Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sexta-feira, outubro 26, 2007

Salvos pela democracia

Numa bem-aventurada sexta-feira, pelas 00:45 horas, nasceu em Lisboa o Tratado Reformador. Vinte e sete reis magos, montados em camelos de alta cilindrada, orientados por um refulgente GPS no céu, vieram até uma modesta manjedoura no Parque das Nações para adorar o menino. Traziam dependurados nas bossas dos bichos preciosos presentes. A mirra do acordo político. O ouro do acordo político. E o incenso do acordo político. (Naquele tempo não se oferecia nada sem “acordo político”). “Porreiro, pá!” – exclamou, após a paridela, o rapaz das esferográficas para o moço dos cafés europeus e abraçaram-se efusivamente. Fizeram uma pausa para cigarros. Cumprindo as directivas da UE sobre o fumo, “Smokers Outside The Hospital Doors” (dos ingleses Editors) … ou da maternidade da Europa, o Pavilhão Atlântico.

Oi! Supercalifragilisticexpialidocious! Cantavam os pastorinhos que flanavam pelo presépio. Todos intuíram a importância do recém-nado. A boa-nova foi anunciada no Parlamento Europeu pelo eufórico rapaz das canetas: “quero dizer a todos aqueles que têm dúvidas sobre o Tratado e sobre a capacidade da Europa: por favor, acordem para a realidade! O mundo já disse qual foi a sua conclusão sobre o Tratado: a Europa ficou mais forte”. E esse mundo girou feliz como se tivesse visto o “Winona’s Big Brown Beaver” (do grupo de gozões Primus).

Este prodígio aconteceu num país onde não há escutas telefónicas ilegais. Um país de anjinhos. E talvez por isso Deus lhe destine um futuro estupendo como à miss Douglas, Stacy Hedger, na música ou ao sucesso comercial do after-shave Hai Karate (o único com instruções para os utilizadores se defenderem das mulheres enlouquecidas pela sua irresistível fragrância). Alípio Ribeiro, Director Nacional da PJ, garante que as escutas “são judiciais e não administrativas, como acontece noutros países”, logo a tecla da vontade de um juiz tem de ser activada antes delas serem executadas. Como se isso fosse garantia de peixe fresco. Conseguir uma autorização judicial é mais fácil que pedir um Porto Ferreira. Ou perceber a inspiração no filme “The Shining”, de Stanley Kubrick, no vídeo “The Kill” dos 30 Seconds To Mars (grupo formado pelo actor Jared Leto).

Para além disso, o pegueiro dos polícias é um anjinho. Desconhece que há escutas e escutas. Umas fazem-se para recolher informações para orientar as investigações. Outras realizam-se para obtenção de provas a apresentar no tribunal. E, estas sim, necessitam o sinete de um juiz, as outras são aviadas em sistema de bufete, cada um serve-se. Mas este escaldante tema nacional, ou seja, bom para entreter jornalistas, e não porque viola as supostas Liberdades, Direitos e Garantias do cidadão, não produziu só verbos de encher. Aumentou também o anedotário nacional com a maior piada de todos os tempos: “o SIS não faz escutas porque é inconstitucional”. Assaz jocoso! E muito boa para ser contada nos passos perdidos de consultórios de dentistas ou assembleias das repúblicas. No século das comunicações, e dos ouvidos electrónicos indiscretos, somos “Painted by Numbers” (dos suecos The Sounds) … do telefone.

O despertador que acordou Portugal para a realidade foi, obviamente, a língua inglesa. O inglesinho, técnico ou rude, aprendido na escola, impede-nos de sofrer o opróbrio desta simpática família nórdica, que entra no ritmo da canção, alheia aos vitupérios do sacana do cantor. Há dias Cavaco Silva pedia “um novo olhar sobre a escola”. E pelos vistos jungiram-lhe também um novo som. Em Abril de 2003, Conceição Marques, professora do 1º ciclo na Escola Básica da Regedoura, Ovar, por causa de um cancro, amputaram-lhe uma parte da substancial da língua. Motivo suficiente para reforma, pensarão os nabos em Pedagogia. Prrrrr! errado. Por duas razões. Primeiro, este defeito na fala permite ensinar melhor o inglês, pronunciando bem as palavras para que as crianças consigam, inflectir na voz, os múltiplos significados de “Fuck”. E entendam o canadiano de Toronto de Peaches, em “Fuck the Pain Away”, ou o canadiano do Quebeque de Mylène Farmer, em “Fuck Them All”.

A segunda razão prende-se com o âmago da escola primária. Uma professora, nesses verdes anos, com um defeito físico, é uma bênção pedagógica. É meio caminho andado para o sucesso escolar 100% porque promove a empatia instantânea professor-aluno. Uma professora primária (conhecida pelo título de dona seguido pelo nome) vesga, gaga, manca, corcunda ou sem os dedos médio e anelar da mão direita cativa a atenção das crianças logo na primeira aula. O defeito será de imediato simulado no recreio. Qualquer Ministério da Educação sabe que a macaquice espevita a imaginação nos primatas superiores. E qualquer badameco em Psicologia Educacional defenderá que a imitação é a base do processo de socialização, e a imaginação, o atiçador da inteligência. Gozar com a professora primária é o ponto de partida para desenvolver aptidões que permitirão mais tarde trepar num partido político e alcançar cargos de orgulhar o pai. É “When We Were Young” (The Killers) que se torce o pepino para chegar à Presidência da República.

