Passar de cavalo para burro é mau mas descer abaixo de burro não. Que o diga Plutão! Situado nos confins do sistema solar, a uma distância de seis mil milhões de quilómetros da Terra, fez-se difícil de encontrar, como se fosse a carta “Black Lotus” do jogo “Magic: the Gathering”. Percival Lowell procurou mas morreu de velho e não achou. Foi o jovem Clyde Tombaugh, em 1930, quem localizou o evasivo corpo celeste. Venetia Phair, uma criança inglesa, de 11 anos, propôs-lhe o nome quando os encanecidos sábios não chegavam a acordo. Desenterram-lhe um satélite que, para fazer pandan com o deus dos infernos, foi baptizado de Caronte (o barqueiro do Estige, rio que descreve nove círculos em torno do inferno). E, durante anos, rodou em volta do sol no seu demorado período orbital de 248 anos. No ano de 2005, o telescópio Hubble descobre-lhe mais dois satélites. Os finórios astrónomos, para manterem tudo em família, apelidaram-lhes de Nix, mãe de Caronte e deusa da Morte e da Escuridão, e Hydra, o monstro de cabeça de serpentes e corpo de dragão que guarda o mundo interior de Plutão. Estava composto um belo bouquet para inspirar contos negros como “A dream of wolves in the snow” dos Cradle of Filth.
Mas em 2006, nem de propósito, principia uma verdadeira descida aos infernos para o 9º planeta. Após o achamento doutro objecto sideral, também situado no cinto de Kuiper, a União Astronómica Internacional decide modificar a definição de planeta, e cria a categoria de nano-planeta, para Plutão e o recém-descoberto pedregulho, apelidado de Éris (a deusa da Discórdia). Plutão passou de cavalo para burro por assim dizer. Mas os cientistas não estavam satisfeitos com esta terminologia. Em 2007, o ex-planeta sofre outra despromoção. É incluído na segunda posição desta nova categoria porque Éris é realmente granjola. E o que pinta o nono calhau a contar do sol neste enredo de palavreado científico empapado de mitologia grega? Absolutamente nada. Continua a mover-se como se nada fosse com ele. Porque no céu mandam os que lá estão. Nos assuntos humanos, cá em baixo, só custa passar de cavalo para burro, depois, são palavras que as traz o vento, e não aquecem nem arrefecem – se não pensarmos como Laurie Anderson que verbaliza numa canção “Language is a virus” (uma ideia de William S. Burroughs, segundo a qual a linguagem seria um vírus vindo do espaço, não necessariamente para facilitar a comunicação, mas para se reproduzir usando o homem como hospedeiro).
O primeiro-ministro tem suado o fato Dolce & Gabbana para estacionar o país no parque dos espertos. Ele deseja qualificar a população para que os investidores tenham um rebanho (ou cáfila, depende da margem do Tejo onde apascentam) de trabalhadores capazes de adaptarem os seus gestos aos rompantes da indústria, para produzir objectos importantíssimos, que nos proporcionam uma vida de inspector Gadget (mais fácil que o “abre fácil”). A formação não serve apenas para pagarmos mais desafogadamente as contas no fim do mês e, acima de tudo, criar mais riqueza para os outros, mas também para engatar miúdas. Na Índia ocidental, no estado de Rajasthan, um agricultor chamado Shivcharan Jatav, de 73 anos, chumbou 39 vezes o exame do décimo ano. Em criança não frequentou a escola para contribuir para a marmita da família. Só no ano de 1969 foi arrebatado por esta fúria pelo diploma quando um recrutador lhe disse que uns estudos lhe trariam melhores hipóteses para entrar no Exército (refúgio profissional nos países subdesenvolvidos donde Portugal saiu como podemos confirmar pelas opções dos jovens lusos. Para além da tropa têm a GNR e a PSP). Nestas infrutíferas tentativas Jatav somente obtém aproveitamento no exame de sânscrito mas apesar dos 39 desaires promete não desistir. Sem conhecer José Sócrates de lado algum convenceu-se que a certidão da secretaria melhorará a sua profissão e aumentará as hipóteses de encontrar uma esposa. A instrução tem destas coisas. É capaz de despoletar optimismo aos rodos. E, com 73 anos, ainda sonhar com as garotas da Blitz na praia de “Biquini de bolinha amarelinha tão pequenino”.
