Pratinho de Couratos

A espantosa vida quotidiana no Portugal moderno!

sexta-feira, março 29, 2013


O albergue português

1982. Os bons predicados são complementos diretos dos quais os bons líderes, “os portugueses de boa vontade”, os líderes bons “a favor das garantias e dos direitos”, repristinam fianças nos galos de amanhãs que (cantam) cocorocó [1]. Predicar um povo é pois aripar para extrair uma nação, e de todos um - Salazar - por todos desabotoou os dons do português: “bondoso, inteligente, sofredor, dócil, hospitaleiro, trabalhador, facilmente educável, culto” [2].
Hospitalidade às terças e quintas em 1982 no aeroporto da capital de um bondoso povo: “embaixada de Israel, companhia de aviação El-Al, comunidade judaica portuguesa: os três elos de uma complicada cadeia de que emerge um sofisticado serviço de segurança armado que às terças e quintas faz lei no aeroporto de Lisboa. A embaixada de Israel é o centro nevrálgico do sistema e são os agentes israelitas que asseguram a proteção pessoal do embaixador [Dov Milman] quem comanda as operações. Nesses dias a PSP e a segurança do aeroporto ficam reduzidas ao papel de figurantes” [3]. Os serviços secretos judeus, “os seus homens movimentam-se em áreas públicas e reservadas como se estivessem em pleno aeroporto de Telavive. Emissores-recetores em punho, trajando civilmente e, muitas vezes, sem qualquer cartão identificativo à vista, os mossads comandam umas dezenas de jovens judeus portugueses, que se ocupam das tarefas menores. Metralhadoras Uzi na pastinha, olhos atentos e falando hebraico, deslocam-se por todo o lado, inclusivamente nas pistas. Ocupam o terreno, instalam-se nos lugares estratégicos, vigiam, revistam, interrogam, ameaçam, intimam. Quem manda são eles! A PSP e a segurança do aeroporto são ultrapassadas, subalternizadas, espezinhadas. Se, eventualmente, têm algo a dizer-lhes, ou falam em inglês ou têm de passar pelo vexame de se dirigir aos adolescentes portugueses (judeus) que depois contactam os chefes. É dia de voo da companhia aérea israelita El-Al e as autoridades portuguesas dão-lhes carta branca para tudo [4]. Até para dispararem a torto e direito como fizeram na Páscoa de 1979 no aeroporto de Zaventem, em Bruxelas” [5].
Ângelo Correia [6], ministro da Administração Interna, acobertado na inexistência de um serviço de informações em Portugal e na sua cara de honesto que, Deus, do tosco barro lhe moldou, invocava santa ignorância das liberdades territoriais da Mossad. Quando lhe chegou a Mossad ao nariz ele endurou: “o problema foi solucionado”, “neste momento a lei portuguesa está a ser respeitada”, “tomámos as medidas legais que achamos corretas e a situação alterou-se de facto apesar de ter sido criada já em 1977”. E nessa lei portuguesa: “qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, desde que devidamente autorizado, pode trazer consigo armas de defesa, mas não armas de guerra. Como lhe disse, neste momento a lei está a ser respeitada”. Detalhes sobre esse respeito? o ministro é mais duro que Clint Eastwood e dispara: “vá ao aeroporto e logo verá” [7].
Quarta-feira, 20 de outubro, fuma-se na primeira loja legalizada de venda de marijuana num centro de juventude em Enschede, no final do ano, apaga-se, por overdose de competitividade. “A Holanda encerrou a primeira loja de venda de haxixe e marijuana testados pelo Governo entre protestos dos alarmados países vizinhos, embora as autoridades municipais insistam que a venda de drogas leves regressará. As autoridades judiciais anularam a aprovação da Câmara Municipal de Enschede, para uma loja de erva no centro de juventude Kokerjuffer, que tornou a cidade fronteiriça um lugar popular para jovens alemães ocidentais, britânicos, suecos e holandeses”. – E assim os sons de fumos moles expiraram: Eric Burdon & the Animals “A Girl Named Sandoz” (1967), Captain Beefhart & His Magic BandAh Feel like Ahcid” (1968), Bob MarleyKaya” (1978), Ravi ShankarImprovisation on the Theme Of ‘Rodukan’” (1978), The FallTotally Wired” (1980), Bonobo "Sugar Rhyme" (2000): "Rhythm captivates me / I feel it stimulate me" (modelo: Sonya Marmeladova)  [8].
Quarta-feira, 27, “a madrugada de hoje foi abalada por quatro explosões, tendo três delas ocorrido nas instalações provisórias de uma empresa de construção civil, junto ao cemitério da Costa da Caparica, e a outra na vivenda do comentarista económico da RTP, Francisco Sarsfield Cabral, em Algés, nas proximidades do Forte do Alto do Duque, onde funcionou o comando do COPCON. (…). Os prejuízos limitaram-se a um canteiro e a alguns vidros partidos na casa de Sarsfield Cabral, e na destruição de tapumes de madeira, na Costa da Caparica. Sarsfield Cabral (…) encontrava-se em casa juntamente com a mulher e com dois dos seus três filhos. O engenho de fabrico artesanal deflagrou cerca das 2 e 45, tendo sido acionado por um sistema de rebentamento retardado”.  Sarsfield ignora que tenha pisado calos políticos e barrunta “que isso tenha a ver com a minha presença, mais ou menos constante, nos ecrãs da televisão”. Os rebentamentos na quinta de Santo António, na Caparica, “tudo parece apontar para uma ação de retaliação, para com um empreiteiro, pelo facto de este ter vedado uma zona que permitia aos moradores alcançarem as paragens de autocarros para Lisboa em cerca de dois minutos, ao contrário do que acontece agora em que levam aproximadamente vinte minutos, já que são forçados a dar uma grande volta”. O comandante Anjo Negro dos Comandos Operacionais de Defesa da Civilização Ocidental (CODECO) reivindicou a bomba atirada pelas 23:20 contra a sede do CDS na esquina das ruas António Sérgio e comandante Germano Dias, no bairro Augusto de Castro, em Oeiras, e também a autoria das quatro explosões na Caparica e na casa de Sarsfield Cabral. “Afirmou que os CODECO tinham sido criados no verão quente de 75 por Freitas do Amaral e que ele e outros elementos da organização ‘tinham sido enganados e por isso pediam agora perdão à esquerda’. Referindo-se aos rebentamentos da Costa da Caparica salientou que os mesmos serviam apenas ‘para testar a capacidade de reação da polícia e, quanto ao atentado à casa de Sarsfield Cabral foi, ‘por se tratar de um protegido de Proença de Carvalho”. O CODECO “tenta não fazer vítimas inocentes”, luta contra a Aliança Democrática (AD) e os alvos são “a nova PIDE - o DCCB (Divisão Central de Combate ao Banditismo) - Diogo Freitas do Amaral, Ângelo Correia e Francisco Balsemão”. “Vamos utilizar as armas e os explosivos comprados pelo CDS e só paramos quando a AD cair”.
Terça-feira, 16 de novembro, “um novo serviço telefónico público, que dispensa a utilização das habituais moedas, foi hoje inaugurado na Madeira. O Funchal passa, deste modo, a ser a primeira cidade portuguesa a dispor do Credifone, programado na próxima fase para o Algarve. Trata-se de um cartão equivalente a 25 ou 105 impulsos, à venda nas estações dos CTT. (…). Introduzindo o cartão numa ranhura, um viso luminoso fornecerá imediatamente a indicação do número de impulsos que o cartão permite gastar. Dispondo de crédito, o utente poderá fazer a marcação do número desejado, com a particularidade de estes aparelhos serem equipados com marcadores de teclas, ainda pouco vulgares entre nós. Estabelecida a ligação, um minúsculo raio laser existente dentro do aparelho vai abater o número de unidades gastas. O fim do crédito é anunciado 15 segundos antes, por um sinal sonoro no auscultador, ao mesmo tempo que se acende um sinal luminoso no mostrador do aparelho”. “As primeiras cabinas Credifone do Funchal estão instaladas nas estações dos correios da avenida Zarco, da Monumental e do Mercado, junto ao café Funchal e na Direção Regional de Turismo” [9].
Segunda-feira, 6 de dezembro, “Sérgio Godinho [10] acusou a Polícia Federal do Rio de Janeiro de o ter torturado, nomeadamente com choques elétricos. O cantor prestava declarações na 4ª Vara Federal Criminal do Rio, no âmbito do processo que está a ser instruído contra ele pela juíza Julieta Machado, e disse que além dos choques elétricos foi várias vezes sujeito a espancamentos”. Na sessão à porta fechada “Sérgio fez uma denúncia pormenorizada dos maus tratos que lhe têm sido aplicados na prisão, tendo sido proibida a entrada na sala à advogada do consulado português, Ofélia Guerreiro, com o pretexto de que vestia calças”. Ao Expresso o cantor pormenorizou: “logo após ter sido preso fui levado para a Polícia Federal na praça Mabuá, no centro do Rio de Janeiro, onde fui encapuçado. Apenas com uma luz sobre a minha cara, o torturador, sob ordens do delegado de piquete, aplicou-me socos na barriga e choques elétricos na cabeça, atrás das orelhas. A todo o momento ameaçavam-me de morte. Com as mãos atrás das orelhas, sob ameaça constante, fizeram-me caminhar pelos corredores durante longo tempo, interrogando-me comigo sempre encapuçado”. Ele fora preso no aeroporto, dia 15 de novembro pelo seu nome constar da lista das pessoas proibidas de entrar no país, quando era interrogado, 15 gramas de erva apareceram-lhe por magia na bolsa. “Em declarações gravadas pela RTP, o cantor afirmou que não tinha consciência de estar em situação ilegal porque havia sido absolvido em 1971, na sequência do processo que lhe foi movido, bem como ao grupo Living Theatre com quem se encontrava no Brasil”. Sexta-feira, 31 de dezembro, pelas 07.20, aterrava o avião com Sérgio Godinho expulso por decreto do presidente brasileiro João Figueiredo: “o processo continua e vamos lutar pela absolvição. Penso que isso é muito importante e que só a absolvição poderá, de certo modo, reparar a injustiça que foi cometida”.  
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[1] O país nunca foi manco de dirigentes. Passados, bem passados. Presentes, bem presentes. Futuros bem passados. Alberto João Jardim no futuro (2012) plantará: “hoje temos um país que está esclerosado. ‘Tão esclerosadas e desacreditadas as forças políticas deste país, desde a direita até à esquerda, o povo quer outra coisa … o povo português aguarda mudanças, o povo português está à espera que os portugueses de boa vontade se unam numa nova frente, numa frente de, para uma nova república, se unam numa FNR, uma Frente para uma Nova República, que dê uma grande volta ao presente estado de coisas e que se saia deste marasmo que os instalados, quer à direita quer à esquerda, tudo fazem para conservar”. Paulo Portas (2009), na Assembleia da República, num registo documental David Attenborough refundido atrás do arbusto: “é por esta porta que o primeiro-ministro [José Sócrates] costuma sair. Uma das razões, pra ele, democraticamente!, por vontade do povo, em 2009 sair do Governo, é que ele não está a respeitar os direitos dos contribuintes. E foi por isso que o CDS neste! orçamento, decidiu apresentar uma série de propostas a favor das garantias e dos direitos do contribuinte, que nós temos muita! honra em ser o partido que mais o protege: o contribuinte que cumpre com os seus deveres fiscais, mas não podemos aceitar que a administração neste momento exija ao contribuinte mais do que a lei a habilita pra exigir. É isso que eu tenho chamado fanatismo fiscal, o Estado querer cobrar mais, sempre mais, o que a lei deixa, e o que a lei não deixa. E por isso, propusemos medidas simples, cujo custo é zero, mas que têm uma enorme eficácia do ponto de vista da justiça pr’os cidadãos”.
