Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

domingo, dezembro 31, 2006


O país cavacado

Os dez anos do consulado Cavaco Silva que temos pela frente prometem ser mais um período pleno de instantâneos Kodak para mais tarde recordar (ou snapshots Nikon Coolpix S1 em ficheiros JPEG – o que interessa é termos acesso imediato, como base de dados, para futuras histórias infantis suplantando os irmãos Grimm ou Christian Andersen na imaginação e lições de vida). Os prenúncios e ameaços são bons e muitos. Tudo começa com o making of… de um génio.

Nos atrasados meios políticos caseiros, os “fazedores de opinião” da direita Rosa & Teixeira, durante dez anos atarefaram-se em danças dos véus, para revelarem qualidades presidenciais de uma certa quartuda almeia que tinham de reserva no alcoice político. Ela, tímida, pouco falava. Mas era gulosa por bolo-rei e brindes nos jornais para espevitar as tiragens. Escrevia sobre monstros e má moeda. As palavras rolavam como dados incandescentes queimando onde mais dói na estonteante “movida” partidária política lusa, isto é, no inflado ego. Os seus sicários conseguiram vender a ideia de que estávamos perante um génio saído – não de uma reles lamparina a petróleo ou azeite – mas do farol eléctrico que ilumina as trevas das relações inter-humanas: uma Faculdade de Economia qualquer. E… os reinícolas do reino dos tolos acreditaram e abriram-lhe as portas do Palácio de Belém. (Pelos vistos, o homem teve vintes. E, este facto, seria suficiente para justificar a genialidade, como se fosse difícil encontrar tipos com vintes nos Cursos de Economia. Toda a gente conhece um. Dos outros cursos é mais difícil lembrarmo-nos de alguém).

O novo Presidente entrou no ex-palácio dos condes de Aveiras como o alimpador que o jardim espraiado do lado de fora dos muros carecia. Desgalhar os ramos mortos de pessimismos passados, cortar as bordas da relva dos mais espaventosos e enxertar novos rebentos de confiança constituíram o ponto de partida desta moderna jardinagem por objectivos. Era imperativo vicejar de novo o brio português depois de anos rastejantes na maior inópia de pão para a boca e o espírito. O pântano político seguido da anunciação da retoma económica, sem diferença alguma visível, lançara o país nos braços de Scolarão & Madaílão, que criavam novos heróis, traziam a esperança de volta, apresentavam resultados e bons lugares para vender bifanas e bojecas. O posto cimeiro da Nação precisava de um flautista superior ao de Hamlin – da Travessa do Possolo era suficiente – que encantasse o povo para paragens seguras e não hiantes abismos. E… como todos os outros presidentes começaram as passeatas no país e no estrangeiro.

Cavaco, com aquele aspecto de capigorrão que não saiu a porta do seminário, esgueirando-se ao Lula (dizem), apareceu na Bienal de Artes de São Paulo, e foi com sentida emoção que ouvimos a esfinge vaticinar: “a arte moderna choca-nos, às vezes, impressiona-nos, mas tem a sua mensagem. Nós podemos não saber interpretar mas os artistas sabem”. Claro que ele se referia ao mictório que Marcel Duchamp mandou para o primeiro Salão dos Independentes Americanos com o óbvio título de “The Fountain”. A obra não foi aceite pelos vanguardistas americanos mas servia para aliviar a bexiga. Ou as fotos de Jeff Koons da Cicciolina que serviam para aliviar outro órgão na mesma região. Ou as vacas retalhadas de Damien Hirst que serviam para fazer um bom bife com batatas fritas e ovo a cavalo. De facto, os artistas sabem interpretar a sua arte para além do bem e do mal… vender. Com Cavaco, perante a arena quase internacional, estamos bem representados – “quase internacional” porque o Brasil é praticamente Portugal. Agora que o Governo encomendou um estudo sobre as prostitutas brasileiras a labutarem nas nossas esquinas, ficaremos a conhecer melhor a mão-de-obra que nos assiste nos trabalhos menores que nós ricos rejeitamos… a mão-de-obra e o resto, consoante o pedido do freguês.

A direita Rosa & Teixeira e a esquerda Dolce & Gabbana afinam tão bem que dispensam o diapasão. Tão familiares são as suas relações que até parecem incestuosas. Neste lar não haverá casos de violência doméstica. Nem divórcios com barrela na praça pública. Dá que pensar se desenterrar o cadáver esquisito do Mário Soares, em vez de apoiar Manuel Alegre para a Presidência da República, não foi um deslize de taralhoquice política socialista, mas um acto premeditado na certeza de que, com o poeta do vento que passa como galo da capoeira, os ovos teriam de ser postos com mais cuidado. E muitos deles não seriam galados, nem por Belém, nem pelo Tribunal Constitucional, apodrecendo estéreis nos cantos do galinheiro ministerial ou parlamentar. Por cá estamos bem governados na perseguição do liberalismo total. Somos governados pelo Sr. Mata e o Sr. Esfola. Um diz mata, o outro esfola.

Enérgico como um concerto dos Cannibal Corpse ou dos Napalm Death, Cavaco não pára quieto na sofreguidão pela arte. Vemo-lo refranzear diante dos quadros de Amadeo Souza-Cardoso na Gulbenkian. Aquele prismático cubismo despertava-lhe empatia pelas companhias e mensagens do artista. Pudera! A arte vale balúrdios depois de transposta a soleira (para o lado de dentro) do museu. A colecção Berardo foi avaliada pela Christie’s em 316 milhões de euros. Explicou a Ministra da Cultura, apequenada perante os castiçais gigantes de Joana Vasconcelos, que o avultado valor é suficiente para três Casas da Música, dois Centros Culturais de Belém e milhões de pratos de caracóis. Resta-nos esperar que vendam aqueles magnificentes tarecos pelo melhor preço e, em 2007, não se oiça falar do reverencial respeito pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, nem das bárbaras ameaças de Bruxelas para poupar trocos no Orçamento de Estado.

quarta-feira, dezembro 27, 2006


O euro de Natal

Agora que o Natal acabou dentro e à volta dos caixotes de lixo, num feérico colorido de vulgarucho papel de embrulho, e stylish sacos greeting seasons. Época por excelência dos padres e comerciantes de boas vontades, de encherem as igrejas de óbolos e almas, e as lojas de Multibancos e cartões de crédito, auriluzindo as vertentes espiritual e económica da Humanidade. Época tramada para todos os animais, especialmente o tradicional bacalhau, o imperdoável peru, o caprichoso polvo ou o sacrificial cabrito. Época do circo e do centro comercial foi escolhida pelos portugueses para fugirem ao tetérrimo futuro. Nela se refugiam para protecção e sonhos como uma virgem na infibulação. Mas agora que findou eis chegada a hora do euro de Natal – euro que substituiu o conto no início do século XXI, enterrando o natalício Dickens dos três fantasmas, unidos em mais uma santíssima trindade: o fantasma de carne e osso.

