Alice mora aqui
Alice, antes do tombo no País das Maravilhas, estava sentada à beira-rio vadiando, qual (des-empregado) Santana Lopes após os safanões na incubadora, acalorada demais para se levantar e fazer uma grinalda de margaridas. Vezes sem conta olhara para o livro que sua irmã estava a ler. Não tinha gravuras nem diálogos. “Mas para que é que serve um livro sem desenhos nem conversas?” – pensava ela para as rendas do seu vestido. (Coitada vivia numa época anterior ao Plano Nacional de Leitura para ter consciência de que, até ler o pacote de leite, é importante para somar ligações sinápticas e conseguir emprego numa fábrica). Ela pertencia ao novo tipo de criancinhas que evoluíram do homo sapiens para o homo videns e que escoariam a existência em frente da caixa que atontou o mundo. Seriam sortudas, pois poderiam “ver” Paulo Portas a sofismar: “na vida, como na política, quando um partido se porta bem deve ser premiado, quando se porta mal deve ser penalizado”. Mas também aprenderiam que há excepções, como o Yogi Bear, ou nós próprios. Yogi é mais esperto que o urso médio, tem um grande amigo chamado Booboo e vive no Jellystone Park. As suas tramóias para ficar com as cestas de piquenique resultam sempre e o Ranger Smith não consegue atirá-lo na cadeia. Paulo Portas tem rores de amigos (identificáveis porque, tal como ele, repetem muitas vezes “oiça” e “deixe-me dizer-lhe uma coisa”). Vive no Kindergarten Portugal e a sua “ursidade” é igualmente superior à média. Depois de resolver o problema dos trabalhadores da Bombardier, como ministro da Defesa, empantufado de presidente do CDS apresentou o seu Booboo, Telmo Correia, às eleições intercalares para a Câmara de Lisboa. E, mais ainda, as suas artimanhas para surripiar a presidência do CDS não falham, e o eleitorado dos valores não se livra dele nem para fugir ao enxofre do inferno.
O Coelho Branco, de olhos cor-de-rosa, passa por Alice a correr gritando: “valha-me Deus! Vou chegar muito atrasado!”. Não era uma coisa assim tão notável um coelho falar. Ela vira um notável coelho do aparelho socialista, chamado Jorge, gritar num bom estilo Goebbels, “o partido precisa da Bárbara”, na candidatura de Manuel Maria Carrilho à Câmara de Lisboa. (Só “estilo”, porque ele é bom, apenas empolgado gesticula muito e faz lembrar o nefasto ministro da Propaganda nazi). Nem correr era algo extraordinário. José Sócrates não dispensa o seu jogging nas terras que visita. Durante a sua estada em Moscovo fecharam a praça Vermelha para a indispensável corridinha matinal. É difícil de acreditar nesta informação jornalística pois aquela praça não é propriamente o Rossio. É um pouco maior. E, como os moscovitas não vêem a RTP internacional, um tipo em calções e sapatilhas passa desapercebido. Mas os figurões na peanha social têm outra forma de funcionar. Têm tiques estranhos. João Paulo II quando descia do avião punha-se de rabo para o céu para beijar o chão do aeroporto. Alice não percebia a razão de tão embaraçosa posição. Na catequese lhe ensinaram que Deus é omnipresente. Sabendo o significado da palavra concluíra que Deus lhe poderia ver o rabo de qualquer ângulo. Nunca lhe passou pela cabeça que ele, riquíssimo como poucos na Terra, quisesse beijar uma chão sujo de borracha e óleo. Coisas estranhas há no mundo. Alice notara que há mais chapéus que cabeças. “Mas para onde iria um chapéu sem cabeça?” – pensava ela. Talvez a uma loja comprar uma cabeça. Mas ela nunca vira semelhante loja. Vira uma chapelaria, na sua cidade, jamais uma cabeçaria. Ou seriam exportados para países com mais cabeças que chapéus. Isso seria lógico. Ela não sabia, mas um senhor chamado Gilles Deleuze, em França, se entreteria a esgravatar as suas aventuras à cata de paradoxos do sentido. Gilles acordava cedo para apanhar a primeira minhoca e descobriu que “sentido” e “sem sentido” se confundem no outro lado do espelho. Por isso, se explica que no outro lado do mundo, em Timor-Leste, em Baucau, segunda cidade do país, nas últimas eleições, o número de votos nas urnas ultrapassasse, em cinco vezes, o número de eleitores inscritos.
