Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sábado, julho 28, 2007

Mudam-se os símbolos

“Este senhor inspira-me confiança” – dizia Vanessa Fernandes, ao lado de Fernando Negrão, quando este pau para toda a obra política a apresentava, à cidade e ao mundo, como Mandatária da (sua) Juventude. As eleições para o trono da Câmara de Lisboa já lá vão mas as grandes frases ficam no teleponto para memória futura. Como estalactites (ou estalagmites, depende da perspectiva) decoram a gruta da produção intelectual deste bom momento da nossa História. A campeã do triatlo, nunca tinha visto Negrão, nem pintado nem borrado, mas infundia-lhe confiança, como se estivesse na presença do empregado da casa de desporto que, habitualmente, lhe vendia as bicicletas ou os ténis. Nas sociedades industriais, por regra, os jovens não confiam nos velhos, não só porque cheiram funny, mas também porque provocam uma sarteana náusea com aquele seu paleio dos “jovens de espírito”. (Na década de 80 vestir fato de treino era suficiente como sinal exterior de juventude. O século XXI foi mais fundo. Hoje é preciso arrancar a pele para se sentir “Sexy and seventeen”, como os Stray Cats e a nossa eterna seventeen, a sexy Lili Caneças).

Esta novel ninhada de políticos ostenta a pureza de um telescópio de cloro para detectar neutrinos, tem desafiado a reflexão da luz solar nos corpos opacos, desenvolvendo reconhecidas qualidades transparentes, nela podemos confiar, anéis e dedos, por um rumo firme para dentro dos íngremes muros do Paraíso. (Conta-se que a palavra “paraíso” deriva do persa “paridesah” que significava “jardim murado”. O modelo mais familiar para nós seria o pátio do Taj Mahal. Parece haver uma unânime concordância nas línguas antigas de que o “Paraíso” é um lugar emparedado. Também a palavra hebraica “eiden” – donde derivaria “éden” – tem significado idêntico). E, no seu afã de agradar, esta geração de políticos, tem o condão de salpresar o nosso insonso quotidiano. Como o astrolábio Marques Mendes, encafuado na sua almuinha da Oposição, que lamentava há dias para o jornalista (na falta de um padre): “eu digo preto, os meus adversários dizem branco. Eu proponho preto, eles dizem branco”. Este terra-a-terra confessional recauchuta os pneus da confiança, que outras barrigadas de estadistas evaporaram da arena, e faz-nos gritar (por Mendes e esta bela safra) o electrizante Blues “Shake it for me”, do mestre Howlin’ Wolf.

A presente gamelada de primipilos, através da arte da comédia (divina ma non troppo), incutiu confiança nos jovens. Que, formados nos espectáculos de rua do Pedro Tochas, adivinhava-se como uma assistência difícil, mas depois de terem visto o Quarteto Fantástico para o Médio Oriente nomear o Surfista Enferrujado para o cargo de “bonzinho resolve trapalhadas”, o gelo foi quebrado e a risota fluiu espontânea. O sistema de distribuição de tachos da UE, perdão, o processo de nomeações, ponderadas e ajuizadas, para cargos de responsabilidade política funciona como o óxido nitroso na cadeira do dentista. Põe todos a rir. E, Tony Blair, empoleirado na sua lustrosa prancha, logo sobrevoou Shimon Perez e Mahmoud Abbas, e com sentido de humor, disse: nesta região vive-se “um momento de oportunidade”. E para que os mais carrancudos também cascalhassem com vontade acrescentou: “o mais importante é escutar, aprender e reflectir”. Esperamos sentados pelas suas explicações quando transitar de tacho e o Médio Oriente continuar na mesma como a lesma. Serão explicações gourmet. De comer e chorar por mais. As boas explicações vêm de longe. Não julguem que são modernices. Montaigne narra, nos seus “Ensaios”, o caso de uma princesa safa da acusação de adultério por Hipócrates. O eminente médico (460-377 a. C.) explicou o nascimento de um filho preto, através da influência emanada da imagem de um preto que a jovem tinha junto da cama. Uma explicação sábia e convincente que aplacou a fúria do marido e acautelou o pescoço da rapariga. Uma coisa é certa, Blair não ficará na História com um longo cognome como o grupo ... And You Will Know Us by the Trail Of Dead. A sua passagem pela política não deixou um trilho de mortos assim tão descomunal que mereça ser recordado.