O fantasma de carne e osso traz-nos a trilogia do “Senhor dos anéis” (a estopada fílmica seleccionada pelas estações de televisão para continuar a chaga aberta por idêntica repetição natalícia do “Música no coração”). Traz-nos uma mistura melodramática nos telejornais, que começam com um sério destaque do número de mortos nas estradas, enriquecido pela pedagogice de GNRs embarretados de estranhos bonés com aquele grande frontispício virado para cima, para logo passarem para democráticas reportagens sobre consoadas nos variegados lares portugueses. Traz-nos boas novas como: “Portugal gastou 4 mil milhões no Natal”, “quase mil euros por segundo gastos no Natal” e “movimentados 194 milhões de euros por dia”. Traz-nos uma pausa no “Processo Casa Pia”, “Apito Dourado” e na produção literária de Carolina Salgado. O fantasma de carne e osso traz-nos tudo menos visões do passado, presente e futuro. Mostra-nos que o tempo parou em Portugal e… não foi na estação certa.

O primeiro-ministro apareceu num fundo de tons dourados para dar a habitual dose de 10cc de esperança. Um discurso que a oposição entendeu ser dirigido ao país da carochinha, onde todos os cidadãos encontraram uma moedinha no chão e ficaram janeleiros ricos, e felizes amodernaram a infantil lengalenga: “quem quer casar com um português. Tão formoso e bonitinho. O vigésimo cidadão europeu na riqueza per capita”. O resto da população sob o efeito do choque hiperglicémico natural nesta festiva quadra desviou a atenção para o campeonato de futebol inglês. Bem vistas as coisas, na sua mente, o primeiro-ministro, não delirava, construía o espaço socialista do mundo economicamente liberalizado no velho estilo Malharmé – “espaços, podia dizer: imaginários. Toda a existência é assim”.

O fantasma de carne e osso não é a parte etérea que se separou de um cadáver esquisito. Ou uma emanação fosforescente do corpo visível. Nem a alma penada do Johnny Rotten a gritar “no future”. Antes será a dura realidade a cantar “ I did it my way” nas vozes de Frank Sinatra e Sid Vicious. Porque Portugal tem futuro, que começa no dia depois de ontem, que a liberalização dos aumentos colora com uma divertida matemática. Os aumentos na água, rendas, taxas de juro, combustíveis são à descrição. No pão será 20%, nos transportes públicos 2.1%, nas portagens 3%, na electricidade 6%, nos medicamentos comparticipados pelo Estado 1 a 5%... Por regra, aumentam acima da taxa de inflação mas esta não tuge nem muge como se nada fosse com ela. Uma curiosidade tirada do quotidiano que os professores deveriam aproveitar para motivarem os alunos, provando afinal que a matemática não é uma abstracta disciplina sem utilidade para quem sabe contar pelos dedos, mas uma coisa engraçada que podem usar para enganar os pais no momento de cravar mais um jogo para a consola ou o cartão Visa para sair à noite.

Cada vez mais nos aproximamos do Natal queirosiano. Da alvinitente neve acumulada nos telhados e ruas, do parque de pesados portões fechados, da mãe e filhos vestidos de farrapos, das inalcançáveis quentes janelas das casas ao longe na noite. Porque, apesar do simbólico gesto de muitas Câmaras Municipais não dando tolerância de ponto no dia 26 em nome da produtividade (vá lá saber o que produz uma Câmara Municipal?), para o ano engrossará o número dos sem-abrigo e para muitos cidadãos restará na ceia de Natal rabanadas de vento, lampreia de impostos e o buraco do bolo-rei.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

A ficção do Estado palestiniano

A guerra do Líbano não estava na agenda do Irão ou da Síria como se propagandeou pelos sete mares, cinco continentes e Estação Espacial Internacional (e… para a maior parte dos “manufactureiros de opinião”, pela Terra Encantada). Ela fazia parte dos planos de Israel e tinha um duplo objectivo. Em primeiro lugar, desviar as atenções da Faixa de Gaza onde comicamente os soldados são “raptados” e os ministros e deputados são “detidos”. Estas insólitas expressões são tipicamente europeias, derivadas da invasão da Polónia por Hitler, quando em 1939 a tropa polaca foi “raptada” e os dirigentes políticos “detidos”. Nunca mais foi utilizada desde esses tempos de cachaporrada global por isso caiu em desuso. E hoje achamos patusco “raptar” – em vez de “capturar” – soldados durante uma guerra, ou “deter” – no sentido de “atirar para a masmorra” – representantes eleitos por sufrágio universal, numas eleições que, ainda por azar, os isentos observadores internacionais garantiram não ter havido trafulhice.

Em segundo lugar – como tem sido feito desde 1948 – esta guerra serviu para manter a pressão sobre os árabes para que abandonem as suas terras ou, pelo menos, não atinjam um nível socio-económico que possam ser uma ameaça para Israel. Toda a gente sabe que daqui a dez/vinte anos Israel voltará a bombardear o Líbano, num previsível ciclo de destruição de casas, hospitais, escolas e outras infra-estruturas públicas, enviando as pessoas para a miséria, para que as prioridades em sustentar a família e labutar pela “farinha deles de cada dia”, (correspondente ao cristão “pão nosso de cada dia”), absorvam todo o tempo útil e esqueçam outras reivindicações políticas ou territoriais. (Numa guerra o objectivo primordial não é matar mas subjugar o inimigo. E isso consegue-se atrapalhando-lhe a vida. Na faixa de Gaza, o alvo quando não consta da lista a abater, recebe um amável telefonema de um graduado israelita, avisando que tem cinco minutos para pôr o canastro da família a salvo porque a casa será bombardeada dentro de momentos).