[2] Cinzelou Salazar seu povo: “excessivamente sentimental, com horror à disciplina, individualista sem dar por isso, falho de espírito de continuidade e de tenacidade na ação. A própria facilidade de compreensão, diminuindo-lhe a necessidade de esforço, leva-o a estudar todos os assuntos pela rama, a confiar demasiado na espontaneidade e brilho da sua inteligência”, em “Entrevistas a Salazar” de António Ferro. No seu livro “Portugal” o suíço Gonzague de Reynold completa: “mais sensível do que racional e razoável, o português tem dificuldade em compreender princípios. Daí essa fraqueza do indivíduo e da nação, essa dificuldade em construir uma ordem estável, uma ordem moral ou política, porque o fundo é movediço”  
[3] O país é a melhor agência de casting de figurantes do mundo, nas visitas papais, tiveram mesmo falas e pequenos papéis. Em 1982 João Paulo II visitou Portugal para agradecer a sobrevivência ao atentado de 13 de maio de 1981: “a minha peregrinação em terras portuguesas foi toda ela marcada pela presença de Maria”, que lhe salvara o couro das balas do turco Mehmet Ali Ağca. E no Angelus de domingo 16 de maio, recém-regressado da visita portuguesa, na janela dos seus aposentos no Vaticano, agradecia a figuração: “povo lusitano, pelo entusiasmo e generosidade com que se encontraram comigo, facilitando o meu dever de pastor”. Em 2010, Bento XVI, assumindo-se como peregrino de nossa senhora de Fátima, no seu primeiro discurso cita o cardeal Cerejeira: “não foi a Igreja que impôs Fátima, dizia o cardeal Manuel Cerejeira, de veneranda memória, mas Fátima que se impôs à Igreja”. Bento XVI em Fátima: “aqui estou como um filho que vem visitar a sua Mãe e que o faz na companhia de uma multidão de irmãos e irmãs”. As televisões entrevistavam figurantes nas ruas do país catando papáveis opiniões, uma jovem simplesmente Mafalda definia o Papa “como uma pessoa querida que acredita que toda a gente é capaz de fazer uma coisa muito importante que é para ele… ele hoje veio cá, eu pensava que ele não me ia ver, ele olhou para mim, eu senti aqui uma coisa que nunca vou esquecer, senti um aperto, não dá para explicar, cada pessoa sente uma coisa mesmo especial quando ele olha e é muito importante para cada pessoa sentir isso”. Uma jornalista da RTP na Praça do Comércio: “vou perguntar aqui a esta menina, como foi ver o Papa tão perto aqui mesmo à tua frente”; a criança retruca: “muito giro”; a jornalista elabora: “sentiste alguma coisa de especial?”; a criança: “amor”; a jornalista para outra menina: “e tu? O que é que sentiste quando viste o Papa?”; a outra menina: “eu adorei”; a jornalista extrai reportagem: “e sentiste alguma coisa especial? Sentiste alguma coisa por dentro? Sentiste alguma emoção?”; a mesma menina: “sim, senti uma emoção, por dentro”. Para Bento XVI Portugal é um “país rico em humanidade e cristianismo”. Em Fátima, celebrou as Vésperas com seminaristas de todo o mundo na igreja da Santíssima Trindade, ofereceu uma rosa de ouro ao Santuário e dormiu duas noites na casa de Nossa Senhora do Carmo. O presidente da República Cavaco Silva ofereceu-lhe um santo António em porcelana e um livro bilingue com os sermões do santo. O primeiro-ministro José Sócrates recolheu durante 25 minutos na Nunciatura Apostólica de Lisboa com o Papa, levou na bagagem Silva Pereira, ministro da Presidência e Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros, no final rejubilava, a economia crescera 1,7%: “por acaso teria sido uma boa ideia referir a Sua Eminência o facto de termos tido hoje grandes notícias do crescimento económico em Portugal. Isso podia associar-se à visita do Papa a Portugal, mas não tivemos ocasião de também falar nisso”. Milagre, milagre, disse Sócrates: “Portugal registou o maior crescimento económico da Europa no primeiro trimestre deste ano, a economia recuperou e está a recuperar. Portugal foi o primeiro país a sair da condição de recessão técnica e o que melhor resistiu à crise”. Cavaco Silva na hora da despedida: “Portugal despede-se de vós revigorado pela mensagem de esperança e de confiança que nos deixais. Vemos partir o Santo Padre com um sentimento que nenhuma outra língua ainda soube traduzir em toda a sua profundidade e que reservamos aos que nos aos mais queridos a Saudade”. Bento XVI: “em Fátima rezei pelo mundo inteiro pedindo que Fátima traga maior fraternidade e solidariedade, um maior respeito recíproco, uma renovada confiança e confidência em Deus, no seu Pai que está nos céus”. A alcatifa vermelha que seus Santos Sapatos pisaram no aeroporto militar de Figo Maduro, Lisboa, foi recortada por voluntários para fazer 15 mil registos de arte sacra para venda.
[4] “Esses serviços são dirigidos e coordenados por estrangeiros que falam hebraico – os controladores. (…). Outros estrangeiros, colocados em locais estratégicos do aeroporto (…) que podemos denominar de operacionais. (…). No escalão inferior estão várias dezenas de jovens portugueses (…). Ostentando livres trânsitos que os credenciam como estando ao serviço da companhia de aviação israelita, estes tarefeiros também não dispõem de fardamento”. “Os tarefeiros, por seu lado, estão espalhados por todas as frentes. Falando português, escutam conversas, observam pessoas e objetos, bagagens abandonadas, caixotes do lixo e seguem instruções de elementos mais velhos, igualmente portugueses”, no Diário de Lisboa.
[5] No dia 16 de abril, segunda-feira de Páscoa, dois homens de tez mediterrânica, sob a sigla desconhecida de Março Negro, tentam dominar o Boeing 707 El-Al voo 334 em trânsito de Telavive para Viena. “René Ackam, um repórter do quotidiano de Bruxelas Le Soir assiste estupefacto: uns 20 jovens à civil reagem prontamente contra os terroristas começando a disparar pequenas metralhadoras que retiram de pastas e sacos”. Os dois palestinianos, que atiraram duas granadas na área duty free, são capturados depois do tiroteio. Husseini Rad Mahmoud, 3l anos, e Shalad Dayekh Khaled Dokh, 26, confessarão a intenção de matar o maior número de passageiros possível e são condenados a oito anos de cadeia cada em 16 de agosto. Sobre a questão quem eram os civis armados? O Governo belga é governo: “estudantes estrangeiros aos quais é autorizado o porte de arma em certas zonas do aeroporto”.
[6] Ângelo Correia, o mais duro dos portugueses, mais duro que a pedra da sopa, no futuro (2012) enchumaça os seus: “nós criamos a ideia que todo o cidadão da elite portuguesa é um malandro, um criminoso e um bandido”, no programa da tvi24 Olhos nos olhos. No mês de outubro de 1982, o ministro Ângelo Correia, malandreco, considerava “inoportuno” a divulgação do relatório dos procuradores-adjuntos da República, Francisco Xavier de Melo Sampaio e Nuno da Silva Salgado, sobre os espancamentos e mortes obra da sua musculada polícia no 1.º de maio no Porto. “As cargas dos elementos do Corpo de Intervenção (CI) levadas a cabo, quer na avenida dos Aliados, quer na praça da Liberdade, contra manifestantes e ainda contra muitas das pessoas que nada tinham a ver com as manifestações e que descuidadamente passavam naqueles locais, muitas delas dirigindo-se para suas casas, depois de terem saído dos vários cinemas e teatros da cidade, mormente do teatro Rivoli, onde naquela noite o Orfeão Universitário do Porto tinha realizado um espetáculo, assumiram expressões de inusitada e desnecessária violência”. “Com efeito, elementos do Corpo de Intervenção agrediram indiscriminadamente todas as pessoas que encontravam à sua frente, à bastonada e a pontapé, e às vezes com obscenidades, independentemente do sexo e idade, quer arremessassem pedras ou nada fizessem, quer seguissem na rua ou estivessem paradas, mormente abrigadas nas paragens dos autocarros ou nas soleiras dos prédios. Todos eram agredidos, muitas vezes de forma selvática, e por mais de um elemento policial contra a mesma pessoa, mesmo que esta se encontrasse no chão e indefesa”. O CI matou duas pessoas, algo que para ministro que não é bandido, é apenas má sorte. “Pedro Manuel Sacramento Vieira, foi atingido pelas costas por um projétil de calibre de 7,65 milímetros, cerca das zero horas e trinta quando, com um grupo amigos, corria vindo da praça Almeida Garrett – onde o Corpo de Intervenção já andava a atuar”. E na morte de Mário Emílio Pereira Gonçalves “um dos polícias destacou-se do grupo e das proximidades do quiosque”, na esquina da rua do Corpo da Guarda com a rua Mouzinho da Silveira, “apontou a pistola que trazia consigo, já empunhada, e com ela disparou dois tiros em direção ao Mário Emílio, o qual foi atingido logo com o primeiro disparo, no maxilar superior esquerdo, na altura em que voltava ligeiramente a cara para olhar na direção do elemento policial agressor”.  
[7] “A única coisa que pudemos constatar foi a presença de um maior número de agentes da PSP, tanto fardados como à civil (…). Um elemento da guarda pessoal do embaixador israelita lá estava mas mesmas funções (…), muitos dos operacionais sem qualquer distintivo do aeroporto que até aqui andavam de sacos e malas, onde guardavam as suas metralhadoras Uzi, passeavam-se mais discretamente que de costume e pareciam trazer… sacos mais pequenos! (…). Os tarefeiros pareciam menos numerosos e o conjunto da sua atuação menos arrogante e um pouco mais discreto”.
[8] A Holanda é segundo mercado de Fado.
[9] Alberto João Jardim em 1980 visitava Lisboa pelo dinheiro: “exatamente. Esta reunião vem na sequência de reuniões já anteriores. Houve portanto que apressar estratégias comuns em função das relações com os órgãos de soberania”. Em 1979 o défice orçamental das duas regiões autónomas foi quase todo suportado pelo Orçamento Geral do Estado. Alberto: “o critério encontrado da cobertura do défice do ano passado, significou já um passo em frente em relação ao antecedente, no entanto entendemos, os dois Governos das regiões autónomas, que ainda não está cumprido o preceito constitucional, concretamente o artigo 231 nº 2 que diz que o Estado português tem regiões, que estão feridas de insularidade e cujos custos devem ser suportados pela República”. O jornalista pergunta-lhe pelo montante do défice? Alberto: “neste momento está em elaboração. O ano passado, o défice montou à volta de 3 milhões e meio de contos”; jornalista: “será inferior ou superior?”; Alberto: “Ainda é cedo para lhe poder dar os números concretos”.
[9] No futuro, 2013, haverá outras esperanças musicais, as Pretty Little Demons – “Maps” ♪ “Violet” ♪ “Daisy”. Elas são: Lydia Night, guitarrista, cantora, compositora, baixo, teclas e Marlhy Murphy, bateria, baixo, teclas, voz. Financiaram o seu primeiro álbum “Flowers” (“os prodígios rock and roll Lydia Night & Marlhy Murphy trazem-lhe canções sobre temas tão pesados como dependência e morte ao tráfego e margaridas”) através do Kickstarter com um humorado vídeo. As moças têm outros projetos musicais. Lydia, no seu primeiro show em Los Angeles: “Highway to Hell”. Marlhy, sova a bateria como uma chefe, c/ os Purple Hats and Jetpacks ou c/ os Zeppos em “Moby Dick”, o solo de John Bonham.

