum a postura anarquista niilista,
que acabou por se fechar sobre si própria. Hoje estes grupos, estes punks, ficaram enredados na apologia da
destruição de tudo, da afirmação pela negativa. Por isso um processo de
dissidência em que estão por exemplo os integrantes dos Napalm Clímax, que
desejam igualmente a proposta, o enunciado positivo, o que os faz experimentar
incursões musicais noutras áreas que não somente o punk. No novelo ainda os Fúria Tribal, com uma música pretendida no
seu estado mais instante, ou os Grito Final, com um som caracteristicamente
segunda geração. Este minifestival terá sido o segundo ou terceiro do género, e
em todos os casos acontecidos por auto-organização, não querendo nenhum deles a
promoção. A exceção foram os Crise
Total, que tocaram no Rock Rendez-vous e deram uma entrevista à
Música e Som, afastando-se do meio. Aqui a marginalização é buscada, a sombra
procurada: querem-se como um cancro inlocalizável, irrecuperável, algures numa
pequena fibra do corpo da sociedade (não por acaso deram os punks ao seu fanzine, ainda com um único
número divulgado, o nome de Subversão). Intervencionistas e provocadores
admiram canções como «Sou o que sou», «Revolução» (Grito Final) ou «Virão os
dias», «Antigovernamental» (Napalm Clímax). O punk é uma música urbana, um movimento de juventude como o foram
por exemplo os Beatniks, décadas feitas: um modo mais de como se manifesta a
nossa decadência fim de século e de milénio, na vivência como na cultura. Vem
aí o século XXI e o terceiro milénio, e lembrem-se: se há punks é porque a rapaziada não é feliz.”
___________________
[1] Os tomates
estão salvos. “Os organizadores dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 propuseram o breakdance como uma das modalidades da
competição. Ao breakdance, um estilo
de dança tipicamente associado ao hip-hop
ou ao funk, juntam-se nesta proposta
o skateboarding, a escalada
desportiva e o surf, sendo que estas modalidades fazem a sua estreia nos Jogos
Olímpicos de Tóquio 2020. Os quatro desportos aguardam agora aprovação do
Comité Internacional Olímpico, cuja decisão deverá ser conhecida em dezembro de
2020, depois dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Um desporto «urbano, universal
e popular», com «mais de um milhão» de praticantes em França. Foi assim que os
organizadores dos Jogos Paris 2024 justificaram a proposta de incluir o
breakdance como modalidade. «Propomos trazer o breakdance e as suas famosas batalhas para os Jogos Olímpicos de
Paris 2024 pela primeira vez na história», acrescentaram.”
[2] “Sendo
frequente encontrar lojas que se dedicavam à venda de partituras para piano,
para além de editoras especializadas, de entre as quais valerá a pena destacar
a Sassetti e Cª Editora, sediada na Rua do Carmo, em Lisboa, editora cujo nome
teve origem numa família italiana, e que acabou por envolver-se também em
edições discográficas. A casa Sassetti existia desde 1848 e por lá passaram
alguns dos maiores artistas portugueses dos últimos 150 anos. É um património
musical de valor inestimável, uma inteira fatia da história da cultura
portuguesa. Mas a Sassetti foi também uma das empresas vítimas do 25 de
Abril, altura em que entrou em regime de autogestão que conduziria ao
seu colapso comercial. Alguns artistas, como Sérgio Godinho, Fausto e José
Mário Branco tomaram depois a iniciativa de recuperar o material que haviam
gravado para essa produtora, tendo em vista a sua reedição em CD. Foram,
todavia, iniciativas pontuais e o grosso do riquíssimo património da Sassetti
ficou bastante votado ao esquecimento ao longo de toda a década de 80. A
Strauss comprou, em 1991, o catálogo Sassetti.”
[3] “Ainda em 1977,
Zé Pedro, à época jornalista no Diário de Lisboa, tinha testemunhado em
primeira mão o poder da redução do rock
aos dois ou três acordes essenciais apanhando bandas como o Clash num festival
em França, em Mont de Marsan. «Nessa altura», recordou o guitarrista à Blitz aquando
do 30.º aniversário do primeiro concerto dos Xutos & Pontapés, «ainda havia
pouca gente sintonizada com o fenómeno punk,
mas felizmente o António Sérgio tinha começado muito cedo a tocar punk na rádio, ainda na Rádio
Renascença. Vivíamos aqueles tempos pós-25 de Abril com toda a gente muito
aluada e aberta às cenas de arte. Havia uma enxurrada de informação para
digerir. E depois havia um grupo de pessoas eu, o Paulo Borges [Minas e
Armadilhas], o Pedro Ayres [Magalhães, Faíscas]... que se juntava na Munique,
trocava discos e tinha grandes conversas onde se comentava a música que o
António Sérgio passava, até se trocavam cassetes com gravações do programa
dele. A informação ia rodando e havia muita curiosidade sobre o que era isto do
punk, mas não sei se havia
propriamente um movimento». Com movimento ou sem ele, «é então que o incansável
António Sérgio», escreveu António Duarte, «decide lançar a público a primeira
banda punk portuguesa, os Faíscas,
produzida por ele próprio». E começa aqui a história do «punk tuga». Como sempre nestas coisas há algum debate sobre qual
terá sido, de facto, a primeira banda punk
nacional. No documentário Meio Metro de Pedra, de Eduardo Morais, Francisco
Dias, um dos «historiadores oficiosos» que ajudam a contar a «nossa» história
do rock, distingue os Faíscas mais «classe média», a tocarem um «rockabilly
speedado» dos Aqui d'el Rock «mesmo das ruas», «punk a sério». Paulo Pedro Gonçalves, membro fundador dos Faíscas e
mais tarde dos Corpo Diplomático e Heróis do Mar, tem uma visão diferente, que
nos explica, a partir de Londres: «os Faíscas foram a primeira banda punk portuguesa. Os Aqui d'el Rock
apareceram mais ou menos na mesma altura mas não eram uma banda punk. Em Inglaterra na altura teriam
sido considerados pub rock como os Dr. Feelgood ou Ian Dury
and The Kilburns. Os Faíscas tinham a atitude, a música, as letras, a imagem e
a vontade de derrubar o status quo. Tínhamos um ‘following’ punk, uma fanzine, invadimos os palcos
do rock português para nos deixarem tocar, criávamos situações de caos,
destruição e de anarquia. O nosso lema era ‘violar o sistema’. Éramos
verdadeiros Situacionistas». Óscar Martins, dos Aqui d'el Rock, explica no
mesmo documentário que a diferença podia passar por o seu grupo alinhar mais
com a sonoridade americana e menos com a atitude cultivada nas escolas de arte
que talvez animasse um pouco mais a abordagem dos Faíscas.”