O que tornou esta guerra um pouco interessante foram os acidentes de percurso. Com ela o assassinato do ex-primeiro-ministro Rafic Hariri adquire outra dimensão. Talvez os responsáveis sejam outros e não os suspeitos do costume. Não são apenas os serviços secretos sírios que actuam em Beirute, a Mista’aravim (que significa “transformados em árabes” em hebraico, e constituem uma elite de operacionais treinados para agir e sobretudo pensar como árabes que se infiltram desapercebidos entre a moirama) também por lá anda metendo achas na fogueira. E o ataque premeditado aos observadores da ONU, no sul do Líbano, para retirar da zona testemunhas incómodas e testar as reacções desta caduca instituição internacional, foi um golpe de mestre. Só é pena que não tivesse tido as mesmas consequências da invasão da Etiópia pela Itália de Mussolini que, em 1935, enterrou, a também inútil, Sociedade das Nações (o óvulo donde saiu esta ONU).

Quando se fala em “redesenhar o mapa do Médio Oriente pela via democrática” é preciso ter em conta quem tem a régua e o esquadro, porque a venda da banha da cobra foi transferida das feiras para os gabinetes dos políticos. Mais depressa se acredita no Sô Zé, o discípulo de Belzebu, colocando bombas semi-invisíveis e despoletando casos em Camarate, do que em Wbush criando injustificados conflitos e enviando U.S. Marines para os cinco cantos do mundo (aos quatro cantos habituais que os portugueses tão bem navegaram a América acrescentou o quinto – o espaço). Redesenhar o Médio Oriente significa criar Estados amigos, ou seja, instalar governantes corruptos para fecharem os olhos (como a casa de Saud) ou formados nas academias ocidentais (como Abdullah da Jordânia) que sirvam os interesses americanos por serem os justos donos do mundo. Mas o caso da Palestina é mais bicudo. Não se resolve com empoleirar o “homem da América” Mahmud Abbas porque seria um poleiro imaginário. Ele não teria onde governar. A não ser que se chame governar à gestão dos dinheiros da ajuda internacional. Só os tolos acreditam na possível existência de um Estado palestiniano. Este tem uma única data há muito anunciada, isto é, nunca.

Se os analistas puxassem pela cabeça encontrariam pelo menos duas singelas razões. A primeira, Israel nunca permitirá um Estado palestiniano. Um Estado como comummente se entende, com fronteiras e espaço aéreo invioláveis, Exército constituído, política externa própria, economia autónoma e, mais importante ainda numa região desértica, com acesso directo à água. E a segunda é ainda mais simples, fisicamente é impossível constituir um Estado, digno desse nome, com o território naquela partição. Para começar a passagem da Faixa de Gaza para a Cisjordânia e vice-versa seria um pesadelo. Careceria de um pedido, em triplicado pela certa, ao Estado judaico que accionaria os trâmites burocráticos e quando lhe aprouvesse, forneceria uma carinha Toyota de caixa aberta para efectuar a viagem. E depois a situação na Cisjordânia é ainda mais engraçada. Furada por colonatos e atravessada de estradas só para judeus daria uma peculiar província de um Estado soberano.

E se estas razões não fossem suficientes podemos referir um mecanismo psicológico característico do povo judaico, propositadamente excluído das análises, por não ser politicamente correcto devido à coacção cultural que o povo judeu mantém sobre os “manufactureiros de opiniões” europeus e americanos desde o fim da Segunda Guerra Mundial – a questão da segregação contra os gentios. O deus de Israel é um deus que não aceita partilhas de poder com outros. È o deus verdadeiro. Todos os outros são falsos. Um povo eleito por deus olha os outros altivamente. Não aceita misturas. Os portugueses bem conhecem este fenómeno porque quando vão trabalhar em Israel são despachados para os bairros de árabes israelitas.

A democracia é uma coisa muito bonita de se ver desde que ganhem os certos. Se ganham os outros cai o Carmo e a Trindade e o Governo do Hamas. Vencendo os errados inicia-se a propaganda negativa. Ridiculariza-se o sevandija por vestir mal como Chavez e Ahmadinejad. Diaboliza-se a súcia que nos quer apertar o gasganete como o Hamas e o Hizballah. E para abrochar com alfinete de peito de ouro arreda-se ambos dos Meios de Comunicação Social que importam. Para ser verdadeiro o acto democrático tem que ser repetido até ganharem os bons… se a Fatah não ganhar agora volta tudo para a bicha da urna outra vez (pelo menos os vivos).

A única solução para aquela zona seria um equilíbrio entre Estados. Só haverá paz quando os Estados árabes tiverem um poder militar equivalente ao de Israel. Enquanto isso não sucede o mundo fica-se pelas visões de Wbush.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Na União das Dispendiosas Fadas

Era uma vez uma floresta encantada, habitada por políticos sem ideias originais, que se dedicavam a imitar os Estados Unidos. Encontravam-se em fóruns e clubes exclusivos para trocarem postais do país do coração – amiúde ouvíamos algo semelhante a conversas de putos trocando cromos: “Grand Canyon?”“Já tenho”. “Caeser’s Palace?” “Não tenho, troco pelo The Alamo”. “Castelo Hearst?” “Já tenho”. “Hotel Venetian?” “Não tenho. Se juntares uma foto da Martha Stewart no seu garden, troco pelo Monument Valley com pegadas do John Ford e do John Wayne quando lá filmaram o Stage Coach”… e esticavam as trocas até chegarem às fotos de Madonna e Anna Nicole Smith para a Playboy.

Os políticos europeus borboleteavam desculpas de terem valores e princípios comuns e sacudiam as suas varinhas mágicas para criarem na Europa umas terras iguaizinhas às do tio Sam. Os pós de perlimpimpim usados surtiam efeitos quando os ventos estavam de feição e havia grandes perigos pairando sobre a nossa cabeça. Como quando, na década de oitenta, a ameaça de uma “hard rain is gonna fall” (da canção de Bob Dylan, referente aos mísseis de Cuba, mas actual para qualquer coisa vinda do céu ou outro sítio indefinido) e Ronald Reagan mandou os mísseis Pershing para a Europa para proteger a nossa forma de vida de um destino pior que um concerto dos Exploited. O “alzheimerizado” Presidente americano era “o mais que tudo” da então Primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher. E o resto da tropa fandanga que governava a Europa na altura deliciava-se com os cartões de anedotas que a ex-superstar de Hollywood carregava para todas as reuniões entre pares. Muito se ria e… aceitava com reverência desabrida, aquilo que o tranquiberneiro ianque trazia na mala (da política americana para o mundo).