Uma sorte do caraças quis que os nossos políticos topo de gama (e os seus satélites que constituem o sopé da sociedade) fossem ensinados por professores da Tendência Liberal Renovadora Progressiva (o professor é o auxiliador do desenvolvimento livre da criança) d’ “Os 3 Estarolas”. Bons meninos replicam-lhes os trejeitos e o estado de espírito na sua actividade profissional. No país do recorde de euromilionários não faltam estarolas aptos para resolver qualquer enrascada. Depois de embrulhado e enlaçado o Tratado Reformador resta a Cimeira UE – África. Podia-se pensar como o rapper belga, James Deano, que “Les Blancs Savent Pas Danser” mas c’est faux. Por cá abana-se a cadeira e com ritmo. Portugal tem uma solução imaginativa para realizar a Cimeira vinda da "sempre pronta a ajudar” iniciativa privada. Fado deste só por cá. “Must Be The Moon” (do grupo !!!) … ou outra coisa qualquer, que nos faz tão sortudos. (A designação !!!, que se lê Chk Chk Chk, vem dos estalidos emitidos pelos bosquímanos do deserto do Kalahari ao falarem e que são representados nas línguas ocidentais pelo ponto de exclamação antes das palavras).

O porta-voz dos fazendeiros brancos da Rodésia amua se Robert Mugabe vier assistir à Cimeira em Lisboa. Gordon Brown ameaça: “se Mugabe for, eu de certeza que não vou estar presente e nenhum ministro do Governo estará presente”. No problemo! Agora existem empresas que resolvem estes embaraços. A Erento recruta desempregados, estudantes e reformados para trabalharem como figurantes nas várias exigências da vida democrática. No final do ano passado, a Associação dos Médicos Alemães organizou uma manifestação, em frente do Parlamento, contra a nova Lei de Saúde de Angela Merkel, que reuniu cerca de 200 participantes. Cento e cinquenta deles foram “manifestantes profissionais”, contratados na Erento, com bata branca e estetoscópio. As vantagens deste sistema são enormes. Liberta quem protesta para uma ida às compras ou um dia de lazeira em casa, e permite ao cliente escolher as características físicas dos manifestantes. Mais bonitos ou mais feios, mais homens ou mais mulheres, mais novos ou mais velhos etc. Desta forma a democracia aprimora-se. Para atingir o pleno, para ser perfeita, perfeita falta apenas abolir o voto. Aí seria “Ice Ice Baby” (do Vanilla Ice).

Uns são salvos pelo sino. Outros são salvos pela democracia. Os ingleses de tudo fazem para entenebrecer os nossos adimplementos mas desta vez lixaram-se. Primeiro, mofaram da nossa Polícia, e agora querem sabotar a nossa Cimeira. São uns criançolas que se recusam crescer. Acreditam viver nos tempos do Império e do Mapa Cor-de-rosa. Mas um povo instruído na localização do esternocleidomastoideu (e de outras maravilhas de espantar as tias de Trás-os-Montes) vai trocar-lhes as voltas. Se Gordon Brown e a sua banda embezerrarem e não aparecerem é fácil substituiu uns políticos ingleses por figurantes. Afinal tem sido esse o seu papel na cena mundial – figurantes nas guerras dos Estados Unidos. Fomos safos pela evolução da democracia e somaremos mais um êxito na liderança da Europa. Entretanto, com cimeira ou sem cimeira, o cabo-verdiano Ferro Gaita continua a ser o melhor grupo africano.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Invoquem os deuses

Alá. Brahman. Deus. Júpiter. Kami. Manitú. Mulungo. Zeus. Ou Marilyn Manson. Não importa! Qualquer um deles é digno de abençoar os nossos feitos no século dos portugueses. Porque o século XXI é nosso. Ninguém nos vai roubar o louro (ou a salsa) da glória. Muitos tentaram mas daqui não levam nada. Respiramos segurança. Saltamos os pontos de interrogação que afligiam Miguel Torga. (“Canto ou não canto as tetas da donzela / Que daqui da janela / Vejo no limoeiro? / Elas são tão maduras… / E tão duras … / Têm uma cor e um cheiro… / Canto! / Nem serei o primeiro, / Nem eu sou santo”). E metemos as tetas no whisky, como solicitava da assistência, nos seus espectáculos, o incrível one man band de Tucson, Arizona, o bluesman Bob Log III, em “Boob Scotch”.