na sala de cinema
“Nati con la camicia” (1983), real. E.B. Clucher, c/
Terence Hill, Bud Spencer, Buffy Dee … sob o título local “Espiões por conta
própria” estreado quinta-feira, 15 de dezembro de 1983 no Politeama e no Roma. “Rosco
Frazer, um charmoso burlão e o recém-libertado da cadeia, Doug O’Riordan,
condenado por afundar um iate que o incomodava, encontram-se durante uma briga
num restaurante de estrada. Partem num camião, cada um julgando que o outro era
o motorista. Pouco depois a brigada de trânsito para-os por excesso de
velocidade, e como não conseguem apresentar os documentos, são confundidos com
ladrões de camiões que a polícia procurava. Contudo, graças a Rosco ser
ventríloquo, escapam. Doug preferia fugir sozinho mas não consegue livrar-se de
Rosco, que tinha engraçado com ele. Juntos vão para o aeroporto a fim de se
esconderem noutro estado. Como o voo para Miami estava lotado, fazem-se passar
pelos passageiros Steinberg e Mason, que falharam a recolha dos bilhetes,
desconhecendo que eles são agentes da CIA em missão. Como tal, são abordados por
outro agente pouco antes de o voo decolar que lhe entregou uma mala contendo um
milhão de dólares. Depois de várias peripécias e confusões, são levados para a
sede da CIA para conhecer Tiger, o seu novo chefe, e são solicitados em várias
ocasiões para omitir do seu relatório final incidentes embaraçosos que dariam
uma imagem negativa dos operacionais da CIA.”
Diálogos: na
abertura do filme, Rosco patina em estrada americana, encontra rapariga num
descapotável. Rosco: “Vais para sul?” Rapariga: “Sim, para sul.” Rosco: “Dás-me
boleia?” Rapariga: “Claro.” Rosco: “Volto já.” Rapariga: “Fico à espera. Então?
Queres esta boleia ou não?” Rosco salta para banco de trás onde ela estava. No
plano seguinte Rosco está outra vez a patinar. /
Tim: “Doug, chamas a isto justiça? Percebes que me enfiaram aqui toda a vida
por causa de um erro? A sério, deram-me 20 anos e eu pedi a revisão do
processo. E eles aceitaram. Na revisão tiraram-me os 20 anos e condenaram-me a
prisão perpétua.” Doug: “Eu sei, eu sei” Tim: “Chamas a isto justiça? Um
coitado como eu comete um pequeno erro. E fi-lo de boa-fé, mas condenaram-me a
perpétua. Sabes como foi, certo? Eu trabalhava numa grua.” Doug: “Eu sei, eu
sei como foi. O juiz decidiu que largar uma trave de cimento em cima da cabeça
da tua sogra não foi uma boa ação. Sabes como são os juízes.” Tim: “Mas eu
pensei que era a minha mulher! Tinha toda a razão para fazê-lo.” / Tigre: “Sim, já percebi, mas que me dizes do Fidel
Castro?” Agente: “Acordou a meio do dia, diretor.” Tigre: “Que raio de
revolucionário é esse? Dorme mais que a Raquel Welch.” Agente: “Fez uma partida
de basquete à noite e depois copulou ininterruptamente até às seis da manhã.”
Tigre: “E as condições físicas?” Agente: “O satélite Esculápio só transmitiu os
dados.” Tigre: “Então?” Agente: “Tensão arterial 130/80. Frequência cardíaca em
repouso 42, em esforço 43. Tonificação muscular excelente. Sono tranquilo,
digestão normal. Fezes abundantes e consistentes. Sem aerofagia ou outras
anomalias.” Tigre: “É são como um pero, esse barbado.” Agente: “Excelente,
diretor.” / Tigre: Não, mas que dizem? Ninguém
chega a piloto, alpinista, mergulhador, atirador de primeira, campeão de
karaté, paraquedista, sabotador, lançador de facas, perito em códigos, em
transmissões, em sinalização, em camuflagem, em medicina e em química apenas
por sorte.” Doug: “E o agente Steinberg também é ventríloquo, diretor.” / Tigre: “Bem, para além dos vossos dotes, pedi ao Sam
para preparar uma coisa extra para vocês, força, Sam.” Sam: “Estes dois
frasquinhos têm aquilo a que nós chamamos Eros Plus. Uma essência altamente
erotizante. Sabem bem da importância da relação com o outro sexo no vosso
trabalho. Uma pequena borrifadela nas vossas roupas e nenhuma mulher será capaz
de lhes resistir. E vão transformar-se numa mina inesgotável de informação.”
Rosco: “E funciona? Eu não preciso. Já sou fascinante. Experimente nele.” / Tigre: “Mostre-lhe a outra maravilha.” (rolo de
papel higiénico) Rosco: “Ele é um crânio.” Sam: “Se cortarem pelo picotado, sai
como papel higiénico normal. Em caso de absoluta urgência, também pode ser
destinado ao uso, digamos, tradicional, mas…” Doug: “Mas…?” Rosco: “Mas…?” Sam:
“Usado na longitudinal torna-se muito resistente. Pode puxar um camião,
suportar o peso de um teleférico.” Doug: “É bom para fugir por uma janela.”