A autonomia da Europa – segundo parece – situa-se antes de Cristóvão Colombo ter empreendido a sua viagem para as Índias. Navegando para Ocidente tropeçou por acaso num verdadeiro tesouro imobiliário. Que depois daquelas peripécias da tea party, em Bóston, para se livrarem dos ingleses, e da redução do número dos peles-vermelhas com os paus de fogo e aguardente… alguns arranha-céus mais tarde resultou na construção do actual centro do mundo. Desde o início os presidentes americanos baterem o pé que quem mandava nos assuntos internacionais eram eles. Essa posição de supremacia estabeleceu-se permanentemente com a Primeira Guerra Mundial. Mais que uma guerra foi uma autêntica caricatura militar. Os generais europeus, uns velhaças das classes altas que ascendiam aos postos por herança familiar, desprezavam os soldados oriundos do povo considerando-os como carne para canhão, e nem se deram ao trabalho de actualizar o seu conhecimento bélico. Apesar da metralhadora ter sido estreada na guerra Rússia/Japão, em 1904/05, continuaram a usar tácticas de infantaria como se nada fosse. Os soldados caíam como tordos ao saírem das trincheiras e o capital e quem tinha dois dedos de testa fugiram para os Estados Unidos. Nessa altura a luz da Europa apagou-se e os seus habitantes tornaram-se nos hilotas da novel potência.

As sucessivas castas políticas que se sucederam nos poleiros europeus foram-se degradando até chegarmos à subserviência de capacho dos actuais “líderes”. Como verdadeiras bruxas boas perguntam: “espelho meu, espelho meu, quem é mais americano do que eu?”. E o espelho responde: “é o dirigente inglês, é o dirigente alemão, é o dirigente português, é o dirigente polaco, é o futuro dirigente francês…”. Não haveria mal algum, se esta última geração de políticos sonhasse com a Quinta Avenida e Rush Limbaugh, e governasse o território que lhe cabe com ciência e esmero. É desejável até uma dose de devaneio na cachimónia para olear os neurónios. Mas não é isso sucede. Para os americanos reservam a vénia, para os seus povos o ferrete do imposto com única forma de endireitar a economia.

Muito politicão europeu ambiciona uns estados unidos da Europa. O primeiro a falar disso com alguma convicção foi Léon Trotsky. Por razões óbvias foram as recomendações no mesmo sentido da Comissão de Acção para os Estados Unidos da Europa, de Jean Monnet, que singraram. Os políticos não queriam perder o vagão do poder. Sobre um processo de união que seria natural, com a evolução tecnológica, o melhoramento das condições de vida e a interacção dos povos, criaram um supra-estado chamado União Europeia. Que aparece na cena internacional esticando o pescoço mas ninguém leva a sério. E que sustentar não sai barato.

Em Bruxelas existe uma terra encantada onde as fadas parecem boas, cobertas com o pó de arroz, de centenas de assessores de imprensa. Mas a crua realidade é outra. Mais negra que o lado negro descoberto por Anakin Skywalker. Políticos incapazes no seu país são incapazes em qualquer lado. Esta modernaça classe estadista do fato Armani e Dolce & Gabbana encolheu o mester de governar à venda de património público e invenção de impostos. Um dos últimos é dos bons. Vai render uma pipa de massa. Vão taxar 1% sobre as mensagens SMS para pagar os gastos com o Parlamento Europeu. Aquela malta do ar condicionado e da renovação periódica da alcatifa tem um futuro risonho.

O cidadão europeu continuará a sustentar inutilidades dentro e fora das fronteiras do seu país. Como, por exemplo, o Alto Representante da União Europeia para as Relações Externas e séquito. Este cargo só se compreende como um tandem de tachos, porque as directivas para lidar com outros povos vêm do Departamento de Estado americano. Que muito bem poderia fazer o trabalho directamente poupando uns dinheiros ao contribuinte europeu. A novela sobre “os aviões da CIA” é reveladora desse poder dos “líderes” da União Europeia face aos verdadeiros donos do mundo. Lemos nos estupefactos jornais que “o Governo recusa colaborar na investigação dos voos da CIA”. A realidade é mais comezinha. Não é um acto de vontade mas de impotência. Os Governos não têm poder, nem autorização, para interferir com os aviões da agência de espionagem americana. Para pôr os bois no curro, Condoleezza Rice já esteve na Europa com o aviso para estarem calados e desviarem a atenção do assunto, ou seria tornado público o seu nível de conivência.

E no alfobre à beira-mar plantado, durante o recente bombardeamento do Líbano, pudemos ver como complemento ao “Gato Fedorento” e “A Revolta dos Pastéis de Nata”, mais um extracto de alta comédia. Levantaram-se suspeitas sobre a carga dos aviões israelitas que fizeram escala nas Lajes. Material militar não bélico, seja lá qual for o significado disso, serviu como explicação. A triste verdade é que o Estado português não tinha poder para fiscalizar esses aviões. Neste e noutros casos semelhantes deve limitar-se a conceder as autorizações de voo e mais nada.

sábado, dezembro 16, 2006

Tolos ‘R’ Us

A guerra é sempre um divertimento animador. Um bálsamo para as almas cansadas de videojogos, anelantes de sangue e bombas reais, de gritos saídos das gargantas e não das colunas 5.1, do verdadeiro surround da destruição total, dos corpos explodidos no “teatro de operações” e não no LCD com resolução de 1366x768 pixels. A guerra é o aperfeiçoamento do Metal Gear sem o agente Solid Snake para salvar o pagode. O Crash Tag Team Racing espatifado contra a parede. O Guild Wars Factions global jogado de arma automática em punho provocando danos colaterais e baixas do fogo amigo. A guerra é um espectáculo autêntico, de desespero e sofrimento, que as consolas em concorrência no mercado ainda não conseguem reproduzir, mas que falta nas nossas vidas, alienadas pela esterilização da imagem vídeo, de cores demasiado brilhantes e frias. A guerra é um necessário banho de realidade onde os cadáveres não se evaporam, em pontos, no canto superior direito do ecrã, e seguem os rituais de enterramento dos mortos. Dor e morte são necessidades básicas humanas tal como o carinho ou o amor. E, ainda por cima, fornece aos telespectadores momentos de grande qualidade visual e informativa. A guerra é o teatro de Antonin Artaud sano per nostru gaudiu.