na sala de cinema

Giggi il bullo” (1982) titulado na língua de Fernão Mendes Pinto “João Broncas, o maior”, c/ a florestada atriz Adriana Russo, intelectualizada pela Playboy italiana de fevereiro 1982 e também cantante, debutada no cinema como Clara em “Un sussurro nel buio” (1976) e mais desfigurada como a Dora de “Brutti, sporchi i cattivi” (1976); e c/ o ator Alvaro Vitali, o João Broncas, um eletricista contratado por Fellini para o papel do “imperador” de cara azul em “Satyricon” (1969). Vitali estreia-se na commedia erotica all'italiana com duas lasanhas de carne amanteigada: Gloria Guida em “La liceal” (1975) e Edwige Fenech em “L’insegnante” (1975). O apodo João Broncas distribuído pela distribuição no país da bronquice cativou espectadores desde Viana do Castelo ao castelo de Aljezur apodando: “Gian Burrasca” (1983) de “João Broncas… o eterno repetente”; \ “Paulo Roberto Cotechiño centravanti di sfondamento” (1983) de “ João Broncas, avançado fura-redes”, c/ Carmen Russo, 1,65 m, 96-58-93, dimensões cúbicas que duchava em “Mia moglie torna a scuola” (1981); \ “Il tifoso, l’arbitro e il calciatore” (1984) de “João Broncas e os malucos da bola”. – Vitali protagonizou uma série própria como Pierino. “Pierino contro tutti” (1981), título português “A turma dos malandros”, estreia no Avis a 12 de junho de 1982: “Pierino é um adolescente irrequieto sempre a dizer piadas e a pregar partidas a todos. O seu principal alvo é a professora e um dia acaba por ser suspenso das aulas, o que o leva a preparar uma armadilha à professora que acaba por partir um braço, sendo substituída por outra. E por esta (Michela Miti, 90-60-90, a glória de Roma, página central da Playboy de março 1981 e cantante) Pierino apaixona-se completamente, mas tem a concorrência do professor de Educação Física”. Duas citações do filme: a professora distribui castigos, “tu! o que é que viste?”, e Pierino vai às putas; \ “Pierino medico della SAUB” (1981), título português “O doutor charlatão”, estreia no Odeon a 7 de janeiro 1983; \ “Pierino colpisce ancora” (1982), título português “O regresso da turma dos malandros”, estreia no Roxy a 29 de abril 1983; \ “Pierino torna a scuola” (1990) c/ Nadia Bengala, 1,71 m, 96-65-89, no papel da professora substituta Rizzi, não escolarizou a personagem Pierino que declinou; Vitali ainda rodou mais dois: “Pierino Stecchino” (1992) e “L’antenati tua e de Pierino” (1996). – Também no feminino, direitos iguais na lerdice, com “Quella peste di Pierina” (1982), c/ Marina Marfoglia, modelo fotográfica, atriz e bailarina, intelectualizada pela Playboy de agosto 1979 e cantante, e com Carmen Russo no papel de sua irmã, Rosy Marcotulli. – A marca João Broncas estendeu-se por outros filmes, dois deles com Edwige Fenech [1]: “La soldatessa alla visita militare” (1977), título português “Ao ombro… saias!”, estreia no Roxy sexta-feira 19 de maio 1978: “a rotina do acampamento militar é abalada pela chegada de uma médica sargento muito picante, a bela soldado Eva Marini, transbordando na sua mini-divisa”; \ e “L'insegnante va in collegio” (1978), título português “A bomba no colégio”, estreia no Pathé sexta-feira 12 de janeiro 1979: a professora Monica Sebastiani é cobiçada por pai e filho. Outro Broncas com Gloria Guida [2]: “La liceale seduce i professori” (1979), título português “A liceal seduz o professor”, estreia no Avis quarta-feira 5 de janeiro 1983: “para estudar tranquilamente, longe das distrações da cidade, Angela Pascuale, é enviada por seu pai para uma pequena cidade em Puglia, para casa de seu tio, o reitor da escola, por sua vez vítima das piadas constantes dos alunos. Logo os seus colegas apaixonam-se por ela, incluindo o tio e o primo, que toca às escondidas numa banda e é amado pela peituda Irma”, (Donatella Damiani intelectualizada pela Playboy de outubro 1983). Gloria Guida canta duas canções no filme: “Come vuoi... con chi vuoi” e “Stammi vicino”. E ainda outro Broncas com Nadia Cassini [3]: “La dottoressa ci sta col colonnello” (1980), título português “A médica do coronel”: “o coronel Anacleto Punch é um médico do exército que trabalha num hospital militar. Durante uma conferência sobre transplantes teve a oportunidade de conhecer a sul africana dra. Eva Russel que é uma mulher maravilhosa”.
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[1] Edwige Fenech 1,70 m, 55 kg, 86-58-86, nascida para despir em Annaba, na Argélia, quando esta era uma colónia francesa: “oh, é terrível. Especialmente as primeiras vezes nos filmes iniciais… eu não sabia como me comportar e estava tremendamente envergonhada. Depois resignei-me, mais do que acostumar-me… além disso estas são coisas que se tem que fazer nos filmes, quer se goste ou não. O público exige-o. Certamente nunca é agradável despir-se em frente de tantos técnicos e colegas atores. Tenho sempre a sensação, quando me visto outra vez, que eles me olham como se não tivesse nada em cima. E nem quero falar do que sucede nos cinemas quando exibem os meus filmes… Foi ver Madame Bovary novamente num cinema de estreias, e fiquei vermelha como uma beterraba quando me vi nua na tela. Entretanto, o público começou a ficar barulhento e a trocar comentários não publicáveis”. Alguma despidagrafia: “Samoa, regina della giungla” (1968); “Madame und ihre Nichte” (1969); “Die nackte Bovary” (1969); “Lostrano vizio della signora Wardh” (1971); “Quel gran pezzo della Ubalda tutta nuda e tutta calda” (1972); “La signora gioca bene a scopa?” (1974); “Grazie nonna” (1975); “La dottoressa del distretto militare” (1976); “La poliziotta fa carriera” (1976), título português “A mulher polícia faz carreira”, estreia no Condes quinta-feira 26 de agosto 1976; “La pretora” (1976); “La vergine, il toro e il capricornio” (1977); “Taxi Girl” (1977); “L'insegnante viene a casa” (1978), título português “A nova inquilina é… um espanto”, estreia no Politeama quinta-feira 18 de outubro 1979 {filme completo}; “La poliziotta della squadra del buon costume” (1979), título português “Uma agente muito especial”, estreia no Avis quinta-feira 16 de dezembro 1982; “Io e Caterina” (1980), título português “Eu e Caterina! Que maravilha!”, estreia no Castil sexta-feira 3 de Junho 1983; “La poliziotta a New York” (1981).
[2] Gloria Guida em “Peccati di gioventù” (1975), estreia 1 de março 1980 no Estúdio 444.
[3] Nadia Cassini foi mais pré-histórica que Rachel Welch em “Quando gli uomini armarono la clava e... con le donne fecero din don” (1971) c/ o grupo de rock progressivo de Turim Alluminogeni na banda sonora. Intelectualizada pela Playboy de novembro 1977 e cantante.

no aparelho de televisão

Eu Show Nico”, série de humor, autoria e interpretação de Nicolau Breyner, transmitida na RTP1 aos sábados, entre 27 de setembro 1980 / 25 de abril 1981. No calão da época, Breyner era um “facho”, um fulano que pugnava contra o perigo vermelho bufado das estepes russas, Mário Castrim escreveu-lhe na estreia: “quando o anticomunismo assume as proporções ridículas que atingiu no programa do Breyner, é de crer na existência de uma perigosa paranóia. Este desgraçadinho mental nem ao menos concede aos soviéticos a realidade dos seus grandes pianistas. Qualquer pessoa, incluindo a mulher de limpeza, toca melhor do que o pianista soviético… Assim se atola no ridículo, enfim, cada qual se suicida à sua maneira…”. Alguns divertidos quadros cómicos do programa: “o expoente máximo da canção de Coimbra o sr. prof. dr. Bruchado Linhares”; - Bernardo Pardo Abelho Culto com “Os danos da cultura”; - o jogador brasileiro Salvador, “eu já salvei mais de vinte clubes de irem p’a 2ª divisão”: - momento musical com os “Estalos e Bofetões”; - no tribunal A testemunha profissional Anaria da Purificação; - a associação para a preservação dos animais “A preservativa”; - a redação do jornal Folha de Couve; - uma declaração de amor; - momento musical com a Kaká de Belém; - variedades com a girl band Cocktail (Fernanda de Sousa, Camélia Conde e Maria Viana). A mesma prescrição breyneriana regressou aos domingos entre 13 de dezembro 1987 / 23 de março 1988. “Humor de Perdição” (1988), Herman José aos domingos na RTP1, c/ Ana Bola, José Estebes, Lídia Franco, Manuela Maria, Maria Vieira, Maximiana, Miguel Guilherme, Rosa Lobato Faria, São José Lapa, Virgílio Castelo, Vítor de Sousa e Artur Semedo no papel de Pato. Estreia dia 10 de Abril, e as “Entrevistas Históricas” perderam-no do ar. “No dia 5 de junho de 1988, o público não viu a entrevista à rainha Santa Isabel, tendo sido a emissão cortada a meio do programa. No momento a seguir, José Rodrigues dos Santos, num especial 24 Horas, viria dizer ao público que o programa teria sido cancelado”. No dia seguinte o Gabinete de Imprensa da RTP divulga “uma posição oficial, mas não um comunicado”: “o produtor (a Edipim) foi avisado de que as entrevistas históricas teriam que ter um sentido diferente, tendo esse facto sido implicitamente reconhecido pelo produtor. (…). É obrigação da RTP defender os valores históricos e culturais de Portugal. Logo que estes requisitos sejam observados as entrevistas históricas continuarão, segundo os poderes conferidos à RTP no contrato realizado com o produtor do programa”. No dia 7, Herman José no jornal a Capital: “Carlos Pinto Coelho [diretor de programas], que na altura da suspensão estava em Oslo, convocou-me para uma reunião e, sem dar quaisquer justificações, quer da atitude anterior, quer da atual, anunciou que eu podia continua a transmitir as ditas entrevistas”. “Segundo ele (Herman) a entrevista com a rainha Santa Isabel seria incluída no último programa da série, o 13º, em que serão reunidos os melhores momentos do Humor de Perdição, enquanto Junot e Almeida Garrett teriam a palavra na penúltima e antepenúltima edição”. Falou demais, Carlos Pinto Coelho recuou e a proibição riu-se. “Os textos das nove primeiras entrevistas da série foram escritos por Miguel Esteves Cardoso, enquanto que as três últimas, aquelas que a RTP proibiu, são da responsabilidade do próprio Herman José e de Rosa Lobato Faria, por indisponibilidade do autor das primeiras”. Na quarta-feira 20 de junho, Herman José, convidado no concurso de Fialho Gouveia, “Com pés e cabeça”, é substituído por Eugénio Salvador. Em 14 de junho de 1997, Herman historia esta baldroca numa entrevista ao jornal Expresso: “havia ordens para não se falar de mim, o Fialho Gouveia tinha uma fotografia minha no concurso e teve de a tirar. Estava-se no princípio da maioria de Cavaco, com o José Eduardo Moniz na Informação e o vivo e moderno advogado Coelho Ribeiro (ex-SNI) é que mandava. Tive uns telefonemazinhos de umas pessoas, antes de gravar o sketch. (…). O governo de Cavaco, reforçado pela maioria absoluta, andava à procura da sua identidade e o maior inimigo estava em Belém, era o Soares. (…). O primeiro Humor de Perdição era malandro, anti-regime, anti-Teixeira da Cunha, com o Cavaco a ser imitado em voz off. Foi o mais político e o mais inteligente e divertido dos meus programas. No segundo programa, o Soares foi-me visitar ao estúdio, assistindo a uma rábula, rindo, deixando-se fotografar, e aparecendo a peça no telejornal do Henrique Garcia. Eles não gostaram e vieram dizer-me que a coisa tinha mudado”. Em agosto de 1988, na Rádio Gest, Herman ao mesmo tempo que se masculinizava: “não sou homossexual, se o fosse já tinha casado e tido duas meninas – a Carla Vanessa e a Sónia Cristina”, explicava o incómodo do Conselho de Gerência da RTP, que seria: “chegarem a casa e verem os filhos a gravar o programa, a rir, a gritar ‘olha pra ela a dar ao cu’”. Neste Conselho de Gerência cerziam, o presidente, Coelho Ribeiro, homem do Secretariado Nacional de Informação e o vice-presidente, Braz Teixeira, ex-secretário de Estado da presidência do Conselho de Ministros do Governo de Sá Carneiro. O ministro da tutela era Couto dos Santos, ministro-adjunto e da Juventude, um zero em História, vinte em tachos, será o presidente da Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos, 500 anos deles: “Vitorino Magalhães Godinho veio a terreiro dizer que se deviam comemorar 550 anos e Oliveira Marques foi mais longe, recuando as Descobertas até à expedição às Canárias na década de 1330, e defendendo a comemoração de 650 anos de descobrimentos portugueses”. As “Entrevistas Históricas” não se distanciam da verdade. A rabetice de D. Sebastião é banida na História sonhada pelos eruditos portugueses. O Desejado era papado pelos irmãos Câmara, Luís Gonçalves da Câmara, seu confessor, e Martim Gonçalves da Câmara, escrivão da puridade. Se não pelos dois, o primeiro deles molhava o bico. Ou a fúria sanguinária de Afonso de Albuquerque: “eu não era pra vir, hem? eu acho este programa uma vergonha, uma vergonha, se eu fosse administrador, acabava com isto”.