Rosco: “Sam, deves ter bebido leite de raposa.” / K1:
“Bem-vindos a bordo do futuro.” Doug: “Esta tina não está nada mal, K.” K1: “Ora,
é uma coisinha de nada.” Rosco: “A propósito, o que significa K1?” K1: “Nada,
absolutamente nada. Gostei de K1 e usei-o. É bastante misterioso, não acham?” / K1: “É uma curiosidade legítima. Num futuro muito
próximo, senhores, eu, o K1, dominarei o mundo.” Rosco: “Não está a ter mais
olhos do que barriga?” / K1: “Exatamente 30
segundos depois do lançamento, partirá um míssil do meu submarino atómico que
está fundeando ao largo da Florida. Intercetará o vaivém a exatamente sete
milhas na perpendicular do cabo Canaveral. O impacto será emitido em direto
pelas estações de televisão de todo o mundo. A cabeça do meu míssil conterá um
explosivo mortífero, a bomba K. Quando intercetar o vaivém, explodirá na
colisão, e difundirá as suas radiações por todo o planeta. A bomba K é o
explosivo mais formidável que já foi concebido pela mente humana. Manterá
intacto, tanto as pessoas como as coisas, mas apagará das mentes de todos o
número.” Doug: “O número? Qual número?” K1: “Todos, todos os malditos números
do primeiro ao último.” / Doug: “Imaginas um
mundo sem números? Um jogo de futebol não teria marcador.” Rosco: “É o fim.”
Doug: “E não podes mais marcar um número de telefone. 3657… já não podes ligar
para uma prostituta.” Rosco: “Nem pedir dois hambúrgueres.” / Tigre: “Não podem fazer esperar o presidente.”
Rosco: “Presidente?” Doug: “Qual presidente?” Tigre: “Como qual? O presidente
dos Estados Unidos, convidou-vos a passar com ele o fim de semana em Camp
David.”
no aparelho de televisão
“Os Trapalhões” (1975/1995), série
brasileira transmitida aos domingos, pelas 21h25, na RTP 1, entre 13 de janeiro
/ 17 de fevereiro de 1980. “Foi um programa humorístico brasileiro, criado por
Wilton Franco e protagonizado pelo grupo cómico do mesmo nome, composto por
Didi, Dedé, Mussum e Zacarias; cada um desenvolveu uma persona cénica distinta.
O grupo já obtinha sucesso na televisão e no cinema desde meados da década de
1960 [1]. (…). O programa era formulado por
várias cenas de alguns minutos, em que tomavam parte situações cómicas dos
protagonistas, às vezes com um deles, dois, três e mesmo com os quatro
Trapalhões. Os assuntos das cenas eram, por exemplo, os Trapalhões se opondo a
inimigos ou a si mesmos em disputas (nas quais Didi e qualquer um dos três
Trapalhões que estivessem do lado dele saíam vitoriosos em quase todas as
vezes), eles pregando partidas a outras pessoas e até entre si mesmos e os quatro
cooperando entre si para chegar a um objetivo comum. Houve também, ao longo dos
anos do programa, várias paródias de super-heróis tradicionais, como
Super-Homem (frequentemente interpretado por Didi por causa de seu papel de
líder), Batman (este mais interpretado por Dedé, devido ao seu papel de segundo
em comando), Homem-Aranha, Fantasma, Hulk, etc. [2] Também
houve, ao longo dos anos do programa, os Trapalhões mencionando a campanha a
favor dos deficientes físicos e a favor do menor carente.” [3] “Noves fora… nada!” (1981), concurso
transmitido às sextas-feiras, pelas 22h05, na RTP 1, entre 16 de outubro de 1981 / 5
de fevereiro de 1982. ”Artur Agostinho volta à televisão como apresentador /
animador de um novo concurso [4]. Veremos hoje o
programa zero, com emissão explicativa.” “Aliciante concurso com prémios em
ouro que podem ir até aos mil contos.” [5] Mário
Castrim: “Quanto ao concurso «Noves fora nada», fica assinalado o regresso de
Artur Agostinho e Artur Varatojo. Para o primeiro, o facto representará algo de
muito importante no seu equilíbrio humano, social, profissional. Será uma
batalha difícil. Desejo que a vença. Sobre o concurso propriamente dito,
registe-se uma frase de Varatojo: «Como eu costumava fazer antigamente…» Eis um
perigo. A televisão nunca se pode fazer como antigamente. Este concurso, na sua
primeira apresentação, sabe-me a chá requentado. Oxalá a realidade me
desminta.” [6]
____________________
[1]
Curiosidades
sobre os Trapalhões. “1.ª - Exibição por 18 anos ininterruptos de «Os
Trapalhões». Durante 18 anos, o quarteto atrapalhado Didi, Dedé, Mussum e
Zacarias animou os domingos. 2.ª - A escolha do nome completo de Didi. A
personagem de Renato Aragão chama-se Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgina
Mufumbo. A escolha do nome foi feita durante uma rábula do próprio programa.
Saiu da cabeça do próprio artista. 3.ª - A escolha do nome de Dedé. Manfried
Sant’Anna é o nome real do ator que representa a personagem Dedé Santana. O
nome é a mesma alcunha do ator, que foi dado desde criança por seu irmão. 4.ª -
A escolha do nome Mussum. Mussum surgiu antes mesmo de «Os Trapalhões». O
humorista servia no Exército e estava sempre barbeado e com a cabeça raspada e,
por isso, recebeu o apelido. Mussum é um peixe escuro e sem escamas. 5.ª - «Adoráveis
Trapalhões» (1965). Poucos fãs devem se lembrar, mas a origem de «Os
Trapalhões» chamava-se «Adoráveis Trapalhões», na TV Excelsior (1965), e tinha
no elenco Renato Aragão (Didi), Wanderley Cardoso, Ivon Cury e Ted Boy Marino. 6.ª
- Morte de Mussum pôs fim à série. A Globo tentou reviver a turma atrapalhada
com novos atores, mas não teve sucesso. Mussum morreu em 29 de julho de 1994,
quando a trupe se desfez. Já Zacarias morreu 4 anos antes, em 1990.”
[2]
Mário
Castrim: “Pelo que nos foi dado ver pela primeira emissão, que data dos
primeiros tempos de 1977, quando a «abertura» brasileira apenas buscava as
primeiras chupadas no biberão, Trapalhões orienta-se para o riso de cócegas,
riso que não quer ter juízo, quer apenas ser um riso de guizo, em suma, um riso
que em 1977 não queria ter prejuízo. Esta comicidade, este palhacismo, tem sem
dúvida as suas raízes e os principais atores da nova série são profissionais de
qualidade. Mas, como espetáculo novo, tem muitos trapos velhos. O truque das
janelas, o dos fantasmas e macacos, o da vela, são barbudíssimos. Ora múmias de
pirâmides não fazem rir. Conceda-se a dúvida ao programa. Foi a primeira emissão,
grande parte do jogo importante está na manga. Mas a recordação do «Planeta dos
homens» é uma terrível sombra. As trapalhadas inteligentes são uma coisa. As
trapalhadas chochas, são outra. E uma audiência inteligente – ai está uma coisa
em que eu profundamente acredito.”
