Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sábado, agosto 21, 2010

Ólh’as n’tícias fresquinhas, freguês!
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Parte 2
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A violência de Stallone, o dulçor do beijo lésbico, o laisser aller deuses de Nick Cave [1], o julgamento de Deus no final [2], um herói na Índia, “um Cristo espacial africano branco[3], um grande futuro pela frente: Jackie Evancho, concorrente no programa “America’s Got Talent”, um grande futuro para trás: Alberto Martins, ministro na Justiça: “a Justiça precisa de serenidade e de responsabilidade” [4], a fita sexual de Eva Mendes, a fita da filha do actor Laurence Fishburne, Montana Fishburne, no porno [5], contrastam como Tara Reid, nas ruas, ou na ultraconservadora revista Playboy. Nesta heraclítea guerra, os opostos: “o mar é bebível para os peixes, imbebível para o homem”, atarantam. Num mar de informação, o cérebro fixa banalidades, que se repetem como rasgo de muita erudição. Comprova-o Rui Pereira. O ministro da Administração Interna, remémoro da lábia aos alemães da pop star americana Kennedy: “eu sou um berlinense”, papagueou nas comemorações dos 80 anos da Liga dos Bombeiros: “eu disse que hoje era bombeiro, fazendo uma paráfrase de um afirmação de John Kennedy, como compreendem, porque me sinto do lado dos bombeiros, não por ter praticado nenhum acto heróico, mas porque não me sinto do lado de lá, sinto-me do lado de cá”.
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[1] Vídeo realizado por John Hillcoat para o 2º CD dos Grinderman (Setembro de 2010); a edição limitada do 1º single em vinil oferenda “Super Heathen Child”, com a guitarra de Robert Fripp.
[2] “Só Deus Me Julgará”, frase tatuada no "fim" das costas (entre omoplatas) de Bastet, deusa da fertilidade para os egípcios, esposa para João Cabeleira, guitarrista dos Xutos & Pontapés; uma stripper, autora publicada, que revolucionará o meio intelectual português com um “projecto elegante que vai tirar o strip das casas de alterne”, e a barrela: "faço a lida da casa nua".
[3] Frase do filme “Get Him to the Greek” (2010), com Russell Brand, no papel de uma estrela de rock que editou um prometedor disco: “quando as pessoas olharem para a História da Música dirão ‘Sgt. Pepper’s’ ‘African Child’”. O fracasso. As críticas do NME: “a pior coisa que aconteceu a África desde o apartheid” e a via normal do álcool, drogas e expor o pénis em público.
[4] Blablabla o ministro: “a Amnistia Internacional fala em dois casos. Quanto a esses casos de alegada tortura, 2004 e 2005, naturalmente que a generalidade dos casos, os milhares de investigações da Polícia Judiciária não sofreram qualquer apreciação negativa”… blablabla porque os peritos portugueses não caçaram os responsáveis pelas agressões durante o interrogatório de Leonor Cipriano.
[5] Tiraram-lhe o cabaço aos 16 anos, no liceu, e adorou: “já que gosto de sexo, (…) queria experimentar tudo o que pudesse gostar, qualquer fantasia que pudesse gostar, e o porno é a forma de eu explorar isso”. Estreou-se na Freaky Empire no filme “Phatty’s Rhymes and Dimes # 14”, com o pseudónimo de Chippy D, e no rap “Oh, and It’s Shaved” do gentleman porn star Brian Pumper; assalariada depois pela Vivid.
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Os carneiros de Panúrgio [1], a manada, o bando, a cáfila – consoante as opções políticas ou futebolísticas pessoais – são carguejados por profissionais, engravidados nos Cursos de Jornalismo, de uma ética profissional, saturada de isenção e objectividade. De lacinho, nas redacções dos jornais, sentados numa fauteuil, de perna traçada, enfrentando as câmaras de TV, tarocam respeitabilidade e verticalidade “e ninguém ao cume vai” [2] … excepto quem de direito. Os jornalistas estão sujeitos ao pagamento da telha e da corveia ao seu senhor como qualquer retreta. Perry White, director do Daily Planet, espanejou-lhes as funções: “Lois, há três coisas que vendem jornais: tragédias, sexo e o Super-homem. As pessoas estão fartas de tragédias, sabemos que não sabes escrever sobre sexo, e isso significa uma coisa, certo? Essa coisa é o Super-homem e tu sabes isso, Lois” – em “Superman Returns” (2006); e em Portugal arremata-se com… comer bifes. A nossa Lois Lane, o “intrépido repórter” Mário Crespo, acamurçado no U.S.A., divulgou no Parlamento as mínguas da classe: “esta gente é quem compila e quem faz a informação diária. Esta gente tem que ter tempo para ir, tem que ter dinheiro para ir, para ir, à noite ao Snob, como se ia antigamente, discutir e comer um bife e falar e falar das coisas. Dizer mal dos políticos, se me dão licença, e mal dos jornalistas, como nós dizemos muito mal também uns dos outros”. As conclusões da parlamentar Comissão de Ética, sobre o plano do Governo para controlar a Comunicação Social, foram publicadas no verso dos pacotes de leite: jovens! pensem! “When I Grow Up[3] escolham bem! prefiram uma profissão que come bifes [4].