Não restam dúvidas que as centúrias europeias são comandadas pelos melhores e, entre eles, os nossos são os mais assombrosos. Tornaram-se reis Midas. Tocam e… puf! surge luzente ouro. O nosso ministro dos Negócios Estrangeiros elucidou os bastidores da libertação das cinco enfermeiras búlgaras e o médico palestiniano da sentença de prisão perpétua na Líbia, e silenciou os bananas descrentes nas capacidades diplomáticas portuguesas. Luís Amado foi claro que o repatriamento era o grande objectivo da Presidência Portuguesa, que participou activamente nas negociações mas de forma “muito discreta”. (Quem tem alguns conhecimentos de Ciência Política compreende imediatamente que uma participação “activa” e “muito discreta” significa executar com brio o “papel de rapaz dos cafés”, iniciado com glória por Durão Barroso, na cimeira das Lajes, o botão “start” da guerra no Iraque. É verdade! Mas com um ínfimo ajuste. O chefe de orquestra em Tripoli era a esposa de Sarkozy e as senhoras francesas não bebem café nem fumam. Os membros da lusitana Presidência fazem rápida avaliação das circunstâncias e deduzem a falta de um leque. De imediato são tomadas providências para regatear um abanador no mercado mais próximo. E, assim, os nossos diplomatas abanicaram Cecile, por causa dos afrontamentos provocados pelo calor do deserto, salvando as negociatas com Khadafi). Os nossos líderes têm sido inovadores costureiros da União Europeia. Têm dado pontos e nós de maravilhar. A Presidência ainda vai no adro mas todos concordam que foi um sucesso. No final vamos todos vestir um belo Tratado Reformador. Mais um início de um ciclo para a Europa. Virão políticos viris agora com um instrumento para governar. Em 1963, o artista total Serge Gainsbourg, também interrompeu um ciclo de baladeiros lamechas no Festival da Eurovisão com o tema “Poupée de cire, poupée de son”, cantado por France Gall.

O clima de “Constituição ou morte” que os políticos europeus gostam de alardear é um sintoma de Democracia. A rejeição, por holandeses e franceses, do texto de Giscard, não exija poderes sobrenaturais para adivinhar a solução. Metê-lo na gaveta até Jacques Chirac baixar do poleiro. Depois uma dose de cosmética faz o resto. Muda-se os símbolos. O Hino da Alegria deixa de ser a musiqueta oficial da União e a bandeira azul estrelada é dobrada com bolas de naftalina e enfiada no armário. E, para não parecer pouco, altera-se o nome do representante da política externa e, adia-se o sistema de votação, até os polacos se chatearem de chiar. As vantagens deste esquema são evidentes. Agora não é preciso referendos nacionais para aprovar o “novo” texto. Pois foi engendrado, no útero da anterior Presidência Alemã, um “tratado” e não uma “constituição”. Na Democracia a voz popular é o que menos interessa (e incomoda quando os resultados não são desejáveis). Aliás, só existe Democracia nos locais onde os sistemas de controlo social são fortes. A condição essencial para a Democracia espigar é uma Polícia forte e eficaz. (Em Cabo Verde, a França assinou um protocolo de cooperação de 850 mil euros, para reforço da polícia nacional e judiciária de combate a tráficos vários, fraudes e imigração. Um acordo bilateral que visa contribuir para o projecto “Apoio à Consolidação da Governação Democrática”). Actualmente, com os computadores, telemóveis e programas informáticos espertos, o controlo das pessoas é tão eficaz que é possível melhorar as velhas democracias e expandir a ideia pelos quatro cantos do mundo. A sofisticação tecnológica converteu o ditador num objecto malquisto e obsoleto. Simplesmente não compensa ser ditador quando se pode dar a sensação de liberdade e instituir a festa do voto para o povo. O povo quer é festa. Seja do golo, do enchido, da lampreia, da cerveja, não interessa, queremos é festa. Se o timbre de voz de Angela Gossow, dos Arch Enemy, engana, o “Enemy Within” é controlado nas sociedades modernas no posto de comando das forças de segurança.