[3]
“Os
Trapalhões em Portugal” foi um programa exibido durante três anos,
de 1995 a 1998, pela SIC em Portugal. “Depois da morte de Mussum em
1994, o programa «Os Trapalhões» ainda sobreviveria alguns meses no Brasil. Em
1995 o programa acabou por aqui, mas continuou com a dupla Renato Aragão e Dedé
Santana em Portugal. «Os Trapalhões em Portugal» foi produzido entre 1995 e
1997 pela emissora portuguesa Sociedade Independente de Comunicação (SIC),
famosa pela sua forte ligação com a TV Globo (A SIC exibe programas e
telenovelas brasileiras por lá. Até o logotipo da emissora foi criado por uma
figurinha carimbada global: Hans Donner). «Os Trapalhões em Portugal» levava a
mesma fórmula do programa consagrado no Brasil com algumas adaptações para a
realidade dos portugas. Piadas e alguns musicais, por exemplo, sofriam
alterações para termos, regiões e cidades da terrinha. Além da dupla Renato
Aragão e Dedé Santana (Lá também chamados de Didi e Dedé), havia a presença de
Roberto Guilherme (chamado no programa e conhecido entre os portugueses somente
como Pincel) e atores portugueses. Convidados completavam o casting do programa,
que após seu término ficaram muito conhecidos por lá como, por exemplo,
Cristina Möhler e a cantora Bárbara Barradas. «Os Trapalhões em Portugal» teve
relativo sucesso entre os lusitanos sendo lançado até vários VHS de momentos do
programa. Uma pena que os portugueses não tenham convivido com o humorismo de
Mussum e Zacarias também.” – Margarida
Reis, a secretária do Claxon,
Ruby, também participou nesta série, nos «Malucos do Riso» e apresentou o “Mini-Chuva
de Estrelas”. Vive nos Estados Unidos, onde casou com um norte-americano.
[4] Artur
Agostinho raspara-se para o Brasil após o 25 de abril, sob suspeitas de ser
informador da PIDE. Ainda hoje não se sabe se foi ou não. Polícia de Estado,
curiosa esta PIDE, eram poucos agentes, mas tinham uma vastíssima rede de
informadores, que os elevava à excelência. Na madrugada do dia 26 de abril,
operou-se um milagre superior ao de Fátima, não havia mais informador nenhum,
todos odiavam a odiosa PIDE.
No Brasil,
Artur Agostinho escreveu a obra “Até na prisão fui roubado!”. “Sou português,
tenho 55 anos de idade mas… não sou escritor. Porque não é escritor quem quer.
Verdade seja que nunca tive pretensão de o ser e, muito menos, vocação para
tal. (…). Tive apenas uma pretensão: respeitar a verdade – doa a quem
doer. Nada mais do que isso. (…). O livro que começo a escrever hoje, nesta
maravilhosa cidade do Rio de Janeiro, seria o segundo se o primeiro não tivesse
sido apreendido na prisão de Caxias. Creio que esse teria um conteúdo humano
bem mais forte, pois todo ele foi escrito sob um clima emocional que, até
então, eu jamais havia respirado. (…). Por mim, se um dia voltar, não deixarei
de passar por Caxias onde talvez ainda esteja, em qualquer arquivo, o
manuscrito que um dia me roubaram durante a sádica busca feita na cela
para onde me transferiram após dois meses de isolamento e onde aguardei, ainda
mais um mês, a liberdade que me concederam na véspera de Natal de 1974, para
que tudo tivesse o aspeto de um indulto muto cristão, a despeito dos terríveis crimes por mim cometidos. (…). Finalmente, entrei no edifício do
Quartel entre alas formadas por aquela soldadesca que gozava, à sua
maneira, o show que lhes oferecia gratuitamente a chegada de um preso inocente
e ainda ingenuamente convencido de que estava apenas a ser vítima de um
lamentável equívoco. (…).
Não sei
quanto tempo fiquei especado à entrada da enfermaria-prisão. Lembro-me, apenas,
que fui despertado por uma voz que me disse: «Você também? Venha para aqui e sente-se!». Olhei e vi o general
Kaúlza de Arriaga, sorridente e tranquilo, como se estivesse numa
simples e vulgaríssima reunião de amigos. Estava sentado num dos vários
colchões espalhados pelo chão da enfermaria já que as camas (embora em número
considerável) não eram suficientes para todos os «internados». (…). O general
Kaúlza – recordo-me como se fosse hoje – estava sem gravata e com barba por
fazer, sinal evidente de que também tinha sido «visitado» no cumprimento de
ordens recebidas. Aproximei-me e sentei-me também, enquanto me fixava melhor
nos meus companheiros de… «enfermaria». Havia ali muitas altas patentes das
Forças Armadas e também algumas outras pessoas que eu conhecia, pelo menos de
vista. Mas havia muita gente, para mim desconhecida. Recordo-me, porém, do
comodoro Valente de Araújo, do general Raul de Castro e de outros cujo nome não
vale a pena citar. Depois, quando mais tarde me levaram num carro celular para
Caxias, veria mais gente conhecida como Moreira Baptista, Silva Cunha, Elmano
Alves, o conde de Caria, Brás Monteiro, o pai do cavaleiro tauromáquico João
Zoio e, até o pai do Ministro Melo Antunes que seria libertado já em Caxias,
mas antes de dar entrada na cela que lhe estava reservada. Alguém quando o
facto ocorreu, comentou a propósito: «Fala-se
muto em acabar com os privilégios de alguns mas, afinal de contas, continua a
valer a pena ter um Ministro na família…».”
[5] Ouro,
precioso metal, que fantasiaria qualquer jovem portuguesa numa vida de casada
com um arquiteto ou um doutor. “Ela era uma daquelas raparigas bonitas e
encantadoras nascidas, como se fosse um erro do destino, numa família de
empregados de balcão no Grandela. Ela não tinha dote, nem expetativas, nem
meios de se tornar conhecida, compreendida, amada ou casar com um homem rico e
distinto, portanto, deixou-se casar com um funcionário irrelevante do
ministério da Educação. Vestia-se de forma simples, porque nunca tinha sido
capaz de pagar nada melhor, mas ela estava infeliz como se já tivesse sido
rica. As mulheres não pertencem a uma casta ou classe, a sua beleza,
graciosidade e chame natural tomam o lugar do berço e família. Delicadeza
natural, elegância instintiva e agudeza de espirito determinam o seu lugar na
sociedade e tornam as filhas dos plebeus iguais às mais requintadas senhoras.