O recente desembaraço conseguido, não só nos permite assistir a Feiras de Sexo, sem corar nem risinhos nervosos, mas também a exportar florejante know-how. Ensinámos a Europa, e o mundo, a realizar torneios de futebol, baseados na nossa experiência com o Euro 2004. Por causa da melhor organização de sempre somos universalmente requisitados e vitoriados. Não se admirem de um dia ouvir Ruth Marlene na Rana FM (emissora on-line de Kandahar gerida pelos militares canadianos para afastar os afegãos de los recuerdos de Mullah Omar). Desde esse ano a taça da competência nunca mais parou de encher. E agora iremos explicar aos gregos como se extingue de vez o problema dos incêndios de Verão. Graças aos planos de coordenação entre bombeiros, Protecção Civil e divina intervenção implementados pelo ministério da Administração Interna este ano os fogos terminaram em Badajoz (para quem vem de França). Arregaçámos mangas ao trabalho para seguir Sebastião da Gama: “Levanta-te, Povo! / Ah! visses tu, nos olhos das mulheres, / a calada censura / que te reclama filhos mais robustos!”. Intelectualmente robustos, é bom de se ver. Ajaezados com processador topo de gama para todas as aplicações no mercado, foi-se a preguiça. Por cá não há “Lazy Eye” (dos Silversun Pickups) ou… outro órgão vadiote.

Os descrentes, como sempre, desvalorizarão o papel de Deus e dos senhores padres na contenção dos fogos (e noutras coisas de maravilhar como a Ydreams ou a indústria das rolhas de cortiça). Desfiarão a lengalenga do costume: que Deus é gordo; que “O Gangue das Batinas” nada fez; que as condições climatéricas excepcionais foram responsáveis; que blá blá blá… Alguns insensatos, mimetes de Bocage, vangloriar-se-ão: “Devoto incensador de mil deidades / (digo, de moças mil) num só momento, / inimigo de hipócritas e frades, / Eis Bocage em quem luz algum talento; / Saíram dele mesmo estas verdades, / Num dia em se achou cagando ao vento.” Olvidando-se que sem frades o país emparvece. E que o vento devolve o excremento se um fradinho não rezar por bom direccionamento. Em Portugal todo o lugar foi homologado para rezar. Mas o spot das beáticas ladainhas é Fátima. E não só... Fátima é o Martinho da Arcada do século XXI. O caldeirão cultural de onde sai pão intelectual. “TNT for the Brain” (dos Enigma).

No fim-de-semana passado ouvimos no santuário apelos à rebelião contra “os senhores deste tempo”. Tarcisio Bertone, espécie de… ministro dos Negócios Estrangeiros do Vaticano, incitava os fiéis a revoltarem-se, “com a mesma audácia dos apóstolos”, contra aqueles que “em nome de uma sociedade tolerante e respeitosa, impõem como único valor comum a negação de todo e qualquer valor real e permanentemente válido”. Numa palavra, Bertone estava chateado contra os guardadores de rebanho, não credenciados pelo Papa. O respeitinho pela Marca Registada é muito bonito. O Vaticano tem a patente para falar em nome dos outros desde o século V. (O poder do Papa de Roma estabeleceu-se em 452 d. C. quando, nos destroços do Império Romano, Leão I convenceu Átila, em troca de ouro, a regressar a casa, na Panónia, travando a segunda invasão huna). Por tal, não pode permitir que os senhores "da Cultura e da Arte, da Economia e da Política, da Ciência e da Informação” andem para aí a mandar fiapos do Verbo desautorizados, como se fossem donos e não meros infelizes cãezinhos. (“Ai felicidade perdida / porque a mágoa não tem fundo / o cão ladra contra a vida / nós ladramos contra o mundo” – António Lobo Antunes). E recomenda Bertone, para criar “uma sociedade nova” (bolas! outra), que se agreguem esforços do “mais insignificante, dos servos mais humildes, dos servos de um só talento”, opondo-se aos “senhores”, que não os senhores... padres. (Ele não se referia aos múltiplos talentos das raparigas do grupo rock francês Plastiscines).

Fátima é a nossa luz que não vem da Rede Eléctrica Nacional. Luz, mais brilhante que mil sóis, não sujeita a aumentos de 2,9%. Nem aos fornicoques bolsistas de um senhor que ganha cerca de 30 mil euros por mês. E que tartufo afiança, as linhas de muito alta tensão, sobre a cabeça dos pobres, “não são um risco para a saúde”. Ele próprio, rico, portanto com mais a perder se a Morte o levasse, não se importaria de morar debaixo de uma. Mas quis a sorte malvada que habitasse numa zona que não autoriza desvalorizações imobiliárias, por isso nunca se lhe acercará uma linha de muito alta tensão, e mudar-se para entre Fanhões e Trajouce, depois de acumular tremenda cangalhada, sobrecarregaria a esposa amada. Ele não está preparado para drásticas medidas como Mário Henrique Leiria: “ ‘Na riqueza e na pobreza, no melhor e no pior, até que a morte vos separe’. / Perfeitamente. / Sempre cumpri o que assinei. / Portanto estrangulei-a e fui-me embora”. Ele também é homem de palavra mas não poeta estrangulador. Conserva a esposa e, como leu em estudos científicos, a certeza da inocuidade das radiações. É um homem íntegro. Não tem espírito para ser um “ganda maluco”, trocar o luxo pela palhoça, dizer tretas da boca para fora, e gostar da música estranha das islandesas Amiina.