na aparelhagem stereo

As piedosas mentiras fazem girar as pás dos moinhos dos povos e o povo que leva no rio e toma no bar também apanha. Em Portugal nunca houve “sexo, drogas & rock ‘n’ roll”, nossa idiossincrasia sempre foi e será: “três coisas fazem vibrar a alma do Zé-povinho / a trindade popular: guitarras, mulheres e vinho”, Desgarrada de Lucília do Carmo e Fernando Farinha. O mar enrola areia nos corações jovens, pequenos grãos de mentira, diz, porque a trapacearam, a fadista Diana Vilarinho (c/ 14 anos): “o fado, tem muito a ver com os marinheiros, aliás diz-se que a origem do fado tem a ver com os marinheiros que andavam pelo alto-mar. Acho que é uma ótima ideia juntar estas duas coisas que na realidade estão sempre juntas”, em 2012 no Fado no Oceanário. Este Fado in situ “é a experiência ideal para quem é turista em Lisboa e pretende ver Fado ao vivo num cenário diferente e inesquecível, naquele que é um dos equipamentos culturais mais visitados e recomendados por turistas da cidade”, 60 € por pessoa sem jantar, 80 € com jantar, com marcação prévia de 25 inscrições no mínimo e 40 no máximo [1].
Entre estas brumas sulfúreas os jovens sobem a ladeira para cima inclinada da vida de azinheiro. Beatriz Nunes, a nova vocalista dos Madredeus: “os meus pais são fãs dos Madredeus e eu nasci em 88. Os Madredeus são um projeto que arranca em 87, o primeiro concerto dos Madredeus, os meus pais estavam lá batidos na Aula Magna. Então é escusado será dizer que eu cresci a ouvir Madredeus”. Vitorino, enquanto jovem boina: “com o Jorge Palma. Eu cantava em cima e ele cantava em baixo. Ele era mesmo underground. Eu cantava na rua Saint-André-des-Arts e ele cantava no metro de Saint-André-des-Arts” [2].
Da piedosa mentira edifica-se um país com espinhas. Ricardo Landum (2012): “música pimba. Pimba não existe. Existe música comercial. Epá, nem, nem isso. Existe música. Existe música. Existe público p’a toda a música. Existe música, epá, uma música mais light, há outra música mais profunda que nos… mas eu acho que a música toda tem a sua função. Cada música tem a sua função, e penso que o comprador, o ouvinte, o recetor, tem que procurar. Ele procura, naturalmente procura essa música, por isso é que procura a música pimba, entre aspas, e procura outro, outro tipo de música. Se uma música comercial, ligeira, me diz qualquer coisa, mexe comigo, epá, só tenho é que gostar dela, e acabou, pra mim é boa. Ninguém é dono da verdade absoluta. Ninguém! Não há música boa nem música má. Não me venham dizer que há porque não há. Não é uma coisa palpável. Não é uma coisa quantificável. Não é! é assim uma coisa de emoções, eu gosto ou não gosto”. Exemplo: Ágata quer seguir as pisadas de Diana Krall: “não me reconheço como cantora pimba”.
Misericordiosa peta venha a vós um país mercado para o arrendamento. António Manuel Ribeiro, comemorou 34 anos de carreira, em 2012, gravando “Ao Norte - unplugged”, em duas noites no Cine-Teatro de Fafe: “são espetáculos que nós damos em salas com grande acústica, onde as pessoas ‘tão sentadas, e portanto se disponibilizam para ver um todo. Nos concertos elétricos nós temos um exorcismo frenético, no momento. E há uma coisa curiosa, uma amiga minha, que faz rádio, disse-me há dias uma coisa giríssima: ‘finalmente, percebo a letra dos Cavalos de Corrida’, ah ah ah ah”. Verónica Larrenne: “o Larrenne vem do curso de design moda, em que eu tinha muitos amigos meus, e até hoje são grandes amigos meus, gays, não é? (…). E não sei, eles achavam qualquer semelhança entre mim e a Madonna e portanto, e chamavam-me la reine, tu és a la reine, és a la reine. E para quem me está a ouvir, mando um beijinho p’a o Gustavo, que ele ‘tá na Holanda, foi ele que me pôs o nome”.
Do país suspenso na Hispânia:
Mler ife Dada, Cascais, 1984. Primeiro, foi o som do vozeirão de Deus: Da! Da! Da! Da! “Uma pequena costa de Dada, eis o que é o surrealismo. Que André Breton não leve a mal! É também com uma pequena costa que se fez, perdão, que Deus, que era um outro Breton, fez a mulher” (Georges Ribemont-Dessaignes), “E Deus criou a mulher”, criou Amber Sym, 1,68 m, 48 kg, 86-60-86, natividade, 4 de novembro de 1989, Cyber Girl do mês de novembro de 2012 [3]. Depois, a banda cascareja: Nuno Rebelo (ex-Street Kids), Augusto França, Pedro D'Orey e Kim. Em junho de 1984, vencem o 1º concurso de música moderna do Rock Rendez Vous. O prémio foi a gravação do EP “Zimpó” (1985), um tema em português, e os outros dois, “Stretch My Face” e “Spring Swing” em inglês, cantados por Pedro D'Orey. Este é substituído por Filipe Meireles, que sai para cumprir o serviço militar obrigatório e Kim também deserta. Entram a cantora Anabela Duarte dos Ocaso Épico e Bye Bye Lolita Girl e os irmãos Zezé e Nini Garcia dos findos Urb. Gravam o singleL’amour va bien, merci” (1986), dirá Anabela Duarte: “esse single é uma pérola. Uma mina de ouro, na melhor das hipóteses... Adorei cantar, adorei o estúdio de oito pistas, adorei a capa. Adorava os músicos e diverti-me imenso a ver pelo vidro do estúdio a cara de prazer e de gozo do João Peste, enquanto eu ia inventando o meu discurso em francês transcendental, falando na devida desproporção entre emoção e sexo e cães a ladrar e política liberal e de como o chá faz mal à garganta e outras coisas importantíssimas!... Adorava ainda que fosse reeditado, mas ninguém me liga nenhuma”. Editam dois LPs “Coisas que Fascinam” (1987) e “Espírito Invisível” (1989), prezado pela crítica, desprezado pelas rádios. Sem radio play o trabalho escasseia, Anabela “experimenta coisas diferentes com a voz e as letras” e debanda, a banda melhorou muito com Sofia Amendoeira na voz e morreu de preguiça, Nuno Rebelo: “no fundo, pegámos no instrumental de quatro temas do ‘Espírito invisível’ e fomos para estúdio gravar a voz da nova vocalista, para dizermos que a Anabela saiu do grupo, mas temos um disco com a nova voz do grupo. Não aconteceu assim e pouco tempo depois o grupo acabou” com Sofia editaram apenas o EP “Mler ife Dada” (1990), estiveram no programa jogos sem fronteiras para crianças “Oito e oitenta” (1990), apresentação / autoria Júlio Isidro, todos os concorrentes vestidos pela Cenoura, apresentador vestido por Fratello Boutiques, agradecimentos ao Complexo Turístico de Tróia; – na entrevista Júlio perguntou quem era a menina? Nuno Rebelo: “a menina é a Sofia Amendoeira que é a nova cantora dos Mler ife Dada”, Júlio: “então, como é que te aconteceu o convite?”, Sofia: “não foi um convite foi…”, Júlio: “foi por concurso?”, Nuno: “foi uma oferta”, Júlio: “ah, foi ela que se ofereceu? Foste tu que te ofereceste?” Sofia: “sim, encontrei a Anabela no Conservatório, porque ela estava a gravar seis árias para ir a Itália, e soube que ela tinha saído e perguntei-lhe o número de telefone do Nuno, pronto, contactei com ele”, Júlio: “e já cantavas há muito tempo?”, Sofia: “não. Nunca. Cantei em bares, pronto” ♪ Entre Aspas, “os primeiros passos foram dados no verão de 1990 quando Tó Viegas e Viviane foram convidados, como duo, para tocar no bar Morbidus em Faro. Na altura, assinalaram a data do concerto numa agenda simplesmente com umas aspas, surgindo daqui a designação encontrada mais tarde para a banda. Mais dois elementos, Luís Fialho e João Vieira, aderiram à banda que então entrou no 1º Concurso de Música Moderna da Câmara Municipal de Lisboa, onde se ficaram pela terceira posiçãoCriatura da noite” (1993) ♦ “Perfume” (1995) ♪ Viviane, “nasceu em Nice, França, mas muda-se para Portugal aos 13 anos. Inicia a sua carreira musical em 1990, formando com Tó Viegas os Entre Aspas, editando cinco álbuns. Em 2001, integra o projecto coletivo Linha da Frente editando um álbum pela editora Universal em 2002, ao lado de João Aguardela (Sitiados), Luís Varatojo (Peste & Sida), Dora Fidalgo, Janelo (Kussondulola), Prince Wadada e Rui Duarte (Ramp). Em 2005 chega ao fim o grupo Entre Aspas, Viviane inicia a sua carreira a solo com o primeiro álbum intitulado ‘Amores imperfeitos’ co-produzido com Tó Viegas, gravado no seu próprio estúdio ZIPMIX no Algarve, com sonoridades em formato acústicoNão apagues o amor” (2011) ♪ La Valise, Olivais, 1986, “projecto efémero de apenas um disco. O single ‘Tirem-me daqui’ foi editado pela RM Discos. Um dos músicos do grupo era o teclista Fernando Martins que depois surgirá nos Ritual Tejo. A banda era constituída por Paulo Rosado (baixo), Luís Oliveira Dias (guitarra), Fernando Martins (teclas), Jorge Martins (bateria) e Dora Gomes (voz). O disco foi produzido pelo incontornável Manuel CardosoTirem-me daqui” (1987) ♦ “Sem ti (1987)”.
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[1] O fado acompanhava pulhas e rameiras como o Amâncio da Mouraria ou a Adelaide da Facada do quadro de José Malhoa. Só acompanhará probos homens e castas mulheres, lançado como canção nacional pelos ideólogos do regime de Salazar, com o filme “Fado, história de uma cantadeira” (1948), de Perdigão Queiroga, c/ Amália Rodrigues. Uma sempre velha fadista lisboeta por quem riem os proprietários dos direitos de autor e choram os eucaliptos. Francisca, uma sua amiga, diz sobre a casa de férias, numa falésia junto ao mar, no Brejão, freguesia de São Teotónio, Alentejo: “e ninguém podia apanhar uma folha daquele eucalipto. Só ela é que podia. Incrivelmente, quando a dona Amália morreu secou-se o eucalipto, parece que ficou com saudades dela”. 
[2] Tal como o PJ na série da Disney “Good Luck Charlie” (2010); Skyler, a namorada do PJ (Samantha Boscarino): “viu o rapaz da piza quando vinha para cima?”, Bob, o pai do PJ (Eric Allan Kramer): “onde é que ele está?”, Skyler: “não sei, acabei de lhe perguntar se o tinha visto”, Bob: “o PJ, onde é que ele está?”, Skyler: “oh, está a trabalhar”, Bob: “ele já arranjou trabalho?”, Skyler: “já, ele quer arranjar dinheiro para ter a sua própria casa. Está a trabalhar em Wall Street”, Bob: “ele está a trabalhar em Wall Street?”, Skyler: “bom, por baixo de Wall Street”. E no metro da Wall Street Station, PJ (Jason Dolley) toca guitarra e canta: “dizem que os nova-iorquinos são rudes, não dão dinheiro, não se incomode, umas moeditas não te fazem pobre, e eu a cantar neste sítio que cheira a podre”.
[3] Amber Sym é atriz em filmes de terror de baixo orçamento na era digital: “Missionay” (2012), no papel de acompanhante na piscina; “Ft. Slaughterdale” (2012), como Melissa; “Creeper” (2012), como Heather; “The Pit” (2012), como Stephanie; “Grave Reality” (2012), como Sloan. Amber explica-se: “o facto de eu pensar que o sangue falso sabe bem deve dizer-lhe algo! Fiquei tão confortável coberta de sangue que esperava abandonar o local de filmagem com ele para poder andar pelas lojas e ver os olhares que as pessoas me lançariam. Estes filmes estão tão cheios de sangue, suor e lágrimas, é uma coisa bonita”.