Uma UE saudável é fulcral. Ela é fundamental para multiplicar o número de tachos para políticos em fim de carreira ou trapalhões nos seus países de origem. É verdade que o desempenho da ONU nesta área profissional é louvável. Mas esta instituição não é especializada. É mais generalista. Emprega o pequeno e o grande. Por muito boa vontade que exista em criar (altos) cargos novos não chegam para todos. Deve ser um objecto prioritário da classe política zelar por um futuro melhor (sobretudo do seu. E como questiona a rapariga da publicidade do leite Mimosa: “se eu não cuidar de mim? Quem cuidará?”). Para os eleitores que não conseguem um tacho, nem pertencem à Administração do Porto de Lisboa e beneficiar dos 829 mil euros gastos em carros topo de gama, resta-lhes a consolação de ganir para a lua como um cão. “Un chien andalou” musicado, não com Tristão e Isolda, como recomendou Luís Buñuel, mas com “Fear for Satan”, dos Mogway.

quinta-feira, julho 12, 2007

Vestir cor-de-rosa

O efeito das cores na superfície do planeta Terra – em vias de salvamento por Al Gore e a indústria discográfica – sempre se prestou a confusões. Acreditou-se que o vermelho atraía o touro e… os grupos especiais das Polícias. Mas, afinal, a viril besta embica os cornos contra tudo o que se move e… os outros, também. Se o vermelho lhes fervesse os bofes iriam cornear Io, satélite de Júpiter (o objecto mais vermelho do universo, até onde o telescópio alcança, não é o PCP nem a CGTP mas esta lua do maior planeta do sistema solar). Certos partidos políticos misturaram-lhe a cor branca para conseguir um tom rosa-claro que atraísse eleitores moderados e o estratagema resultou numa proveitosa recompensa nas urnas e nas cadeiras do Poder. O cor-de-rosa banalizou-se como sinónimo de atitude pacífica e portadora de boa fortuna. Mas nem sempre vestir de cor-de-rosa facilita a vida das pessoas partidárias desta amaricada cor que, antigamente, coloriu mapas e panteras, e agora, jogadores de futebol. (Cor efeminada é uma força de expressão. O nosso querido futebol masculinizou a cor. Se os sportinguistas esperavam ver o Benfica entrar em campo envergando o equipamento alternativo, chuteira de salto alto e calção plissado podem tirar o gatinho da chuva). Entretanto, vestir cor-de-rosa vai favorecendo a dubiedade sexual, entre o menino e a menina, muito do agrado do nosso tempo, como a “Lola” dos franceses Superbus – conta Jennifer Ayache, vocalista do grupo que, folheando o dicionário de latim, deu de caras com o nome para a banda e que significa “orgulhoso”, “insolente”, mas também “magnífico”, “soberbo” e “brilhante”.

Paris Hilton, a conhecida herdeira da fortuna do vovô Barron Hilton, ícone pop, expoente máximo da cultura americana, exímia actriz do filme caseiro “One Night in Paris”, participante no reality show “The Simple Life” com a sua amiga de infância Nicole Richie (filha adoptiva de Lionel Richie), vestia muito cor-de-rosa e nem por isso não se lixou. Em Janeiro deste ano deu-se como culpada de condução perigosa sob efeito do álcool. O juiz Michael Sauer condenou-a a três anos de pena suspensa e apreendeu-lhe a carta de condução. Em Fevereiro é apanhada a conduzir o Bentley (as luzes apagadas atraíram a atenção da polícia). O juiz não gostou. Revogou-lhe a pena suspensa e receita-lhe uma sentença de 45 dias de prisão efectiva por violar as condições da liberdade condicional. Segundo a política prisional do estado da Califórnia ela cumpriria apenas 23 dias por beneficiar de uma redução por bom comportamento. No domingo 3 de Junho assiste ao MTV Movie Awards, onde Sarah Silverman não resiste um chiste. Diz a jocosa Sarah que Paris Hilton, por ser podre de rica, terá um tratamento especial na cadeia. Os guardas estariam a pintar pénis nas grades. E estava preocupada que Paris partisse os dentes naquelas coisas. Um humor dentro do habitual estilo MTV que carrega nos “bips” sobre o paleio dos tagarelas ídolos americanos. Este canal para velhotes quer manter uma ilusão de liberdade, e jovem desenvoltura, por isso não os proíbe pura e simplesmente de dizer palavrões. Um canal tão mau, ao serviço da promoção dos piores produtos da indústria discográfica, com campanhas anti-pirataria ridículas, que lançam os jovens na cópia ilegal só para os contrariar. Na década de oitenta, os Dead Kennedys cantavam “MTV get off the air” cheios de razão.