Os sempre em baixo reclamam da opulência da basílica da Santíssima Trindade. Barafustam pelo gasto de uns míseros 70 milhões de euros na frequente megalomania construtiva padreca. Homens de pouca carteira! O padre Borga esclarece: “o que se gasta em Deus reverte para o homem”. Através do sacrifício dos senhores padres, que burel vestiram para pagar aos arquitectos e pedreiros, Portugal tem um equipamento mais útil que a sopa do Barroso ou o Euromilhões. Agora, os dois milhões de pobres registados vão ter um vislumbre de riqueza. Terão a oportunidade única de ver ouro sem ser na montra da ourivesaria ou enfeitando as senhoras dos patrões. E ainda por cima disposto na parede como obra de arte. Extasiados pelo esplendor esquecerão eventuais agruras quotidianas no chope-chope ou na habitação. As pessoas informadas sabem que a comida, nestes tempos de obesidade, é um estorvo e que os sem-abrigo, com banda larga, têm acesso à casinha ideal em Direct Home Find. Devemos pois agraciar os senhores padres com pródigas esmolas em Fátima por nos extirparem o reles materialismo do corpo. No sagrado chão pisado pelos pastorinhos nasce o português novo. Envergonhado por desbaratar a vida em futilidades mundanas nas conversas de café descritas por Alexandre O’Neill: “Que vergonha rapazes! Nós pràqui, / caídos na cerveja ou no uísque, / a enrolar a conversa no ‘diz que’ / e a desnalgar a fêmea (‘Vist’? Viii!’)”. Após uma visita à basílica da Santíssima Trindade, arroubados pelo (bom) misticismo, nada nos pára. Nada está “Standing in the Way of Control” (The Gossip). Não há nada entre nós e o sucesso.

Por termos uma abadia com 900 lugares sentados adquirimos aquilo que os desodorizantes e pensos higiénicos prometem – confiança em nós próprios. E isso ficou patente logo no Domingo da ditosa inauguração. Vencemos a poderosa selecção do Azerbeijão. Uma máquina de jogar futebol vinda do frio que não funciona a dinheiro (três dias de salário do Cristiano Ronaldo são suficientes para pagar o ordenado mensal de todos os seus jogadores). Eles jogam por duas cantigas e meia de Sedaqet. Que gloriosa vitória! Scolari, castigado pela UEFA pelo (justo) soco, resguardou-se num camarote. E foi Nossa Senhora, deleitada pela basílica, quem interferiu nas canelas dos nossos heróis. Os senhores padres, enrascados com a carência de milagres, para levarem água benta ao seu moinho, não podem deixar os seus figos em figueira alheia, como sucedeu a Rose di Primo. (Diz-se que a pobreza, a falta de dinheiro para comprar pano, levou-a a criar o fio dental, no entanto, sendo uma invenção mais importante que a roda, o seu nome não figura junto de Edison ou Bill Gates). A basílica da santíssima Trindade é mais que um trambolho na paisagem. É também a inauguração de uma nova era que vamos agarrar com garfo e faca. “Grip Like a Vice” (The Go! Team).

Daqui para a frente serão só êxitos. No futebol, ganharemos tudo. Na política internacional, o Tratado e a cimeira UE – África frutificarão. Na família, os filhos (de banqueiros) serão perdoados. No policiamento, os polícias de caminho para a Câmara Municipal passarão pelos sindicatos. (Nem será necessário mudar a Lei da Greve. A deputada do PS, Sónia Sanfona, toca: “o que está a ser elaborado são normas técnicas, um manual de boas práticas, a propor pelas Polícias e a avaliar pelo Governo”). Os deuses devem estar sãos para nos proporcionarem tão favorável momento. Permaneceremos inebriados (no bom sentido) pelos símbolos nacionais. (“Se o verde e o tinto são / As cores da nossa bandeira, / Ai, lá se vai a nação / Se acabar a bebedeira” – Natália Correia). Neste Portugal nunca aprenderemos a chorar como canta o grupo The Rogers Sisters.

O pequeno país europeu dos 10 milhões de habitantes já sente a diferença. O Instituto de Psicologia do Algarve lançou um workshop, de um dia, que ensina a ser feliz pela insignificante quantia de 80 euros. Claro que os “bota-abaixo” dirão que feliz ficará o espertalhaço Instituto com mais umas massas nos cofres. Custa-lhes encarar a realidade. Que no plano divino para Portugal apenas consta felicidade. (Até a Floribella encontrará a mãe, que é a Teresa Guilherme, e viverão felizes para sempre). Enquanto o PC chinês procura os “amanhãs que cantam”, os nossos já cá cantam. “Ó Lusitânia que te vais à vela!” (António Nobre). Vamos, mas com motor fora de bordo, em alta rotação, que a universidade do Minho devia criar um Global Incident Map, para localizar on-line, e em tempo real, os portugueses no mundo. Um mapa deste tipo seria consultado por milhões de internautas, pois ficará na moda ter um português em todos os lares, como antigamente o era um escravo trácio. E tudo graças a uma pechincha de 70 milhões. Há o antes e depois basílica como na canção “Crazy”. Antes, cantada por Gnarls Barkley, e depois pelos músicos do futuro.

terça-feira, outubro 09, 2007

C’um caraças!