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[1] Personagem no “Pantagruel” de Rabelais; na viagem, por mar, ao país das lanternas, Panúrgio tem uma desavença com o comerciante de carneiros Dindenault, para se vingar, compra-lhe um carneiro e atira-o ao mar. O restante rebanho segue o exemplo e os balidos desse carneiro, afogando-se todos.
[2] O acordeonista desfaz os malentendidos: “o cume é o ponto mais alto que existe numa serra” na desgarrada “O Cume da Serra”, dos Minhotos Marotos; as letras de Cláudia Martins e Tiago Fernandes cantadas ao desafio, acompanhados à concertina, cavaquinho, órgão, guitarra e bateria – “Todos Queriam Tocar Nela” ♣ “Dança do Bicho”.
[3] De Fever Ray, pseudónimo de Karin Dreijer Andersson, no seu álbum a solo, editado no ano passado; foi vocalista e guitarrista no grupo sueco de rock alternativo Honey Is Cool; em 1999, com o irmão, Olof Dreijer, forma o duo de música electrónica The Knife – “Triangle Walks” ♣ “Seven” ♣ “Keep the Streets Empty For Me” ♣ e uma versão de “Stranger Than Kindness”, de Nick Cave e Anita Lane, incluída na edição deluxe do CD.
[4] Crespo, contra o lambidismo e a pressão sobre jornalistas, permanganiza a sua exposição com publicidade à empresa Cão Azul: dorme ele com uma das suas irreverentes t-shirts.
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(O relógio da dívida; a portuguesa só descende, efeito das favoráveis oportunidades de trabalho: alugar varandas para ver o Papa, vender vuvuzelas e a China está a contratar brancos, para posarem nas empresas como… brancos. “A cara, dizemos na China, é mais importante do que o vida”: Zhang Haihua, autora de “Think Like Chinese”, uma cara laroca pálida numa empresa é um sinal de dinheiro, prestígio, contactos no estrangeiro e impressiona os concorrentes).
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[British Library – alocou, no caramanchão do livre acesso, um repolhudo arquivo sonoro: o mais antigo, os cilindros de cera, gravados em 1898, pelo antropólogo Alfred Cort Haddon, dos cânticos dos aborígenes das ilhas Torres Strait, na Austrália – contendo quase 28 000 gravações, num pot-pourri de sons do mundo: música étnica de Moçambique, Zâmbia, Malawi; música clássica ou o caruncho bumwa mascando, às 4 da manhã, o caixilho de uma janela, de uma casa Assamese, na Índia, c/ grilos de bónus].
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[Warm Leatherette – lado B de “T.V.O.D.” (1978), único single do grupo The Normal, jóia da cold wave: – género contemporâneo do punk rock, alinhando pela mesma atitude do “faça você mesmo”, contra o saber musical e técnica de execução da charanga top das editoras endinheiradas, mas substituindo os instrumentos convencionais do rock pelos sintetizadores: “o que me chateava no punk rock, era ter de aprender 3 acordes para estar numa banda punk, possuindo um sintetizador, bastava carregar num botão com um dedo” – dizia Daniel Miller*, único membro do grupo The Normal. Em 1977, alombou ele que nem um mouro, arrecadou umas massas, esbanjou-as num sintetizador Korg 700S em segunda mão e num gravador de 4 pistas Revox B-77, e gravou as duas canções do single na sua sala de estar. A letra do lado B foi abalroada pela novela “Crash” (1973), de J.G. Ballard**, recomendada por um amigo, para o animar, após separação de uma predilecta namorada, muito Bernard Shaw: “o amor consiste em sobrestimar as diferenças entre uma mulher e outra”.