Todavia, para nosso azar, as guerras contemporâneas são um autêntico aborrecimento. Perderam o charme de outros tempos, em que grandes guerreiros como Alexandre Magno, Átila, Aníbal ou Napoleão, inspiravam e lideravam exércitos e ganhavam batalhas com o seu génio militar. Actualmente, a “guerra à americana” excluiu a intervenção humana directa, não depende da inteligência dos comandantes, nem das suas capacidades estratégicas ou tácticas, mas do poderio do armamento, que nos dias de hoje quer dizer supremacia aérea. Por ser uma guerra assimétrica o vencedor está pré-determinado banindo a incerteza do desfecho final. Uma “guerra à americana” é tão fácil de fazer como o arroz com atum. Bombardeia-se durante meses seguidos países sem meios para se defenderem como a Sérvia, o Afeganistão ou o Iraque, e meia vitória está ganha. Depois avança a infantaria para matar o que sobrou e fixar posições no terreno. E, regra geral, solicita-se uma força multinacional, prometendo contrapartidas comerciais aos países económica e politicamente pobretanas, para fazerem esse sujo serviço.

O ataque israelita ao Líbano seguiu o banal perfil da “guerra à americana”. Militarmente não foi novidade mas foi rica noutros ensinamentos. Do lado dos Estados Unidos nada de novo. Condoleezza Rice foi a Beirute levar promessas e ameaças. Em Telavive recebeu a lista do material de guerra mais urgente para o Exército judaico. Do cantinho europeu os olhos arregalaram fechados, (numa tradução possível do título do filme de Stanley Kubrick “Eyes Wide Shut”). E tal como as personagens William e Alice Hartford percorriam as suas fantasias pessoais num cenário velho continente, assim também os dirigentes europeus palmilharam as suas no recato do lar. Por carência de opiniões e posições próprias e preocupados em ganhar aquelas medalhas de ouro, que a Administração americana distribui, ao desbarato, aos mais afoitos defensores do maniqueísmo político, os euro-líderes propagaram a mesma visão religiosa do seu amo sobre o mundo – dentro da simplicidade comic book – de que naquela guerra as “forças do Bem” esborrachavam as “forças do Mal” para salvar a Humanidade de um fim terrível. Como se Magneto estivesse prestes a vencer o professor Xavier e mutantes e humanos estivessem lixados.

É aceitável que os EUA, ou Israel o seu 51º Estado, matem, destruam, aniquilem, porque têm um mandato superior do “designer inteligente” do universo. Assim, é natural que uma bomba embarcada na base americana el-Eydid, no Kuwait, faça 28 mortos civis, entre eles, 16 crianças, em Canaã, e não levante enfurecidos protestos no mundo árabe, idênticos aos provocados pelas caricaturas de Maomé publicadas no jornaleco dinamarquês Morgenavisen Jyllands-Posten. Todos, religiões e povos, estão rendidos ao poder dos donos do mundo, que de mais perto comungam com os deuses, e não reclamam dos seus actos e decisões.

Mas o lado cómico da guerra foi de facto a propaganda ocidental, porque a outra só a percebeu quem fala árabe. Militares condecorados, políticos avençados, comentadores empenhados, politólogos almocrevados, paramilitares de sofá, todos se esforçaram por juntar na profusão de frases que proferiam as palavras Irão e Síria. Algumas vezes pareciam gagos, como o simpático porquinho Porky, num aflitivo empenhamento de meter sempre Irão e Síria na mesma frase. Este comportamento nem tem uma razão transcendente. Apenas os serviços secretos americanos estão a alimentar Wbush com um satânico inimigo, e o arco atlântico recebe a ideologia (ou a matéria-prima para pensar) directamente da Sala Oval.

Wbush não concebe o mundo ou a vida sem Satanás, sem o lado escuro que tenta e puxa para a condenação eterna. Sem a força contra a qual temos de lutar para sermos melhores. Sem a penitência e a alegria da recompensa. A sua religiosidade primária tem estupidificado o discurso político dos últimos anos. E tolos somos nós em ir atrás das muitas cantigas do bandido que a linguagem oficial tem cantado. E talvez fosse melhor ouvir uma palavra avisada de Bob Geldof – antes de nos melgar a paciência com concertos para os pobrezinhos – quando ainda cantava alguma coisa de jeito nos Boomtown Rats: “não acreditem no que lêem”.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

A era Cavaco

Portugal não precisa mais de se esconder debaixo das saias da padeira de Aljubarrota, com medo de aparecer diante dos outros povos, envergonhado da acne do imberbe crescimento, ou da estatura franzina por carência de vitaminas competitivas e fibras tecnológicas. O muito nosso serial killer é do melhor que se faz lá fora. O cabo António Costa da GNR, de Santa Comba Dão, sintetizou o internacional impulso de matar – importado da violenta América – com a nacionalíssima crença em Nossa Senhora de Fátima, nascida na placidez dos lusitanos fraguedos de Aljustrel. Insuspeito chefe de família e profissional competente matava nos meses de Fátima – Maio e Outubro – dando ao crime aquele “toque galo de Barcelos” que a nossa “portugalidade” não dispensa. Esta escolha temporal significativa, seguida do cumprimento ritual da peregrinação, integrou num acto condenável um familiar cheirinho a sardinha assada, que nos faz assumir o cabo Costa como um dos nossos (para o lado do Mal, mas dos nossos).