quarta-feira, março 06, 2013


Uma facada escrita

1982. O sábio burro falante do país das Fábulas tomou a alcunha de Conselheiro, de Emília, a boneca de trapo. Porque, pespegava ela, “ele sempre dá bons conselhos”, no “Sítio do pica-pau amarelo”, (transmitido na RTP 2, quinta-feira 15 de outubro 1981 / 7 de outubro 82). Conselheiros, em Portugal, acácios houve, há-os pascácios. Sábios, então, sabões são [1]. Quinta-feira, 8 de julho, um sábio escrevente, Cavaco Silva [2], escreve uma cartinha perfumada aos militantes do PSD: “a situação económica e financeira tem vindo a degradar-se de tal modo que pode comprometer, durante vários anos, o desenvolvimento do país e a melhoria das condições de vida da população e ter graves consequências nos planos social e político. A limitação das perspetivas futuras que se oferecem à juventude não pode deixar de ser vista com grande preocupação, tal como a frequência com que a palavra corrupção surge nos meios de comunicação social e nas conversas dos cidadãos. A falta de confiança e a insegurança que se instalaram aos mais variados níveis da vida económica portuguesa são o principal obstáculo à inversão da tendência que se tem vindo a desenvolver. Volta a falar-se com frequência em ‘País adiado’” [3].
O carteiro tocou três vezes. A epístola aos acólitos foi publicada no órgão do partido, a folha Povo Livre e nos violinos, os jornais Tempo e O Dia. Escrita em dueto com Eurico de Melo, Cavaco Silva no seu estilo sournoise [4] elogia para esfaquear: “o dr. Balsemão, que teve a coragem de assumir a liderança do PSD e do Governo em momento bem difícil da vida do partido e do país, sendo por isso credor do respeito de todos os militantes, deve agora assumir um sentido nacional e reconhecer que a sua substituição é necessária e fazer todo o possível para que ela se processe sem perturbação”. Este dueto da açorda intimava a obliteração de Balsemão do jogo político por provocar desunião no partido: “ao nível da AD [Aliança Democrática] têm-se multiplicado os sinais de desarticulação e desconfiança interna” e a “entrada para o Governo de pessoas que no passado recente estiveram abertamente ao lado do general Eanes contra o PSD e a AD, numa luta durante a qual perdeu a vida o líder do nosso partido, fere princípios que consideramos básicos para a sua estratégia”. E Cavaco lançava perfume aracnídeo sobre o presidente da República, Ramalho Eanes, que “tem provocado instabilidade política e criado dificuldades às resoluções dos graves problemas que o país enfrenta” [5].
Neste ano, a petizada lê outras coisas, é publicado o primeiro livro da série “Uma aventura”, de Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães, irmã de Tozé Martinho [6]. “Uma aventura na cidade”, uma quadrilha de ladrões que rouba carros para lhes tirar peças, é travada por cinco alunos de uma escola preparatória. “O pátio estava cheio de alunos, a jogar à bola, à macaca, ao berlinde. Outros conversavam ou andavam a correr de um lado para o outro”. Com um corpo docente efetivo. “A professora de Ciências era alta e magra. Tinha nariz de papagaio e usava uns óculos quadrados de aros pretos. Vestia geralmente de escuro e trazia sempre um saco de cabedal a abarrotar de papéis. Raro era o dia em que não distribuía ficha de trabalho”. Neste ambiente amigo da pedagogia as gémeas, Teresa e Luísa, donas do caniche Caracol, adicionam amigos de carne e osso para investigarem movimentações estranhas numa garagem perto do seu prédio. “Sempre as duas, pareciam siamesas. Baixinhas, magras, muito ágeis, cabelo loiro escorrido e com franja, eram exatamente iguais. Tinham olhos castanhos, argutos, e nariz arrebitado, o que lhes dava um ar trocista. Quase ninguém as distinguia e divertiam-se muito com isso. Vestiam-se sempre de igual para confundir as pessoas. Trocavam de lugar nas aulas, fingiam ser a outra, baralhavam os colegas e as professoras, mesmo os vizinhos, até o pai se enganava!”. O Pedro “tem a mania que é bom, até lhe chamam o Pedro-dedo-no-ar… Está sempre a querer responder”. O Chico “caminhava a assobiar, sem pressa. Não era divertido andar na escola, mas afinal de contas em casa era ainda pior. O pai, sempre rabugento porque não encontrava emprego. A mãe chegava tarde e sempre cansada. O irmão vinha da venda dos jornais e fazia troça dele por andar na escola. Tomara já chegar aos catorze anos para não ter de estudar mais!”. E o João, apelidado de Macaco, dono do pastor alemão Faial. “Macaco? Mas porquê? Não tem cara de macaco! – exclama uma das gémeas. – Não é por isso, é que tem a mania do Tarzan. Anda sempre a subir às árvores, em cima dos muros, aos guinchos. Mas é tão pequeno, que parece mais um macaco que o Tarzan”, explicava a Rita, uma vizinha.  
Neste ano também, os mais graúdos, com liberdade dos pais para saídas noturnas, assistiram a bons, mal organizados, concertos. Terça-feira, 3 de agosto, numa instalação, montada por uma empresa inglesa, de 20 mil watts que custou dois mil contos, num palco com centena de microfones e outra de holofotes, “prossegue o festival de Vilar de Mouros [7], entre êxitos, fracassos, especulações, roubos, violência da GNR e, sobretudo, muita juventude entusiástica”. No cartaz desse dia: a Orquestra Mikis Theodorakis, os Roxigénio, os Jáfumega, Johnny Copeland Chicago Blues Band [8] e os U2, uma banda irlandesa desconhecida sugerida pelo maestro António Victorino d’Almeida: “foi uma aposta minha. Aconselhei-me com várias pessoas, porque procurava uma banda internacional boa e barata. Dei a indicação para serem contratados pela Câmara de Caminha e foi um sucesso total”. No dia anterior, “nem a desfolhada minhota [9], nem o rock (com The Gist, quase duas horas atrasados) agradaram. Se a primeira foi um fiasco, os Gist foram uma clara desilusão. Viu-se pelos objetos arremessados para o palco. Assobios, nem se fala. Outra coisa não seria, aliás, de esperar para aqueles dissidentes dos Young Marble Giants que atuaram parcialmente em playback”. A paparoca era cara: sandes de chouriço a 75$00 e cervejas pequenas a 40$00, no entanto, enchia-se a barriga barato: “a GNR não pode ter vindo para aqui para atuar da forma que atuou esta madrugada. Falta-lhe a mesura mínima exigível a qualquer força de segurança e não é por uma pessoa querer transpor a paliçada para ver o espetáculo porque está tesa, que vai carregar. Uma jovem de 20 anos, Isabel Veludo Teixeira Pinto, de Bucelas, Loures, está internada em estado de coma no hospital de S. João, no Porto, em consequência da agressão de um GNR. Quando estava já sobre a paliçada, um guarda baixo, de bigode (recusou-se a identificar-se aos jornalista) carregou com o bastão e ela caiu para o lado de fora. Cerca de três metros de salto, ficou logo unanimada”. “Na véspera, já de madrugada também, outro guarda manifestava bem a mentalidade desta força. Um jovem sangrava de uma perna, era necessário levá-lo ao hospital. A ambulância demorava. Exclamação do guarda: ‘ah, não faz mal, ele é mestiço, tem muito sangue”.
Dias depois em Lisboa. “Quase cinco horas de rock, ontem à noite no estádio do Restelo, [sexta-feira, 20 de agosto], com duas bandas inglesas, não bastaram para aquecer o público. Provavelmente por causa do pessoal que já não vibra com coisíssima nenhuma…mas desconfio que os kids não foram lá (ao êxtase, ao rubro) por razões alheias à sua vontade. Eles estavam disponíveis, não para qualquer programa é óbvio, pelo menos recetivos para uns King Crimson descaídos no universo pop e sobretudo curiosos perante uns Roxy Music, o que resta ainda de interessante (apenas isso) dos anos setenta”. Vinte mil pagaram preço único 600$00 para a opção bancadas ou relvado num dos topos do estádio. Lourdes Féria, uma fã dos Rolling Stones, no Diário de Lisboa, esteve fora da sua nuvem, escrevendo. “Abriram as portas do espetáculo os portuguesíssimos Heróis do Mar que foi um grupo de curta demora, o aperitivo que se bebe a toda a velocidade na mira do resto chegar mais depressa. Não os vi, por motivo de um atraso provocado pelo engarrafamento de trânsito e pelo que me contaram não devo lamentar a perda. ‘Para não variar foram uma porcaria…’ comentou uma jovem, sentada ao meu lado, cabelo à punk. (…). Entram os King Crimson, com o seu líder Robert Fripp discreto e apagado a um canto, na recusa sistemática do vedetismo. Já no aeroporto tinha virado as costas à câmara da TV e fugido a sete pés dos jornalistas. Nele não se descobre a mínima ponta de sedução. Nunca foi nem será a rock star à conquista da imagem mítica. Extraordinariamente banal, fiel ao preto no vestuário, mal se notava no palco, entre os músicos que o acompanhavam. Quanto à música (…) julgo que não encantou por aí além o público. Muito ingleses, sofisticados e distantes falta-lhes, e isso é nítido, agora dez anos depois do seu aparecimento na cena rock, o fogo da paixão. (…). Os King Crimson que têm os seus adeptos, normalmente europeus, deixaram-me desde o primeiro dia em que os ouvi na maior das indiferenças. São demasiado cool para o meu gosto. Vieram, depois, os Roxy Music, ansiosamente aguardados. Outra história, esta a da desilusão. Bryan Ferry e Andrew Mackay, fundadores do grupo tinham um projeto em mente que era o de atingir o rock simples com ligações aos pioneiros à mistura com rasgos de audácia intelectualizante. O que obtiveram não se parece com a produção musical dos King Crimson, elaborada até ao aborrecimento e um tanto próxima da fraude (blasfémia) nem com a loucura delirante do rock americano. É assim uma coisa limpinha, elegante, matizada de um relativo humor. (…). Na televisão ao ser entrevistado Bryan Ferry deu-me a impressão de um homem atencioso, educado, sorriso suave, naturalidade postiça, sem tensão. No palco também se revelou assim. (…). A tendência maneirista da banda, em que Bryan Ferry atua como um mestre-de-cerimónias desagradou-me, confesso. E da ideia de integrar no espetáculo três vocalistas do grupo de disco sound norte-americano Chic nem falo. Um pavor!” [10].