Segunda-feira, pelas 23:15 horas, Paris dá entrada no Century Regional Detention Facility, em Lynwood, Califórnia. É registada com o número prisional 98 187 83. Tem 1 m 72 de altura e 52 kg de peso. Três dias depois o xerife Lee Baca decreta-lhe prisão domiciliária com pulseira electrónica e ela regressa para a sua desataviada mansão estilo espanhol em Hollywood. O temperamental juiz Sauer mordeu a beca de raiva. Ordena a sua presença no tribunal para rever as condições da pena. A opinião pública zumbia-lhe aos ouvidos que havia uma Justiça para ricos. E manda-a de volta para a cadeia. A mocinha sai do tribunal a gritar e a chorar. O mais engraçado é que este episódio, seguido pelos repórteres enlouquecidos atirando-se contra os carros da polícia, perseguições de helicóptero e motas de alta cilindrada, eclipsou a cobertura noticiosa, em directo, da final da cimeira do G8, na Alemanha. Os grandes do mundo ficaram a falar para o boneco. Na pildra Paris telefonou para a mamã Kathy que estava ao telefone com Barbara Walters (uma anciã “botoxizada” que produz o programa de TV “The View”, e diz para o seu cão: “Sasha, I love you”. E ele responde-lhe numa voz cavernosa: “I love you”). A formosa jail bird aproveita para falar com Barbara. Paris telefona-lhe à cobrança prometendo que vai portar-se bem quando sair. Noutra ocasião falou sobre como aprendera a apreciar as pequenas coisas da vida, como ter um travesseiro para dormir e boa comida no prato, em directo, para o apresentador Ryan Seacrest do canal E! Entertainment. Esgotados os 23 dias, em 26 de Junho, pelas 0:15 horas, ela saiu da cadeia com um grande sorriso para os paparazzi apinhados atrás da barreira policial. Corre para o SUV que a esperava com os pais lá dentro. Levam-na para casa dos avós em Benedict Cannyon, em Beverly Hills. Um lugar pululante de ricos, que nem ouvir os The (International) Noise Conspiracy, em “Capitalism stole my virginity”, nos transmuta o verde da inveja no cor-de-rosa da condescendência. Grrrr!

Saída de fresco da cadeia foi limpar a imagem de party girl numa entrevista no programa Larry King Live da CNN. Chega num Cadillac Escalade preto. Desfaz o equívoco sobre a sua pessoa garantindo que nunca usou drogas e não bebia muito. Fala do seu padecimento de sempre – a claustrofobia. Por causa dela, na minúscula cela, não conseguia comer nem dormir, sofria de ansiedade e ataques de pânico. Explica que a comida na choça não sabia bem. E relata a situação mais humilhante que sofreu nos seus 26 anos de vida ao ser revistada nua. Nos 23 dias de cativeiro meditou, leu cartas dos fãs, falou com outras detidas, escreveu no seu diário e leu a Bíblia. Obviamente encontrou Deus, e afirma-se decidida em eliminar os maus elementos, e os maus amigos da sua vida, e tem planos para construir uma casa de transição para ajudar na integração dos presos libertados. Cumprido este ritual de relações públicas com o famigerado apresentador dos suspensórios parte para Maui. Nesta ilha do Havai é possuída pela “terapia das compras”. Gasta pipas de massa nas lojas Guess, BCBG Max Azaria, Art Gallery Celebrities, Enchantress Boutique e Fifi & Bootsie. E voltou a estar fantástica como sempre. Os fundamentalistas cristãos vêem-na como a incarnação do demo, talvez por terem visto a sua performance no filme “One Night in Paris”. (O “Paris” do título não é a cidade de França. É literalmente uma noite dentro dela executada pelo namorado da altura Richard Salomon). Um desses grupos cristãos queimou discos de Paris Hilton para celebrar a sua entrada na cadeia e apaga-los da face da terra. Numa das canções do álbum ela canta “Stars are blind”. As estrelas podem ser cegas mas Wbush não.