Passados quase 100 anos, a poesia dadaísta continua, rechonchuda como uma abóbora, na sua missão de daguerreotipar o nosso mundo. No início do século XX, a Grande Guerra recreava a Europa. No ano de 1916, em Zurique, Hugo Ball e a mulher Emmy Hennings, abrem um nightclub chamado Cabaret Voltaire para acoitar artistas. Misturar álcool, artistas, mulheres e ausência de sol produziu um ambiente de gargalhadas, gritos, gemidos, apupos e palavras soltas. Deste “total pandemónio” (Jean Arp) nasceu um movimento artístico baptizado de Dadaísmo (documentário em 3 partes. Parte 1. Parte 2. Parte 3). Marcel Janco resumiu-lhe as suas intenções: “perdemos a confiança na nossa Cultura. Tudo tem de ser destruído. Começaremos do nada. No Cabaret Voltaire começamos por chocar o senso comum, a opinião pública, a educação, as instituições, os museus, o bom gosto, em suma, toda a ordem estabelecida”. E, foram cantados… no Rio de Janeiro. (“Chanson Dada” de Tristan Tzara, por Raquel Krenziger e o grupo de música electrónica brasileiro Ima Metzaltzelin, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói). Algures, saído das favelas, o funk brasileiro quebra outras galeras com As Danadinhas e a Gaiola das Popozudas.

Os dadaístas fugiram da arte mas esta apanhou-os fora do museu. Hoje tudo é arte. Futebol, tourada, moda são arte. Cozinhar um ovo, roubar uma carteira, decapitar um infiel, interrogar um terrorista idem. O século XXI continua violento. É uma violência de fio dental embora letal como o gás mostarda. O nightclub estende-se até ao Afeganistão (New York). A Cultura está muito mais plúmbea com tanta arte. Esta é agora uma arma de criação maciça. E ficamos menos levianos. O rabo de Shakira, enquanto jovem artista, estimula os telespectadores de talk-shows (“El Gordo y la Flaca” no canal Univisión de Miami) para verdades da bagageira dadaísta: “o meu rabo contempla aqueles que falam nas minhas costas” (Francis Picabia). Jerry Lewis escreveu o enredo do mundo tecnologicamente moderno e Jacques Tati decifrou-o. E, mercê da síntese do “apolíneo” e do “dionisíaco” no “americano”, nós vivemos o “Genesis Now” (ainda) ao som da Cavalgada das Valquírias. (Alan Greenspan mentiu. A guerra do Iraque não foi largely about oil. Foi about surfing all over). A vitória do “americano” impediu que descambássemos num filme de terror sul coreano, como se pode ver por Park Ji-yoon a dançar e a cantar o seu Bizet. (Park Ji-yoon é uma famosa cantora sul coreana. Sabe-se da violência realista dos filmes de terror produzidos naquele país, mas transpor esse ambiente para os videoclips pop, consumidos pelos mais novitos, coloca-os para além do Bem e do Mal na arte do audiovisual. Eis Ji-yoon em “Hang Sang” e “Sung In Sik”).

Com o “americano” o mundo ficou Krispy Kreme Doughnut ooo yeaaah! Docinho como um filme indiano com a Aishwarya Rai. Acabou-se o aborrecimento. Dylan Thomas, depois de falar pelos cotovelos durante uma palestra, comentou: “alguém está a aborrecer-me”. E logo notou: “penso que sou eu”. (Presentemente seria impensável um escritor aborrecer-se ou aborrecer uma osmótica plateia). Em 1984, quando se aguardava pelo “Big Brother”, os Devo anunciavam o Laserdisc
, e a Cultura ficou mais nítida. Num dia claro vê-se poemas dadaístas até nos jornais. São fáceis de reconhecer. Num poema dadaísta todos ganham. Lee Hsien Loong ganha 100 000 euros (em dólares de Singapura). George W. Bush ganha 24 167 euros (em U.S. dólares). Gordon Brown ganha 23 334 euros (em libras). Yasuo Fukuda ganha 21 910 euros (em ienes). Angela Merkel ganha 20 427 euros (em euros). Romano Prodi ganha 18 900 euros (em euros). Nicolas Sarkozy ganha 6 600 euros (em euros). José Sócrates ganha 5 287 euros (em euros). Vladimir Putin ganha 4 860 euros (em rublos) Hu Jintao ganha 274 euros (em yuan). C’um caraças! “o resto, aquilo que se chama Literatura, é um dossier de imbecilidade humana para orientação de futuros professores” (Tristan Tzara). Num poema dadaísta quem ganha é você embora os outros recebam o dinheiro. (O magro rendimento do camarada Hu Jintao explica-se por na China o ordenado mínimo ser uma tigela de arroz). Na China ainda vêem TV on Radio. Mas não estes em “Province”.

“São os chapéus que fazem o homem” dizia Max Ernest do seu tempo. Chapéus já não há muitos e não chegam para fazer um homem nem… um galo. (Diógenes, para enterrar a discussão sobre a busca da definição da natureza humana, teria atirado um galo depenado para o terreiro da Academia de Platão afirmando: “eis o homem!”. Platão, que definira o Homem como um “bípede sem penas”, chamava-lhe com desportivismo “um Sócrates enlouquecido”). Hoje somos mais globais na Economia e na Psicologia. As nossas apreciações transcendem a roupa. É mais importante a obra. As faculdades superiores funcionam finalmente. Só nos contentamos com criações gigantescas. Foi você que pediu umas pirâmides de Gizé? Ouve-se quando entregamos o nosso trabalho. Elevação, nobreza, distinção caracterizam-nos. O córtex cerebral desenvolveu-se de tal maneira que carece de L’Oréal Studio Line Indestructible Gel para permanecer no sítio. É tão natural produzirmos grandes obras como os Veados com Fome comporem a óbvia canção “Sandes”. (Quando a larica aperta uma sandes do the trick).