O relógio e o colete atraíram a atenção de Alice. Ela conhecia coelho esfolado na caçarola, que parecia gato, mas nunca tinha visto um vestido. “Um vestido é coisa de raparigas”, disse em voz alta, ou pelo menos lhe pareceu, no entanto sua irmã nada disse. Alice levantou-se como uma mola e desatou a correr atrás do láparo e cai num poço profundíssimo. A queda não tem fim. Enquanto ia caindo, lembrou-se que gostaria de ter uma actividade política e cair assim, com tempo para cumprir o mandato, mas na sua cidade a lei da paridade só se aplicava aos casamentos. Ela olha para as paredes do túnel, suspeitou que tivesse sido feito por algum marquês, estavam cheias de armários com as pratas da família, retratos de avoengos e prateleiras. Retira de uma delas, à direita, um frasco de compota de laranja. Não estava vazio como esperava. Lá dentro um senhor liliputiano, de óculos, aconselhava o Partido para se “deixar de ruídos internos e a virar-se lá para fora”, incomodava-o que as pessoas dissessem: “se eles não se entendem, como é que a gente há-de confiar neles”. Achou-o um picuinhas, preocupado com a bisbilhotice dos outros, mas que não crescia para sair fora do frasco. Enroscou a tampa e voltou a pô-lo na prateleira. “Em 2009 vão ver” – gritava o nanico. Alice não fez caso. Não sabia contar tão alto. E, de qualquer maneira, via agora, não precisava de esperar por 2009 para ver. Do nada surge-lhe a lembrança de Dinah, a sua gata, e disse: “esperemos que não se esqueçam de lhe dar o pires de leite, à hora do chá…”. Não foi bem do nada que apareceu esta recordação. Foi de algo. O homenzito falava para o Partido. E se está partido há sempre leite derramado. Ou, então, ela viu uma foto de Manuela Ferreira Leite, com a legenda “ministra das Finanças excelsa”, dependurada na parede do túnel sem fim e, como leite era a única palavra que conhecia naquela algaraviada, associou-a com a gata.
Alice tinha aprendido muitas coisas na escola. A ler, escrever e contar. Todavia estava autorizada a dar erros ortográficos em português, porque era inglesa, e fazia provas de aferição para passar o tempo. Neste trambolhão bem que ela precisava de um entretenimento. O chão tardava em chegar e Alice aborrecia-se imenso. Se ao menos tivesse, durante a descida, um piquete da greve geral, ou parcial segundo o Governo, para ouvir gaita-de-foles e comer febras, mas somente via gaifonas de políticos penduradas nas paredes do poço. Experimentou soletrar a palavra “trambolhão”. Como tinha muitas letras, talvez quando terminasse, estaria no fundo. Mas, apesar de ter cometido todos os erros ortográficos, que lhe passaram pela memória, não via a luz ao fim do túnel. Então decidiu calcular a altura que descera. Devia estar ao pé do centro da Terra. Uns seis mil quilómetros de profundidade. “Deve ser essa mais ou menos a distância exacta” – explicava ela, que não sabia contar exactamente. Mais outra metade e estaria nos antípodas, junto dos neozelandeses ou australianos, rejubilava. Saber calcular a altitude não era vital para uma menina da sua idade. Mas sê-lo-á para uma criança da idade contemporânea. A FIFA proibiu os jogos a 2 500 metros de altitude. Se uma menina não souber calcular este valor, e mudar-se para uma casa abaixo desse nível, arrisca-se a nunca casar com um jogador de futebol, como a Merche Romero. E outro exemplo sobre a importância de bem saber medir. Numa expedição ao Evereste, dois alpinistas japoneses e os seus três guias sherpas, a 8 500 metros, avistaram um alpinista indiano ferido. Os japoneses que comandavam dão ordem para prosseguir a escalada. Mais tarde, nos 8 630 metros, depararam-se com outros dois indianos enregelados mas vivos. A caminhada continua viagem. Nem comida, nem uma botija de oxigénio foi dispensada ao que restava da expedição indiana. Nem sequer uma palavra foi trocada. Numa conferência de imprensa o porta-voz da expedição japonesa, Eisukhe Shigekawa, 21 anos, explicou a atitude: “escalámos estas grande montanhas à nossa custa, à custa de um esforço que é nosso. Estávamos demasiado cansados para ajudar. Acima de 8 000 metros, uma pessoa não se pode permitir ter moral”. Ele estava enganado, afinal, qualquer altura é boa para não haver moral.
E Alice cai toda dentro do século XXI. A sua viagem pelo túnel chegara ao término. Tentou alcançar o Coelho Branco. Antes dele desaparecer numa esquina ainda o ouviu dizer: “nunca uma guerra foi tão justa. A decisão de a desencadear era justificada e inelutável. Tenho orgulho nela e tomei-a depois de intensas consultas antes de a submeter ao Governo, que a aprovou por unanimidade”. Ou terá sido o primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert?