I. Lewis “Scooter” Libby, ex-chefe de pessoal de Dick Cheney, nunca vestiu cor-de-rosa mas tem uma pata de coelho que o safou de ir parar ao chilindró. Em 2003 Wbush e os seus falcões torciam informações (chamam-lhe intelligence) para desencantar razões para atacar o Iraque. O perigo do cogumelo atómico tinha prioridade por provocar uma maior histeria no cidadão médio americano. Mas nem todos os funcionários participavam nesta belígera excursão da caravana “let’s fuck Saddam”. O embaixador Joe Wilson criticava a administração Wbush por ter exagerado os motivos da guerra. Publica um artigo no New York Times intitulado “What I didn’t find in Africa”. Na época os serviços secretos viviam delírios nucleares povoados de malas com bombas atómicas à venda na Chechénia por 30 milhões de dólares e cientistas da ex-União Soviética na folha de pagamentos da al Qaeda. E os totós dos italianos deram o alerta de que havia urânio à venda no Níger. Diz o embaixador que foi enviado para investigar a presença de “yellowcakes” (concentrados de urânio) e não encontrou nada. A administração Wbush contra-ataca. Nem sempre o “Empire Strikes first”, como dizem os punks Bad Religion. Algumas vezes ataca em segundo.

No gabinete de Cheney há fuga de informação, para o jornalista Robert Novak, denunciando a mulher do embaixador, Valerie Plame, como operacional da CIA em armas de destruição maciça. E que Wilson nunca trabalhou para a CIA. Quem sugeriu o seu envio para o Níger fora Valerie para melhor realizar o seu secreto trabalho. O gang de Cheney tinha como objectivo desacreditar o embaixador. Conseguiu que a mulher metesse a reforma, pois não há muitas missões para um agente secreto que todos conhecem. O ex-sub Secretário de Estado Richard Armitage admitiu ter sido o autor desta brincadeira. Pelo seu lado, Novak chibou o assessor político de Wbush, Karl Rove, (MC Rove nas horas vagas), como a outra fonte. Ambos partem para novas carreiras. “Scooter” por ter tentado abafar o caso é condenado a trinta meses de prisão por perjúrio, obstrução da justiça e mentir aos investigadores. Mas o amigo Wbush comuta-lhe a pena e para não chocar a opinião pública americana mantém-lhe a multa de 250 mil dólares e os dois anos de liberdade condicional. Claro que um perdão presidencial limpava-lhe totalmente o registo criminal, mas uma comutação, por enquanto, tem a vantagem de permitir que “Scooter” recorra da sentença. E se as coisas derem para o torto nos tribunais, então Wbush pode conceder-lhe o perdão total, antes de abandonar a Casa Branca. Wbush justificou a sua actuação. Não estava a fazer um favor a Dick Cheney. Na sua mente independente achava a pena “excessiva” e que a condenação teria um efeito devastador, inapagável, na sua vida de advogado, funcionário público e cidadão. O gabinete de Cheney é uma garantia de que só os maus explodirão. Se estivesse em Brooklyn e não em Washington, e os seus empregados usassem saias como J. Edgar Hoover, o maestro Xavier Cugat poderia conduzir a orquestra, com o arco do seu violino, para a voz de Lina Romay, dedicando-lhe a canção “La bomba de Brooklyn”.

Pintar o mundo de cor-de-rosa é função dos Relações Públicas. E os militares americanos dão cartas nesta ciência de vender banha da cobra política. No mês passado sete crianças foram mortas num ataque aéreo a um covil de terroristas em Paktika, no Leste do Afeganistão. (Como sabem estes covis têm inevitavelmente uma mesquita e uma madrassa). O major Chris Belcher, porta-voz da tropa americana, elucida que “este é um exemplo da al Qaeda usando o estatuto protegido de uma mesquita, assim como civis inocentes, para se protegerem”. Matar e culpar os outros, parece ser uma aceitável solução de Relações Públicas para vestir o mundo de cor-de-rosa dos bonzinhos, que matam contra vontade. E também para quem gosta das bonitas coreografias com armas dos Impaled Nazarene em “Armageddon death squad”.