(Pelos vistos, as obras-primas não brotam apenas de sentimentos elevados, situados no córtex, muitas vezes vêm do bolbo raquidiano. Orson Welles, com 25 anos, realizou o filme “Citizen Kane” por vingança. Numa festa foi tratado com desprezo por William Randolph Hearst, ferido na sua vaidade, decidiu então fazer uma denúncia da vida do inventor da imprensa tablóide. Também Frida Kahlo não tinha opinião favorável sobre os outros artistas. Depois de conviver com André Breton e os surrealistas, ela escreveu numa carta a Nickolas Murray, que eles eram tão “intelectuais” e putrefactos que preferia vender tortilhas no mercado de Toluca a misturar-se com aquelas putas “artísticas” de Paris). Os Blonde Redhead cantam em “23”que não foram necessários 23 segundos para mudar. E nós estamos muito mudados.

Tudo é arte. Somos todos artistas. A maior obra de todas é construir países. Aos leigos esta empreitada abraçada por Wbush parecerá taralhouca. Os cadáveres não lhes permitem ver a vida. Mas “é preciso examinar não somente os propósitos de cada um, mas ainda as suas opiniões e mesmo os fundamentos das suas opiniões” (Cícero). E, numa mente tão alevantada como a de Wbush, nem um freudiano se arrisca sem apetrechos de montanhismo. O Presidente americano não é um nabo. É uma cebola com um número infinito de camadas. Descascá-lo é entrar em terra ignota. Num território selvagem alumiado por Deus e abençoado pelo “let me put it in another words” (e repetir exactamente a mesma coisa). Quanto mais opiniões Wbush emitir mais se fará entender… como o hip-hop em russo, do grupo Diskoteka Avariya (“Discoteca Catástrofe”).

Há dias ele sossegou as boas consciências. “Este Governo não tortura pessoas” – garantiu. Declaração desnecessária pois ninguém esperava ver Condoleezza Rice a torturar gajos. Já basta quando ela toca piano ou namora no alpendre fulano e sicrano. (Este é trabalho para especialistas que têm de decifrar mais um enigma filosófico: se um terrorista é uma “pessoa”). Dana Perino, secretária de imprensa da Casa Branca, clareou a voz do master. Explicou ela: “independente de onde estamos, nós não torturamos ninguém, mas obter informação deles é vitalmente importante para proteger este país”. Abu Ghraib não estava errado na sua essência mas na forma… como as fotos foram parar aos jornais. Os americanos tiraram uma lição. Perceberam que a burocracia militar e dos serviços secretos não tinha acompanhado a evolução tecnológica. Os telemóveis com câmaras vulgarizaram-se e os procedimentos de entrada nos lugares albergando terroristas não se modificaram. Portanto é preciso rever as normas para adaptá-las ao mundo moderno. E encurtar os intervalos dessas revisões para que outro gadget não interfira no divino mandato de obter informações. É uma questão de sobrevivência. O “Survivalism” da banda de Cleveland, Nine Inch Nails, fundada por Trent Reznor para atazanar a América e colónias.

De vez em quando uma varredela no vocabulário utilizado também não fará mal. Na Democracia e na defesa dos Direitos Humanos a semântica não é uma batata. Por enquanto, “torturar” é uma palavra com conotações negativas. Um bom trabalho de propaganda associa-a somente a ferozes ditaduras. Nas democracias existem apenas esporádicos excessos no emprego da força. Elas requerem outros termos como “interrogatórios musculados” ou “chá escaldante com bolachas” para que tudo acabe bem – o terrorista confessado e o polícia informado. E possamos ouvir “Bia Tu” cantado por Valy (nascido no Irão e com enorme sucesso no Afeganistão e muito afinado com os gostos musicais de Wbush).

quarta-feira, outubro 03, 2007

Os céus inflamam

Depois de Maquiavel o senhor que se segue na lista dos sagazes entendedores dos meandros da política é Napoleão Bonaparte. O desterrado de Santa Helena deu-nos coisas muito úteis noutras áreas como a numeração moderna das ruas – ímpares de um lado, pares do outro – e a vitória, no festival da Eurovisão, dos Abba, em 1974, colocando a obscura aldeia belga Waterloo no mapa turístico, ao ser derrotado pelas tropas de Arthur Wellesley, duque de Wellington, quando os ingleses eram british a fazer a guerra e não amerikanisch. O imperador apressado (em 1804, na sua coroação, retirou a coroa das mãos do hesitante e boquiaberto Papa Pio VII e colocou-a na cabeça) dizia que “na política a estupidez não é uma desvantagem”. Ainda bem! Porque a estupidez é uma qualidade humana, razoavelmente bem distribuída, para que a fornalha da liderança nunca se apague, por falta de troncos. “It´s raining men hallelujah”, rejubilavam as Weather Girls, embora lhes quisessem dar outro destino.