Ela sofria sem parar, sentindo que tinha direito a todas as iguarias e luxos da
vida. Ela sofria por causa da pobreza da casa enquanto olhava para as paredes
sujas, as cadeiras desgastadas e as cortinas feias.”
Em “O colar”, Guy de Maupassant.
[6] Muito
moderna Ann-Margret
aderiu à moda de casar em minissaia. Casou em Las Vegas a 8 de maio de 1967. “Las
Vegas, 9 - A estrela de cinema Ann-Margret,
sueca de nascimento, casou-se, a noite passada, nesta cidade, com o ator Roger
Smith. A cerimónia realizou-se inesperadamente. Vencida pela comoção, a
atriz-cantora, de cabelos vermelhos, chorou enquanto repetia os votos de
casamento, tendo feito uma pausa, a fim de se recompor. Para Ann-Margret,
que nasceu nem 1941, em Estocolmo, foi o primeiro casamento. Roger Smith, de 32
anos, mais conhecido pelo seu papel de detetive na série de TV «77 Sunset
Strip», foi casado com a atriz, australiana de nascimento, Victoria Shaw, de
quem se divorciou em 1965.” – Razão mais que suficiente para casar com ela. Seis
anos antes, em 1961, Ann-Margret cantado “Bill
Bailey, Won't You Please… Come Home?” no screen test para o filme
“State
Fair” (1962), real. José Ferrer, c/ Pat Boone, Bobby Darin, Pamela
Tiffin… sob o título local “A feira da vida” estreado segunda, 19 de novembro
de 1962 no Tivoli.
na aparelhagem stereo
Enquanto
a principal - e única - reivindicação do movimento #MeToo: que as mulheres
possam aceder a quartos de hotéis de homens sem serem descuecadas, para beber,
comer, snifar, numa camaradagem entre iguais, não tem expressão na lei – para
que os homens não paralisem, ensinam-se nas escolas inclusivas, para convívio sociável
intergéneros, que as mulheres nascem com um manual de instruções: “O
que elas não gostam na cama”. “Torcer e esborrachar os seios. Esqueça
o que viu nos filmes pornográficos! A não ser que ela lhe dê indicações para
tal... Não aperte os seios selvaticamente, não lhe dê estaladas, nem torça os
mamilos como se estivesse a sintonizar o rádio. Lamba, acaricie, beije e
massaje carinhosamente. Tal como referido acima, aprenda a interpretar os
sinais que lhe são passados. Ignorar as restantes partes do corpo. Contrariamente aos homens as
mulheres têm mais zonas erógenas, por isso não salte diretamente para a vagina
como se o mundo fosse acabar amanhã! Acaricie, lamba e beije as várias zonas
aprendendo a apreciar esses momentos… vai deixá-la (ainda mais) louca de
desejo! Não avisar na hora H.
Tenha a decência e o cuidado de avisar quando estiver pronto a ejacular,
principalmente se for sexo oral. Cabe à mulher decidir como quer terminar. Não
obstante, não deverá ejacular para cima dela sem falar primeiro sobre o
assunto. Empurrar a cabeça no sexo oral.
Se está a receber relaxe e aprecie o momento. Não agarre a cabeça para fazer o
movimento e deixe ser ela a comandar. Também não caia no erro de estar a
puxar-lhe a cabeça para o pénis como que a dar-lhe a dica, enquanto ela o está
a beijar por exemplo. Ela há de lá chegar, mas caso não, fale com ela
sedutoramente ou faça-lhe primeiro sexo oral.” [1]
Gostos
dos anos oitenta:
█ ”Jailbait”
(1985), p/ Lemmy & Wendy O. Williams. “Em
1985, Wendy O. Williams, dos Plasmatics, convidou Lemmy Kilmister e ‘Würzel’
para tocarem o clássico dos Motörhead, «Jailbait»
do álbum «Ace Of Spades» (1980), ao vivo no Camden Palace Theatre, em Londres. O
concerto foi filmado e lançado num DVD chamado «Bump ‘N’ Grind». Também inclui
outra versão dos Motörhead, «No Class», embora ‘Würzel’ e Lemmy não se tenham
juntado a Wendy no palco durante essa música.”
█ “(Work
That Muscle) Fuck That Booty” (1986), p/ Wendy
O. Williams. Canção incluída no seu segundo álbum a solo, “Kommander of
Kaos”, gravado em 1984 mas só editado em 1986. “Saindo de casa aos 16 anos,
Wendy viajou à boleia pelo Colorado, ganhando dinheiro tricotando biquínis.
Viajou para a Florida e Europa aterrando em vários empregos como
nadadora-salvadora, stripper,
cozinheira macrobiótica e empregada no Dunkin' Donuts. Após chegar a Nova
Iorque em 1976, começou a atuar em espetáculos de sexo ao vivo e em 1979
apareceu no filme porno «Candy Goes to
Hollywood». Nesse ano o agente Rod Swenson recrutou-a para os Plasmatics
e envolveram-se romanticamente. A banda rapidamente tornou-se conhecida na cena
underground local, atuando em clubes
como o CBGB. (…). Os seus professores e outras fontes descrevem Wendy Williams
como uma criança tímida de voz apagada, aluna mediana, que aprendeu a tocar muito
bem clarinete na banda da escola – embora ela se tenha descrito imensas vezes
como sentindo-se uma pária e era incompreendida pelos seus pais severos, a quem
se referia como «cocktail zombies». Swenson lembrou uma entrevista na qual
Wendy lhe disse que houve tentativas para a internar depois de se ter tornado
adolescente rebelde. Dizia-se que ela «experimentou drogas e sexo desbragado»
na adolescência (embora anos mais tarde, como adulta, em 1979, inícios de 80,
se tornaria abstemia, nas palavras do seu parceiro). (…). Wendy tentou
suicidar-se pela primeira vez em 1993 espetando uma faca no peito que se alojou
no esterno. Entretanto, ela mudou de ideias e telefonou a Rod Swenson para a
levar ao hospital. Tentou suicídio outra vez em 1997 com uma overdose de efedrina.