Na década de 80 o rock francês pelejou pelas terras de S. Jorge: com os UHF na primeira parte, os Téléphone – Jean-Louis Aubert (voz, guitarras), Louis Bertignac (guitarra), Corine Marienneau (baixo) e Richard Kolinka (bateria) – no mês de março de 1981, dia 11 no Porto, 12 em Coimbra, 14 e 15 em Lisboa; os Dogs com cinco concertos; e em março de 1982, dias 8, 9, 10, 11, 12 e 13 os Bijou – Vincent Palmer (guitarra), Philippe Dauga (baixo) e Dynamite (bateria) – “o palco de receção para o seu primeiro concerto foi a cidade da Guarda, a que se seguiu Coimbra e ontem Braga. Hoje, será a vez dos Bijou atuarem no Porto de onde seguirão para Lisboa com uma escala por Aveiro. O concerto de despedida terá lugar no pavilhão da Tapadinha, já depois de amanhã”.
De Dublin, duas bandas em 82, os Lookalikes, uma “pseudo-funk ultra-technical new wave band” e Phil Lynott, “o primeiro preto irlandês a alcançar sucesso comercial no campo do hard rock”, nos Thin Lizzy, segunda-feira 8 de março, pelas 21:30, no pavilhão Alvalade, para o concerto marcado para o domingo e adiado por causa da final do campeonato de basquetebol. E também nesse ano, de Dún Laoghaire, Irlanda, os Boomtown Rats, com os Roxigénio, 400$00, quarta-feira 7 de Abril no pavilhão Dramático de Cascais e dia 8 no pavilhão Infante Sagres, Porto.
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[1] Ricardo Vilas: “Lá no terreiro o burro vai falar / É o burro sábio ninguém quer acreditar / Ei gente não se espante é o burro falante / Ei gente não se espante é o burro pensante”. No futuro (2013), conselheiros pensantes, cartomantes, refundarão, d.afonsohenriquesmente, o Estado; o altifalante António Borges falou: “deixe-me dizer que isso é um corte relativamente marginal, nós já fizemos cortes muito maiores até agora, nestes nestes dois últimos anos. Portanto, já estamos na ponta final… portanto a questão dos 4 mil milhões, para mim, é uma questão acessória. A grande questão, a questão de fundo, é saber se vamos fazer reformas. Porque os grandes cortes que se fizeram até agora, que foram cortes brutais na despesa pública foram relativamente horizontais, sem muita seletividade. (…). Se queremos ter um Portugal, um estado social que, gasta dinheiro com tudo e com todos, sem grande critério, duma forma, às vezes extremamente injusta, e ao mesmo tempo permitir esbanjar biliões de euros em capital mal gasto. [Na sua definição de “interesses instalados” não se encurralam os seus patrões]: são sindicatos que têm condições que não são acessíveis à grande generalidade dos trabalhadores portugueses, são corporações profissionais que têm estatutos profissionais que lhes permitem rentabilidades altíssimas. [Consequência dos seus sapientes conselhos ao Governo na economia]: aceleração para uma tendência que pode ser 3, 4, 5% a prazo. (…). A crise é sempre um momento de grande limpeza (destruição criativa? Alvitra o jornalista), exatamente! em que há muita ineficiência que desaparece. E já é absolutamente visível na sociedade portuguesa atualm, na economia portuguesa atualmente. E portanto, agora vamos partir, ‘tamos a criar espaço p’a um grande conjunto doutras empresas, ino inovadoras, criativas, exportadoras, competitivas, que já começa a aparecer por todo o lado”. – No “Sítio do pica-pau amarelo” (2007), Elias Turco, dono da venda de Arraial dos Tucanos, assalaria uma empregada, Da Graça, interpretada pela bem-aventurada atriz Flávia Rubim: “minha sensualidade está nas covinhas e não no peito aberto. É muito melhor o homem imaginar o que tem em baixo da roupa”. Flávia não vê telejornais. {Site}. {Foto blog}.   
[2] No futuro, em janeiro de 2011, Cavaco Silva recandidata-se às pantufas de Belém. O casal Lourenço tem 3000 bandeiras para distribuir; Fernanda Lourenço: “agora ‘tá a ver o que eu tenho que enfiar”; Francisco, seu esposo, prepara as bandeiras do professor há 27 anos, é funcionário do partido: “a candidatura mandou vir, não é? e depois entregou-me para, para eu fazer a distribuição delas ao longo do país”. Entre as elites sonantes nacionais será chiquérrimo cavacar silvamente. Na sua Comissão de Honra soam: Ruy de Carvalho, mandatário para os velhos, Manoel de Oliveira, Nicolau Breyner, Simone de Oliveira, Vasco Rocha Vieira, ex-governador de Macau, Luís Campos Cunha, ministro das Finanças de Sócrates e mandatário por Lisboa, Fernando Seara, Manuel Luís Goucha, Filomena Gonçalves, Eunice Muñoz, Bagão Félix, Miguel Albuquerque, autarca do Funchal, Kátia Guerreiro, Joana Carneiro, mandatária para a juventude, e Eusébio abastecia os tremoços: “Portugal é a nossa equipa. Cavaco Silva é o nosso grande treinador. No dia 23 vamos ganhar”. E ganhou. No seu 1º mandato, Cavaco Silva inventou a frase de orelha: “cooperação estratégica”, e para o 2º: “magistratura ativa”. – Em 1991, na segunda visita apostólica de João Paulo II, Maria Cavaco Silva foi a única que beijou a mão do Papa, o marido era primeiro-ministro e Mário Soares, o presidente da República.
[3] Uma missiva, altruísta, inocentada de desejo de poleiro: “é assim absolutamente indispensável dizer aos militantes do PSD que não aceitaremos substituir o dr. Pinto Balsemão na chefia do Governo ou do partido, nem aceitaremos qualquer lugar num novo Governo que venha a ser formado”. Após a morte de Sá Carneiro, com o partido órfão de Pai, o jornal Expresso, era diretor interino Marcelo Rebelo de Sousa, anunciava a 13 de dezembro de 1980 que “Cavaco Silva é hipótese forte” para pater familiae laranja. O Conselho Nacional do PSD optou por Pinto Balsemão, e Cavaco Silva optou pela atitude da raposa da fábula perante apetitosas uvas: “estão verdes… já vi que são azedas e duras. Só os cães podem pegá-las”. Cavaco Silva escreveu: “interiormente, eu sentia que não tinha as qualidades nem a força psicológica necessárias para substituir um político de exceção como Sá Carneiro, a que se juntava o meu desejo de regressar à vida profissional”.
[4] Significa “apunhalar pelas costas”, forma traiçoeira de condução da atividade diplomática de Luís XI de França, rei sem escrúpulos e que acreditava que os fins justificavam os meios. Os seus inimigos deram-lhe o cognome de “a aranha universal”. O Papa Sisto IV deu-lhe o título de Rex christianissimus.
[5] Ramalho Eanes, o libertador do Alentejo. Na campanha eleitoral para a presidência da República em 1980, Ramalho Eanes em Moura, a multidão que enchia a praça principal exigia uma primeira intervenção política que não estava prevista: “é apesar de tudo com agrado que passo hoje por este Alentejo e ao passar por ele constato que homens hoje olham pra os homens com olhar de maior fraternidade, olham uns para os outros como se devem olhar os portugueses”. O libertador do Alentejo era recebido nas bermas das estradas e com foguetes, forçando a caravana a paragens imprevistas como sucedeu em Alçaria da Serra; para os jornalistas: “é efetivamente uma campanha difícil, ‘tou convencido que eu vou vencer. De qualquer maneira aquilo que é mais importante é o imperativo moral que me determina e é o julgamento popular que me vou submeter”. Assim, já presidente, na terça-feira 4 de maio de 1982, Eanes fica estupefacto durante uma visita ao Instituto Superior Técnico, alguns estudantes fazem a saudação fascista e chamam-lhe traidor.
[6] Filho da “Tareca”, a atriz Maria Teresa Guerra Bastos Gonçalves. O maior ator da sua geração, estreou-se na “La guérilléra” (1982) de Pierre Kast, filmado em Portugal, c/ Agostina Belli, Jean-Pierre Cassel, Victoria Abril, Maurice Ronet, Sérgio Godinho… Ronet era casado com Josephine Chaplin, a filha mais nova de Charlot, e convidavam-no muitas vezes. Ronet explicou-lhe as vantagens e desvantagens da profissão de ator incitando-o a prossegui-la. Aos 17 anos era forcado amador e toureiro, partiu um pé, danificou os ligamentos e desistiu. Estudou veterinária por ser semelhante a medicina. Na família, os homens são todos médicos, é tradição. Quando teve de fazer um esfregaço a um cão, tirar sangue da orelha, entregou a bata ao professor e desistiu. Licenciou-se em direito. Escreve telenovelas, a sua receita: a) fazer a storyline, um parágrafo onde se conta a história; b) construir as personagens, têm de ser pessoas normais e depois é escrever o que aconteceria na vida.   
[7] Um programa de nove dias de festival, no primeiro dia, sábado, 31 de julho, com os Heróis do Mar, (cancelado), Echo & The Bunnymen e The Stranglers e no último, domingo, 8 de agosto, Serenata Monumental, Homenagem ao Fado de Lisboa e de Coimbra e Fogo de Artifício. E no dia 4 estreou-se em Portugal a Sun Ra Arkestra. Assinatura todos espetáculos: 1300$00 até 15 de julho. Depois de 15 de julho: espetáculos de 31 julho, 3 agosto, 4 agosto de 7 agosto, 400$00 restantes dias, 150$00. – Jorge lima Barreto, organizador da programação de jazz e do rock do festival, formou nesse ano com Vítor Rua os Telectu, editaram “Ctu Telectu” (1982), como o disco não vendeu corno, a Valentim de Carvalho derreteu-os.
[8] Pai de Shemekia Copeland: “Maried to the Blues”.
[9] “Fiasco foi também a desfolhada à minhota. Valeram as maçarocas, que a assistência pôde levar depois para assar. Bela ceia… De resto, nem se compreende como é que uma desfolhada daquelas é feita num palco. Parecia uma atuação para turistas, daquelas cheias de ranço. Outro efeito teria certamente se tivesse sido lá bem no centro da plateia, com as pessoas a participarem quer na desfolhada do milho quer nas danças, juntamente com os grupos etnográficos”.
[10] No futuro (2013), Neno, “na veia dele”, aperfeiçoará ao ponto máximo da perfeição, “Slave to Love”, no programa do Paulo Futre e Júlio Magalhães, “Dupla improvável”, no Porto Canal.