Melhor mesmo é não vestir nada. Como descobriu Israel. Despir gajas sempre foi uma boa artimanha para vender seja o que for. O Estado de Israel, numa operação de charme, para mostrar que aquilo não é só matar palestinianos armados de pedras, decidiu mostrar as mulheres do Tsahal. No exército israelita prestam serviço raparigas como as outras. (Acredita-se que os judeus são apadrinhados pelos Estados Unidos. Nada mais errado. Eles são protegidos por uma entidade superior. O nativo da cidade de Ur, Abraão, (entre 1700 e 1900 a.C.) foi desafiado por Deus para abandonar a sua vida confortável e ser pai de uma nação. Não foi de uma mas de três. O filho da sua escrava Agar, Ismael, dará origem aos povos árabes. E a mulher Sara já velha esbarrigou Isaac, génese do povo judaico e, anos mais tarde, de Jesus Cristo. O patriarca bíblico celebrou um pacto com Deus no qual este se comprometia a proteger os seus descendentes, e estes por sua vez, considerados o Povo Eleito, prometiam seguir os mandamentos de Deus. Como sinal desta Aliança Deus estabeleceu a circuncisão. Ora, a Organização Mundial de Saúde reconheceu que a circuncisão reduz em 60% o risco de contrair o vírus da SIDA, donde se pode concluir que os judeus, por cumprirem os mandamentos de Deus, são ainda seus protegidos). Israel foi mais longe na sua propaganda com mulheres-soldado despindo as bombas secretas Gal Gadot & companhia para a revista Maxim. Depois da ciência ter provado que não são as armas nem as balas que matam. As pessoas morrerem por causa do buraco. As fotos da Maxim atiraram os teóricos da guerra numa discussão sobre a legitimidade humana de furar um corpo daqueles com uma bala. Os pacifistas ficarão babando como canta a Britney Spears brasileira, Kelly Key, na bela melodia “Baba baby”.

sexta-feira, julho 06, 2007

Mamã eu quero

Antoine-Laurent de Lavoisier é conhecido por ter resumido num atractivo adágio científico a lei da conservação da matéria. Simples de entender tornou-se de imediato num sucesso nos bancos da escola. Os cábulas em Química sabem-na na ponta da língua. Decoram-na com o mesmo à vontade que a fórmula do ácido sulfúrico. Na realidade é a única lengalenga que aprendem depois do inolvidável H2SO4. Num ensino para a excelência é essencial dotar os jovens de (pelo menos) um skate intelectual para percorrerem os passeios, esquinas de muros e varões de escadas desta praça fortificada pelos milhões da União Europeia. E, saber recitar “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” serve para ter uma atitude filosófica sobre os passados subsídios da magnânima Europa, que não se perderam, como dizem, mas transformaram-se na riqueza daqueles que lhe deitaram a mão, e… manter a outra mão limpa para receber o novo pacote milionário de 21,5 mil milhões (desta vez com um propósito definido e na moda: “desenvolvimento sustentado”). Nisto de mãos estamos mal servidos. Somos poucos e só temos duas per capita. E, logicamente, as que mexem no saco são sempre as mesmas. Para as outras, azarentas no jogo do subsídio, mas sortudas no amor, se reserva passeios amorosamente enlaçadas, nas ruas, como cantava Françoise Hardy sobre “Touts les garçons et les filles de mon age”. E… enquanto tivermos idade, e as Câmaras Municipais não cobrarem, é de aproveitar.

(Para repor a verdade, quem publicou a lei da conservação da massa, catorze anos antes de Lavoisier, foi Mikhail Lomonosov. O francês ficou com a fama porque vivia num centro cultural da altura – a cidade de Paris).