Wendy morreu de ferimento de bala autoinfligido em 2 de abril de 1998, quando
tinha 48 anos. Swenson, o seu parceiro há mais de 20 anos, regressou à casa
onde viveram desde que se mudaram do Connecticut para Nova Iorque. Encontrou um
pacote que ela deixou para ele contendo talharim de que ele gostava, uma saqueta
de sementes de hortaliças para cultivar, balsamo de massagem oriental e cartas
fechadas dela. As cartas de suicídio, que incluíam um testamento vital negando
suporte de vida, uma carta de amor para Swenson e várias coisas a fazer,
levaram-no a que procurasse por ela no bosque. Cerca de uma hora depois, ao
anoitecer, ele encontrou o corpo numa área arborizada com a pistola ao lado.
Ela aparentemente tinha estado a alimentar esquilos antes do suicídio, bem como
colocara um saco na cabeça antes de disparar para poupar o companheiro da horrível
visão. «O ato da Wendy não foi um ato irracional espontâneo», disse ele;
durante quatro anos ela ponderou o suicido. Swenson descreveu-a como
«desanimada» no momento da morte.”
█ “Massacre
à l'Electrode (M.A.E)” (1979), p/ Artefact. “O meu nome
é Eric Vennettilli, também conhecido como Riton V., também conhecido como
Dynamo, nascido em 23 de janeiro de 1959 sob o signo de Aquário, criado em
Villejuif, cidade-dormitório dos subúrbios de Paris. Setembro de
1975, primeiro encontro com Maurice ‘G’ Dantec no centro cultural da Romain
Rolland High School em Ivry-sur-Seine. Uma espécie de sala de alunos informal,
nascida das experimentações de 68, dinamizada por Jean-Bernard ‘Pouy Pouy’, um
irmão mais velho que nos introduz (e nosso camarada Tonino Benacquista) na
literatura policial e ficção científica, nas teorias artístico-políticas dos
situacionistas ou no cinema de Chris Marker («La jetée») e George Lucas («THX
1138», «American Graffiti»). Os meus espetáculos marcantes: Led Zeppelin e Deep
Purple em 1973, Lou Reed no Olympia na época do Rock ‘n’ Roll Animal, «Foutoir»,
peça de teatro de Marc Caro no festival de Avignon, «Einstein on the Beach»,
com a música de Philip Glass, o concerto de Nico e Tangerine Dream na catedral
de Reims (um milagre), os Kraftwerk no Ba-ta-clan para a tournée Autobahn. No
concerto dos Hawkwind encontro a filha de um músico contemporâneo, Paul Mefano,
que me iniciará em Stockhausen, Pierre Henry, Xenakis, Terry Riley e outros
papas das experiências concretas ou repetitivas. Dantec
(cabelos compridos, t-shirt dos Blue Oyster Cult) é fã de heavy metal e dos New
York Dolls, eu próprio sou de Lou Reed e Roxy Music. Compartilhamos a nossa
paixão musical por Stooges, Bowie, Kraftwerk ou Ramones, e literária por
Burroughs («The Wild Boys: A Book of the Dead»), Bukowsky, Ballard («Crash»),
Philip K. Dick («Ubik»), Norman Spinrad («Final Chaos»), e outros escritores do
cyberpunk. Começámos a sonhar em
fazer figuração no filme de Jodorowsky «Dune». Mas, como o projeto do filme
capotou, partimos de camionete para o deserto marroquino durante o verão. (…). Em
1977, o movimento radicalizou-se. Somos fascinados por Baader e Mesrine [2]. Juntámo-nos à manifestação antinuclear de
Creys-Malville ao som dos Sex Pistols, depois de ter enviado um texto comum,
«Como garantir o caracter violento da manifestação de Creys-Malville», a ser
publicada pelo Libération. Engolimos os concertos: Clash, Jam, Cherry Vanilla e
Wayne County no Palais des Glaces, Iggy Pop em Pantin, Johnny Thunder e os
Heartbreakers, Dave Vanium e os Damned. A ideia de fundar um grupo de punk rock
ultraviolento obcecava-nos, ao meu amigo Marc e a mim. No final de
novembro, o projeto materializa-se. Maurice decide, e encontramo-nos na cave do
pavilhão suburbano de seu pai, em Nogent-sur-Marne. O grupo é então chamado
État d’Urgence. Algumas semanas após a sua formação, Jean Ternisien junta-se a
nós, e o nosso primeiro concerto ocorre no anfiteatro N da universidade de Tolbiac,
no meio de uma manif. Tocamos as nossas quatro canções cyberpunk («(RAF Propaganda», «Sans Contrôle», «Massacre à
l'Electrode», «Brigade Interférences») e depois fugimos com o equipamento todo
podre antes das cargas da CRS.” [3]
____________________
[1] Totalmente livres, sem manual algum, resplandecem
as modelos russas. Sati, 1,84 m, 48 kg, 82-80-89,
sapatos 37, nascida a 12 de março de 1989 em Podolsk, Moscovo, t.c.c. Cady,
Karina, Karina K, Keri, Keri B, Sadie. Sites:
{The
Nude} {Indexxx} {Met-Art}
{Met-Art}
{MPLStudios}
{Domai}.
“Ela é a mais enigmática das nossas modelos. Grig pouco soube sobre ela. Sati
vive numa pequena cidade perto de Moscovo. Ela é muito parecida com uma
personagem do programa de TV russo «Star Fabric». Talvez, Sati não seja uma
personagem típica da viagem do mestre a Moscovo. Se a tivesse conhecido em
Volgograd, ele teria fotografado mais e descoberto diferentes matizes da sua
vida. Talvez você consiga decifrar o seu mistério nas fotos e na pequena
entrevista. O rosto e sorriso de Sati são lindos. O semblante sempre sério faz
com que as pessoas vejam a sua luta interior e dúvidas. Ela disse a Grig que
nunca perdoa as ofensas e é muito vingativa. Consegue imaginar de onde vem a
sua tatuagem? Aquele dragão
verde foi um presente do namorado quando ela atingiu a maioridade. Feito
desesperado. Sati é uma rapariga modesta mas autoconfiante. Ela é a única
pessoa que Galitsin não conseguiu expor até à alma. Se não fosse a sua doença,
o mestre teria sido capaz de passar mais tempo com ela fotografando e
aproximando-se.” Entrevista: P:
“Quais pensas que são os teus melhores atributos?”, Sati: “A tatuagem.” P: “Cor
favorita?”, Sati: “Verde.” P: “Programas de TV favoritos, lista de nomes”,
Sati: “Star Fabric.” P: “Livros favoritos, lista de títulos”, Sati: “The
Coronation, Boris Akunin.” P: “Filmes favoritos, lista de títulos”, Sati: “Azazel.”