Será sempre motivo de orgulho nacional quando um português singra no seu ofício, mesmo no campo das malfeitorias e quejandos. (Quem não ficou orgulhoso de ver o Pedro Caldeira ser preso pelo FBI? O FBI! O caviar das polícias condescendendo em algemar um português. Foi emoção a mais). E, o esforço do cabo Costa, no aportuguesamento de uma estrangeirada, continua na mesma senda de colocar na prateleira mais alta da mercearia o luso pundonor. Tanto que deveríamos aproveitar para melhorar o nosso léxico e traduzir serial killer, não pelo literal “assassino em série”, mas por “mata-muitos”, que está mais perto da nossa histórica realidade de corajosos guerreadores da moirama ocupante do solo pátrio. Este acto de matar em português, associado ao quarto lugar no Mundial da Alemanha 2006, gerou uma mistura explosiva para levantar, hoje de novo, o esplendor de Portugal. E marca o início de uma nova era. A era da publicidade positiva para estimular o povo à beira-mar plantado.

Finalmente, o poder político percebeu que uma imagem não vale mil palavras, e que na era da informação, esta, não pode ser deixada ao deus dará ou ninguém percebe nada. É preciso interpretá-la para que as pessoas, perdidas no intranquilo mar do excesso de informação, não ficarem de cérebro vazio de boas patrióticas ideias. Neste aspecto foi exemplar a explanação mediática das aventuras dos nossos heróis futebolistas em terras teutónicas. Desta vez não bastou a transmissão dos jogos. Foi preciso mastigar comentários para as pessoas verem o que lá não estava e acautelar o futuro. Sucedesse o que sucedesse uma grande vitória seria sempre alcançada. Enfatizar cada conquista, como um grande feito digno do poderoso Thor, foi o caminho certo e revela que as elites fazedoras de opinião compreenderam a ideia chave da campanha eleitoral de Cavaco Silva – a consciência de somos pequenos capazes de coisas grandes. O optimismo do consulado cavaquista começou nos relvados germânicos.

Durante a “época da bola” os produtores de telejornais vivem nas sete quintas, ou melhor sete estádios, três quartos de hora de emissão estão garantidos, não é necessário desencantar notícias sobre o tempo ou esticar peças com planos Manoel de Oliveira. Os telejornais, regra geral, constituídos por desfiar um rosário de banalidades sem imaginação e interesse, nem profundidade de análise ou utilidade informativa, ao ponto de vermos o jornalista de microfone em punho entrevistar populares para confirmarem um sismo que não chegou a ser, ou perguntar a um bombeiro que dormia no 1º andar do quartel se sentiu uma potente explosão no rés-do-chão. O esférico a rolar na relva alemã deu azo a longas reportagens, de chupar o dedo, para consumo do povo, tornado mais receptivo pela cerveja. E as opiniões e larachas dos jornalistas vertiam do ecrã para o quotidiano das conversas de trabalho ou lazer como verdades insofismáveis.

Neste estio passado os fabricantes de opinião estavam preparados para fazerem das derrotas vitórias. A “geração de ouro” por pouco – mesmo muito pouco – não ganhou o Campeonato da Europa sub21. Faltou marcar dois golos à França e três à Sérvia-Montenegro. À Alemanha ganhámos. Se isto não é uma quase vitória, então somos pessimistas sem remédio. Mas pelos vistos era difícil publicitar este grande feito das jovens tropas lusas da chuteira como mais uma Coolela (o lugar mítico onde o coronel Eduardo Galhardo desbaratou a tropas do Gungunhana). Então utilizou-se o velho esquema de Mário Soares, para resolver o drama nacional dos ordenados em atraso, na ida década de oitenta – deixou-se de falar no assunto. Volvidos vários meses ninguém se lembra quem ficou em primeiro lugar no Campeonato, nem da cara de chateado do Quaresma por não ter sido chamado à selecção principal.

Graças a Madaílão e Scolarão o Mundial2006 correu melhor. Esta simpática dupla cativa instantaneamente como o Zé Colmeia e o Catatau, ou a mais recente Dumb and Dumber. Não precisa de caldos de galinha, nem paninhos quentes, nem designers de imagem, para cair no goto popular. Num país que só inflama ânimos contra a transferência do padre da paróquia, que se levanta em protestos exaltados, de paus e sacholas em riste, para se oporem à arbitrariedade do bispo, Madaílão e Scolarão mobilizaram o povo para tomar outra hóstia popular: “tudo o que vem à rede é peixe”. Estávamos de joelhos prostrados, expectantes para receber, tudo o que eles nos dessem. Chegaram ao quarto lugar, aceitámos como bom peixe e foram recebidos com honras de reis e príncipes (como sucedeu em todos os outros países porque o poder político compreendeu a importância da publicidade positiva nos fenómenos de massas).

Em termos de eficácia, comparando o que se gastou com os resultados obtidos, a campanha da Alemanha foi um total fracasso. A prestação da selecção em termos desportivos, e não sociológicos, foi má. Chegou às meias-finais com apenas um golo marcado e muita sorte. Um golo contra a Holanda e muita sorte no jogo com a Inglaterra. No entanto, o discurso ideológico foi outro e todos acreditaram. Portugal batalhou a indomada palanca angolana. Pelejou o perigoso Irão. Guerreou o México. Combateu a Holanda. No jogo contra a Inglaterra, com a prestação do frangueiro no Sporting, herói na selecção, passámos com o coração apertado, e uma reportagem na CNN sobre uma tasca no Montijo. Contra a França fomos roubados!

E se isto não bastasse ganhámos todos os prémios de consolação: a equipa mais empolgante, os melhor depilados debaixo dos braços, os que melhor usavam o brinco de diamante na orelha, os que melhor comeram bratwurst… Valeu os 44 contos que a estação de televisão, para a qual pagamos a taxa, ofereceu a mais aos seus emissários à Alemanha, e os 134 contos, por noite, da suite de Madaílão em Évora. Cavaco foi eleito para nos fazer sentir grandes apesar da triste realidade contrariar este desiderato. Mas isso pouco importa, pois somos ricos em sonhos e em ouro, porque no Portugal contemporâneo a Floribella casou com o príncipe da publicidade bem feita. E, no ano de 2006 fizemos o pleno ético – o cabo Costa no Mal e a selecção no Bem. Que seja recordado como tal.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Patetices na quinta

A euforia do cachecol, do boné e da bandeira em 2004 despertou uma torrente de talentos em estado de dormitação nos entrefolhos da alma lusitana. Esta euforia provocada pelo “esférico rolando na relva” serviu de “arquimédico” ponto de apoio para enfiar a alavanca da elevação da auto-estima upa upa lá para cima. Um feito não conseguido por outros acontecimentos históricos também de desbarretar o poviléu. Como a publicação da bula Manifestis Probatum, a defenestração do Miguel de Vasconcelos, a chegada de D. João VI do Brasil, a tonitruante cantoria d’ “ A Portuguesa” nas baiucas de Lisboa, o início do ciclo reprodutor de D. Duarte Pio, ou a abacial mordomice (publicitada como funções ultra-importantíssimas para a felicidade da Humanidade) do Señor Barroso e de Mr. Guterres na cena internacional.