O químico gaulês teve outra importância. Deu-nos o ar que respiramos. Foi ele quem descobriu e baptizou o oxigénio – do grego oxys (ácido) + genos (gerar), ou seja, “criador de ácidos”. Mas para nós portugueses ele será premonitório. Lavoisier, para além de queimar as pestanas no laboratório, era cobrador de impostos, e por causa desse mal compreendido mester foi guilhotinado no dia 8 de Maio de 1794. Este decapitado final deveria ser uma lição para o (nosso) Estado liberal cuja única função é contratar especialistas para sonharem novos impostos e criarem engenhocas financeiras para que os existentes pareçam baixar. (A “solução” para o Imposto Automóvel é um mimo de inventiva. Na hermética linguagem da ciência económica chama-se Epidural. Em vez de pagar com dor no acto da compra, o condutor vai desembolsando ao longo dos anos, com reduzido impacto álgico). E noutra aplicação Lavoisier nos toca. A sua lei da conservação da matéria explica a essência da nossa realidade. Uma realidade poupadinha onde nada se perde. Povoada de heróis, valentes “mata sete”, durões descobridores, piedosos professores tutores do mundo, impossíveis de desaparecer, urgentes de preservar. Por exemplo, a irmã Lúcia não morre, transforma-se… em milhentas padrecas vocações – graças a Deus – para exorcizar do solo pátrio o “Diabolism” que solfejam os Carpathian Forest.

Não há nada pior que uma vocação enchoiriçada dentro da alma sem poder ver a luz do dia. Neste padecimento de querer ser, os portugueses têm o cardápio limitado. O menu do dia resume-se ao escolher entre ser futebolista, fadista, padre, cozinheiro e, em ementa alternativa, serralheiro-mecânico. A igreja de Santiago de Areias, perto de Santo Tirso, foi palco de uma destas tragédias vocacionais. Durante o baptizado do pequeno Pedro foi montada uma operação policial de grande envergadura e planeamento. Os Srs. guardas tiveram oportunidade para testar, no teatro de operações, os conhecimentos adquiridos na Escolinha de Polícia. Em conluio com o cónego de Braga apuseram-se de tocaia para caçar um falso padre. E mais uma vez a superioridade do carácter técnico-científico da nossa Polícia foi evidenciada. Como precisavam de apanhar o tipo em flagrante delito pacientemente esperaram que ele dissesse: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Se ele não abrisse o bico seria mais um gajo vestido de batina. Esquisito mas não crime. Mal acabou de pronunciar as evocativas palavras deram-lhe ordem de prisão, e pouparam no “mãos ao alto”, pois ele já estava de mãos postas para o criador no céu – (para quem não sabe fica situado os antípodas do night club aonde Miles Davis e John Coltrane tocam juntos para a eternidade).

Mais tarde desvendaram os contornos enesgados desta detenção. O indivíduo apresentava-se como o padre João Luís Amorim, com prática em missar nas terras de Angola, e a tirar um mestrado no Vaticano. Durante dois anos rezou missas, baptizou bebés, celebrou casamentos, um deles na Sé de Braga. Diziam os paroquianos que “tinha o dom da palavra” e era muito querido de beatos e beatas. Mas a sua personalidade dividia-se em duas como o feijão-frade. No Bilhete de Identidade ele chama-se Agostinho Coutinho Caridade, de Barcelos, alcunhado “o Gravatas” pelos vizinhos para simplificar. Caridade teria começado a rezar missas em Albufeira, com o nome de padre Pedro. Confessou que não o movia negros desígnios para ficar com a massa dos peditórios mas a vocação de propagar a fé de Cristo. No universo padresco, o dinheiro, tanto para os verdadeiros, como para os falsos padres, é um produto acessório, teima em aparecer sem intervenção humana ou prece específica. O Gravatas não foi apanhado por roubar mas por falar demais. Na organização da Festa das Famílias, excedeu-se na gabarolice, e prometeu que viriam oito mil pessoas de todo o país. Quando apareceram somente sessenta os colegas desconfiaram. E, como é usual nos nossos dias, a mentira sobre as habilitações foi-lhe fatal. É que ele, terminada a Páscoa, não se deslocava a Roma, para concluir os estudos, nem desaparecia por uns tempos para manter a petarola. A vocação era tamanha que não lhe permitia manter-se afastado do seu rebanho. Se um rapaz nasceu com vocação para padre, futebolista, fadista ou cozinheiro, não deve ser contrariado, ou corremos o risco de ter uma população descorçoada, deficitária de formação para lhe colocar o cabresto certo. Que pode um poor boy português fazer? Tocar nos Motosierra “Back in town”.