P: “Revistas favoritas, lista de nomes”, Sati: “UFO.” P: “Música favorita,
lista de títulos”, Sati: “Música de dança.” P: “Altura favorita do dia,
porquê?”, Sati: “Gosto do dia todo. Cada parte é especial por si só.” P: “Qual é
a tua formação? Curso?”, Sati: “Estudante.” P: “Falas outras línguas? Se assim
for, diz-me algo nessa língua”, Sati: “Não.”, P: “Lugar favorito para viajar, relaxar
ou visitar”, Sati: “Gosto de cafés.” P: “Quais foram os locais que visitaste?”,
Sati: “Só na Rússia.” P: “Qual é o teu feriado preferido? (Natal, dia dos
namorados, dia de ação de graças, etc.)”, Sati: “O meu aniversário.” P: “Comida
favorita, lanches, doces”, Sati: “Pudim de doce.” P: “Qual é o teu carro de
sonho?”, Sati: “BMW.” P: “Qual é o teu emprego de sonho?”, Sati: “Esteticista.”
P: “Descreve o teu lugar favorito para fazer compras”, Sati: “Gosto de centros
comerciais.” P: “Assistes a desporto, se sim, quais são as tuas equipas
favoritas?”, Sati: “Não.” P: “Quais são os teus passatempos?”, Sati: “Desenhar.”
P: “Preferência de bebidas, alcoólicas e não alcoólicas”, Sati: “Coca-Cola.” P:
“Tens algum animal de estimação?”, Sati: “Não.” P: “Estado civil?”, Sati:
“Solteira.” P: “O meu pior hábito é…”, Sati: “Roer as unhas.” P: “A única coisa
que não suporto é…”, Sati: “Mentirosos.” P: “Que animal melhor descreve a tua
personalidade e porquê?”, Sati: “O dragão.” P: “As pessoas que me conheceram no
liceu pensavam que eu era…”, Sati: “Misteriosa.” P: “Como é que descontrais ou
passas o teu tempo livre?”, Sati: “Vou dar um passeio até à floresta. É calmo
lá.” P: “Qual foi o momento mais feliz da tua vida?”, Sati: “Desfruto cada
momento da minha vida.” P: “Quais são as tuas esperanças e sonhos”, Sati: “Vou
mantê-los em segredo para não serem desconsiderados.” P: “O melhor conselho que
já me deram foi…”, Sati: “Para fazer uma tatuagem.” P: “O pior conselho que me
deram…”, Sati: “Para deixar os estudos.” P: “Que tipo de cuecas usas, se
algumas”, Sati: “Tanga.” P: “O tamanho importa? Qual é a tua medida ideal?”,
Sati: “O mediano.” P: “Descreve a tua primeira vez (pormenores, local, pensamentos,
satisfação, etc.)”, Sati: “Não quero entrar em detalhes, mas foi com uma pessoa
que amei e não me arrependo disso.” P: “O que te excita?”, Sati: “Perfumes
caros.” P: “O que te desliga?”, Sati: “Falta de educação.” P: “O que te faz
sentir mais desejada?”, Sati: “Palavras de amor.” P: “Melhor maneira de te dar
um orgasmo”, Sati: “Festas no clitóris.” P: “Masturbas-te? Com que frequência?
(dedo, brinquedos ou ambos)”, Sati: “Muito raramente num banho cheio de espuma.”
P: “Qual foi o teu primeiro fetiche, se algum?”, Sati: “Chicote de borracha.”
P: “Qual é o lugar mais exótico ou invulgar em que fizeste sexo? Ou onde
gostarias que fosse?”, Sati: “No quintal da minha casa.” P: “Posição sexual
favorita, porquê?”, Sati: “À canzana.” P: “Descreve um dia típico da tua vida”,
Sati: “Não tenho dias típicos. Cada dia é único e diferente.” P: “Tens alguma
curiosidade sexual que gostasses de explorar ou tivesses explorado? Por favor,
descreve com pormenores (rapariga / rapariga, voyeurismo, etc.)”, Sati:
“Fressura.” P: “Descreve em detalhe a tua fantasia sexual favorita”, Sati:
“Quero fazer amor à sombra da Grande Muralha da China.” P: “Se pudesses ser
fotografada de qualquer forma, em qualquer cenário, qual escolhias? O que te
faria sentir mais desejada, mais sensual?), Sati: “Quero ser fotografada numa
casinha chinesa circundada de uma atmosfera antiga.” Obra fotográfica: {fotos1}
{fotos2}
{fotos3}
{fotos4}.
[2] Foi assassinado pela polícia francesa. “Jacques
Mesrine, (28 de dezembro de 1936 / 2 de novembro de 1979), foi um
marginal francês responsável por numerosos assassinatos, assaltos a bancos,
roubos e sequestros, em França, Espanha, Suíça, Itália, Bélgica e Canadá.
Mesrine escapou várias vezes da prisão e fez manchetes internacionais durante o
período final, como fugitivo, quando as suas façanhas incluíam tentar
sequestrar o juiz que o havia condenado anteriormente. Uma aptidão para o
disfarce valeu-lhe a alcunha ‘O homem das mil caras’, e permitiu que ele
permanecesse em liberdade enquanto recebia abundante publicidade como um homem
procurado. Mesrine era visto por larga maioria como um Robin dos Bosques
anti-establishment. Sustentando a sua imagem carismática, ele raramente estava
sem uma companheira glamourosa. (…). A unidade especial de polícia encarregada
de encontrar e capturar Mesrine descobriu ser impossível localizá-lo
diretamente. Por fim, usando informação fornecida pelo jornalista Jacques
Tiller (que se queria vingar) apuraram a matrícula do carro que uma mulher
chamada Sylvia
Jeanjacquot, que acreditava-se ser amante de Mesrine, tinha usado e
verificaram as multas de estacionamento que ela recebera nos meses anteriores.