Se estão lembrados a exultação da bola motivou os estudantes do 12º (ano lectivo de 2003/2004) que, ainda sob o efeito do choque adrenalínico da vitória da selecção portuguesa sobre a Rússia, acharam o exame de matemática fácil, dando um importante sinal aos pedagogos de como acabar com o insucesso escolar nesta disciplina tão roaz da cachimónia juvenil. Trouxe o opulento iate de Roman Abramovich à costa lusa cuja visão do cais fez avançar os consumidores das “revistas de sopeiras” um passo no sonho pela “qualidade de vida”. Inspirou Marcelo Rebelo de Sousa nos seus dislates habituais comparando o jogo contra a Espanha a “uma espécie de Aljubarrota” onde houve “preparação, táctica, moral elevada, apoio do país e emoção da luta”. O professor universitário dava a ideia correcta do nível elevado da academia portuguesa que também sabe dar (e teorizar) uns pontapés na bola.

As conferências de imprensa da época faziam jus ao constatado facto de serem o único motivo de interesse do futebol português. Onde atletas e dirigentes vestem a túnica do filósofo e enfunam o pátrio orgulho. Onde pudemos ouvir o Cristianão Ronaldão lançar mais um diamante para as orelhas do vulgo: “temos de ir para cima deles e dar porrada, como diz Mister Scolari…” – e nos fez sonhar com um Laureus da corda vocal. Todos os cantores e cantadores contribuíram para a banda sonora de tão jactancioso momento mas Roberto Leal foi o rei da eira e do nabal. Vestido de imaculado branco, de microfone apertado na mão direita poisada sobre o coração, na esquerda acenava a bandeira verde-rubra. Ao lado, no palco, o seu “metaleiro” filho rasgava com distorção na viola os acordes do Hino Nacional, num estilo Jimi Hendrix em Woodstock mas melhorado pela acústica da Praça da Figueira. Serão imagens como estas que nos irão perseguir (no bom sentido) a vida toda. E tudo isto consequência do feliz enlace dos dois nubentes Madaílão & Scolarão, velhas raposas fora da idade casadoira é verdade, mas que desacoitaram, com a fórmula mágica do futebol, aquela aba romântica da alma lusa que vertia lágrimas quando as noivas de St. António chegavam de Volkswagen às escadarias da igreja.

O estado de narcose do esférico teve efeitos imediatos. Fez passar a velha brutalidade policial por desígnio patriótico. As imagens de turistas a serem espancados no Algarve foi apresentada pelos jornalistas como uma conspiração hooligan arquitectada contra os honestos comerciantes algarvios. Esquecemos a história recente do turismo algarvio quando este corria atrás do “camone” para lhe esvaziar os bolsos com preços inflacionados e o turista português não era bem-vindo e maltratado. Talvez os ingleses, enganados nos preços e trocos, tivessem motivos para comportamentos violentos, mas prevaleceu a optimista ideia da mítica hospitalidade portuguesa invocada pelo ministro Arnaut – a dos carros puxados por burros e velhas desdentadas a rir para nós.

Mas a cereja do bolo deu-a o Governo ao decretar medidas jurídicas excepcionais para enfrentar a avalanche de gente que desembarcaria no país. De excepcional nada teve, pois, julgamentos sumários com polícias como testemunhas são o pão-nosso de cada dia para os autóctones e com condenação garantida. O bombeiro inglês Gary Mann teve o azar de ser apanhado neste lufa-lufa jurídico e, claro, acabou condenado. Felizmente para ele a justiça inglesa não tem que aceitar as decisões das nossas juris vedetas, boas para escrever livros de mercearia e dar entrevistas de fazer rir os penedos, mas nunca para decidir sobre assuntos sérios.

Todos estávamos de parabéns. A máfia do futebol construiu estádios com a ajuda do contribuinte sem crise nem contenção de custos. Foi gastar à tripa forra. Agora podem dourar o apito que todo o pecado lhes será perdoado. A UEFA desfez-se em elogios aos tarantas meridionais convencendo-os de que são grandes organizadores de eventos para além dos corriqueiros casamentos e baptizados. Os políticos cintilaram de orgulho entre os seus congéneres aos tropeções nos cachecóis. O povo meteu-se como piolho em costura e fez a festa da vida, esbracejou bandeiras, gritou até ficar rouco, rezou com fé e fez promessas a Nossa Senhora de Fátima, e ainda por cima era Verão.

A intuição popular sempre soube que nada adumbraria o futuro português. Desde que sigamos os ensinamentos do Mister e sejamos fãs do futebol, fãs de sua mulher, fãs de si mesmo, fãs da Humanidade, fãs da praia, fãs da família, fãs dos amigos, não importa, porque futebol é cultura pois até põe o Ministério Público a ler livros – como, por exemplo, a mais recente obra-prima da literatura mundial chamada simplesmente “Eu, Carolina”.

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Os melhores tempos

Os nossos tempos são de encher a barriga. Começamos a semana em grande com aquele comentador das segundas-feiras, torcendo as mãos e lançando de soslaio olhares de velho sátiro, para um ponto indefinido no espaço à sua frente, como mandam as boas técnicas de representação das telenovelas da Globo. O rei do sentido de humor entrelaça, com a confiança de um remendão, o linhol dos sapatos com os quais os espectadores caminharão esclarecidos na sarrabulhada do mundo actual. O piadético nas enfadonhas reuniões políticas, que não resiste a contar larachas aprendidas com a mamparra europeia amiga, serve-nos de arquétipo e farol nas nossas vidas para nos rirmos dos duques e cenas tristes, que saltam do baralho dos extraordinários acontecimentos do nosso tempo. Com ele aprendemos a rir com chufas e pilhérias sem graça alguma. Se o seu nome fosse Júlio Dantas, viveria, não pim! mas sim!