Alice, antes do tombo no País das Maravilhas, estava sentada à beira-rio vadiando, qual (des-empregado) Santana Lopes após os safanões na incubadora, acalorada demais para se levantar e fazer uma grinalda de margaridas. Vezes sem conta olhara para o livro que sua irmã estava a ler. Não tinha gravuras nem diálogos. “Mas para que é que serve um livro sem desenhos nem conversas?” – pensava ela para as rendas do seu vestido. (Coitada vivia numa época anterior ao Plano Nacional de Leitura para ter consciência de que, até ler o pacote de leite, é importante para somar ligações sinápticas e conseguir emprego numa fábrica). Ela pertencia ao novo tipo de criancinhas que evoluíram do homo sapiens para o homo videns e que escoariam a existência em frente da caixa que atontou o mundo. Seriam sortudas, pois poderiam “ver” Paulo Portas a sofismar: “na vida, como na política, quando um partido se porta bem deve ser premiado, quando se porta mal deve ser penalizado”. Mas também aprenderiam que há excepções, como o Yogi Bear, ou nós próprios. Yogi é mais esperto que o urso médio, tem um grande amigo chamado Booboo e vive no Jellystone Park. As suas tramóias para ficar com as cestas de piquenique resultam sempre e o Ranger Smith não consegue atirá-lo na cadeia. Paulo Portas tem rores de amigos (identificáveis porque, tal como ele, repetem muitas vezes “oiça” e “deixe-me dizer-lhe uma coisa”). Vive no Kindergarten Portugal e a sua “ursidade” é igualmente superior à média. Depois de resolver o problema dos trabalhadores da Bombardier, como ministro da Defesa, empantufado de presidente do CDS apresentou o seu Booboo, Telmo Correia, às eleições intercalares para a Câmara de Lisboa. E, mais ainda, as suas artimanhas para surripiar a presidência do CDS não falham, e o eleitorado dos valores não se livra dele nem para fugir ao enxofre do inferno.
O Coelho Branco, de olhos cor-de-rosa, passa por Alice a correr gritando: “valha-me Deus! Vou chegar muito atrasado!”. Não era uma coisa assim tão notável um coelho falar. Ela vira um notável coelho do aparelho socialista, chamado Jorge, gritar num bom estilo Goebbels, “o partido precisa da Bárbara”, na candidatura de Manuel Maria Carrilho à Câmara de Lisboa. (Só “estilo”, porque ele é bom, apenas empolgado gesticula muito e faz lembrar o nefasto ministro da Propaganda nazi). Nem correr era algo extraordinário. José Sócrates não dispensa o seu jogging nas terras que visita. Durante a sua estada em Moscovo fecharam a praça Vermelha para a indispensável corridinha matinal. É difícil de acreditar nesta informação jornalística pois aquela praça não é propriamente o Rossio. É um pouco maior. E, como os moscovitas não vêem a RTP internacional, um tipo em calções e sapatilhas passa desapercebido. Mas os figurões na peanha social têm outra forma de funcionar. Têm tiques estranhos. João Paulo II quando descia do avião punha-se de rabo para o céu para beijar o chão do aeroporto. Alice não percebia a razão de tão embaraçosa posição. Na catequese lhe ensinaram que Deus é omnipresente. Sabendo o significado da palavra concluíra que Deus lhe poderia ver o rabo de qualquer ângulo. Nunca lhe passou pela cabeça que ele, riquíssimo como poucos na Terra, quisesse beijar uma chão sujo de borracha e óleo. Coisas estranhas há no mundo. Alice notara que há mais chapéus que cabeças. “Mas para onde iria um chapéu sem cabeça?” – pensava ela. Talvez a uma loja comprar uma cabeça. Mas ela nunca vira semelhante loja. Vira uma chapelaria, na sua cidade, jamais uma cabeçaria. Ou seriam exportados para países com mais cabeças que chapéus. Isso seria lógico. Ela não sabia, mas um senhor chamado Gilles Deleuze, em França, se entreteria a esgravatar as suas aventuras à cata de paradoxos do sentido. Gilles acordava cedo para apanhar a primeira minhoca e descobriu que “sentido” e “sem sentido” se confundem no outro lado do espelho. Por isso, se explica que no outro lado do mundo, em Timor-Leste, em Baucau, segunda cidade do país, nas últimas eleições, o número de votos nas urnas ultrapassasse, em cinco vezes, o número de eleitores inscritos.