Eles são estúpidos mas não são parvos. No estilo de guerra en vogue praticado pelos Estados Unidos e Israel não se admite um adversário armado. É uma guerra de fanfarrões. Chia-se muito quando Viktor Bout vende ao inimigo uns “canhangulos”. (Viktor Bout, traficante de armas superstar, ex-major do KGB, aproveitou o fim da União Soviética para escoar toneladas de armamento improdutivo arrecado nos paióis. Como bom homem de negócios não descrimina clientes. Forneceu armas para a ONU, os americanos, os ingleses, os taliban ou Charles Taylor. Claro que os americanos, a ONU e os ingleses recorrem aos seus serviços para partes terceiras e não para comprar as suas armas. Os aviões de Bout carregaram armas para todos os conflitos: Angola, Congo, Ruanda, Sudão, Libéria, Iraque, Palestina etc. Ou para estes que Manu Chao aponta no seu formoso postal ilustrado mundial em “Rainin’ in Paradize”).

(Após a queda das torres do World Trade Center, consta que também Bout caiu… em desgraça. E os outrora amigos americanos, britânicos e ONU pintam-no nos jornais de parede da Justiça como o diabo de pistolas. Actualmente, vive em Moscovo onde o Kremlin marimba-se para o mandado internacional de captura da Interpol). Matar inimigos desarmados, modernamente chamados “terroristas”, não será mais fácil, eles fogem-se e escondem-se como os outros, dificultando o trabalho das tropas, mas evitam-se embaraçosas e dolorosas baixas. Fungadelas e ranhoca de famílias chorosas não são boas para os votos em democracia. Os israelitas barafustam contra um Hezbollah armado. Os americanos contra os Explosively Formed Penetrators vindos do Irão. Ambos gostam de matar mas não gostam de morrer. Aprenderam na mesma escola. E as mesmas coisas, que cantava o Pete Seeger em “What Did You Learn in School?”.

Por tradição a Universidade é um chão empapado de minas de estupidez. As academias ficam bem nos videogames que alvoroçam a placa gráfica do computador. Ou nos jogos universitários, como aquele que deu origem ao ininteligível nome da banda Limp Bizkit (diz-se que esta designação foi retirada de um jogo que fomenta o saudável espírito competitivo nas residências universitárias chamado “limp biscuit”. Fred Durst, vocalista dos Limp Bizkit, escreveu-o mal de propósito por ser mais apelativo aos jovens que curtem “kapas” e “zês”. Nesse jogo um grupo de estudantes numa roda masturba-se para cima de um biscoito. O último a ejacular tem de comê-lo). No resto as universidades são um deserto de ideias e máquinas de gerar fajarda classe política. A recente passagem de Mahmoud Ahmadinejad pela universidade de Columbia, Nova Iorque, propiciou um bom exemplo de como um tacho vale mais que mil integridades ou que duas mil regras de boa educação. O reitor, Lee Bollinger, acossado pelos que interessam na sociedade americana, foi simplesmente mal-educado. Talvez tivesse lido Virgílio (“os destinos encontram a sua via”) e decidiu não arriscar uma mudança de carreira. Ele sabia que, se enfrentasse as raízes do poder, a via do seu destino seria black triniton. Só encontraria emprego a lavar pára-brisas nos cruzamentos ou pedinte de porta de igreja. Bollinger, convenhamos, não é uma Arielle Dombasle para trocar a cátedra pelo cocktail-bar e servir “Rhum and Coca-Cola”.

Então prometeu uma introdução à palestra de Ahmadinejad feita através do monóculo americano. Com perguntas fanfarronas (“tough questions”) abrangendo as opiniões de Ahmadinejad sobre o holocausto, a destruição de Israel, o seu apoio ao terrorismo e a bomba atómica. No calão universitário, Bollinger saltou para a tribuna para mandar uma mensagem forte, contextualizando a situação do Irão, antes de dar a palavra a Ahmadinejad. Na linguagem normal, achincalhou um seu convidado. Chama-lhe ditadozeco cruel para arrancar aplauso da assistência. E profetiza que Ahmadinejad não terá coragem intelectual de responder às suas questões fanfarronas e vai desbobinar a sua programada mente fanática (tipo cassete do Cunhal). A mente de Bollinger não está programada. Se ele repete a converseta de Wbush sobre o Irão, é um processo científico em acção, resultado de mentes homozigóticas. Ele não é um títere. Ele é livre. Tem a liberdade de atacar o frasco de Nutella quando as coisas não correm bem. Ou ir ao peep show com os Snake River Conspiracy em “Vulcan”.

A atitude de Bollinger tem um interesse sociológico importante. Ao frisar que, aquela reunião de mentes brilhantes, (excepto, Ahmadinejad e os seus guarda-costas iranianos), “nada tem a ver com os direitos do orador, mas com o nosso de ouvir e falar”, tocou no cerne do diálogo nas sociedades evoluídas. Nelas, o diálogo é uma conversa de surdos. Uma experiência que temos todos os dias, quando falamos com as pessoas nas ruas, ou ouvimos debates de especialistas na televisão, é legitimada pelo cozinheiro chefe da universidade de Columbia. O diálogo afinal é um solilóquio. Quem fala está a gastar o seu latim. (Se for evil está a gastar o seu árabe). Como se diz no nosso querido português: “cantas bem mas não me animas”. O catering da sociedade democrática provê liberdade de falar e liberdade de opinião mas não liberdade de entender o outro. Porque Bollinger engoliu a pílula da realidade americana nunca ouvirá o que Ahmadinejad disser. Publicitar uma universidade como um lugar de livre troca de ideias é vender margarina por manteiga. E esquecer as pistolas Taser muito em voga para calar estudantes palradores. Se as universidades ensinassem, como nos liceus, as moças a tocar “Linda Linda Linda”, no final do ano, já não seria mau.