Longe vai a época em que os lugares na mesa do poder eram reservados com o cartãozinho, dobrado ao meio, equilibrado à frente do prato. Nessa altura havia uma familiaridade durante a comezaina – ou seja, durante o exercício da governação – mesmo para os que do quintal observavam através dos vidros das janelas. Quantos hoje podem dizer como Henrique Galvão na sua carta aberta a Salazar: “não te esqueças meu manholas que te vi em ceroulas”. Se actualizarmos a peça de vestuário em questão, nos nossos dias ninguém vê um primeiro-ministro em Calvin Klein Underwear ou sequer num escandaloso fato de banho Dior Homme. Aquela intimidade com a classe política perdeu-se no barulho branco dos Meios de Comunicação Social, que fazem o papel de Surfista Prateado entre os deuses da política e os mortais, explicando-lhes como devem aceitar o seu destino. Há dias os nossos croniqueiros entraram em parafuso quando Wbush numa discursata falou nas tropas portuguesas bem juntinho das romenas. Acendamos velas como está na moda, prostremo-nos no áspero alcatrão, cantemos loas até que a voz nos doa, oremos virados para Washington cinco vezes ao dia, ele lembrou-se do “Mr Burroso” dos Açores e citou na sua possante voz a ocidental praia lusitana e a sua valentona tropa.

Um poderoso fazer referência a Portugal tem o mesmo efeito que um repórter do Kazaquistão publicar um artigo sobre a importância do vinho Madeira nas refeições dos astronautas, ou a mulher-a-dias do monarca do Brunei gabar a patanisca de Alfama, ou a Karolina Kurkova aparecer num showtógrafo da Floribella, é bem-vinda publicidade aos nossos campos de golfe, presentes e futuros. Precisamos de toda a publicidade tal como o mundo precisa dos Yorns para nos trazer postos de trabalho e alegria nas ruas. (Vislumbra-se já a profissão do futuro que leva o nome inglês de caddie e tudo). Para mais Wbush não é um estúpido qualquer. As suas palavras não as leva o vento. O seu papá dizia com ternura e razão: “de vez em quando o George pergunta-me coisas mas eu já não estou em condições de lhe dar opiniões válidas. Para além disso, ele tem capacidades e está rodeado por uma equipa muito competente”. É um homem com visões que se meteu numas enrascadas. Acontece aos melhores. Mas que sabe onde estão os amigos. Invadiu o Afeganistão e ocupar países é sempre uma estopada. Aquilo não está fácil. Por uma razão desconhecida os indígenas não gostam das bases, dos camuflados e do ar sobranceiro dos U.S. Marines. Logo Wbush desembarca na Letónia a pedir empenhamento militar das tropas dos vários países que por lá fandangueiam. O nosso primeiro-ministro, na habitual posição de frango assado, de pronto fez de eco – os países tem de se empenhar no Afeganistão, repetiu ele.

Os verdadeiros líderes, e os rapazes do tambor que os acompanham, criaram um mundo democrático, livre e respeitador dos direitos do Homem. Alguns dirigentes tiveram a sorte de serem promovidos a democratas de primeira água para acompanharem os ventos da História, como Putin, Musharraf ou Hamid Karzai. Ou então Nuri al Maliki, o sheriff de Bagdad, encarregado de instaurar a ordem americana (só existe essa. O resto é caos). Não temos estatísticas das mortes causadas pelo terrível ditador Saddam Hussein, porque é intrínseco da ruindade das ditaduras sonegar informação, mas com a chegada da democracia não só sabemos o número exacto, como também os seus nomes. Os cerca de 30 mil que têm morrido por ano poderão descansar em paz depois de terem sido referidos nos noticiários da CNN. Não há pior sorte que morrer no anonimato, sobretudo no Iraque onde todos usam bigode, o que já tinha confundido os serviços secretos americanos levando-os a acreditar que Saddam tinha duplos.

Enquanto a mesma coisa não chega a Cuba todos os democratas dão graças a Deus por Guantánamo. Único sítio daquela ilha de ateus e comunistas onde se respeitam os direitos humanos. Se não fosse a base americana nem uma missa em condições se rezaria naquelas terras onde Colombo procurou o reino do Grande Khan e só encontrou moscas, calor e indígenas de língua estranha. E que hoje continua a assustar a democracia-cristã como os vitupérios da fedelha Linda Blair no filme “O Exorcista”. Fazer-se um escarcéu sobre uns voos da CIA serve apenas para gastar o chorudo orçamento da EU. Correcto está o Governo português na atitude dos três macacos. Não vi. Não ouvi. Não falo.

A passagem do “jorgeseneano” Reino da Estupidez para o Reino da Tolice, consequência da globalização e da re-situação de Portugal no mundo após o golpe militar de Abril, não podia deixar de se reflectir na lota governativa. O peixe sai fresquinho directamente para os nossos estômagos sem passar pela boca. Os ideólogos do regime de Salazar deveriam ficar felizes por se ter realizado a trilogia Fado, Futebol e Fátima dentro de portas, e o orgulhosamente acompanhado na política externa. Quem compreendeu o nosso tempo não foi o Castro Carlos, nem Eduardo Lourenço, nem o José Gil, foi esse outro grande filósofo chamado Alpoim Galvão. Que definia a rusticidade como característica principal do soldado português. Consistindo esta na capacidade de se adaptar a todas as situações, facilidade de criar espírito de corpo e criar laços dentro da unidade. Explicava ele que um soldado americano necessitava de pelo menos dez pessoas por trás dele a cuidar da sua manutenção no terreno de combate, enquanto que o castrense luso era capaz de lutar praticamente só enfiado num pardieiro com a sua rudimentar escopeta. O rústico hoje é ministério dos governos e dos governados, (empanturrados de sábia análise de comentadores e politólogos), por isso vivemos numa espécie de eterna silly season, como se o “jornalismo 24 Horas” tivesse vencido. Somos rústicos e tolos.