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* “Padrinho do technopop” e fundador da Mute Records: que descola para o sucesso em 1979 com a edição do artista avant-garde da electrónica Fad Gadget. Miller também publicou “Live At West Runton Pavilion” (1979) com Robert Rental; criou em 1980, a banda ficcional Silicon Teens apresentados aos jornalistas como Darryl, Jacki, Paul and Diane, papéis representados por actores; tocou sintetizador como Dr. Death em Come; produziu o singleStay With Me Tonight”, do guitarrista escocês Alex Fergusson, com o pseudónimo Larry Least; obra em nome próprio; com o colega Gareth Jones, produtor dos Depeche Mode, edita remixes dos Can, Neu!, Kreidler, Pizzicato Five, Goldfrapp, Faust, etc. sob o nome Sunroof.
** Fenecido no ano passado, morador nos subúrbios de Londres: Shepperton, linotipou o ritornelo do século XX. Uma utopia tenebrosa ou cacotopia – da crítica de Stuart Mill, (1868), no parlamento inglês, à política fundiária irlandesa do Governo: “é, provavelmente, demasiado elogioso chamar-lhes utópicos; deveriam em vez disso ser chamados distópicos, ou cacotópicos. (…) O que eles parecem defender é demasiado mau para ser praticável” – que o século XXI colorizará. Futurou Ballard numa entrevista: “a violência terá o mesmo papel nos anos 70-80 que o sexo nas décadas de 50-60” (…) “e o acidente de carro é, provavelmente, o único acto de violência em que muitos de nós, na civilização ocidental, seremos alguma vez envolvidos”; o século XXI incorporou a violência. Os acidentes rodoviários são perfunctórios, a violência deslocou-se para os corpos: a raiva de Melodi Dushane, 25 anos, frustrada por não papar os seus mcfritados de frango, não é “coisa temporária”, como numa “Girl in Trouble” (dos Romeo Void). É algo permanente. Ontológico. O essencial do 21º século.
Na sua história favorita, “Why I Want to Fuck Ronald Reagan” (1968), Ballard amolga o presidente da Nova Era: dos “políticos mediáticos”: “Reagan foi o primeiro político a explorar o facto de a sua audiência televisiva não ouvir com atenção, ou não ouvia de todo, o que ele dizia e, na verdade, podia até deduzir, dos seus modos e apresentação, que ele dizia exactamente o contrário das palavras que saíam da sua boca”. Retratou-se, numa entrevista, que não queria fornicar Reagan, “Hillary Clinton, talvez. Se compreende o que eu digo”.
A parlanda política, o garrular dos líderes, são direitos adquiridos no século XXI. A fixação erótica, freudiana, na boca que emite sons, apintalhou-a, entre nós, o mais ínclito português, a nossa Capela Sistina, o Ângelo Correia, na rentrée do seu partido, numa sardinhada, a 12 € por comensal, no Algarve: “é uma ideia de renascimento do Partido. O país está, ‘tá doente. A vida política e a vida pública estão muito contaminadas e o país está à espera de uma renovação dos partidos e na acção partidária”. O espasmo (psico)sexual da identificação com o líder deus pai, explica-o, como ambivalência, Freud, nos “Ensaios de Psicanálise”: “o complexo de Édipo sofre uma inversão; que o pai, na sequência de uma espécie de efeminização, torna-se o objecto donde os impulsos sexuais esperam a sua satisfação: neste caso, a identificação com o pai constitui a fase preliminar da objectivação sexual do pai”. O pai visionado por Ângelo Correia, não como o pénis martelo pneumático que angustia, mas o pénis docinho e molinho como um pão-de-ló, que suprime o estado de tensão psíquica e, no caso da política, acautelará felicidade para o país. “Ballardiano”! o adjectivo diagnostica as patologias do final do século XX que, no século XXI, são simples higidez.
PS: o seu poema “The Assassination of John F. Kennedy Considered as a Downhill Motor Race” comparado com a origem: “The Crucifixion Considered as an Uphill Bicycle Race” de Alfred Jarry.
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Valhacouto de Warm Leatherette: os belgas Absolute Body Control ♣ os austríacos Blizzfrizz ♣ as artistas de Berlim Chicks on Speed ♣ o produtor e remixer Peter Rauhofer no seu aliás Club 69 ♣ os alemães Die Tödliche Doris ♣ de Birmingham os Duran Duran ♣ a jamaicana Grace Jones ♣ de Maryland, Estados Unidos, o artista visual Erik Stange como Grammal Seizure ♣ de Florença os NeonNick Anthony ♣ o canadiano Robert Weston sob o nome Prayer Tower ♣ os Sleep Chamber de John Zewizz Trent Reznor, Jeordie White, Peter Murphy e Atticus Ross ♣ o produtor DJ francês Vitalic ♣ misturado pelo DJ Saeed Younan ♣ de Paris, o duo Zombie Zombie, constituído pelo teclista Etienne Jaumet e pelo baterista Cosmic Neman].