Na toca do tio Sam Ahmadinejad defendeu-se bem. Provocou também a estrondosa gargalhada quando afirmou que não havia rabetas no Irão “como no vosso país”. A assistência farta de ver cantoras como Dana International, (nascida/o em Telavive com o nome de Sharon Cohen venceu o festival da Eurovisão, em 1998, com a canção “Diva”), estava familiarizada com o banal pingue-pongue entre o género recebido por nascença e o género adquirido na marquesa do cirurgião, e também porque acompanhou os engates do senador Larry “não sou gay” Craig no aeroporto de Minnesota, não acreditou na existência de uma zona livre de… panascas. Ahmadinejad repetiu que o holocausto precisa de ser estudado. Bollinger previdente já tinha dito que era um dos acontecimentos mais estudados e documentados da História. Refira-se, com certeza, o académico ao número de filmes feitos por Hollywood. Uma coisa são os campos de concentração nazis, outra muito diferente é o holocausto como Yom HaShoa (Dia da Recordação do Holocausto). Os primeiros foram acontecimentos históricos que podem ser estudados sem cair na simplicidade do líder tresloucado. Hitler foi a materialização de um ar que se respirava há muito nos cafés de Berlim e Viena. Por outro lado, o Yom HaShoa é uma cerimónia religiosa, que culpabiliza uns e santifica outros, como se a Segunda Guerra Mundial fosse igual ao filme “A Lista de Schindler”, com seráficos seres de cara banhada pelo luar e empedernidos carrascos. Uma realidade dividida entre bons e maus (ou bonitos e feios) só existe nos filmes. É pena. A vida seria mais fácil e mais bonita, pois teríamos orquestras filarmónicas como no vídeo “Destination Calabria” (música de Alex Guadino, voz de Crystal Waters).

Nas outras questões fanfarronas Ahmadinejad continua a não dar peanut butter. E sem ela os americanos não entendem. Ele já tinha explicado o significado da expressão “destruir Israel”. Referia-se, disse ele, ao Israel colonialista que todos os dias maltrata os árabes e lhes ocupa as terras. Exemplificou com a Rússia comunista, que as pessoas rezavam e conspiravam pela sua destruição, mas ninguém queria varrê-la do mapa como nação. Desejavam mudar-lhe o sistema económico-político que nacionalizava escovas de dentes e busca-pólos. Para complicar Ahmadinejad propôs uma coisa impossível – que o povo da Palestina escolha o seu destino pelo voto. Democracia é muito bonita desde que vençam os certos, se ganham os errados temos… Tratado Reformador. Porém, os americanos têm conseguido passar outra treta – a teoria dos dois Estados. (Israel nunca permitirá a existência de um Estado palestiniano autónomo. Nem que Deus ordene através da Sarça Ardente, os israelitas abdicarão do direito de entrar lá dentro quando lhes aprouver, cobrar impostos ou controlar a água). É uma “Pretty Mess” cantava Vanity.

O dossier nuclear iraniano não é confusão nenhuma. Até tem o mérito de despoletar a risota. Ver-se tanto licenciado em Direito a falar de uma disciplina científica complexa, como o enriquecimento de urânio para bombas, fazendo-o parecer trabalho de polvorista, ocasiona sadios momentos de lazer nos meios de comunicação social. Há dois dogmas no Médio Oriente. O primeiro, é um dogma escrito e assumido: a supremacia militar de Israel na zona é sagrada. O segundo, é tolerado e desejado: Israel deve manter também a supremacia económica. Nenhum país árabe pode ter condições para o seu desenvolvimento (sem arriscar ao bombardeamento para retroceder ao tempo nómada). Permitir que os iranianos usem energia nuclear é libertá-los dos caprichos das empresas refinadoras de petróleo estrangeiras e “se Alá quiser” abrir uma porta ao crescimento económico. Para que isto não suceda é natural que expludam, ou se façam explodir, como o actor em “Burn My Shadow” dos Unkle (com Ian Astbury dos Cult e dos reciclados The Doors como vocalista).

Shakespeare escrevia no “Júlio César”: “quando morrem os mendigos não aparecem cometas. Os céus somente se inflamam na morte dos príncipes”. Mas não vale a pena olhar o céu quando Bollinger ou Ahmadinejad morrerem (ou outro qualquer). Eles inflamarão porque “todas as coisas são uma troca igual pelo fogo e o fogo por todas as coisas” (Heraclito). Se o próximo inquilino da Casa Branca tiver o bom senso de gritar “americanos esta noite jantamos no inferno” e iniciar mais uma guerra do nosso contentamento, então ouviremos “God We Look Good (Going Down In Flames)” dos The Exies. E os céus inflamarão… talvez não sejam de cometas.