Não estamos orgulhosamente sós nesta façanha de querer ser outra coisa. Os ingleses também queriam ser australianos. No mês de Dezembro de 2004 os simpáticos criadores de cangurus enfrentaram uma situação de perigo eminente nas águas do golfo Pérsico. A fragata HMAS Adelaide efectuava uma operação de rotina de revista ao cargueiro MV Sham quando foi rodeada por cinco barcos da Guarda Revolucionária. Ninguém sabe o que os iranianos armados de lança granadas queriam. Nada de bom conforme consta do manual de guerra daquela zona. Os australianos não se enrascaram e, segundo as palavras do comodoro Steve Gilmore, com “linguagem colorida” e “táctica agressiva” resolveram o conflito sem disparar um tiro. Os marinheiros num confronto de quatro longas horas de palavrões, manguitos e o universal the finger, e claro robustas nádegas ao léu como os escoceses de Mel Gibson, no filme “Braveheart”, puseram os iranianos a fugir com o rabo entre as pernas. Os media ingleses, atrasados como sempre, tomaram conhecimento deste episódio bélico este mês, e Fleet Street parangonou em uníssono. Queriam saber porque não aprenderam com os patrícios de Crocodile Dundee, quando a sua Marinha se viu envolvida num incidente semelhante, e quinze marinheiros foram parar nos calabouços e televisão iranianos. Não compreendiam como a soldadesca de Sua Majestade não estava na posse desta arma para afugentar iranianos. O resultado desta desvantagem nos apetrechos castrenses prejudicou o prestígio da Royal Navy. Os marinheiros australianos foram condecorados com medalhas pelos seus sonoros “motherfucker” e “son of a bitch”. E os britânicos vieram para casa com sacos de presentes de Mahmoud Ahmadinejad, que não dá direito a parada militar nem a deslocação da rainha para amedalhar os valentes da armada. Os ingleses não gostam de perder nem nas corridas de galgos. Entraram na coligação para adornar as cabeças com folhas de louro e não porque o seu primeiro-ministro era um cabeça oca. Mas, se aprofundamos esta ânsia de querer ser outro, concluímos que os soldados australianos e ingleses anseiam por ser americanos. Amalgamados nas Forças de Coligação não podem fazer um “esquerdo, direito, esquerdo, direito” sem pedir autorização ao general americano de serviço. Se fossem americanos poderiam dar ordens, eles próprios, como o sargento Hartman, do filme “Full metal jacket”, de Stanley Kubrick, e tocar “Rock song” como as manas do grupo Smoosh.

Os portugueses querem ser engraçados. Eis uma nova moda! Os comentários jocosos zicham como candidatos à Câmara de Lisboa. Primeiro foram os cidadãos. Fernando Charrua é retirado do seu confortável gabinete da DREN por ter galhofado para um colega-amigo: “somos governados por uma cambada de vigaristas e o chefe deles todos é um filho da puta”. É uma frase tão geral que abarca todos os Governos, excepto o de Salazar, onde dizem eram todos filhos da puta. Maria Celeste Cardoso, directora do Centro de Saúde do Minho, é exonerada por não ter retirado um cartaz com comentários piadéticos sobre o ministro da tutela, Correia de Campos. Depois é o próprio Estado contribuíndo para a jocosidade geral. Manuela Estanqueiro, professora com leucemia, é obrigada a regressar ao serviço para morrer no posto como o comandante da guarnição do forte da Mina. Artur Silva, professor com cancro na traqueia, é considerado apto para leccionar. Perante a recusa da Caixa Geral de Aposentações em conceder-lhe a reforma, ainda tentou uma audiência com o director instituição, mas os altos funcionários do Estado são pagos para gerir e não falar. No entanto, a ministra da Educação jurou a pés juntos que ele morreu feliz, pois a escola Alberto Sampaio, de Braga, garantiu-lhe todas as condições humanas. Um país magro intelectualmente, como um pau de virar tripas, não pode ser jocoso. Porque enlameia o moral e o trabalho dos relações públicas, que exsudam a camisa Victor Emmanuel, para avivar a optimista geração “Portugal! Portugal!”. Aceitar comentários jocosos seria voltarmos aos tempos derrotistas do “isto é Portugal!”. Seria entregar o país aos anarquistas. (Não acreditamos que não exista um em cem e vivam em Espanha como cantava Léo Ferré em “Les anarchistes”).