O relógio e o colete atraíram a atenção de Alice. Ela conhecia coelho esfolado na caçarola, que parecia gato, mas nunca tinha visto um vestido. “Um vestido é coisa de raparigas”, disse em voz alta, ou pelo menos lhe pareceu, no entanto sua irmã nada disse. Alice levantou-se como uma mola e desatou a correr atrás do láparo e cai num poço profundíssimo. A queda não tem fim. Enquanto ia caindo, lembrou-se que gostaria de ter uma actividade política e cair assim, com tempo para cumprir o mandato, mas na sua cidade a lei da paridade só se aplicava aos casamentos. Ela olha para as paredes do túnel, suspeitou que tivesse sido feito por algum marquês, estavam cheias de armários com as pratas da família, retratos de avoengos e prateleiras. Retira de uma delas, à direita, um frasco de compota de laranja. Não estava vazio como esperava. Lá dentro um senhor liliputiano, de óculos, aconselhava o Partido para se “deixar de ruídos internos e a virar-se lá para fora”, incomodava-o que as pessoas dissessem: “se eles não se entendem, como é que a gente há-de confiar neles”. Achou-o um picuinhas, preocupado com a bisbilhotice dos outros, mas que não crescia para sair fora do frasco. Enroscou a tampa e voltou a pô-lo na prateleira. “Em 2009 vão ver” – gritava o nanico. Alice não fez caso. Não sabia contar tão alto. E, de qualquer maneira, via agora, não precisava de esperar por 2009 para ver. Do nada surge-lhe a lembrança de Dinah, a sua gata, e disse: “esperemos que não se esqueçam de lhe dar o pires de leite, à hora do chá…”. Não foi bem do nada que apareceu esta recordação. Foi de algo. O homenzito falava para o Partido. E se está partido há sempre leite derramado. Ou, então, ela viu uma foto de Manuela Ferreira Leite, com a legenda “ministra das Finanças excelsa”, dependurada na parede do túnel sem fim e, como leite era a única palavra que conhecia naquela algaraviada, associou-a com a gata.
Alice tinha aprendido muitas coisas na escola. A ler, escrever e contar. Todavia estava autorizada a dar erros ortográficos em português, porque era inglesa, e fazia provas de aferição para passar o tempo. Neste trambolhão bem que ela precisava de um entretenimento. O chão tardava em chegar e Alice aborrecia-se imenso. Se ao menos tivesse, durante a descida, um piquete da greve geral, ou parcial segundo o Governo, para ouvir gaita-de-foles e comer febras, mas somente via gaifonas de políticos penduradas nas paredes do poço. Experimentou soletrar a palavra “trambolhão”. Como tinha muitas letras, talvez quando terminasse, estaria no fundo. Mas, apesar de ter cometido todos os erros ortográficos, que lhe passaram pela memória, não via a luz ao fim do túnel. Então decidiu calcular a altura que descera. Devia estar ao pé do centro da Terra. Uns seis mil quilómetros de profundidade. “Deve ser essa mais ou menos a distância exacta” – explicava ela, que não sabia contar exactamente. Mais outra metade e estaria nos antípodas, junto dos neozelandeses ou australianos, rejubilava. Saber calcular a altitude não era vital para uma menina da sua idade. Mas sê-lo-á para uma criança da idade contemporânea. A FIFA proibiu os jogos a 2 500 metros de altitude. Se uma menina não souber calcular este valor, e mudar-se para uma casa abaixo desse nível, arrisca-se a nunca casar com um jogador de futebol, como a Merche Romero. E outro exemplo sobre a importância de bem saber medir. Numa expedição ao Evereste, dois alpinistas japoneses e os seus três guias sherpas, a 8 500 metros, avistaram um alpinista indiano ferido. Os japoneses que comandavam dão ordem para prosseguir a escalada. Mais tarde, nos 8 630 metros, depararam-se com outros dois indianos enregelados mas vivos. A caminhada continua viagem. Nem comida, nem uma botija de oxigénio foi dispensada ao que restava da expedição indiana. Nem sequer uma palavra foi trocada. Numa conferência de imprensa o porta-voz da expedição japonesa, Eisukhe Shigekawa, 21 anos, explicou a atitude: “escalámos estas grande montanhas à nossa custa, à custa de um esforço que é nosso. Estávamos demasiado cansados para ajudar. Acima de 8 000 metros, uma pessoa não se pode permitir ter moral”. Ele estava enganado, afinal, qualquer altura é boa para não haver moral.
E Alice cai toda dentro do século XXI. A sua viagem pelo túnel chegara ao término. Tentou alcançar o Coelho Branco. Antes dele desaparecer numa esquina ainda o ouviu dizer: “nunca uma guerra foi tão justa. A decisão de a desencadear era justificada e inelutável. Tenho orgulho nela e tomei-a depois de intensas consultas antes de a submeter ao Governo, que a aprovou por unanimidade”. Ou terá sido o primeiro-ministro israelita, Ehud Olmert?