na sala de cinema

La boum” (1980), motor de arranque dos lábios de Sophie Marceau para o beijo técnico. “Escrito por Danièle Thompson e Claude Pineteau, o filme é sobre uma rapariguita francesa de 13 anos a ambientar-se numa nova escola e lidando com problemas domésticos”, e ensinando ao mundo que, para o roço nas festas, o ideal é o “Reality” do Richard Sanderson. Na segunda festa, “La boum 2” (1982), filme estreado no Nimas sexta-feira 17, junho, 1983, os protagonistas, Sophie, 16 anos, e Pierre Cosso, 19, apaixonaram-se. Furo jornalístico constante na revista Bravo e na Paris Match; “não é cinema. É o meu primeiro grande amor”, disse ela, “como todas as raparigas de 16 anos, vou à escola, retorno a casa à noite, lavo a loiça e os meus pais gritam-me. A única coisa que mudou desde ‘La boum n.º 2’: tenho o Pierre perto de mim o mais frequentemente possível”. Sophie casou-se com Andrzej Zulawski, que a dirigiu em “L’amour braque” (1985), uma despida versão de “O idiota” de Dostoievski e em “Mes nuits sont plus belles que vos jours” (1989): “informático condenado pela medicina, Lucas encontra Blanche, que usa uns óculos grandes, num café em Montparnasse”. Sophie foi uma bond girl em 1999 e foi fotografada por Mario Testino para a Vogue em 2007. “Cenerentola ‘80” (1983), telefilme italiano com Lory “Bonnie” Bianco e Pierre Cosso, transmitido na RTP1 aos sábados à tarde, 8 / 22 de agosto de 1987. “Nesta versão contemporânea da história da Gata Borralheira, uma arreliada nova-iorquina ítalo-americana de 18 anos chamada Cindy Cardone, que deseja ser cantora apesar da oposição do seu pai, é recambiada para Roma, para a sua irascível madrasta e as vãs meias-irmãs. No caminho, ela conhece e apaixona-se pelo vagabundo de mochila ‘Mizio’, que eventualmente acaba por ser Miguel Eugitio Marc Antonio Gherardesch da nobreza italiana. Há uma fada na forma de uma astróloga maluca, um baile e ela até perde um sapato”. Quatro anos depois, o filme, fracionado em quatro, atualizado para “Cinderella 87”, foi uma mini-série de profuso sucesso na Alemanha e os protagonistas, uma constante cacha alta, autocolantes e posters na revista Bravo.

no aparelho de televisão

Gente fina é outra coisa” (sexta-feira, 5, novembro, 1982 / sexta-feira, 28, janeiro, 1983) na RTP 1, uma ideia original de César de Oliveira e Nicolau Breyner. Uma série sobre um tema muito atual: as boas práticas de empreendedorismo em tempos de crise: “os Penha Leredo, completamente arruinados, precisavam de dinheiro. O empreendedor da família tem então a ideia de receber na sua mansão, hóspedes ricos que pagassem pelo privilégio do convívio com uma família brasonada e ajudassem a recompor as finanças. Mas havia um problema: a matriarca da família, a sra. dona Matilde Francisca Eufrosina de Santo Eustáquio Penha Leredo e Solomón Bentorrado Corvelins, não podia saber que eram hóspedes e portanto, eles tinham que se fazer passar por parentes distantes que vinham de longe”. Para além da família, era parte da enobrecida mansão a cabra Ludovina. Didascalicamente, lusitanizando: a criada de fora, Emília (Mariana Rey Monteiro): “e os criados hoje em dia? A senhora sabe lá, para se arranjar gente de vergonha e de trabalho, só com pedidos ao Governo e novenas a santa Rita, se um falhar, vale-nos o outro” / os Gomes de Preciosas do Vouga, Henriqueta da Piedade Silva Costa e Gomes (Fernanda Borsatti): “ser construtor civil e andar na natação não são coisas que deem um nome”, seu marido, Eduardo Gomes (António Montez): “nós temos um nome. Gomes!”, Henriqueta: “Gomes não é nome, é apelido” / a neta de D. Matilde, Isabel (Margarida Carpinteiro): “ah, sim! É aquele senhor a quem abrimos a porta, eu vi logo que ele tinha de ser da família”, outra neta, Marta (Filipa Trigo): “essas coisas sentem-se logo, é a voz do sangue, logo um Bentorrado, cá prefiro os bem torrados” / D. Matilde (Amélia Rey Colaço): “os Bentorrados! Os Bentorrados, são a nódoa da família. Esses taberneiros aragoneses que não hesitaram de misturar vinho com o sangue da nossa nobre família” / a filha de D. Matilde, Piedade (Luísa Barbosa): “gosta dos nossos móveis? Foram todos comprados na Mobiladora Estilo, móveis para todas as casas e todas as bolsas”, a nora de D. Matilde, Leonor (Simone de Oliveira): “à rua da Princesa, 45-47, telefone: 0567890”, o filho de D. Matilde, Afonso (Carlos César): “aberta aos domingos, vendas a prestações” / Roberto Pineda (Carlos Cabral): “curioso, reparei que no vosso brasão de armas, figuram duas cabeças de cabra”, D. Matilde: “é certo, sim! Elas foram incluídas pelo nosso antepassado D. Tancredo de Almeida Tanquelide Alonso que se viu uma vez cercado pelos sarracenos na torre de Penha Leredo e conseguiu resistir alimentando-se unicamente com leite de uma cabra que ele tinha consigo”. “Origens” (segunda-feira, 4, abril, 1983 / terça-feira, 20, setembro, 83) um novela de Nicolau Breyner, Francisco Nicholson e Thilo Krasmann em 120 episódios. A 2.ª telenovela portuguesa, e a primeira com um pendor musical. Didascalicamente, lusitanizando: Luís Martinho (Nicolau Breyner): “uma cidade tão bonita e com tanto barulho. Não há arquiteto que resista a isto, homem”, José Dourado (Tozé Martinho [1]): “´tá-te a faltar a inspiração, é?”, Luís: “não, a inspiração nunca me falta. Falta-me a pachorra, falta-me a paciência, falta-me dinheiro a maior parte das vezes, agora inspiração, não. Olha, por acaso ontem, apareceram lá uns putos em casa à noite com umas músicas do caraças, umas coisas novas”, José: “isso é um género musical novo?”, Luís: “o quê?”, José: “isso da música do caraças” / Teresa (Lia Gama): “por favor, Luís, trata-se da tua filha!”, Luís: “que por acaso me adora”, Teresa: “olha grande coisa, adora-te, foi criada no culto do pai, na veneração do pai, na admiração do pai”, Luís: “ah, sim, porquê?”, Teresa: “por causa da mãe” / a mamã da Máli (Maria Salomé Guerreiro): “só no Canadá e nos Estados Unidos tenho a certeza que a minha filha vai vender milhares de discos”, Aníbal (Asdrúbal Teles Pereira): “‘tamos a contar com isso”, Henrique (Jorge Nery): “porquê? há lá muitos surdos, é? Não faça caso, eu estou a brincar”, a mamã: “brincadeira tem horas”. “Lá em casa tudo bem” (terça-feira, 20, outubro, 1987 / terça-feira, 2, agosto, 1988) na RTP2. “Horácio Pires Peres, (Raul Solnado), português, bom chefe de família, honesto, trafulha, dinâmico, preguiçoso, autoritário, dócil, conservador, com ideias avançadas”, presidente do Desportivo Sport Clube, na Carregadinha, um importante agregado populacional do concelho de Alhos Verdes, com 5 mil habitantes, cujo presidente da Junta de Freguesia é Adelino Lopes (Armando Cortez); criação de Mário Zambujal, Nuno Teixeira e Raul Solnado, programa gravado ao vivo nos Estúdios Edipim. Didascalicamente, lusitanizando: Horácio: “Sabes o que são 25 anos? Um quarto de século. Sabes que a eternidade mede-se aos séculos, portanto, nós hoje passamos os umbrais da porta da eternidade”, Esmeralda (Margarida Carpinteiro): “Credo homem! Eu só quero morrer quando chegar a minha hora”, Horácio: “Não percebes nada de engenharia civil, minha amiga, mas eu adoro-te” / dr. Francisco Leonardo Pêro Adalto de Freitas (Nicolau Breyner): “O seu trisavô vem diretamente da progénie de Afonso Martim Peres, 12.º varão de Martim Afonso Peres, que morreu bravamente a bater-se na batalha de Aljubarrota, na ala dos namorados”, Horácio: “Coitado”, dr. Freitas: “É, esse foi o pai do seu trisavô. O seu trisavô que casou, no primeiro matrimónio não teve filhos, casou segunda vez com a filha do capelão, e daí nasceu o seu bisavô, Luís de Almeida Peres, 1.º morgado de Olival de Basto”, Horácio: “Tem piada, eu pensava que nem sequer tinha trisavô” / Marta: "O presidente da Câmara que vem cá às 7 horas falar com o pai, que traz para ele um vinho tinto reserva, para ti um perfume francês." Esmeralda: "Ai, um perfume, um perfume, um perfume francês?" Marta: "Pra mim, imagina." Esmeralda: "Sim." Marta: "O último álbum dos Gogos!" ... dr. Teodoro Lourenço (Herman José): “Eu fico aqui à espera, porque a sua companhia é um bálsamo para um guerreiro extenuado como eu de tanta luta política. Aaaah, não queira saber… ah! esqueci-me, tem aqui uma garrafinha p’o papá”, Marta (Natália Luísa): “Muito obrigada”, Teodoro: “Um petit rien p’a a mamã”, Marta: “Muito obrigada”, Teodoro: “E para si, um LP [2]”, Marta: “Ah, é muito gentil, sr. presidente”, Teodoro: “Presidente, não, Teodoro, os meus amigos tratam-me por Teodoro, simplesmente, Teté, não, Teodoro”.
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[1] O melhor ator da sua geração, advogou-se o melhor advogado da geração x, e recém-advogadado assistiu em janeiro de 2003 Vítor Espadinha contra Sam The Kid no estranho caso de um sample de uma frase de Espadinha, “quando eu era novo havia uma coisa muito bonita, que era a sedução”, de uma entrevista na TV, inserido por Sam The Kid na canção “Sedução”, do CD “Beats Vol. 1: Amor” (2002). Acusava Espadinha, de usurpação de direitos de autor, o juiz decidiu contra, fundamentando que um exceto de uma entrevista na TV não está protegido pelos direitos de autor. Sam The Kid espadeirou de volta em “À procura da perfeita repetição”, incluindo um exceto de uma entrevista de António Pinho Vargas. P: “gostava de se ver daqui a uns tempos num CD do Sam The Kid, recriado num CD do Sam The Kid?”, R: “acho que sim, por um lado quer dizer que ele tinha achado que podia fazer qualquer coisa com a minha música, nesse sentido seria uma honra”. E a irmã, Catarina Mira, nessa mesma canção, perguntando no final: “ó mano, quem é o Vítor Espadinha?”.
[2] “True Colours” (1980), 5.º álbum do grupo neozelandês Split Enz: “Quando mais tarde foi lançado pela editora A&M, formas e padrões, agrestes, imaginativos, cobriam o vinil usando uma técnica conhecida como ‘gravação a laser’. Quando a luz atinge o disco, estes desenhos sobressairiam e girariam pelo quarto. O álbum foi o primeiro a alguma vez usar esta técnica, originalmente desenhada para desencorajar a criação de cópias falsificadas”.