Ao lado, na China, a importância da instrução escolar é igualmente sobrevalorizada. É mais importante que a vida. E assim deve ser. Sem ela, adeus fábricas de bricabraque para as sociedades industriais, ou cozinhas de shop-soi de porco e arroz chao-chao nas capitais do mundo. No mês de Janeiro, na província central de Henan, um casal mata a filha, com menos de três anos, ao pontapé e murro por esta não conseguir identificar um ideograma. O pai Zeng e a mãe Zhang não acharam piada quando o rebento não era capaz de reconhecer o caracter “jiao” (que significa “banana”). No início do mesmo mês, outra mãe foi presa por suspeita de matar a filha de quatro anos por uma boa razão. O raio da catraia não sabia contar, e é voz corrente a utilidade da matemática, para os ricos contarem os biliões e os pobres, os trocos. Os pais chineses querem o melhor para os seus filhos. Sem uma educação escolar, ou a aptidão para a adquirir, não valem as células onde estão impressos. Nem para censores de filmes americanos servem pois não têm o cérebro ginasticado para perceber subtilezas culturais. (A Administração Estatal da Rádio, Filme e Televisão reduziu para metade a actuação de Chow Yun-Fat no filme os “Piratas das Caraíbas: nos confins do mundo”. O actor de Hong Kong interpreta o papel do capitão Sao Feng, um pirata chinês, careca, cicatriz profunda na cara e longa barba, considerado um aviltante estereotipo de demonização de Hollywood dos chineses. Na China estão costumados à figura mais simpática do chinoca careca e longa trança como Hop Singh, cozinheiro da família Cartwright, na série de TV “Bonanza”). Esta aparente violência dos papás chineses, não é originária dos filmes de Kung Fu, mas nos ensinamentos do pedagógico “Livro Vermelho” do camarada Mao Zedong. O grande timoneiro do povo definiu com clareza os inimigos. Escreveu ele que o imperialismo e os reaccionários, numa perspectiva estratégica, ou seja, da possibilidade de sua destruição, são “tigres de papel”, mas do ponto de vista táctico, isto é, da sua continuidade para sempre, são “tigre de ferro”. São firmes e hirtos como uma barra de ferro e, a única solução, é juntar-se a eles, e sentar-se no banco da escola à espera de novas oportunidades. E, conforme parece, morrer pela instrução na China é um “Necessary Evil” (cantariam os Napalm Death) para ganhar a corrida de ser o 9º ricaço calhau no G8.
A vontade de saber atingiu Portugal como um “Spine Buster” desferido pelo westler Bobby Lashley. A escola aos poucos substitui a igreja e a taberna. Jovens e velhos compreenderam a justeza das pretensões dos empresários para não desperdiçarem partes do cérebro que, desenvolvidas por um professor, darão muito dinheiro para todos. Temos que ser poupadinhos naquilo que de melhor temos – o miolo. Uma pessoa, já com curso tirado, vem dar-nos um cabal exemplo de como a massa cinzenta disciplinada funciona em prol do bem do país. O ministro da Saúde, Correia de Campos, imergido na consecução da sustentabilidade do pelouro que lhe coube na rifa, durante uma conferência na Ordem dos Economistas, avançou uma ideia para controlar o emaranho do erário público nas despesas com a Saúde. Propôs, o ministro, que se desse os medicamentos fora de prazo aos pobres para não haver desperdício. (Percebe-se o raciocínio desta mente treinada. Se eles comem iogurtes e bolachas, com validade caducada, nos caixotes de lixo dos supermercados, umas pastilhas ainda em bom estado não lhes farão mal). Talvez ele encomende um estudo sobre a viabilidade desta ministerial medida para aproveitar a profusão de peritos e especialistas jorrados dos estabelecimentos de ensino. São tantos os estudos, por tudo e por nada e mais alguma coisa, que de certeza também os alunos dos liceus participam na sua execução. (Descarto como absurda a suspeição do Estado estar a engordar sempre os mesmos “especialistas”). Nalguns casos, como o aeroporto de Lisboa, são feitos em catadupa saborosos relatórios, ricos em vitaminas e sais minerais, e também ómega 3. Tão prestigiosos são, que empresários e investidores espremem-se para pagar um, como o voluntarioso Joe Berardo. Finalmente os capitalistas tomam a dianteira da sociedade e vão ouvir “A Internacional” pelos Garotos Podres (banda Punk brasileira pouco garotos e, em vez de podres, estão gordos).
Do lado estudantil a impaciência cresce para receber o diploma. Mas quando se agita muito a cenoura o burro encarniça como sucedeu na Universidade do Minho. José Fernandes, presidente da Escola de Direito, foi esfaqueado por um estudante chamado simplesmente Sérgio. Descrito pelos colegas como uma pessoa muito pacata que anda um bocado sozinha. Na América são estes que pegam na Glock e abreviam licenciatura e vida aos companheiros de carteira. Em Portugal somos antes pela faca e alguidar. Sérgio sentiu-se injustiçado com o Protocolo de Bolonha e não foi de modas. Pega numa faca de cozinha não amolada e dá uns golpes no docente provocando-lhe uns arranhões. (Por causa da especialização do ensino um aluno de Direito não sabe que uma faca romba não corta). E, como Deus deu mãos aos nossos avós para cavar, deu-nos dedos mas, tal como o projecto artístico berlinense, Chicks on Speed, “We don’t play guitars”, vamos persistir no uso do cérebro para voltar aos majestosos tempos dos Lusíadas (então em livro, agora, talvez, em formato digital).
Depois de concluída a escolaridade obrigatória, (e respectivos updates), ficamos mais aptos para perceber a cosa nostra. Não o ramo americano da máfia siciliana mas as nossas coisinhas. O nosso fado, o nosso futebol, a nossa Fátima e o nosso fumeiro. A troca de piropos futebolísticos é actualmente a lenha da nossa alma. Enquanto Scolarão não regressa entretemo-nos com Luís Filipe Vieira e Pinto da Costa. Este acusa aquele de pagar uma viagem Lisboa – Luxemburgo – Lisboa, com estadia no Luxemburgo à jornalista Leonor Pinhão. E penitencia-se frente aos dragões de Lisboa: “confio nos tribunais do nosso país e, sobretudo, confio na justiça divina e, por isso, de peito aberto, quero-lhes dizer que estou de consciência tranquila e não tenho nada a recear”. O outro contrapõe que é o “estrebuchar do morto” e nós sentimo-nos vivos num concerto dos Architecture in Helsinki, em… Helsínquia.