Estas multas indicaram que ela estava a frequentar um certo bairro sem razão
aparente. Patrulhas à paisana vasculharam a área e um homem que encaixava na descrição
de Mesrine foi avistado passeando com uma mulher que se acreditava ser Sylvia,
a 31 de outubro de 1979. Um guarda que viu Mesrine em tribunal confirmou a
identificação notando a compleição física distintiva de Mesrine. O casal foi
seguido até casa e o seu prédio vigiado 24 sobre 24 horas. Dois dias depois, a
2 de novembro de 1979, o casal deixou o apartamento para um fim de semana no
campo, levando consigo o caniche alperce de Sylvia. Mesrine e Sylvia chegaram à
Porte de Clignancourt, nos arredores de Paris, quando o BMW dourado em que
seguiam foi encurralado na entrada de um cruzamento, um caminhão diante do
carro, imediatamente atiradores da polícia na traseira levantam a lona e
disparam à vontade. Gabaram-se os guardas, que no instante antes de abrirem
fogo, os olhos de Mesrine de tão chocados, pareciam estar saindo da cabeça quando
ele percebeu que estava cercado. Vinte e um tiros foram disparados à queima-roupa;
Mesrine foi atingido 18 vezes. Um golpe de misericórdia foi então administrado
com uma pistola. Sylvia Jeanjacquot perdeu um olho e sofreu danos duradouros no
braço. O seu cão de estimação, Fripouille, foi morto.”
[3] Polícia é a melhor profissão do mundo, podem matar à
descrição, são louvados e bem pagos pela classe social que protegem e, para não
se cansarem muito, são ajudados pela população. “Quando se encontra um
assassino que matou seis pessoas, não esperamos deparar-nos com uma jovem
minúscula nervosa carregando um bebé. «O meu primeiro trabalho foi há dois anos
numa província próxima. Estava muito assustada e nervosa porque era a minha
primeira vez». Maria, nome falso, atualmente executa assassinatos por contrato
como parte de uma guerra sancionada pelo governo contra as drogas. Ela faz
parte de uma equipa de assassinos que inclui três mulheres, que são apreciadas,
porque podem aproximar-se da sua vítima sem levantar suspeitas, que um homem
levantaria. Desde que o presidente Duterte foi eleito e incitou os cidadãos e a
polícia a matarem vendedores de droga que resistissem à prisão, Maria matou
mais cinco pessoas, todas com um tiro na cabeça. Perguntei-lhe quem dava a
ordem para esses assassinatos. «O nosso chefe, o comandante da polícia», disse
ela. Na mesma tarde em que nos encontramos, ela e o marido souberam que a sua
casa fora exposta. Eles estão a mudar-se na bisga. Esta controversa guerra às
drogas trouxe-lhe mais trabalho, mas também mais riscos. Ela explicou como
começou, quando o marido foi contratado, por um polícia, para matar um devedor,
que era também vendedor de droga. «O meu marido era mandado matar pessoas que
não pagavam o que deviam. Isto transformou-se num trabalho regular para ele até
que uma situação mais complicada surgiu. Uma vez, eles precisavam de uma
mulher… o meu marido chamou-me para fazer o trabalho. Quando vi o homem,
era suposto matá-lo, cheguei perto dele e dei-lhe um tiro». Maria
e o marido vêm de um bairro empobrecido de Manila e não tinham rendimento
regular antes de concordarem em tornarem-se assassinos a soldo. Ganham até
20 000 pesos filipinos (376 €) por trabalho, o que é partilhado entre três
ou quatro deles. Isto é uma fortuna para filipinos de baixo rendimento, mas
agora parece que Maria não tem saída. O assassinato por contrato não é novidade
nas Filipinas. Mas os esquadrões da morte nunca estiveram tão ocupados como
agora. O presidente Duterte enviou uma mensagem inequívoca. Antes da eleição,
prometeu matar 10 000 criminosos nos primeiros meses de mandato. E
alertou em particular os traficantes de droga: «Não destruam o meu país,
porque vou matar-vos». No último fim de semana [20/21 de agosto de
2016], ele reiterou esse ponto de vista franco, ao defender as execuções
extrajudiciais de suspeitos de crimes. «Será que a vida de 10 desses criminosos
realmente importa? Se for eu a enfrentar toda esta dor, 100 vidas desses
idiotas significam alguma coisa para mim?» O que provocou o presidente das
declarações ríspidas a desencadear esta campanha impiedosa é a proliferação de
cristal ou «shabu», como é conhecida nas Filipinas. Barata, fácil de fabricar e
altamente viciante, proporciona uma pedrada instantânea, um escape da imundice
e vida de escravidão nos bairros de lata, um carburante para meter as pessoas
em trabalhos extenuantes, como conduzir camiões o dia todo. Muitas vezes
chamado «ice» ou «crystal meth» ou metanfetamina no ocidente, «Shabu» é o termo
usado para uma forma pura e potente de anfetamina nas Filipinas e outras partes
da Ásia. Custa cerca de 1000 pesos filipinos (19 €). Pode ser fumada, injetada,
snifada ou dissolvida na água. As Filipinas abrigam laboratórios de escala
industrial que produzem toneladas da droga, que depois é distribuída pela Ásia.
(…). Maria também lamenta a escolha que fez. «Sinto-me culpada e isso é duro
para os meus nervos. Não quero que as famílias daqueles que matei venham
atrás de mim». Ela preocupa-se com o que os seus filhos irão pensar. «Não
quero que eles se voltem contra nós e digam que viveram porque matámos por
dinheiro». O seu filho mais velho já faz perguntas sobre como ela e o marido
ganham tanto. Ela tem mais um assassinato, mais um contrato para cumprir, e
gostaria que fosse o último. Mas o seu chefe ameaçou matar quem abandonasse a
equipa. Ela sente-se encurralada. Ela pede ao padre absolvição durante a
confissão, mas não se atreve a dizer-lhe o que faz. Sente ela alguma legitimação
levando a cabo a campanha do presidente Duterte para aterrorizar o tráfico de
droga? «Só falamos sobre a missão, como realizá-la», diz ela. «Quando está
terminada, nunca mais falamos sobre isso».”