na aparelhagem stereo

No planeta dos homens, retalhos da vida de um país e um diálogo de machos. Os Klaxons, em Paredes de Coura, 2010, e o locutor Luís Oliveira, perguntão: “acabaram de comer. Foi uma boa refeição portuguesa ou comida rápida reles?”, James Righton (co-vocalista, teclista): “quer uma resposta sincera? Foi francamente má, sem ofensa para a vossa comida, claro”, Oliveira: “nem o vinho?”, Righton: “o vinho é ótimo”. Art Sullivan: “quando vim a Portugal em 1976, vivia-se a revolução, eu trazia as minhas canções de amor e foi isso que atraiu o público”. “Se não tivesse sido cantor, teria sido condutor de autocarro”, porquê? “É uma paixão”. Bob Dylan, no Optimus Alive 2008, proibia que o filmassem, mesmo para o video wall, depois de muito soprarem num cabeça de vento, acedeu só com meia dúzia de câmaras e só de certos ângulos, diz-se: “muito rigoroso com a imagem”. Katy Perry, no Campo Pequeno, 2009: “sim, o lado da minha mãe é português. Estou muito excitada por ver quão bem-vinda serei na minha pátria”, Luís Oliveira: “achas que tens alguma ligação a Portugal? Sabes alguma coisa de nós?”, Katy: “sei que posso usar o cabelo escuro, porque vocês são morenos. Não sei falar a língua, mas gostava de saber. Ensina-me alguma coisa”, Oliveira: “o que queres saber?”, Katy: “quero saber como se diz: dá-me o teu número, em português”. Marco Paulo, anfitrião do seu próprio talk show, “Eu tenho dois amores” (1994-95): “vai ser um programa muito pessoal, em que procurarei levar as pessoas a descobrirem aspetos da minha carreira que ainda não foram revelados. Além disso irei inverter os papéis e passar de entrevistado a entrevistador”, e num episódio bem recebeu Herman José. Marco beija-o na bochecha esquerda, conversam. Marco: “ainda gostas de fazer anos?”, Herman: “anos? com ‘o’?” (faz um ‘o’ com o polegar e indicador esquerdos introduzido o indicador direito), Marco: sim (ri-se desbragado) ah ah ah ah ah, Herman: “ a n o s, eh, sabes que há uma coisa que me preocupa…?”, Marco: “… se quiseres”, Herman: “não sejas porco…”, Marco (ri-se zombeteiro) ah ah ah ah, Herman: “sabes que há uma coisa que me preocupa … que eu queria compartilhar aqui com vocês que é, desde o meu último aniversário para este, passou muito depressa”, Marco: “e cada vez passa mais depressa”, Herman: “e ‘tá-me a fazer um bocado de confusão. Ou seja, ontem, fiz 40, hoje ‘tou a fazer 41 e o buraqui… ele eh aquele aquele buraquinho…”, Marco: “o espaço”, Herman: “dos anos, pelo meio, passou numa rapidez extraordinária”. Convergem. Herman: “geralmente gosto de dormir nu, completamente nu”, Marco: “eu também gosto de dormir nu”.
Na cidade nua:
Radar Kadafi, 1984, Lisboa, “antes de se chamarem Radar Kadafi, Luís Gravato (voz), Tiago Faden (baixo), Fernando Pereira (guitarra), Luís Sampaio (teclados) e Zé Bruno (saxofone), foram conhecidos por Cosa Nostra, uma banda que surgiu nos Olivais em 1984 sob o impulso de um grupo de vizinhos adolescentes, que se encontravam à noite no café. Quando surgiu a oportunidade de apresentar o trabalho ao público, os Cosa Nostra mudaram o nome para Radar, ao qual acrescentaram Kadafi, nome do presidente líbio, que na altura era frequentemente notícia, por sugestão de um amigo da banda. Foi como Radar Kadafi que se apresentaram na edição de 1985 do Concurso de Música Moderna do Rock Rendez Vous, onde foram apurados para a final com o tema "Prima Donna", acabando classificados em terceiro lugar, atrás do projeto do guitarrista João Cabeleira e de Marco Sousa Santos, chamado THC, e dos URB, um grupo onde tocavam os gémeos Zézé e Nini Garcia”; editaram apenas o LP, “Prima Donna”, 1987, Polygram, com Guli (bateria, precursão) e Patrícia Lopes (coros), na capa tinha o aviso: “Este álbum é vivamente aconselhado a todos aqueles que estão tocados pela fremência da paixão, sendo próprio para acompanhar os momentos inebriantes na presença do ente amado. Pode também ser bailado, recomendando-se que seja escutado bem alto para que ambos os corações possam bater em plena sintonia” Eu sei que não sou sincero”: “Ela é uma rapariga que nunca está feliz controla descontrola gostava de ser actriz / Ele é um rapaz que nunca se dá por vencido luta trabalha quer ser conhecido / Mas eu, eu não sou assim... / Prefiro não, não não não... não saber o fim! / Oh, eu sei que eu não sou sincero eu sei que eu não posso tentar fingir que posso ser...” ♣ “40º Graus à Sombra”: “Aihaiah/ Mediterrâneo agosto / Em pleno verão / Aihaiah / O sol a pino e eu faço / Uma revolução / Aihaiah”. Porvir: Luís Gravato é ilustrador e designer gráfico; Tiago Faden foi executivo da Sony Music e embrulhou-se na Portugal Music Export. Uma “agência de apoio à internacionalização e exportação da música portuguesa [que] vai receber cerca de um milhão de euros no triénio 2011-2013, acrescentado por cerca de 150.000 euros da Sociedade Portuguesa de Autores e da Gestão dos Direitos dos Autores, anunciou a ministra da Cultura”, a 15 de fevereiro de 2011, Gabriela Canavilhas, que folgou: “um importante contributo para a criação de riqueza e emprego, e para a afirmação da língua portuguesa no mundo”. José Jorge Letria, presidente da SPA, apatetou: “os artistas sonham, o Estado decide e a obra nasce”; Guli é um dos arq. Aires Mateus, o Francisco; Luís Sampaio nadou para os Delfins em 1988 ♫ Vodka Laranja, “Nuno Magalhães e João Cabeleira estudavam no liceu Rainha Dona Leonor, em Alvalade, e frequentavam os mesmos cafés, como o Sul América e o famoso Vá-vá. Os dois juntaram-se a Tá (baixista), Paulo (vocalista) e Orlando (guitarra) para formar os Etos, banda que apenas fazia versões. Os Vodka Laranja aparecem após o fim dos Etos. A formação inicial incluía Marco Sousa Santos (voz), João Cabeleira (guitarra), Jaimito (baixo) e Nuno (bateria). (…). Em 12 de outubro de 1979, os Vodka Laranja atuaram na Alunos de Apolo com os Minas e Armadilhas e Corpo Diplomático. Concerto em que João Cabeleira tocou com os Minas e Armadilhas. Depois entrou o teclista Pedro Queirós que ficou pouco tempo. O local de ensaios mudou tendo passado para o quarto de João Cabeleira. Entretanto Marco Sousa Santos saiu e entrou Gimba para o seu lugar”. Gravaram um single O papel” ♣ “Terra de ninguém”, 1981, Edisom. Porvir: João Cabeleira chuta nos Xutos & Pontapés; Marco Sousa Santos é designer, autor do “x” e de várias capas desse grupo; Gimba forma os Afonsinhos do Condado e irmana nos Irmãos CatitaTHC, 1984, Marco Sousa Santos  (teclas, voz) e João Cabeleira (guitarra), divulgados no programa A Cor do Som, duas horas diárias, entre as 16:00-18:00 horas, no FM da Rádio Renascença, apresentado pelo Rui Pêgo. “O grupo participa no 2º Concurso do Rock Rendez Vous que acaba por vencer. Em outubro de 1985 gravam, com produção do grupo e de Manuel Cardoso, os dois temas do single correspondente à vitória no concurso do RRV e outros dois para um novo single ou para uma colectânea. O grupo contava com a participação de outros músicos como o saxofonista Gui (convidado fixo) e o baterista Luís San Payo”. Gravaram o single Leve impulso” ♣ “Nada mudou”, 1986, Dansa do Som. Porvir: Gui sopra nos Xutos; Luís San Payo, irmão de João San Payo dos Peste & Sida, cascará peles nos Croix-Sante, Pop Dell'Arte, Moby Dick, Sei Miguel, Ref, Rádio Macau, Entre Aspas, Xana, Casino, Los Tomatos, Rodrigo Leão Cinema Ensemble, Double Bind Quartet, Irmãos Catita, Sétima Legião, UHF, Belle Chase Hotel… ♫ URB, “vocalista João Alexandre (Chana), guitarrista José Garcia (Zezé), baterista António Garcia (Nini) e baixista Rodrigo Pacheco (Chói). Participaram no 2º concurso de música moderna do Rock Rendez Vous onde obtiveram o 2º lugar logo atrás dos THC. Em fevereiro de 1986 entraram em estúdio para gravar dois temas, com produção do grupo e de Moz Carrapa, que seriam incluídos nas duas compilações com temas do 2º concurso do RRV. (…). O grupo terminaria pouco tempo depois. Entretanto os irmãos Zezé e Nini Garcia foram para os Mler Ife DadaLevante” ♣ “Pecados”, 1986, Dansa do Som. Porvir: João Alexandre vagueou nos Bye Bye Lolita Girl (1986), nos Inocentes (1998), nos Clark (2012).